Sumário
O conceito de não residência fiscal resulta, a contrário do próprio Código do IRS, de que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.
Decisão Arbitral
A árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de dezembro de 2024, Marisa Almeida Araújo, decide o seguinte:
I. Relatório
A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º ..., Vila do Conde, de ora em diante designado por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.
O Requerente pretende que sejam anuladas, por ser ilegal, a liquidação de IRS e juros compensatórios e a Liquidação de Acerto de Contas, respeitante ao ano de 2017, e da qual resultou um valor a pagar de € 17.628,66.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 2 de outubro de 2024 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 3 de outubro de 2024 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a árbitra do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo.
Em 22 de novembro, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitra, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de dezembro de 2024.
Notificada para responder, a Requerida defendeu-se por exceção e impugnação em 20 de janeiro de 2025, pugnando pela absolvição da instância e do pedido, respetivamente.
Na mesma data juntou aos autos o respetivo processo administrativo.
Em 28 de janeiro de 2025 foi o Requerente notificado para, querendo, responder à matéria de exceção suscitada na resposta, o que fez na mesma data.
Por despacho de 29 de janeiro de 2024, tendo em conta as concretas vicissitudes processuais, foi dispensada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e as partes foram convidadas a apresentar alegações finais escritas.
O Requerente apresentou as suas alegações mantendo, no essencial, posição assumida.
Posição do Requerente
O Requerente alega, sumariamente, que
Em 07/09/2021 foi o Requerente notificado para exercer direito de audição prévia relativa à liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2017 e, pelo mesmo ofício, para regularizar a entrega de declaração de substituição com inclusão dos rendimentos auferidos no Anexo J – o que o Requerente não fez.
Em 12/11/2021 foi o Requerente notificado de que a AT iria proceder oficiosamente à alteração dos rendimentos declarados e, nos termos da liquidação de IRS n.º 2021 ... de 30/11/2021 e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ... de 03/12/2021, relativamente ao ano de 2017, foi apurado o valor total a pagar de € 17.628,66.
O Requerente apresentou, em 10/12/2021, reclamação graciosa que foi parcialmente deferida mantendo, não obstante, a posição de que o Requerente era residente em Portugal no ano de 2017.
O Requerente procedeu ao pagamento, mas, por não concordar com o mesmo, em 07/03/2024 apresentou pedido de revisão do ato tributário que, não tendo logrado resposta, foi tacitamente indeferido.
Entende o Requerente que a Requerida não ponderou a diferença entre domicílio e residência fiscal e que, ainda que a AT considerasse o contribuinte residente (fiscal) em França, não tendo sido feita a alteração no Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, foi considerado como residente em Portugal.
Entende o Requerente que não estão verificados os requisitos do art.º 16.º do CIRS; no ano de 2017, o Requerente prestou trabalho ao abrigo de contrato individual de trabalho, em França, sendo que, nesse ano, esteve embarcado 228 dias e não auferiu rendimentos em Portugal, onde, também, não exerceu qualquer atividade.
Concluindo, o Requerente que reside em França (ainda que em alto mar) aí aufere rendimentos e paga os seus impostos.
Desta forma, entende que são ilegais os atos e, por isso, devem ser anulados com as consequências legais.
Posição da Requerida
A AT alega, por sua vez, sumariamente o seguinte:
Em matéria de exceção, a AT defende incompetência do CAAD para conhecer da alegada ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e da impropriedade do meio processual.
Por impugnação, entende a Requerida que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 56.º da LGT, nomeadamente das suas alíneas a) e b), que não existe dever de decisão administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos e/ou se tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário, como se verifica nos presentes autos.
Em relação à residência, entende a AT que, no que concerne ao critério estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS já que, não é controvertido que o Requerente adquiriu o imóvel que figura como respetivo domicílio fiscal, em 04/08/2017, e que tal imóvel era, e é, igualmente o domicílio do seu agregado familiar (mulher e dois dependentes). Pelo que emerge, segundo a Requerida, a centralidade do conceito de residência habitual.
Acresce ainda referir que na petição da reclamação graciosa o Requerente afirma que “esteve cerca de 90 dias” em Portugal, pelo que é evidente que quando não está embarcado retorna a Portugal, para junto dos seus familiares, na casa de morada de família.
Acresce ainda referir que na petição da reclamação graciosa o Requerente afirma que “esteve cerca de 90 dias” em Portugal, pelo que, segundo a Requerida, quando não está embarcado retorna a Portugal, para junto dos seus familiares, na casa de morada de família e, para além disso, acrescenta a AT que o Requerente não comprova qualquer outra localização, fora do território português, onde os respetivos familiares tenham permanecido durante o ano de 2017.
