Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1309/2024-T
Data da decisão: 2025-11-24  IRC  
Valor do pedido: € 130.560,84
Tema: IRC. Reclamação graciosa necessária respeitante a Revisão do Acto Tributário. Erro imputável aos serviços ou ao legislador.
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Sumário

 I.    A falta do procedimento prévio de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT, não obsta à admissibilidade do pedido de Revisão de Acto Tributário previsto no art.º 78.º da LGT, mesmo que interposto para além do “terminus” do prazo daquele;

II.    A desconformidade legislativa do Direito Português com o Direito Europeu e a sua aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não configura um erro imputável aos serviços, mas antes ao legislador. A responsabilidade extracontratual do Estado nos moldes “pós revolução de Abril”, são os que constam actualmente da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Serviços e Estado na acepção do exercício do poder legislativo não se podem confundir.

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete, (Presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dr. Nuno Miguel Morujão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-02-2025, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Colectivo ("OIC") constituído e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, com o NIF português n.º ..., com sede em..., ... Paris, em França, representada pela sua entidade gestora B..., S.A., com sede em França, em ..., ... Paris  (doravante “Requerente”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado a 10 de Maio de 2024, deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.os 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a anulação do acto de liquidação de IRC por retenção na fonte ocorrida em 2020, aquando da colocação à disposição da Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no montante de 130.560,84€ (cento e trinta mil, quinhentos e sessenta euros, e oitenta e quatro cêntimos). 

 

A Requerente pede reembolso da quantia de € 130.560,84€, bem como juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, a computar sobre aquele montante, na medida em que a revisão do acto tributário em referência se efetuar mais de um ano após o pedido do Requerente (i.e., após 10 de maio de 2025).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi impetrado em 9-12-2024, aceite a 10-12-2024 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nesse dia.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 29-01-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18-02-2025.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, o que fez por excepção arguindo a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e inimpugnabilidade dos actos de retenção na fonte, e por impugnação defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por despacho de 31-3-2025, foi concedido um prazo de 20 dias para a Requerente responder às excepções, tendo-se também dispensado a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT). 

 

Por requerimento de 11-4-2025, a Requerente respondeu às excepções sob a forma de alegações. 

 

Nessa sequência por despacho de 21-5-2025, foi decidido que:

“1. Por despacho de 31 de Março, foi o Requerente convidado a apresentar réplica à matéria de excepção que a AT tinha suscitado na sua Resposta. 

2. Em vez disso, em 11 de Abril, o Requerente apresentou alegações em que, a mais de se pronunciar sobre a matéria de excepção, retomou a argumentação do PPA e juntou novos documentos. 

3. Sendo as únicas alegações previstas no RJAT as que são - facultativamente - convocadas na reunião prevista no seu artigo 18.º, é claro que elas só podem ter lugar - e assumir natureza escrita - quando o Tribunal assim o determinar. 

4. Não tendo sido esse o caso, e não sendo viável desentranhar parcelarmente a peça junta aos autos pelo Requerente, tem de se assegurar o princípio da igualdade das partes que assim foi violado, concedendo 15 dias à AT para, querendo, também ela apresentar alegações.”

 

A Requerida apresentou alegações por requerimento em 30-5-2025, onde remeteu para a Resposta que havia deduzido, com remissão para o decidido na decisão arbitral proferida no processo n.º 997/2024-T, de 16 de Maio de 2025, transcrevendo também excertos da decisão arbitral proferida no processo n.º 1000/2023-T.

 

 

2.     SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

 

Conforme já referido a Requerida na sua resposta deduziu excepções quanto à incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, e a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte. Em ambos os casos, excepções dilatórias que constituem questões prévias a apreciar pelo Tribunal, porquanto a serem providas, levarão à absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

2.1  Apreciação das matérias de exceção: 

 

Invoca a Requerida que foi deduzido o pedido de revisão oficiosa sem ter sido desencadeado previamente o procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo  132º do CPPT. Em função dessa falta de reclamação graciosa “necessária”, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido de indeferimento da revisão oficiosa.

