Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 286/2025-T
Data da decisão: 2025-11-19  IRS  
Valor do pedido: € 1.820.340,90
Tema: IRS. Regime de neutralidade fiscal. Norma antiabuso do artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC. Participation exemption. Mais-valias.
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Sumário:

Constatando-se que a permuta de ações entre sociedades de que o sujeito passivo era detentor não implicou qualquer reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades de modo a assegurar uma maior eficiência organizacional, e que a operação pode proporcionar vantagens fiscais, como o não reconhecimento de mais-valias, tem aplicação no caso a norma antiabuso do artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC;

II – Estando em causa uma permuta de partes sociais, nos termos do artigo 73.º, n.º 5, do Código do IRC, a norma antiabuso aplicável é a do n.º 10 desse artigo 73.º, e não a cláusula geral antiabuso do artigo 38.º, n.º 2, da LGT;

III – Não é de conhecer a questão de constitucionalidade suscitada pelos Requerentes quando se limitam a imputar os vícios de inconstitucionalidade à interpretação efetuada pela Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento inspetivo, e não à norma ou interpretação normativa que entendem terem sido aplicadas em violação da Lei Fundamental.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., NIF ..., e B..., NIF ..., residentes na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRS, referente ao período de tributação de 2020, e correspetiva liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, de que resultou o montante global a pagar de € 1.820.340,90.

                                                                                                                                                                      

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

No dia 5 de novembro de 2020, o Requerente A... entregou à sociedade C..., Lda. 3.000 ações, com o valor nominal de € 100,00 cada, de que era titular no capital da sociedade D..., S.A., para realização de um aumento de capital social da referida C..., Lda., na modalidade de novas entradas em espécie.

Atendendo a que do aumento do capital social resulta a aquisição, pela sociedade “C...”, da maioria dos direitos de voto na sociedade “D...”, a operação qualifica-se, para efeitos fiscais, como uma permuta de partes sociais, nos termos e para os efeitos do regime especial de tributação constante dos artigos 73.º, n.º 5, e 77.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do artigo 10.º, n.º 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), razão pela qual foi realizado ao abrigo do regime de neutralidade fiscal.

A troca de partes sociais permitiu à sociedade C... (a sociedade adquirente) adquirir uma participação no capital social da sociedade adquirida (D...) que lhe conferiu a totalidade das participações sociais e dos direitos de voto desta sociedade, concretizando-se, assim, uma reestruturação societária e passando os Requerentes a deter indiretamente esta sociedade, bem como a E..., Lda., que já era detida em 80% pela C... e em 20% pela D... .

No entanto, a Autoridade Tributária entendeu que a operação de permuta em causa “não foi realizada por razões económicas válidas”, mas antes com “objetivos de evasão fiscal”, concluindo, em sede de procedimento inspetivo, que o principal objetivo da operação de permuta foi o da obtenção de vantagens fiscais, designadamente, a não tributação em sede de IRS que incidiria sobre a distribuição de lucros a A..., a qual estaria sujeita a retenção na fonte de IRS à taxa liberatória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, e, por conseguinte, a operação de permuta de ações não cumpre com os objetivos subjacentes à criação do regime de neutralidade fiscal e a mais-valia deve ser tributada pelo regime regra ao abrigo da alínea a) do n.º 13.º do artigo 10.º do CIRS e do n.º 10.º do artigo 73.º do CIRC (norma específica antiabuso).

Os Requerentes entendem que a liquidação enferma de erro na subsunção dos factos no disposto no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC, de inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva, e violação de lei por não ter sido aplicado o regime da cláusula geral antiabuso previsto no artigo 38.º da LGT. 

A norma do n.º 10 do artigo 73.º do CIRC estabelece duas situações em que se presume que a operação em causa tem como principal objetivo a evasão fiscal, designadamente, quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam.

Ora, com a transmissão da participação social de que o Requerente era titular no capital da “D...” para a “C...”, o mesmo pretendia assegurar a gestão integrada das participações de que era detentor naquela sociedade e das demais que esta já detinha, designadamente a correspondente a 80% do capital social da E..., bem como as que eventualmente viessem a ser adquiridas no futuro, visto que o objeto desta sociedade é precisamente a “detenção de participações sociais e o apoio à gestão”.

