DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Guerra Alves e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 15-09-2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva titular do NIF..., com sede na ... n.º ..., ...-... Lisboa (“REQUERENTE”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista:
– a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela REQUERENTE e,
– a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo titulados pelas DMIS n.º ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e respeitantes aos períodos de janeiro de 2023, março de 2023, junho de 2023, agosto de 2023, fevereiro de 2024 e agosto de 2024,
– a condenação da Administração Tributária e Aduaneira na restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos pela REQUERENTE acrescidos dos juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-07-2025.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 26-08-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-09-2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 20-10-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
Na sequência de notificação do Tribunal Arbitral, a Requerente apresentou traduções dos documentos em língua estrangeira que tinha juntado com o pedido de pronúncia arbitral.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade que, no âmbito da sua atividade, contratou serviços de intermediação bancária;
B) EMISSÃO DE INSTRUMENTO DE DÍVIDA GREEN SUBORDINADA NO VALOR DE € 1.000.000.000,00
a) Em Janeiro de 2023, a REQUERENTE celebrou um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações (“Instrumentos de dívida”) que foram subscritas por um conjunto de entidades bancárias residentes (Caixa - Banco de Investimento S.A.) e não residentes (Barclays Bank Ireland PLC, HSBC Continental Europe, BNP Paribas, Caixa Bank, S.A., Citigroup Global Markets Europe AG, HSBC CONTINENTAL EUROPE, Intesa Sanpolo S.p.A., JPMorgan SE, Mizuho Securities Europe GmbH e MUFG Securities (Europe) NV) (em conjunto, “Joint Lead Managers”) (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Relativamente ao contrato referido na alínea anterior, a REQUERENTE suportou uma comissão de subscrição no montante global de € 5.000.000,00, equivalente a 0,5% do valor do instrumento de dívida, o qual foi repartido proporcionalmente pelos Joint Lead Managers envolvidos na operação, na proporção do valor subscrito (anexo A do documento n.º 7);
c) Estas comissões foram sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4% estabelecida na verba 17.3.4 da TGIS, resultando num valor total de imposto suportado pela REQUERENTE de € 200.000,00, dos quais € 181.500,00 foram liquidados pela REQUERENTE por via da DMIS... e € 18.500.00,00 foram liquidados pela Caixa - Banco de Investimento, S.A. por via da DMIS ... (documentos n.ºs 2 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
C) OFERTA DE RECOMPRA EM DINHEIRO (TENDER OFFER) DE INSTRUMENTO REPRESENTATIVO DE DÍVIDA SUBORDINADA
a) Ainda em Janeiro de 2023, a REQUERENTE levou a cabo uma oferta de aquisição em dinheiro de obrigações (“Valores Mobiliários Representativos de Dívida Subordinados de Taxa Fixa a Reajustável no montante de € 1.000.000.000,00”) por si emitidas em 2019, com vencimento em 2079, tendo em vista a extinção definitiva da dívida e a redução dos custos de endividamento global do grupo societário que encabeça documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Para o efeito referido na alínea anterior, a REQUERENTE celebrou um contrato denominado Dealer Manager Agreement com três instituições financeiras não residentes (BNP Paribas, Unicredit Bank AG e ING Bank N.V.) (documento n.º 9);
c) A realização desta operação teve subjacente a cobrança à REQUERENTE de comissões no âmbito do sobredito contrato, no valor total de € 1.009.200,00, o qual foi faturado, em partes iguais (€ 336.400,00) pelas três instituições financeiras (documentos n.ºs 10 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
d) Sobre estas comissões referidas na alínea anterior incidiu Imposto do Selo, à taxa de 4% estabelecida na verba 17.3.4 da TGIS, resultando num valor total de imposto suportado pela REQUERENTE de € 40.368,00, integralmente liquidado pela REQUERENTE por via da DMIS...;
D) AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL DA REQUERENTE
a) Em 2 de março de 2023, a REQUERENTE concluiu uma operação de aumento de capital social que resultou na emissão de 218.340.612 novas ações com o valor nominal unitário de € 1,00.) (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Estas ações foram colocadas junto de determinados investidores de acordo com um processo de oferta por accelerated bookbuilding, concluído igualmente naquela data e titulado por um contrato denominado Underwriting Agreement (documento n.º 13), por um pricing agreement celebrado enquanto aditamento a esse mesmo contrato (documento n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e por uma side letter que veio fixar uma fee acrescida (documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) No âmbito desta operação de aumento de capital e daqueles dois escritos, foram cobradas à REQUERENTE, por cada uma das instituições financeiras não residentes (Morgan Stanley Europe SE, Citigroup Global Markets Europe AG e BNP Paribas), uma Base Commission no montante de € 1.147.547,00 e um Discretionary Fee de € 500.000,00 (documento denominado “Instrução de pagamento”, junto em 29-10-2025);
d) As comissões referidas na alínea anterior foram sujeitas a Imposto do Selo, totalizando um valor de imposto de €149.927,83, imposto este liquidado e entregue ao Estado pela Requerente através da DMIS n.º ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e esclarecimentos que constam dos n.ºs 5 a 9 do documento apresentado em 29-10-2025);
e) Às comissões referidas na alínea c) supra acresceram ainda uma Additional Fee e uma Minimum Total Fee, cobradas por duas daquelas entidades financeiras (Morgan Stanley Europe SE, Citigroup Global Markets Europe AG), respetivamente pelos valores de € 250.000,00 e € 126.226,00, e um Pre-Funding Fee de € 305.556,00 cobrado pela terceira instituição financeira (BNP Paribas), o que, em termos agregados, resulta no montante de € 2.252.451,00 (documentos n.ºs 16 a 18, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
f) Sobre o referido montante de € 2.252.451,00 a Requerente pagou, , em substituição dos Joint Global Coordinator, Imposto do Selo no montante de € 90.098,04, o qual foi entregue através da DMIS n.º ... (documento n.º 3);
g) Relativamente a esta operação, a Requerente suportou um encargo total no montante de € 6.000.648,00, de harmonia com o quadro que segue:

h) Sobre estas comissões incidiu Imposto do Selo, à taxa de 4% estabelecida na verba 17.3.4 da TGIS, resultando num valor total de imposto de € 240.025,95, integralmente liquidado pela Requerente por via da DMIS ...;[1]
E) EMISSÃO DE INSTRUMENTO DE DÍVIDA GREEN SUBORDINADA NO VALOR DE € 750.000.000,00
a) Em Janeiro de 2023, a Requerente celebrou um novo contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações (“emissão de instrumentos de dívida”) que foram subscritas por um conjunto de entidades bancárias residentes (Banco Comercial Português, S.A.) e não residentes (Banco Santander Totta, S.A., Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A.,750 BofA Securities Europe, S.A., Crédit Agricole Corporate and Investment Bank, DBS Bank, Ltd., Deutsche Bank Aktiengesellschaft, Mediobanca – Banca de Credito Finanziario, S.P.A., Natwest Markets N.V. e Societé Générale) (em conjunto, “Joint Lead Managers”) (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Esta operação é semelhante à mencionada na alínea B) da matéria de facto, à exceção do valor global das obrigações emitidas – que desta feita ascendem somente a € 750.000.000,00;
c) Em contrapartida dos serviços prestados relativamente a esta operação, a REQUERENTE suportou, relativamente às entidades não residentes em Portugal, uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem de 0,4% sobre o valor da emissão efetuada, isto é, 2.400.000,00 (anexo A do documento n.º 19 e pontos 57 e 60 da reclamação graciosa, junta em 29-10-2025), que foi proporcionalmente cobrada pelos Joint Lead Managers;
d) Sobre as comissões cobradas pelas instituições financeiras não residentes incidiu Imposto do Selo, à taxa de 4% estabelecida na verba 17.3.4 da TGIS, resultando num valor total de imposto suportado pela REQUERENTE de € 96.000,00, integralmente liquidado por aquela através da DMIS... .