 

A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a respectiva apreciação, previamente à verificação dos demais pressupostos processuais - artigos 16.º, do CPPT e 13.º, do CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

A Requerida, conforme se explanou, perspectiva a situação de incompetência que argui devidamente, aludindo a liquidações de retenções na fonte efectuadas pelo substituto tributário aquando da colocação à disposição da requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

 

Há restrições à competência dos tribunais arbitrais, derivadas das excepções que constam da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, operada pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, mas não têm aplicação no caso em apreço, em que está em causa a apreciação da legalidade de actos de retenção na fonte que foram objecto de pedido de revisão oficiosa.

 

Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, na parte relevante, que:

Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; 

Por aqui verificamos que a natureza de actos de retenção na fonte são da competência dos tribunais arbitrais, não constando do elemento literal que as mesmas tenham, ou não, sido objecto de pedido de reclamação prévia previsto no art.º 132.º do CPPT[1].

 

Para além da apreciação directa dessa legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através do processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

 

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

 

A necessidade que existiu de não se abrangerem acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo ou de acção administrativa, nasce da própria redacção do artigo 2.º do RJAT, uma vez que a arbitragem tributária não foi implementada quanto a essas matérias.

 

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial, mas para que é adequada a acção administrativa[2].

 

Aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou da acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), conforme esses actos comportem ou não comportem, a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.  

 

É este o único critério de distinção dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, com as limitações que apontámos, não havendo suporte legal para sustentar que, relativamente à impugnação de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, se possa utilizar a acção administrativa, designadamente para apreciar questões relativas à verificação dos pressupostos de pedido de revisão oficiosa e utilizar a acção “tributária” para apreciar somente a liquidação! Não nos parece que faça qualquer sentido!

Da nossa jurisprudência, sem querermos ser fastidiosos, retira-se que além dos Tribunais Tributários serem os competentes para apreciar reclamações e revisões em que se discutem questões tributárias, ainda “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”, tendo pois os órgãos jurisdicionais um dever acrescido. 

 

Nos casos de indeferimento tácito, não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

 

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa utilizado (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo um acto de liquidação, baseando-se em razões substantivas e não em razões formais.[3]

 

Por maioria de razão o que vem sendo dito será aplicável a actos expressos de indeferimento proferidos em sede de revisão oficiosa.

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito  de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de retenção na fonte, ficcionando-se o indeferimento das ilegalidades invocadas, é de considerar que o acto conhece expressamente da legalidade desses actos e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa, nos tribunais estaduais, é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo a açcão arbitral.[4]

 

É assim competente o Tribunal arbitral para apreciar actos de revisão oficiosa sobre liquidações, quer sejam tácitos, quer sejam expressos.

 

Mas prevenindo uma eventual omissão de pronúncia, se bem interpretamos, pelo facto da Requerida conexionar no desenrolar da sua fundamentação uma implícita excepção quanto à exclusão da competência material dos tribunais arbitrais para apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos Art.ºs 131.º a 133.º do CPPT, discorramos mais um pouco sobre essa arguição.

 

Quanto a não ter sido cumprido o “ónus” da reclamação necessária:

 

Dispõe o art.º 132.º do (CPPT):

Impugnação em caso de retenção na fonte        

1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - (Revogado.)

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

 

Salvo o devido respeito, cremos que a Requerida confunde duas realidades distintas. A primeira é a obrigatoriedade de deduzir reclamação graciosa “necessária” no prazo de 2 anos, para poder exercer o direito à impugnação. Mas outra diferente, é interpor-se um pedido de revisão oficiosa, cujo regime prevê fundamentos muito específicos e prazos também especiais para a sua dedução e com base na decisão que aí for proferida se impugnar a “liquidação” realizada por retenção na fonte.

 

A distinção entre as duas que podem ser alternativos ou complementares meios de defesa,[5] respeita ao facto de existir uma restrição para se poder “usar” o mecanismo do art.º 78.º da LGT, - imputabilidade aos serviços, o qual não se verifica nas previsões do art.º 131.º e segs do CPPT.