A permuta de participações foi a forma escolhida para a capitalização da C..., por não implicar qualquer necessidade de financiamento adicional por parte dos Requerentes.

 E nenhuma dúvida parece existir de que os objetivos que presidiram à permuta coincidem com os apontados pelo legislador ao criar a figura jurídica das sociedades gestoras de participações sociais: proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada.

O erro da Administração resulta do facto de comparar as consequências fiscais para o Requerente de uma eventual venda das participações sociais de que era titular na “D...” à C... e uma eventual distribuição de reservas ao Requerente pela D... .

Com efeito, a permuta em sentido fiscal constituiu numa entrada em espécie, efetuada pelo Requerente para o capital social da “C...”, concretizada através da transferência para o património desta sociedade das ações que detinha na “D...”, ou seja, pela “substituição” de uma participação direta no capital desta sociedade por uma participação indireta de igual valor.

Razão pela qual, a comparação, antes e após a permuta, tem de ser efetuada quanto às consequências fiscais resultantes para o Requerente da venda ou distribuição de reservas relativamente às participações sociais de que era titular antes e aquelas de que passou a ser titular após a permuta. 

Ou seja, tem de ser comparada a situação e consequências fiscais, na esfera do Requerente, decorrentes de uma eventual venda das participações sociais da “D...” e da distribuição de reservas ao Requerente por esta sociedade (situação que se verificava antes da permuta), com a eventual venda das participações sociais da “C...” e da distribuição de reservas ao Requerente por esta sociedade (situação após a permuta).

Em ambas as situações, nenhuma vantagem ou benefício existe para o Requerente da permuta em causa, visto que em qualquer destas situações a consequência fiscal é a mesma, ou seja, a sujeição de tais operações a tributação, em sede de IRS, à taxa de 28%.

Em nada tendo os Requerentes beneficiado no plano fiscal, na medida em que não receberam qualquer contrapartida monetária ou rendimento da operação de permuta ou de qualquer das sociedades em questão, nem após a referida operação nem posteriormente, e nem sequer ocorreu qualquer transmissão das participações sociais, nem pelos Requerentes nem pela sociedade adquirente (C...), é de concluir que a Autoridade Tributária utilizou uma norma antiabuso sem que se encontrassem preenchidos os respetivos requisitos. 

Por outro lado, a acolher a tese da Autoridade Tributária equivaleria a tributar os Requerentes por uma mais-valia potencial que nunca se concretizou (e pode não se realizar) em razão da inexistência de alienação a terceiros ou desvalorização das participações sociais das sociedades que a “C...” detém, traduzindo-se numa violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Acresce que, uma vez que a Autoridade Tributária centrou toda a sua argumentação na atuação das sociedades “D...” e “C...”, devia ter lançado mão da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, a fim de desqualificar, para efeitos fiscais, a aludida distribuição de reservas, para efeitos da aplicação da “participation exemption”, prevista no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, e tributar a referida operação, nos termos da lei, liquidando o correspondente IRC.

 

Ao invés, a Autoridade Tributária alicerçou a sua intervenção na perspetiva do próprio Requerente, aplicando erradamente a cláusula específica antiabuso prevista no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC e, dessa forma, desconsiderou a aplicação do regime da neutralidade fiscal à permuta efetuada pelo Requerente, pese embora estarem preenchidos todos os respetivos requisitos legais.

 

Conclui no sentido da procedência do pedido arbitral.

 

A Autoridade Tributária respondeu nos termos que seguem.

 

O n.º 10 do artigo 10.º do CIRS, consagra um regime especial de neutralidade fiscal, pelo qual, no caso de se verificar uma permuta de partes sociais, a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas.

 

No entanto, o n.º 13 do artigo 10.º do CIRS, conjugado com o n.º 10 do artigo 73.º do CIRC, consagra uma norma específica antiabuso, que exclui o regime de neutralidade fiscal quando as operações abrangidas tenham como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se nesse caso às correspondentes liquidações adicionais de imposto.

 

Por “razões económicas válidas” deve entender-se uma reestruturação empresarial que envolva racionalização de fatores produtivos, e não uma simples reestruturação societária, como seja a reorganização da estrutura de detenção de participações sociais.