F) EMISSÃO DE PAPEL COMERCIAL NO VALOR DE € 200.000.000,00
a) Em agosto de 2022, a REQUERENTE e o Banco Comercial Português, S.A. celebraram um contrato de organização e montagem, garantia de subscrição, registo e agente pagador tendo por objecto a emissão de papel comercial (“valores mobiliários representativos de divida”) (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Nos termos do n.º 2 da cláusula 11 do referido contrato, a REQUERENTE obrigou-se a pagar uma comissão de agente pelos serviços de agenciamento providenciados nos termos do contrato por aquela instituição financeira, à taxa de 0,185%/ano a incidir sobre o montante máximo do programa a liquidar semestral e antecipadamente, com o primeiro pagamento a ser devido em agosto de 2023;
c) Estas comissões, no valor de € 185.000 cada, foram faturadas pelo Banco Comercial Português, S.A. em 18 de agosto de 2023, 20 de fevereiro de 2024 e 20 de agosto de 2024 – perfazendo o montante total de € 555.000,00 (documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) Sobre estas comissões incidiu Imposto do Selo, à taxa de 4% estabelecida na verba 17.3.4 da TGIS, resultando num valor total de imposto suportado pela REQUERENTE de € 22.200,00, integralmente suportado pela REQUERENTE e liquidado pelo Banco Comercial Português, S.A. por via das DMIS..., ... e ... (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 17-12-2024, a Requerente apresentou, via CTT, um pedido de reclamação graciosa, instaurada sob n.º ...2024..., contra os atos de liquidação em crise, visando a sua anulação (processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
H) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15-04-2025, proferido pelo Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que se baseia numa informação em que se refere, além do mais, o seguinte:
V.DOS FACTOS
18. A Reclamante tem sede em território nacional e o objeto social consiste, de acordo com os seus estatutos ao código CAE 070100 (ATIVIDADES DAS SEDES SOCIAIS).
19.No âmbito da sua atividade, no período a que se reporta a presente Reclamação, a aqui Reclamante contratou serviços de intermediação relativos a:
- Operações de emissão de títulos representativos de divida;
- Oferta de venda em dinheiro (tender offer) sobre instrumento híbrido;
- Operações de aumento de capital e de emissão de papel comercial.
20.Tendo para isso solicitado a intermediação de instituições financeiras na colocação em mercado desses valores mobiliários, em concreto:
- Barclays Bank Ireland PLC;
- HSBC Continental Europe;
- BNP Paribas;
- Caixa Bank SA;
- Citigroup Global Markets Europe AG;
- Intesa Sanpolo S.p.A.;
- JP Morgan SE;
- Mizuho Securities Europe GmbH;
- MUFG Securities(Europe) NV:
- Unicredit Bank Ag;
- ING Bank NV;
- Morgan Stanley Europe SE;
- Caixa Banco de Investimento SA;
- Banco Comercial Português SA;
- Banco Santander Totta SA,
- Banco Bilbao Vizcya Argontaria SA;
- ofA Securities Europe SA;
- Crédit Agricole Corporate and lnvestment Bank;
- DBS Bank Ltd;
- Deutshe Bank Aktiengesellschaft;
- Mediobanca-Banca de Credito Finanziario SPA;
- Ntwest Markets NV;
- Societé Génórale.
21 Pelos serviços financeiros contratados para executar as operações de oferta para a aquisição em dinheiro de obrigações, colocação e subscrição de novas obrigações, ações e papel comercial, emitido pela Reclamante, os intermediários financeiros acima referidos cobraram as designadas Comissões de subscrição, Comissões de colocação, Comissões de intermediação e Comissões de agente pagador, entre outras, em várias datas dos anos de 2023 a 2024.
22. A Reclamante procedeu ao pagamento das faturas emitidas pelos intermediários financeiros, relativamente às mencionadas comissões, sobre as quais foi liquidado e entregue ao Estado o respetivo IS, ao abrigo da Verba 17.3.4 da TGIS, à taxa de 4%.
VI DA ANÁLISE DA MATÉRIA DE FACTO E DO PEDIDO
23. Pela presente reclamação graciosa, a Reclamante contesta os atos tributários liquidação de imposto do selo (verba 17.3.4 da TGIS) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado, liquidadas e pagas pela ora Reclamante, relativamente aos anos de 2023 e 2024, pela cobrança por intermediários financeiros das respetivas comissões, por várias operações de aquisição em dinheiro de obrigações, colocação e subscrição de novas obrigações, ações e papel comercial, e assim é requerida a anulação das liquidações em análise, bem como a restituição do IS por si indevidamente suportado, no montante de € 598594,00, acrescido de juros indemnizatórios.