 

Saliente-se ainda, que interpretando-se com correcção do elemento literal, o requisito de prévio recurso à via administrativa como exigido pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/-A/2011, de 22 de março, com remissão para o artigo 132.º do CPPT, deve considerar-se preenchido caso tenha sido concretizado o procedimento de revisão oficiosa, como sucede na situação vertente. Com efeito, o procedimento de revisão é, neste âmbito, equiparado à apresentação prévia de reclamação graciosa, prevista no artigo 132.º, n.º 1 do CPPT. Neste sentido, v. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de outubro de 2014, processo n.º 01540/13, e de 12 de setembro de 2012, processo n.º 476/2012, e, especificamente em relação à ação arbitral, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB, de 11 de julho de 2019, processo n.º  147/17.4BCLSB, de 13 de dezembro de 2019, processo n.º 111/18.6BCLSB, de 11 de março de 2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB, de 26 de maio de 2022, processo n.º 97/16.6BCLS, e de 12 de maio de 2022, processo n.º 96/17.6BCLSB, bem como as decisões arbitrais de 6 de outubro de 2022, n.º 678/2021-T, e de 11 de julho de 2024, n.º 941/2023-T.

 

Improcede assim esta excepção.

 

 

3.     Matéria de facto 

3.1  Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.     A... (Requerente), é um organismo de investimento colectivo (“OIC“), constituído e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, NIF português n.º ... e contribuinte fiscal francês n.º ..., com sede em ..., ... Paris, em França, representada pela sua entidade gestora B..., S.A., com sede em França, em ..., ... Paris.

B.     Em Maio de 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C..., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de € 373.030,99, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

C...

14-5-2020

373.030,99

130.560,84

242.434,15

 

C.     A retenção na fonte de IRC mencionada na alínea anterior – no montante de € 130.560,84 – foi efectuada e entregue junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 23 de Junho de 2020, pelo D..., NIF em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários;

D.     A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC, no dia 10 de Maio de 2024, sobre a liquidação de IRC por retenção na fonte, descrita nas alíneas B) e C), não tenho havido decisão expressa sobre a mesma.

E.     Na Revisão Oficiosa e no PPA, a Requerente invocou erro imputável aos serviços da AT, enquanto pressuposto procedimental e processual. 

F.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 9 de Dezembro de 2024.

 

3.2  Factos não provados e fundamentação da matéria de facto 

 

3.2.1               Factos não provados

 

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

3.2.2               Fundamentação da matéria de facto

 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, os documentos juntos e o Processo Administrativo (PA) junto aos autos,[6] consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.     Matéria de direito

 

A questão a dirimir nos presentes autos respeita a saber-se se os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, e sujeitos s retenção na fonte, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF“), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e o princípio do primado do Direito da União Europeia.

 

Há no entanto uma questão com natureza equiparada a prévia, que além de constituir matéria de direito é de conhecimento oficioso pelo Tribunal e também é invocada, que tem de ser analisada na sua dimensão jurídico-formal, qual seja, a interpretação do inciso do art.º 78.º, n.º 1 da LGT. Na verdade, esta previsão normativa abrange duas situações integradas entre si– a admissibilidade da revisão oficiosa e o preenchimento do conceito de “erro imputável aos serviços”, como pressuposto material e processual da mesma.

 

A Requerente invoca no presente processo erro imputável aos serviços e foi com base nesse pressuposto que deduziu a revisão do acto tributário.[7]

Sobre este entendimento, escreveu-se na Resposta da AT:

Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa.

(…)

E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação ( tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°).

 

Como, aliás, também já foi decidido (nomeadamente no processo n.º 629/2021-T, de que se respiga parte do Sumário):

 IV – Quando um tribunal tem tantas dúvidas sobre a solução conforme ao Direito da União que suscita uma questão de reenvio prejudicial (ou suspende a instância na sua pendência, ou pondera fazê-lo), é contraditório concluir que a AT (que não tem ao seu dispor essas faculdades) cometeu um erro que lhe é imputável se a solução que deu antes não corresponde à que o TJUE fixou depois.