 

No caso, a transmissão de ações que o Requerente detinha na sociedade D... S.A. para realização do aumento do capital social da sociedade C... não evidencia que esta entidade tenha passado a interferir direta ou indiretamente na gestão das sociedades D... e E..., sendo que a atividade da C... limitou-se à detenção das participações no capital social da D... e da E... e à obtenção de rendimentos passivos como dividendos e juros de depósitos.

 

E, nesse sentido, os Requerentes não demonstram que a permuta de ações tenha concorrido para a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades envolvidas, pelo que não existe erro, por parte da Autoridade Tributária, na subsunção dos factos ao disposto no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC.

 

Por outro lado, os Requerentes focaram-se apenas na semelhança entre a tributação que existiria na esfera do primeiro Requerente, antes e após a realização da operação de permuta de partes sociais, no caso de lhe serem distribuídos lucros (que antes da operação de permuta de partes sociais seriam distribuídos pela D... e após a mesma operação, serão distribuídos pela C...).

 

No entanto, como se refere no Relatório de Inspeção Tributária, ainda que, até à data, não tenham sido distribuídos lucros ao sócio A..., o próprio diferimento da tributação em resultado da não tributação da distribuição de lucros à C..., sendo a tributação diferida para o momento de uma futura distribuição de lucros/reservas por parte da C... ao sócio A..., constitui em si uma vantagem real e efetiva. 

 

Acresce que a aplicação da norma antiabuso do n.º 10 do artigo 73.º do CIRC em detrimento da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT explica-se pelo princípio geral da prevalência de regras especiais sobre a regra geral, que permite que a cláusula geral possa ser afastada por uma norma antiabuso com um campo de aplicação específico.

 

Conclui pela improcedência total do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, os Requerentes vieram prescindir da produção da prova testemunhal indicada inicialmente, e, por despacho arbitral de 1 de outubro de 2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo estes designado o árbitro presidente.

 

O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituído pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportunamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.ºs 4 e 5, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 3 de junho de 2025.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)   O Requerente A... foi sócio-gerente da sociedade D..., constituída em 19-09-2006 como sociedade unipessoal por quotas, e é presidente do Conselho de Administração da D..., S.A. a partir de 9/06/2020, após a transformação daquela sociedade em sociedade anónima.

B)   O Requerente A... é ainda sócio-gerente da sociedade   C... Lda., desde 08/11/2019, e sócio-gerente da sociedade E... , Lda., desde 11/12/2019.

C)   A Requerente B... é membro do Conselho de Administração da sociedade D..., S. A., desde 09/06/2020, e foi sócio-gerente da sociedade F... Unipessoal, Lda.  entre 08/10/2012 e 29/08/2022.

D)   A sociedade D..., Unipessoal, Lda. foi constituída em 19-09-2006 com a natureza jurídica de sociedade unipessoal por quotas, tendo como objeto o “comércio de componentes de mobiliário”, alterado posteriormente para “comércio de componentes de mobiliário e fabricação de chapas, folhas, tubos e perfis de plástico”.

E)    Em 13/10/2010, o capital social da sociedade D... era constituído por uma quota de € 300.000,00, pertencente a A... .

F)    Em 09-06-2014, a sociedade D... foi transformada em sociedade anónima, havendo lugar a um aumento do capital social de € 400,00 subscrito em partes iguais por 4 novos sócios/acionistas (B..., G..., H... e I...), e, desse modo, a sociedade passou a dispor de um total de 3004 ações, com o valor nominal de € 100,00, correspondente ao capital social de € 300.400,00.

G)   Até 30/12/2022, a D... aplicou sempre os seus resultados em reservas, nunca tendo distribuído lucros aos sócios/acionistas.

H)   Nessa data, foi deliberado distribuir reservas livres no valor de € 5.000.000,00 рelos acionistas da D..., à C..., valor que foi pago em janeiro de 2023 e que foi aplicado num depósito especial com vencimento de juros, registados nesse ano, no valor de € 87.262,08.

I)     A C... Lda. foi constituída em 04/10/2019, com um capital social de € 2.000,00, que corresponde a uma quota de € 1.950,00, pertencente a A..., e uma quota de € 50,00, pertencente a B..., e tendo por objeto “detenção de participações sociais e o apoio à gestão”, estando a atividade enquadrada na CAE 70220 - Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão.