24. A questão subjudice, estará, portanto, em apreciar da legalidade da incidência objetiva de imposto de selo (verba 17.3.4) sobre as operações de aquisição em dinheiro de obrigações, colocação e subscrição de novas obrigações, ações e papel comercial, suportadas pela Reclamante, relativamente ao período supra referido, e se as mesmas se consideram desconformes com a lei, fruto da concatenação da referida verba da Tabela Geral de Imposto de selo, com o art.° 5 n.° 2 da alínea b) da Diretiva 2008/CICE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, mormente da alegada não sujeição de qualquer imposto indireto, sobre as operações de reunião de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente da tributação indireta das comissões advenientes de serviços financeiros de colocação de valores mobiliários, in casu títulos negociáveis, pelo que requer o reembolso do montante de imposto pago indevidamente referente às preditas comissões, acrescido do pagamento dos respetivos júris indemnizatórios nos termos do art.° 43.° da LGT.
Então vejamos,
25. De acordo com o art.° 1.° do CIS, este incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
26.A verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com este normativo, determina a sujeição a Imposto do Selo, a uma taxa de 4%, das seguintes realidades económicas:
17 Operações financeiras:
(...)
17.3 - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:
17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.".
27.Sendo esta verba 17.3.4 da TGIS de aplicar a operações praticadas por entidades
financeiras, é necessário que se verifiquem preenchidos os elementos subjetivo e objetivo da norma, a saber:
a) Elemento subjetivo: A operação tem que ser realizada por, ou com intermediação de uma, entidade financeira; e
b) Elemento objetivo: A operação tem que corresponder à cobrança de comissões ou outras contraprestações por serviços financeiros, que não as expressamente previstas nas outras sub-verbas (em concreto, as sub-verbas n.° 17.3.1 a 17.3.3 da TGIS).
28. No caso em apreço, entendemos encontrarem-se preenchidos os elementos de sujeição a IS. pelo que os serviços financeiros que originaram as chamadas Comissões de subscrição, Comissões de colocação, Comissões de intermediação e Comissões de agente pagador, entre outras, à Reclamante cobradas por entidades emitentes de títulos negociáveis, identificadas supra, estão sujeitas ao Imposto do Selo da verba n.° 17.3.4 da TGIS, por força das regras de incidência estipuladas no n.° 1 do artigo 1.° do CIS, conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo.
29. No entanto, a Reclamante pretende colocar em crise a sujeição por enquadramento nesta forma, entendendo que as liquidações contestadas foram efetuadas em violação da não sujeição prevista no artigo 5°, n.° 2 alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 18 de fevereiro, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
30. Isto porque defende que as comissões pagas e enunciadas sobre as quais incidiram as liquidações contestadas se enquadram indubitavelmente no conceito de formalidades conexas que vem previsto no referido artigo.
31. Assim, a questão em causa nos autos surge relativamente ao enquadramento apresentado pela Reclamante que entende, em suma, que as comissões de intermediação, que lhe foram cobradas pelas instituições de crédito, não deviam ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal tributação configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas.
a) Da não sujeição prevista na Diretiva 20081710E do Conselho, de 18 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos sobre reuniões de capitais.
32.A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 18 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais. No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que "[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência".
33.Na Diretiva ora em análise, a aI. a) e b) do n.° 2 do art.° 5.° estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: Entradas de capital" e "Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.", respetivamente.
34. In verbis, caso o legislador comunitário quisesse de facto não sujeitar, a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas al. a) e b) do n.° 2 do art.° 5.° da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez.
35. Para sustentar a sua pretensão, a Reclamante invocou diversos acórdãos do TJUE, nos quais entende que é sustentada a integração do conceito de formalidades conexas na leitura extensiva que o Tribunal faz do conceito de formalidades prévias, isto é, que deverá incluir todas as formalidades que condicionam o exercício e a prossecução da atividade; por outras palavras, envolve todas as formalidades que são intrínsecas, necessárias e adequadas à operação de reunião de capitais, incluindo a negociação de obrigações.
36.Sobre o caso vertente, não se colocando em causa o Primado do direito comunitário em relação ao direito interno, consagrado no artigo 8° da CRP e a jurisprudência Comunitária, do TJUE, que a ora Reclamante enumerou.