V – Nem por alegado desrespeito do Direito da União, nem por alegado desrespeito da Constituição, pode a AT estar investida na possibilidade de recusar a aplicação de normas legais. O Direito que cabe à AT aplicar é diferente (tanto para mais como para menos) do Direito que cabe aos Tribunais aplicar.”.

 

Lê-se nas declarações de voto lavradas pelo Presidente do presente Tribunal às decisões do processo n.o 812/2023-T e do processo n.935/2023-T o seguinte:

Na primeira declaração escreveu-se:

Votei vencido quanto ao conhecimento das questões que foram objecto de pedido de revisão oficiosa porque, como tenho entendido (em outros processos e em M. Porto/V. Calvete, “Sobre a revisão oficiosa dos actos tributários”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria da Glória Garcia, UCP Ed., Lisboa, 2023, pp. 1635 e ss.) nem a Requerente estava em condições de recorrer ao mecanismo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (por não ser “contribuinte” e não estar em tempo), nem a desconformidade da legislação interna com o Direito da União – sendo, como é, um “erro do legislador” susceptível de gerar responsabilidade civil extra-contratual –, se pode reconduzir a um “erro imputável aos serviços” da AT. Demais, entendo que do indeferimento tácito de um oximórico “pedido de revisão oficiosa” não se pode retirar o que da sua decisão expressa nunca poderia resultar: o afastamento de lei interna vigente por invocação de uma suposta desconformidade com a Constituição ou com o Direito Europeu (a apurar necessariamente à margem do due process: sem contraditório, sem imparcialidade e sem possível controlo do Ministério Público ou recurso ao reenvio prejudicial). Quer dizer que importaria fazer um distinguo no âmbito da jurisprudência que se tem ocupado das ficções de indeferimento de “pedido de revisão oficiosa”: nos casos em que não está em causa uma errada determinação dos factos ou uma equivocada interpretação da lei – ie, nos casos em que a lei não é o parâmetro mas sim a própria origem da desconformidade invocada, como acontece nas situações em que se invocam inconstitucionalidades ou desconformidades com o Direito da União – julgo que tais decisões da AT nunca poderiam comportar a apreciação da legalidade dos actos de liquidação (e, portanto, fossem elas expressas ou tácitas, nunca poderiam fundamentar a dispensa da reclamação graciosa para efeitos de credenciar a sua impugnação arbitral).”.

 

Sublinhe-se que o suposto “erro imputável aos serviços” que fundamentaria o pedido de revisão oficiosa do Requerente não existiu antes de o Tribunal de Justiça da União Europeia – contra a opinião da Advogada-Geral Kokott[8] – ter decretado que sim, na decisão proferida em 17 de Março de 2022 no processo n.º C-545/19.

E na segunda declaração de voto, acrescentou-se o seguinte:

entendo – por identidade, se não por maioria, de razão com o decidido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019 (Proc. 0564/18.2BALSB) – que “não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT)”. Ora, não podendo a AT deixar de cumprir a lei (nem com fundamento em qualquer inconstitucionalidade nem em qualquer desconformidade com o Direito da União – que, aliás, teria sempre de diagnosticar sem due process, sem imparcialidade, sem contraditório e sem possibilidade de recurso ao reenvio prejudicial/sujeição a recurso obrigatório de constitucionalidade por parte do Ministério Público), não pode evidentemente errar na sua aplicação estrita. E não podendo a AT errar não se pode preencher o requisito de que o n.º 1 depender do artigo 78.º da LGT faz a possibilidade de recorrer ao “pedido de revisão oficiosa” para lá do prazo de reclamação graciosa (que, de resto, sendo sustentada, como é, em argumento feito derivar do n.º 7 do mesmo artigo, se deveria cingir aos “contribuintes”).

Por outro lado, entendo que a presunção de indeferimento desse “pedido” de revisão oficiosa não pode gerar nada diferente do que seria a resposta expressa que a AT poderia dar a esse pedido. Ora, não podendo a AT afastar a aplicação da lei vigente (ainda que com base em decisões do Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Justiça da União Europeia – que serão feitas cumprir, se for o caso, quando os sujeitos passivos recorrerem aos Tribunais), o indeferimento tácito não “comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a ilegalidade invocada no pedido de revisão”, pela razão simples de que a AT não tem competência para se pronunciar sobre a eventual desconformidade das leis – nem com a Constituição, nem com o Direito da União.