J)     A  C... nunca exerceu a atividade de gestão de participações sociais, e concentrou a sua atividade na gestão e detenção de participações nas empresas D... S.A (NIPC...) e E... Lda (NIPC...).

K)   Entre 2019 e 2023 a C... suportou essencialmente encargos com serviços bancários e honorários. 

L)    Desde 2019 a C... não tem funcionários, nem viaturas, nem imóveis em seu nome.

M)  A sociedade E..., Lda. foi constituída em 28/11/2019, com um capital social de € 1.000,00, distribuído por duas quotas de  € 800,00, pertencente a C..., Lda e € 200,00 pertencente a D..., Unipessoal, tendo como objeto a “aquisição, arrendamento, alienação, administração e gestão de imóveis, promoção da sua construção, comercialização e gestão de bens ou valores mantidos como reserva ou fruição, bem como a revenda dos imóveis que forem adquiridos para esse fim”.

N)   Os financiamentos obtidos pela sociedade E... estão relacionados com os dois empréstimos contraídos junto da D..., em 23-12-2019, no montante de € 200.000,00 е, em 07-01-2021, no montante de 550.000,00, que se destinaram a cobertura de carências de tesouraria.

O)   Os inventários registam a aquisição de dois imóveis para revenda, identificados na matriz como sendo para habitação.

P)    Ao nível dos gastos, esta sociedade regista gastos com eletricidade, água, seguros, honorários, despesas bancárias e tratamento de resíduos, não se verificando qualquer gasto inerente a publicidade ou promoção para a compra e venda de imóveis.

Q)    A  E... não tem funcionários, nem gastos com pessoal ou subcontratos, assim como não tem viaturas em seu nome, nem gastos inerentes à utilização de veículos.

R)   No dia 5 de novembro de 2020, o Requerente A..., entregou à sociedade C..., Lda. 3.000 ações, com o valor nominal de € 100,00 cada de que era titular no capital da sociedade D..., S.A., para realização de um aumento de capital social da referida C..., Lda., na modalidade de novas entradas em espécie, correspondendo a 99,867% do capital social da sociedade D... de que o Requerente era detentor.

S)    As 3.000 ações, foram avaliadas, por um Revisor Oficial de Contas, em €  11.520.000,00, pelo que, em contrapartida de tal entrega, o sócio A... ficou a deter uma quota na “ C..., Lda.”, de valor nominal igual ao das ações por si transmitidas, ou seja, € 11.520.000,00.

T)    Em 21- 02-2020, a C... adquiriu as 4 ações da D... que eram detidas por B..., G..., H... e I... .

U)   A troca de partes sociais permitiu à sociedade C... (sociedade adquirente) adquirir uma participação no capital social da sociedade adquirida (D...), que lhe conferiu a totalidade das participações sociais e dos direitos de voto desta sociedade, passando os Requerentes a deter indiretamente esta sociedade, bem como a “E..., Lda.

V)   Os Requerentes foram alvo de um procedimento de inspeção interno, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., visando o cumprimento das obrigações do sujeito passivo A..., em concreto, para o controlo de mais-valias, relacionadas com partes sociais (3000 ações) que detinha na sociedade D..., S.A.

W)  No âmbito da ação inspetiva, a Autoridade Tributária conclui que o principal objetivo da operação de permuta de ações foi o da obtenção de vantagens fiscais, designadamente, a não tributação em sede de IRS que incidiria sobre a distribuição de lucros a A..., a qual estaria sujeita a retenção na fonte de IRS à taxa liberatória prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 71.° do CIRS.

X)   Ainda no entendimento dos serviços inspetivos, expresso no Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá como reproduzido, “uma vez que, a operação de permuta de ações não cumpre com os objetivos subjacentes à criação do regime de neutralidade fiscal, a mais-valia deve ser tributada pelo regime regra ao abrigo da alínea a) do n.º 13.º do artigo 10.° do CIRS e do n.º 10.° do artigo 73.° do CIRC (norma específica antiabuso)”. 