37.Ademais, e sem colocar em causa a aplicação direta do regime legal das Diretivas Comunitárias, na ordem interna jurídica, tendo o TJUE sucessivamente vincado o primado do direito comunitário" (cf., entre outros, o Acórdão "Costa contra Enel", de 15 de julho d 1964, Proc. 6/849), não é possível retirar da predita Diretiva da Reunião de Capitais, mormente o disposto no art.° 5 n.° 2, alínea b) da mesma , a não sujeição de imposto de selo das comissões de Colocação, Garantia de subscrição ou de Liderança, pela verba 17.3.4 da TGIS.
38.Na verdade, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo, e estar desenhado na lei de forma suficientemente determinada", sendo que na letra da referida diretiva, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços financeiros de colocação de valores imobiliários.
39.Necessário será distinguir entre "as formalidades conexas (...) admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis" previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e a as operações financeiras que "gravitam" em redor dessas mesmas operações financeiras.
40.Operações essas, como é o caso das aludidas comissões cobradas no âmbito da emissão de títulos negociáveis, que de resto preenchem o requisito de incidência de natureza objetiva que permite o enquadramento das comissões na sub-verba 17.3.4, porquanto cabem na categoria outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", não estando abrangidas por nenhuma isenção.
41 .Se no que concerne ao assunto vertente, é meridianamente claro, quer pela doutrina e pela jurisprudência, que a emissão das obrigações e bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1. da TGIS não tributa tais operações.
42.Tal realidade de resto, decorre da já referida Diretiva 2008/7/CE, através da qual, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que decorram a mercados primários para a obtenção de financiamento. Tal resulta entre outros, do segundo e terceiro considerandos da predita Diretiva, que explicitam esse mesmo desiderato.
43.ln rectius, a Diretiva dispõe que os Estados- Membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.
44.No seguimento, a referida Diretiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não incidência de tributação indireta, nem podia ser dessa forma.
45.Na verdade, determina a Diretiva 200817/CE, que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, entre outras, a emissão de papel comercial (independentemente de quem os emitiu).
46.Consabido é que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades. Note-se que em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações, encontra-se prevista no quadro do art.° 348.° do Cód. Sociedades Comerciais, sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo Decreto-Lei n.° 29/2014 de 25 de fevereiro.
47.Reitera-se que tal resulta de forma clara (sendo a única sujeição com interesse para o caso subjudice que se pode efetivamente retirar) do disposto no art.° 5 n.° 2 da Diretiva em questão, quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão das obrigações ou outros títulos negociáveis "independentemente de quem os emitiu (...)
48.Caso a Reclamante tivesse optado por proceder diretamente à emissão de obrigações, beneficiaria da não sujeição de IS, não apenas sobre a emissão, strictu sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autentificações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.
49.É justamente a parte final do art.° 5.° n.° 2 da Diretiva 2008171OE que corrobora este entendimento, quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do publico.
50.Não se pretendendo colocar em questão a complexidade técnica e a relevância do serviço prestado de intermediação financeira, sempre se dirá que o mesmo não é indissociável das operações realizadas pela Reclamante.
51.No caso subjudice, a ora Reclamante através das instituições financeiras referidas, procedeu a várias operações de emissão particular de títulos representativos de dívida, oferta de venda em dinheiro (tender offer) sobre instrumento híbrido, operações de aumento de capital e de emissão de papel comercial emitidos por si, não estando obrigada a recorrer a esses serviços de intermediação.
52.Neste sentido pronunciou-se o CAAD, na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 574/2021-T, que conclui:
62. Havendo a necessidade da consagração legislativa da isenção de que beneficiam as emissões de títulos, tal só pode significar que se isso não estivesse previsto a emissão de obrigações estaria sujeita a imposto no ordenamento jurídico competente, porque contemplada nas normas de incidência do imposto e o mesmo seria liquidado de acordo com as regras de determinação da matéria coletável desse ordenamento.
63. Ou seja, haveria imposto, suportado pela sociedade emitente dos títulos e que por essa via se estava a financiar, que seria liquidado sobre o valor da emissão desses mesmos títulos.
64. Trata-se indiscutivelmente de um imposto sobre a reunião de capitais, e não sobre as prestações de serviços impostas pelas diversas entidades intervenientes no percurso que culmina com a entrada de capital na empresa" (sublinhado nosso)."