Assim, porque o que o Requerente pedia com o seu “pedido de revisão oficiosa” era triplamente impossível (porque não estava perante um erro imputável aos serviços, porque não era “contribuinte” e porque a AT não tem competência para se poder pronunciar sobre a desconformidade das leis com parâmetros superiores), devia essa parte do pedido ter sido julgada inadmissível.”.

 

Uma vez que na decisão do STA de 15 de Janeiro deste ano, proferida no Proc 0980/12.3BEAVR e publicada no Diário da República em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/0980-2025-929429275 , se decidiu que

 

Não existe erro imputável aos serviços quando a Administração Tributária não desaplica norma legal alegadamente inconstitucional, por a mesma inconstitucionalidade não ter sido sancionada pelos tribunais (artigos 204.º e 281.º da CRP), nem estar estabilizada na ordem jurídica.”,

 

é convicção do presente Tribunal que não pode ser dada ao Direito da União um tratamento mais vantajoso do que o que é dado à Constituição. 

 

Daí que se tenha de concluir, mutatis mutandis, como no referido acórdão arbitral proferido no processo n.º 114/2019-T: “a intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IUC em crise terá repercussões no mecanismos de reação subsequentes, ou seja, em matéria do próprio pedido de pronúncia arbitral” (destaques aditados). 

 

Isto é: não sendo admissível um pedido de revisão oficiosa fundado em “erro imputável aos serviços” – porque, no caso, mesmo que os serviços tivessem tramitado e decidido tal pedido, teriam de o ter feito em estrita obediência à lei aplicável, com isso não incorrendo em erro algum (que, e só supervenientemente à decisão do TJUE de 17 de Março de 2022, podia ser imputável ao legislador) – não podia um tal pedido ter o horizonte de 4 anos, razão pela qual falece o pressuposto necessário para que o presente pedido de pronúncia arbitral seja admissível.[9]

Concorda-se com as vertidas declarações de voto do Presidente do actual Tribunal na parte que para o presente caso interessa, o preenchimento conceptual da norma jurídica que prevê o erro imputável aos serviços. 

 

O ora relator escreveu na Decisão do CAAD, processo n.º 551/2024, de 10/2/2025, o seguinte:

 

“Apenas a imputação e demonstração de um erro dos serviços da AT poderia constituir fundamento para a revisão oficiosa ao abrigo do disposto no art.º, 78.º n.º 1, “in fine”, da LGT.

Na Decisão do CAAD com o n.º 14/2022-T acerca do erro imputável aos serviços, refere-se   a orientação seguida pela jurisprudência do CAAD na matéria, se bem que discordemos de alguns pontos que não se relacionam directamente com o caso em análise. Apontam-se aí decisões que vão nesse sentido:

1.Decisão do CAAD proferida em 12/10/2021, no âmbito do processo 617/2020-T: “Foram os elementos que o Requerente fez constar – e, também, aqueles que não fez constar – na declaração modelo 1 de IMT, que determinaram a AT à prática do acto controvertido nos termos em que este foi praticado. (…) Não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que actuou, em face dos elementos declarados pelo sujeito passivo, assim praticando o acto tributário controvertido. (…) Razão pela qual, não se encontra preenchido um dos requisitos da instauração do procedimento de revisão oficiosa: a existência de erro imputável aos serviços.”

2.Decisão do CAAD proferida em 31/12/2021, no âmbito do processo n.º 444/2021-T: “O erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, mas não imputável ao contribuinte por conduta negligente (…).

A petição de revisão oficiosa apresentada pelo Requerente não conseguiu identificar a existência de um erro imputável aos serviços, mas antes ao legislador. A responsabilidade extracontratual do Estado nos moldes “pós revolução de Abril”, são os que constam da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Serviços e Estado na acepção do exercício do poder legislativo, não se podem confundir.