Y)   Nestes termos, a Autoridade Tributária apurou uma mais-valia no valor de € 11.463.500,00 e o imposto em falta no montante de € 1.604.890,00, nos termos do n.º 3 do artigo 43.° do CIRS e alínea c) do n.º 1 do artigo 72.° do CIRS, conforme o quadro que segue:

 

Mais valia apurada (al. a) do n.º 1 do art.º 9.º, ponto 2), al. b) do n.º 1 do art.º 10º CIRS (1)

N.º 3 do art.º 43.º do CIRS (2)

Taxa autónoma al. c) do n. 1 do art.º 72º do CIRS (3)

Imposto em falta (IRS) [1]x[2]x[3]

€ 11.463.500,00

50%

28%

€ 1.604.890,00

 

 

P) O pedido arbitral deu entrada em 24 de março de 2025.

Factos não provados

 

           Não há factos não provados que revelem para a decisão da causa.

 

           Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e, em especial, no Relatório de Inspeção Tributária.

 

 

            Matéria de direito

 

            Regime de neutralidade fiscal

 

            5. Os Requerentes discutem a liquidação adicional em IRS, decorrente do procedimento de inspeção tributária, que considerou não aplicável o regime fiscal de neutralidade previsto no artigo 77.º do CIRC, à permuta de ações realizada pelo Requerente, por considerar que esta não teve como principal objetivo a reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades envolvidas, mas sim a obtenção de vantagens fiscais, o que determinou a aplicação do disposto no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC, por remissão da alínea a) do n.º 13.º do artigo 10.º do Código do IRS. 

 

O referido artigo 77.º do CIRC, sob a epígrafe “Regime especial aplicável à permuta de partes sociais”, no seu n.º 1, estatui nos seguintes termos:

 

1 - A atribuição, em resultado de uma permuta de partes sociais, tal como esta operação é definida no artigo 73.º, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor atribuído às antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código.

 

O artigo 73.º, para que remete essa disposição, que define o âmbito de aplicação da permuta de partes sociais, no seu n.º 5, considera como tal, numa das hipóteses aí descritas, “a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última”.

 

No entanto, o n.º 10 do mesmo artigo 73.º restringe o âmbito daquele n.º 1, ao consignar o seguinte:

 

“O regime especial estabelecido na presente subsecção não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto.”

As disposições dos n.ºs 5 e 10 do artigo 73.º do CIRC, agora transcritas, encontram-se em sintonia com os n.ºs 10 e 13 do artigo 10.º do CIRS.

Este último preceito, que se refere à tributação de mais-valias, descreve como mais-valias “os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem”, entre outros, da “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” (artigo n.º 1, alínea b)).

O n.º 10 do artigo 10.º do CIRS igualmente prevê, no caso de se verificar uma permuta de partes sociais nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 73.º do Código do IRC, que “a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas”.

 

E n.º 13 desse artigo 10.º também contempla a aplicação, com as necessárias adaptações, da norma antiabuso que consta do n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC, significando que esta norma é também aplicável quando as operações envolvam sujeitos passivos em sede de IRS.

 

Resulta do regime legal sucintamente exposto que a alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários está sujeita a mais-valias, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, ficando excluída a tributação, no caso de permuta de partes sociais, apenas quando se verifique a atribuição dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, e os mesmos continuarem a valorizar para efeitos fiscais as novas partes sociais pelo valor das antigas. A exclusão da tributação está sujeita, no entanto, à restrição que resulta do n.º 10 do artigo 73.º, não tendo aplicação quando se conclua que as operações tiveram como objetivo a evasão fiscal, o que pode ocorrer nos casos em que as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam.   

6. O Requerente alega que, com a transmissão da participação social de que era titular no capital da “D...” para a “C...”, pretendia assegurar a gestão integrada das participações de que era detentor naquela sociedade e das demais que esta já detinha, designadamente a que corresponde a 80% do capital social da “E...”, bem como as que eventualmente viessem a ser adquiridas no futuro, visto que o objeto dessa sociedade é detenção de participações sociais e o apoio à gestão. E acrescenta que a permuta constituiu uma entrada em espécie, efetuada através da transferência das ações que detinha na “D...” para o capital social da “C...”, ou seja, através da substituição de uma participação direta no capital desta sociedade por uma participação indireta de igual valor.

Deve começar por dizer-se que o regime de neutralidade fiscal, por último alterado pela Reforma de IRC de 2014, com a nova redação introduzida nos artigos 73.º e seguintes do CIRC, aplica-se a operações de reestruturação empresarial entendidas como um conjunto de ações dirigidas a transformar a estrutura produtiva das empresas, modificando a forma de participação dos fatores de produção no processo de obtenção de lucros, abrangendo as modalidades de fusão e de cisão, bem como ajustamentos ao regime de transmissibilidade de prejuízos fiscais, de benefícios fiscais e de gastos de financiamento, e ainda ao nível de transporte de base fiscal e das obrigações acessórias. 