Acrescenta ainda a AT que o imóvel, que figura como domicílio fiscal do Requerente e onde este reinvestiu as mais-valias geradas com a venda do imóvel vendido em agosto de 2017, subsiste na sua titularidade desde a data da respetiva aquisição, em 04/08/2017.
Neste mesmo sentido, segundo sufraga a AT, milita o próprio documento intitulado “Impôts sur les revenues de 2017”, da “Direction Générale des Finances Publiques”, onde se identifica o Requerente como não residente “SIP NON RESIDENTS”.
Face ao exposto, entende a Requerida que deve improceder o pedido.
Posição do Requerente quanto à matéria de exceção
Quanto à matéria de exceção invocada, entende o Requerente que a mesma deve improceder.
II. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e o processo não enferma de nulidades e o pedido é tempestivo.
Atendendo à matéria de exceção suscitada pela Requerida, procede-se à fixação da matéria de facto para conhecimento prévio das exceções cujo conhecimento pelo tribunal entende prioritário.
III. Fundamentação
III. I. Matéria de facto
A. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
1. Durante o ano de 2017, o Requerente prestou trabalho, ao abrigo de contrato individual de trabalho, em França;
2. Durante o ano de 2017, o Requerente exerceu o seu trabalho dentro de território francês durante 228 dias;
3. Durante o ano de 2017, o Requerente não auferiu rendimentos em Portugal;
4. Durante o ano de 2017, o Requerente não exerceu qualquer atividade em Portugal;
5. Durante o ano de 2017, o Requerente não apresentou declaração de IRS em Portugal;
6. Durante o ano de 2017, o Requerente cumpriu as suas obrigações fiscais em França;
7. Em 07/09/2021, o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia à efetivação de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2017;
8. No mesmo ofício referido no ponto anterior, o Requerente foi notificado para, querendo, entregar declaração de substituição;
9. Em 23/11/2021, o Requerente foi notificado de que a Requerida ia proceder oficiosamente à alteração de rendimentos declarados;
10. Da liquidação de IRS n.º 2021... de 30/11/2021 e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021... de 03/12/2021, relativamente ao ano de 2017, resultou um valor total a pagar de € 17.628,66;
11. Em 10/12/2021 o Requerente apresentou reclamação graciosa;
12. Em 26/04/2022, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de deferimento parcial e para exercício de direito de audição prévia;
13. O Requerente exerceu o direito de audição prévia em 18/05/2022;
14. Em 20/06/2022, o Requerente foi notificado da decisão final de deferimento parcial, proferida a 17/06/2022, nos seguintes termos:




15. O Requerente procedeu ao pagamento da quantia em dívida;
16. O Requerente apresentou em 07/03/2024 pedido de Revisão do ato tributário;
17. O pedido foi tacitamente indeferido;
18. O PPA deu entrada a 02/10/2024;
B. Não se verifica a existência de factos não provados relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e nos documentos juntos pelas Partes, mormente o processo administrativo.
O tribunal formou a sua convicção tendo em conta os documentos juntos pela Requerente.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
III.II. Matéria de Direito
Cumpre, como questão prévia, apreciar a matéria de exceção invocada pela Requerida na douta peça processual.
A Requerida defendeu-se por exceção invocando a incompetência do tribunal arbitral para conhecer da alegada ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa entende a AT que, nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Sendo que, in casu, o Requerente pretende com a presente lide que lhe seja reconhecido que em 2017 não residia em Portugal e esse reconhecimento está excluído do âmbito da competência do CAAD.
Por outro lado, entende a Requerida que o meio processual é impróprio considerando, mutatis mutandis, a mesma posição quanto à exceção de incompetência.
O Requerente sustenta que o seu pedido é formulado no sentido que seja declara a ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de IRS e a liquidação referente ao ano de 2017, considerando que o ato de indeferimento tácito, no caso concreto, aprecia a legalidade do ato de liquidação subjacente já que o mesmo é no seguimento de pedido de revisão da liquidação oficiosa de IRS e da própria liquidação, uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade.
Por sua vez, quanto à impropriedade do meio processual, pelo mesmo motivo, a Requerente entende que que o ato de indeferimento tácito, no caso concreto, aprecia a legalidade do ato de liquidação subjacente já que o mesmo é no seguimento de pedido de revisão da liquidação oficiosa de IRS e da própria liquidação, uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade.
Cumpre apreciar,
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).