53.Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra- se prevista no quadro do artigo 348.° do Código das Sociedades Comerciais, sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo Decreto-Lei n.° 69/2004, de 25 de março - que regula a disciplina aplicável aos valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial - na versão resultante do Decreto-Lei n.° 29/2014, de 25 de fevereiro.
54.O enquadramento fiscal do papel comercial, em sede de IRS e IRC, encontra-se previsto Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários, publicado pelo Decreto-Lei n.° 193/2005, de 7 de novembro e alterado pela Lei n.° 83/2013, de 9 de dezembro.
55.Pelo que se conclui ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta - de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer do CIS e respetiva TGIS.
56.Em sentido idêntico, pronunciou-se o CAAD, na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 856/2019-T, que remete para o TJUE, concretamente o acórdão "Air Berlin" (processo C-573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: "o artigo 5°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações."
57.Contudo, verifica-se que, nos presentes autos, a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7ICE ou do acórdão "Air Berlin".
58.No caso concreto, a Reclamante solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito, não procedendo diretamente à emissão de obrigações ou títulos - apesar do Código das Sociedades o permitir - não podendo por isso considerar-se os encargos decorrentes de tais serviços de intermediação, maxime as comissões cobradas pelos Bancos contratados, estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 20081710E.
59.A ser como é, não se poderá por isso considerar, que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime as comissões liquidadas, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008171OE, uma vez que a ora Reclamante poderia deles ter prescindido.
60.Aliás, na Diretiva proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indireto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de IS, verba 17.3.4 da TGIS.
61.Sucede que, apesar de estarmos a falar de programas de papel comercial, o denominador comum aos contratos celebrados com os Bancos é o facto de se tratarem exclusivamente de ofertas particulares do emitente ora Reclamante, efetivadas por colocação direta do emitente junto desses mesmos Bancos, com a garantia de subscrição da totalidade do papel comercial ou das obrigações por parte desses mesmos Bancos.
62 Neste sentido pronunciou-se o CAAD no já referido processo 574/2021-T, concluindo:
76. Importa ter em consideração que a montagem da operação de emissão dos títulos, com todos os estudos, análises e formalidades inerentes, culmina com a colocação da operação no mercado, a sua tomada firme ou não, até à efetiva captação dos recursos, porque necessários à prossecução da atividade das empresas em causa.
77. E aí as empresas emitentes podem, se a legislação específica o permitir, assumirem elas próprias a responsabilidade pela emissão dos títulos e a sua colocação no mercado, ou socorrem-se da colaboração de terceiros especialistas em tais matérias, voluntariamente, ou por imposição dos sistemas legais de cada um dos países em causa.
78. Se houvesse imposto do selo sobre a emissão de obrigações ou outros valores mobiliários, mesmo que as emissões fossem obrigatoriamente da responsabilidade de instituições financeiras para tal legalmente habilitadas, o imposto seria sempre da responsabilidade das emitentes e nunca dessas instituições, meras prestadoras de serviços.
79. Havendo isenção, exclusão de tributação ou qualquer outra realidade a mesma só poderia beneficiar aqueles que seriam tributados se tal isenção não existisse, ou seja as entidades emitentes e não os mais diversos prestadores de serviços chamados a colaborar nessa emissão,
80. Por esse via, a pretendida pela Requerente, também a empresa de marketing responsável pela campanha de divulgação da emissão ou os auditores que certificaram que a situação financeira da empresa lhe permite efetuar tal emissão, todos esses serviços teriam igualmente que beneficiar de uma isenção de tributação nas atividades que prestassem às entidades emitentes.
81. Como se referiu, no caso Português, para certas emissões, o recurso à colaboração das instituições financeiras era obrigatório, mas deixou recentemente de o ser (Vd. Art°. 1130. do CVM).
82. Mas o imposto que as sociedades emitentes pagam às instituições financeiras e que onera o valor do serviço que lhes prestam nada tem a ver com a emissão dos títulos propriamente dita, que cai no domínio do financiamento das empresas (reunião de capitais).
83. É verdade que a Diretiva diz que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto a emissão de obrigações.
E isso, o Estado Português não faz, pois não tributa tais emissões.