O objetivo central do regime de neutralidade fiscal é o de neutralizar os ganhos resultantes da reorganização empresarial, nomeadamente através do mecanismo do diferimento da tributação, em vista a não dificultar a realização de operações economicamente vantajosas mediante uma organização eficiente dos meios de produção das empresas, mas que apenas opera em relação aos ganhos que são considerados elegíveis no contexto das operações expressamente definidas no CIRC. 

Para o efeito, admite-se a neutralização do imposto sobre o rendimento para que este não constitua um entrave à organização eficiente dos meios de produção das empresas (eficiência organizacional), reconhecendo-se, no plano fiscal, que a eficiência organizacional das empresas é um valor extrafiscal superior aos interesses creditícios do Estado e ao princípio da justa repartição dos encargos fiscais.

No entanto, nem todas as operações economicamente vantajosas do ponto de vista organizacional podem beneficiar do regime de neutralidade, já que este regime se aplica apenas àquelas operações em que o controlo da empresa reorganizada é mantido pelos seus proprietários, ou seja, às operações em que efetivamente não ocorre um desinvestimento nem a desagregação da própria empresa (continuidade do investimento e continuidade da empresa) (Sobre todos estes aspetos e nestes precisos termos, cfr. António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, págs. 125 e segs., e, em especial, págs. 191 e 211-214).

Nestes termos, o regime de neutralidade fiscal exige o preenchimento cumulativo de dois requisitos essenciais relativamente à própria reorganização empresarial, a continuidade do investimento e da empresa e a eficiência económica da reorganização, significando que a neutralização do imposto sobre o rendimento não ocorre, mesmo em relação a operações vantajosas do ponto de vista organizacional, quando os proprietários não mantenham o controlo da empresa reorganizada e se verifique um desinvestimento ou a desagregação da própria empresa (idem, págs. 213-214). 

Cabe ainda referir que o artigo 73.º, n.º 10, do CIRC contém uma norma antiabuso, dispondo que o regime especial relativo à neutralidade fiscal “não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente […] quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto”.  

A prática abusiva verifica-se, nos termos dessa disposição, quando a operação tenha sido organizada de forma artificial, ou seja, quando em resultado da reorganização empresarial realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal tenham sido obtidas vantagens de natureza fiscal e a obtenção dessas vantagens tenha sido o principal objetivo dessa operação, e, em segundo lugar, quando o resultado produzido com a reorganização seja incompatível com o propósito e os princípios subjacentes ao regime de neutralidade fiscal (idem, págs. 441 e 457). 

 

Como se deixou dito, o regime de neutralidade fiscal, com o consequente diferimento da tributação, foi consagrado para que o imposto sobre o rendimento não constitua um entrave às operações que visem a eficiência organizacional das empresas, tornando-se também exigível que a reorganização não implique qualquer descontinuidade no investimento e na empresa. Como refere António Rocha Mendes, essas duas características (eficiência e continuidade), têm de estar presentes na reorganização empresarial, sob pena de se concluir que o regime de neutralidade foi utilizado para um fim estranho ao seu propósito normativo (ob. cit. pág. 458).

 

Ou seja, a eficiência pressupõe que a reestruturação tenha gerado uma estrutura mais eficiente do que a existente na fase precedente, e, do ponto de vista empresarial, apresente uma efetiva vantagem económica. A continuidade implica que o conjunto de operações, com a realocação de ativos e combinação de negócios, não originem um efetivo desinvestimento nem a desagregação da empresa.

 

7. Reportando à situação do caso, o que se verifica é que, com a permuta de ações,  a C... passou a deter 100% do capital e dos direitos de voto da D..., sendo que o Requerente A..., com 99,99% do capital da C..., continuou a assumir a gestão da D... . A D... permaneceu como única empresa operativa do Grupo,  enquanto a C... nunca exerceu a atividade de gestão de participações sociais, nem dispôs de recursos humanos e materiais, que continuaram afetos à D..., mantendo-se como mera depositária do capital social desta empresa e em sua substituição.