É verdade que o Primeiro Ministro é o chefe supremo da Administração Pública, e podemos equiparar não totalmente de forma coincidente, o conceito de Administração Pública e erro nos serviços, mas estamos a falar de actuar no exercício da função administrativa e não da função legislativa. O eventual responsável é o Estado por ter criado normas jurídicas que contrariam Tratados a que ficou adstrito. Na verdade, pressupõe-se que os elementos que são escolhidos para exercer a função legislativa são os tecnicamente mais aptos e se assim não foi, estamos no campo da responsabilidade civil extracontratual do Estado “Político”.

A Requerente teve à sua disposição meios de impugnação, se efectivamente utilizados, e utilizados de forma tempestiva, poderiam corrigir os actos de retenção na fonte, mas não o fizeram.

Deve, pois, imputar-se apenas ao Requerente, o facto de a liquidação sub judice padecer de erro, exactamente pela singela razão de que, para a dedução e sucesso da denominada “reclamação necessária”, não ser “necessário” o preenchimento do erro imputável aos serviços.

A AT aceitou a liquidação/retenção na fonte, com base nos elementos fornecidos pelo Requerente, que nos termos do artº. 75.º, n.º 1, da LGT gozam da presunção de veracidade.

Termos em que, tendo sido apresentado o pedido de revisão oficiosa invocando o n.º 1 do art.º 78º da LGT, sem a prova ou sequer a alegação da responsabilidade pela existência de erro na liquidação imputável à AT, tem o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à matéria da alínea d) e parte da e), dada como provada, de considerar-se extemporâneo, por violação do artigo 10º, n.º 1 do RJAT., na parte em apreciação.

Como se afirma no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-3-2019, proferido no âmbito do proc. n.º 132/14.8BEALM: “I- O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade. II- E a caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto administrativo) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (art. 333º do CC) e determina o indeferimento liminar da petição. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção peremptória que, nos termos dos art.ºs 576º n.º 3 e 579º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, o não conhecimento “de meritis” pela existência de obstáculos que o impeçam na disponibilidade do recorrente, importando a absolvição oficiosa do pedido”. (disponível em www.dgsi.pt).

Em conclusão, tendo presente que para a aplicação do artigo 78.º, n.º 1, in fine da LGT não basta que se verifique a existência de um erro, mas deve esse erro ser imputável à AT, imputabilidade essa, que no nosso entendimento  não se verifica no caso em concreto pois, o erro existente resultou, como vimos, da atuação do Requerente, e do exercício pelo Estado da função legislativa, tem de concluir-se pela legalidade do indeferimento tácito da petição de revisão oficiosa, no que respeita ao ano de 2019, imposto de IRC a título de retenção na fonte liberatória no montante de 4.090,63€, pago no dia 20 de Novembro de 2019 e o referente ao ano de 2020, imposto de IRC através de retenção na fonte liberatória no montante de 7.910,00€ e 3.937,50€, pagos em 17/2/2020 e 20/4/2020, respectivamente.

 

Aplicando-se também o que o ora relator escreveu e transcreveu agora no presente processo, tem de concluir-se pela inexistência de erro imputável aos serviços mas antes imputável ao legislador, senão até ao Requerente, improcedendo assim todos os pedidos objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

5.     Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar inadmissível o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente;

b)     Condenar a Requerente no pagamento das custas, calculadas de acordo com o ponto 7;

 

 

6.   Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 130.560,84, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 24 de Novembro de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Victor Calvete)

(Presidente)

 

(António Pragal Colaço)

(Adjunto e Relator)

 

 

(Nuno Miguel Morujão)

(Adjunto, com voto de vencido)

 

 

 

 

 

Voto de vencido

 

Dissenti do que foi decidido no acórdão quanto à matéria de direito, nos seguintes termos:

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1 – Da violação da liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, face ao regime jurídico aplicável:

 

No essencial, cumpre verificar se assiste razão ao Requerente quando alega a existência de uma discriminação, violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, dados os regimes de tributação diferenciados que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC’s constituídos e residindo noutro Estado.