Neste sentido, refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo que o processo arbitral tributário constituísse “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando uma competência alternativa à da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes à face das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade das liquidações de IRS, inclusive as que não são precedidas de impugnação administrativa.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pois o art.º 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
Assim, retomando os autos, a questão colocada ao tribunal para apreciação versa sobre a impugnação do ato de liquidação de IRS de 2017.
Tendo em conta a posição assumida pelas partes e vertida nas suas doutas peças processuais, quanto ao mérito da causa, a questão a apreciar revela-se quanto à ilegalidade da liquidação de IRS impugnada.
Desta forma, improcede a exceção de incompetência do tribunal arbitral.
Neste mesmo sentido, a invocada exceção de erro na forma do processo/impropriedade do meio processual não pode merecer acolhimento, porquanto o ato em análise é o ato de liquidação de IRS, motivo pelo qual o meio processual usado pelo Requerente é o meio correto.
Assim, o objeto do pedido é a anulação, por ilegalidade, de um ato tributário: a liquidação de IRS do ano de 2017 não é o reconhecimento do estatuto de residente não habitual.
Pelo anteriormente exposto, considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como vem exposto pelo Requerente, a impugnação de ato de liquidação de imposto, é matéria que se encontra expressamente prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, o que leva este Tribunal a decidir pela improcedência das exceções invocadas pela AT, de incompetência material e por erro na forma do processo/impropriedade do meio processual.
Quanto ao mérito da causa, considerando a causa como foi fixada pelo Requerente, cumpre apreciar a legalidade das liquidações de IRS impugnadas.
Sobre o conceito de domicílio fiscal o TCAS, no acórdão de 07/04/2011, proferido no Proc. n.º 04550/11, refere que:
“I) O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19.° da LGT, nomeadamente no seu n.°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82.° do CC (…)”.
Ou seja, como se extrai da decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 92/2025-T, o domicílio fiscal, estatuído no artigo 19.º da LGT como conceito meramente supletivo, enquanto um lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimento das obrigações previstos nas leis tributárias, não tem necessariamente lugar na residência habitual - o domicílio voluntário geral - acrescendo ainda o facto de, para efeitos de IRS, o conceito relevantemente imperativo ser o conceito de residência que nem sequer coincide com “residência habitual”.
Tal não significa, contudo, que tal domicílio seja a sua residência para efeitos de tributação em IRS. Sendo que, sobre o conceito de residência fiscal também se pronunciou o Acórdão do TCAS, de 08/07/2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT, do qual se extrai que,
“III. Saber se alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.
IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais.”
O conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do art.º 16.º do CIRS, a saber, designadamente:
a) Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados;
b) Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Tal significa, na senda daquela decisão que aqui sufragamos, que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o fator “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.
Nesta perspetiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla conceção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respetivas taxas aplicáveis.”
Assim, como resulta da decisão arbitral proferida no Processo n.º 36/2022-T:
“O conceito de não residência fiscal resulta a contrário do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal”.
Da análise da jurisprudência citada e das normas do Código do IRS nela mencionadas, considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS.
E o conceito de “não residente” terá de ser determinado a contrário, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no n.º 1 e n.º 2 do artigo 16.º do Código do IRS.
Assim sendo, e como se deu como provado, o Requerente durante o ano de 2017, o Requerente prestou trabalho, ao abrigo de contrato individual de trabalho, em França, exerceu o seu trabalho dentro de território francês durante 228 dias, não auferiu rendimentos em Portugal ou aqui exerceu qualquer atividade tendo, por seu turno, cumprido as suas obrigações fiscais em França.
Concluindo-se, desta forma, que o Requerente, desde logo, não teve permanência em Portugal no ano em crise, ou seja, o Requerente permaneceu em França, durante o ano de 2017, mais do que 183 dias.
Tendo em conta o supra exposto, a liquidação oficiosa em apreço nos autos padece de um erro e deve a mesma ser anulada e bem, nessa parte também, a decisão de indeferimento tácito sobre a qual recaiu no pedido de revisão oficiosa, com as consequências legais.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC [ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT], será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
IV. Decisão
Nestes termos, decide o árbitro deste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes as exceções de incompetência material e impropriedade do meio processual;
b) Julgar procedente o pedido e declarar ilegal e anular o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e da liquidação de imposto subjacente, referente a IRS do ano de 2017, com um valor apurado a pagar de € 17.628,66, com as legais consequências;
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
V. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 17.628,66, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido – Cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Custas
Custas no montante de € 1.224,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa e CAAD, 26 de novembro de 2025
O árbitro,
(Marisa Almeida Araújo)