 

Por sua vez, a E... nunca exerceu qualquer atividade relacionada com mediação imobiliária, e manteve apenas na sua posse dois imóveis utilizados para habitação.

 

Neste condicionalismo, ainda que a permuta de ações tivesse produzido uma reorganização societária, não poderia considerar-se verificada a característica típica da restruturação de sociedades em vista à obtenção de uma maior eficiência organizacional, que constitui pressuposto essencial do regime de neutralidade fiscal, o que desde logo indicia, face ao disposto no artigo 73.º, n.º 10, in fine, que a operação de permuta de ações não foi realizada por razões económicas válidas.

 

Uma outra questão que se coloca é a de saber se as operações foram organizadas artificialmente em vista à obtenção de uma vantagem fiscal.

 

No contexto do regime de neutralidade fiscal, poderá suceder que os contribuintes adotem uma transação substituta para evitar a tributação que incidirá sobre a transação que normalmente seria utilizada, que se poderá traduzir no não reconhecimento das mais-valias realizadas na operação.  

 

Neste âmbito, cabe referir que o diferimento da tributação ao abrigo do regime de neutralidade fiscal não pode ser considerado, em si mesmo, uma vantagem fiscal, mas apenas o meio utilizado para evitar os obstáculos fiscais que impedem de aceder a esse objetivo, ou seja, à vantagem fiscal pretendida pelo agente para efeitos da aplicação da norma antiabuso (ob. cit., pág. 443).

 

Como decorre da norma do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”, aqui se incluindo “a extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais” (subalínea 2)).

 

  Por efeito desta disposição, se o Requerente tivesse vendido as ações de que era titular na sociedade D...- o que corresponderia a uma transação normal -, a venda era tributável em mais-valias à taxa autónoma de 28%, como prevê o artigo 72.º, n.º 1, alínea c), do CIRS. E se a D... distribuísse reservas ao acionista a operação estaria sujeita a tributação em sede de IRS como rendimento de categoria E - Rendimentos de capitais, havendo de efetuar-se a retenção na fonte à taxa liberatória de 28% sobre o montante (artigo 71.°, n.º 1, alínea a), do CIRS).

 

Tendo procedido à permuta de ações entre a D... e a C..., esta operação não é tributável por efeito do diferimento da tributação ao abrigo do regime de neutralidade fiscal (artigo 74.º, n.º 1, do CIRC), e se, posteriormente, esta empresa alienar as ações provenientes da D..., as mais-valias realizadas não serão tributadas por aplicação do regime de participation exemption, entretanto concretizado pelo artigo 51.º-C, que institui para todas as sociedades, dentro condicionalismo aí previsto, um regime de isenção de IRC relativamente às mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais. 

 

E mesmo que houvesse lugar à distribuição de lucros através de dividendos, por parte da sociedade adquirente, em consequência da permuta de ações, também esse ganho ficaria abrangido pelo regime de participation exemption, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, que determina, em certas circunstâncias, que “os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável”.

 

A permuta de partes sem a posterior venda das participações sociais provenientes da D... ou distribuição de lucros, não dá origem a qualquer vantagem fiscal. Por isso é que a operação não pode ser considerada apenas ao nível da transmissão realizada ao abrigo da neutralidade fiscal, mas no seu conjunto, ou seja, analisando todos os passos interdependentes realizados e as vantagens fiscais que poderão ser obtidas ao nível do grupo de sociedades reorganizado (cfr. ob. cit., págs. 448-449). 

 

 Constatando-se, por um lado, que a permuta de ações entre sociedades de que o sujeito passivo era detentor não implicou qualquer  reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades de modo a assegurar uma  maior eficiência organizacional, e, por outro, que a operação pode proporcionar vantagens fiscais, como o não reconhecimento de mais-valias, não pode deixar de concluir-se que tem aplicação no caso a norma antiabuso do artigo 73.º, n.º 10, do CIRC, e não houve qualquer erro de subsunção jurídica no apuramento, por parte da Autoridade Tributária, de liquidações adicionais em IRS.

 

Violação de lei por não ter sido aplicada a cláusula geral antiabuso do artigo 38.º, n.º 2, da LGT

 

8. Os Requerentes alegam ainda a violação de lei por não ter sido aplicada a cláusula geral antiabuso consagrada no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, e o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, para que remete essa disposição.