 

Seguindo de perto a decisão do Tribunal Arbitral do CAAD constantes dos processos n.º 60/2024-T, 447/2024 e 620/2024-T (presididos por Rui Duarte Morais), entre outros acórdãos no mesmo sentido, é de salientar que esta questão foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o qual versou sobre uma situação factual idêntica às dos presentes autos, suscitada por Tribunal constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo.

 

Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (e para a Administração Pública[10]), corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último) exemplo de uma jurisprudência, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[11]:

 

“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

 

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63. ° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida)”.

 

Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Muito embora este tribunal não esteja obrigado a considerar todos e cada um dos argumentos expendidos pelas partes, mas apenas a apreciar os vícios invocados, remete-se para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.

 

Pelo que a este tribunal arbitral nada mais resta que cumprir com os ditames do TJUE. 

 

Por último, há que frisar ser irrelevante o facto de o acórdão do TJUE no qual, desde logo por obrigação legal, nos louvamos, ter versado sobre uma situação de um OIC de direito luxemburguês, com residência fiscal nesse país e, no caso sub judice, estar em causa um OIC de direito francês, com sede em França. 

 

Como consta do excerto atrás transcrito, o TJUE foi claro em afirmar estar em causa uma ofensa à liberdade de circulação de capitais. Ora o artigo 63.º, n.º 1 do TFUE é claro em proibir “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

Termos em que se conclui pela ilegalidade da liquidação de IRC por retenção na fonte.

 

 

4.2 – Juros indemnizatórios:

 

A liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf. neste sentido, além da jurisprudência do CAAD antes mencionada, entre outros, a decisão arbitral proferida no processo n.º 114/2022-T e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo n.º 01273/08.6BELRS, relator: Anabela Russo).

 

Só que, porque num primeiro momento o erro apenas pode ser imputável ao substituto (e não à AT), há que observar o decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 093/21.7BALSB, de 29/6/2022, relator: Joaquim Condesso: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3, da LGT.

 

Ainda nos termos do referido acórdão, e pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano.

 

 

5. Decisão

 

Em consequência, considerando as diversas razões vindas de expor em sede de fundamentação, teria decidido:

 

1) Anular, por ilegal, a liquidação (retenção na fonte, a título definitivo) que incidiu sobre os dividendos auferidos pelo Requerente, em 14/5/2020, no montante total de 130.560,84 Euro (cento e trinta mil, quinhentos e sessenta euros, e oitenta e quatro cêntimos) de IRC;

 

2) Condenar a Requerida, para além da devolução do imposto indevidamente pago, a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, a liquidar nos termos depois de decorrido um ano após a apresentação da revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3, al. c), da LGT.

 

3) Condenar a Requerida ao pagamento de Custas, pelo montante de 3.060,00 Euro (três mil e sessenta euros), cf. o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

 

Nuno Miguel Morujão.

 



[1] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo           01901/10.3BEBRG

Data do Acordão:            08-06-2012, Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão

Sumário:           I-…

II-…

II.1-Os motivos, de ordem meramente pragmática, não legitimam a remessa dos autos, ao arrepio da lei e do princípio basilar do direito segundo o qual onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.

In.www.dgsi.pt;

[2] Idem;

[3] E confirma essa interpretação o abandono pelo procedimento administrativo geral, da figura do indeferimento tácito,  típico apenas do procedimento administrativo-tributário, pois, naqueles, tendo sido colocado o ênfase no dever de decisão da Administração, de que é apanágio a acção administrativa especial para condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido (n.º 1 e alínea b) do n.º 2, ambos do art.º 46º e arts.º 66º e ss.) que garante aos particulares o direito de acesso aos tribunais para os efeitos que lhe são próprios, em caso de silêncio da Administração perante legítimos pedidos seus, ou seja, em caso de omissão ilegal do exercício daquele dever.