Deve começar por dizer-se que o procedimento inspetivo que originou as correções tributárias teve por base o regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais regulado nos artigos 73.º e segs. do CIRC, e, em particular, a permuta de partes sociais a que se refere o n.º 5 desse artigo 73.º, que define como tal, “a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última”.

E a situação analisada na ação inspetiva enquadra-se, precisamente, nesta disposição, visto que houve lugar a uma troca de partes sociais que permitiu à sociedade C... (sociedade adquirente) adquirir uma participação no capital social da sociedade adquirida (D...), que lhe conferiu a totalidade das participações sociais e dos direitos de voto desta última.

Por sua vez, o n.º 10 do dito artigo 73.º contém uma norma específica antiabuso, ao estatuir que “o regime especial estabelecido na presente subsecção não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal”, mormente “quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas”.

Estando em causa uma norma especifica antiabuso, que, entre outras, foi instituída de modo avulso na lei fiscal, e, em especial, no CIRC, não tem aplicação ao caso a cláusula geral antiabuso do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que se aplica em regra aos atos e negócios jurídicos que, tendo sido realizados com a finalidade principal ou uma das finalidades principais de obter uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade do direito fiscal aplicável, sejam realizadas com abuso das formas jurídicas ou não sejam consideradas genuínas.

Sendo aplicável, face à factualidade do caso, a norma do artigo 73.º, n.º 10, do CIRC, não há que recorrer à cláusula geral do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Em todo o caso, e ainda que se entenda que o procedimento do artigo 63.º do CPTT se torna aplicável por interpretação extensiva a todas as normas antiabuso, o certo é que a ação inspetiva desencadeada contra os Requerentes obedeceu a todas essas regras.

Com efeito, o Relatório de Inspeção Tributária descreve o regime da neutralidade fiscal e os rendimentos que são considerados mais-valias para efeitos de tributação (V.2.1), notificou os sujeitos passivos para indicar e descrever as razões económicas válidas que motivaram e justificaram a operação de permuta de partes sociais (V.3.), fundamentou as correções indicando as razões pelas quais  operação de permuta não foi realizada por razões económicas válidas e qual foi o propósito dessa operação de permuta (V.4.1 e V.4.2), apurou as correções propostas, explicitando os respetivos cálculos e fundamentos (V.2), e notificou os Requerentes para exercerem o direito de audição relativamente às propostas de correção apresentadas (X).

Os Requerentes não podem alegar, portanto, que não tiveram oportunidade de se defender ou que desconheciam as razões pelas quais foi aplicada a norma específica antiabuso.

Por conseguinte, o invocado vício de violação de lei por preterição da cláusula geral antiabuso, ou do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, mostra-se ser improcedente.    

 

Violação do princípio da capacidade contributiva

 

9. Por fim, os Requerentes invocam a inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva, dizendo, em resumo, que a tese da Autoridade Tributária equivaleria a tributar uma mais-valia potencial que nunca se concretizou, e poderia não se realizar, em razão da inexistência de alienação a terceiros ou desvalorização das participações sociais que a C... detém ou eventualmente venha a deter no futuro.

Acrescentando que essa tese equivale à pretensão de tributar um sujeito passivo por uma capacidade contributiva que não existiu e legitimar uma tributação baseada num rendimento teórico e não no ganho realmente auferido.

Como é sabido, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

 

A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional, cabendo ao recorrente identificar expressamente essa interpretação ou dimensão normativa (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08), não bastando a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos que são objeto de impugnação judicial ou à interpretação que tenha sido formulada pela Autoridade Tributária (cfr. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, pág. 33).

Tendo-se limitado os Requerentes a imputar os vícios de inconstitucionalidade à interpretação efetuada pela Autoridade Tributária, e não à norma ou interpretação normativa que entendem terem sido aplicadas em violação da Lei Fundamental, não há que tomar conhecimento de qualquer dessas questões.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação em IRS nº 2024... e de acerto de contas nº 2024..., referente ao período de tributação de 2020, no valor global de € 1.820.340.90. 

  

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.820.340.90, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 23.868,00, que fica a cargo dos Requerentes.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de novembro de 2025,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

(relator)

 

A Árbitro vogal

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

A Árbitro vogal

 

 

Sofia Ricardo Borges