Na verdade, perante tal silêncio e quando ao mesmo não seja atribuído significado inverso (de deferimento tácito), o que passa a admitir-se, diferentemente do que sucedia anteriormente, não é a impugnação dum (ficcionado) acto de indeferimento (tácito), mas antes o desencadear dum novo mecanismo conducente a exigir da Administração a conduta que legalmente lhe é devida; quer dizer, enquanto suporte do objecto da causa, o que está em presença não é um hipotético (com base em presunção) acto da Administração, mas, justamente, o seu oposto, ou seja, a concreta omissão ilegal de acção (decisão) desta. O deferimento tácito que estava previsto no art.º 109.º do CPA, foi revogado pelo art.º 7.º do Decreto Lei 4/2015, de 7/1/2015. Mas, como dissemos, o procedimento administrativo-tributário não tem “cedido” às pressões para terminar com o privilégio da execução prévia, pressuposto de tudo o resto.

[4] – Cfr. Ac. do STA, processo n.º 01166/04, de 6-10-2005, Jorge de Sousa: processo n.º 01171/04, de 02-02-2005, Baeta de Queiroz: processo n.º 0306/09, de 08-07-2009, Pimenta do Vale: processo n.º 0420/09, de 23-09-2009, Isabel Marques da Silva:  processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, José Gomes Correia, todos in.www.dgsi.pt;

[5] Cfr. o citado supra Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, José Gomes Correia;

[6] O PA é apenas constituído pelo pedido de revisão oficiosa interposto pela Requerente;

[7] A actual redacção do artigo 78.º da LGT é a seguinte:

Revisão dos actos tributários

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. [aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, com alteração da numeração subsequente]

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. [o trecho em itálico foi aditado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro]

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

[8] Entre o mais, escreveu-se nessa sua opinião de 6 de Maio de 2021, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=7F5CAA3ADDA54F8362BC013F6E3BC547?text=&docid=240845&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=30114927:

 

111. Assim, após ponderação de todos estes elementos, as justificações baseadas na preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, na aplicação efetiva dos direitos de tributação e na preservação da coerência do sistema fiscal português prevalecem sobre o interesse do requerente em ficar isento do IRC tal como os OIC residentes, ficando, simultaneamente, ao contrário dos OIC residentes, isento de imposto do selo.

e)      Resultado da análise da justificação

112. Por conseguinte, a restrição à livre circulação de capitais que eventualmente decorra das disposições do direito português na sua articulação (sujeição dos OIC não residentes ao IRC em caso de não tributação no estrangeiro nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Código do IRC, isenção de IRC para os OIC residentes de acordo com o artigo 22.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais e tributação simultânea em sede de Código do Imposto do Selo) é, em qualquer caso, justificada.

VI.    Conclusão

113. Por conseguinte, proponho se responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal):

O artigo 63.° TFUE não se opõe à legislação nacional que impõe a aplicação de retenção na fonte aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, quando esses dividendos são distribuídos a um organismo de investimento coletivo não residente que não está sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu Estado de residência. O mesmo é aplicável quando esses dividendos, se distribuídos a um organismo de investimento coletivo residente, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, mas são objeto de outra técnica de tributação destinada a assegurar que só em caso de redistribuição ao investidor haja lugar à tributação do rendimento correspondente, e, até esse momento, é aplicada uma tributação trimestral sobre a totalidade do património líquido do organismo de investimento coletivo residente.

[9] Consta no Relatório da Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos

Contribuintes de 5 de maio de 2025 o seguinte: “propõe-se a possibilidade de no prazo de 4 anos e com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente de quem lhe deu causa, o contribuinte requerer ou a administração promover, a revisão do ato tributário, sem prejuízo de um pedido apresentado no prazo de reclamação graciosa, seguir o regime desta. Em consequência da ampliação do alcance do artigo, é proposta a revogação do n.º 6, por já estar incluído no n.º 1 (Artigo 78.º, n.ºs 1 e 2)”;

[10] Não só os tribunais, mas todos os destinatários, incluindo a Administração Pública, devem desaplicar o direito interno sempre que contrário ao direito da União Europeia, nos termos do primado da União Europeia. Neste sentido, veja-se, entre outras, a decisão proferida pelo TJUE no âmbito do processo C-628/15, onde se pode ler (n.º 54):

“(…) segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34)”.

[11] Uma referência ao facto de o STA (proc. 093/19, de 28/09/2023, relator: Joaquim Condesso) ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao decidido pelo TJUE.