84. Mas a Diretiva não diz que os Estados não devem sujeitar a impostos indiretos os serviços bancários ou financeiros. E o Estado Português sempre o fez e vai certamente continuar a fazê-lo, tributando as mais diversas prestações de serviços/comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras.
85. Mais: a Diretiva admite expressamente na alínea e) do seu artigo 6.° que os Estados possam cobrar "Direitos com carácter remuneratório;" - o que implica que onde haja prestações pode haver tributação.
86. E também é claro que onde a tributação seja indistinta para sociedades de capitais e para sociedades pessoais (como é o caso da tributação em IS dos serviços prestados por intermediários financeiros na recolha de capitais para umas ou para outras) se está fora do âmbito restritivo da Diretiva, Isso ficou claro - se é que não o era já antes - com a decisão proferida pelo TJUE no Processo O-443/09, proferido em 19 de Abril de 2012 (Grilio Star EU:C:2012:213): "é manifesto que uma taxa anual como a que está em causa no processo principal não está relacionada com as formalidades a que as sociedades de capitais estejam sujeitas em consequência da sua forma jurídica." (37), o que "exclui que o seu pagamento constitua uma formalidade mais onerosa para uma empresa que tenha adotado a forma jurídica de uma sociedade de capitais do que para uma empresa constituída segundo uma forma jurídica diferente." (36).
87. E, como já se verá, a jurisprudência também afasta tais serviços de qualquer tipo de caracterização como "formalidades conexas", ainda que a jurisprudência do CAAD sobre esta matéria contemple situações diversas, já que por vezes a empresa contribuinte Requerente é o próprio emitente que busca o seu financiamento e outras vezes é o intermediário financeiro que busca capital para terceiros.
63.Termina remetendo para outra jurisprudência do CAAD, nomeadamente, e com especial relevância para o presente pleito:
89. Atentemos, para já, nos respetivos sumários:
I - A proibição de sujeição a imposto do selo resultante do artigo 5°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2008/7/CE, aplicável a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis e formalidades conexas, não abrange os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a titulo de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras;" (Proc. n.°. 502/2020-T).
V. Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE." (Proc. n.° 559/2020-T).
VI. Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5°, n.°2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE." (Proc. n.° 471/2021-T). (...)
93. Por sua vez, na decisão do processo n.° 2/2020-T escreveu-se o seguinte:
"A Diretiva visa criar um level playing field em todas a União, facilitando a livre circulação de capitais e favorecendo a concorrência em todo o espaço europeu, permitindo a reestruturação de empresas e seu desenvolvimento ou reagrupamento, liberando sobretudo operações que se traduzam em entradas de capital social (cfr. arts. 1° , 3° a 5° da Diretiva). No que respeita aos empréstimos, estatui-se também que os Estados-membros não devem sujeitar sociedade de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: (...) b) os empréstimos (...) contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa (...)" - artigo 5°, n°s 1 e 2, alínea b) da Diretiva. Prosseguindo estas finalidades, e no que respeita às emissões obrigacionistas o legislador da União i) visa obviar a impostos indiretos sobre o capital mutuado, i.e. sobre o montante do empréstimo "contraído sob a forma de emissão de obrigações"; ii) sobre todas as formalidades conexas à emissão de obrigações, vg a realização de assembleias gerais societárias, as escrituras e demais atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias; iii) sobre "a criação, emissão, admissão cotação em bolsa". Valem aqui, mutatis mutandis, os argumentos já expendidos quanto ao âmbito de aplicação da isenção: abrange os atos e garantias, legal previstas e, como tal, inerentes a uma relação de emissão e de subscrição de valores mobiliários, e não quaisquer obrigações creditícias voluntariamente assumidas vg pela emitente com terceiros contratados pela sociedade emitente."
64.Pelo que podemos concluir, que não se está a tributar o papel comercial, como, aliás, a Reclamante quer dar a entender, mas tão-só as remunerações cobradas pela prestação de serviços financeiros realizadas por intermediários financeiros, em consequência do seu trabalho de intermediação financeira.
65.Ou seja, podemos concluir que não se está a tributar o papel comercial nem as obrigações, seja pela sua criação/emissão (mercado primário), seja pela respetiva entrada/admissão à negociação (mercado secundário), mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Reclamante em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira.
66.Não pode, por isso, considerar-se que as alegadas comissões (acrescidas do devido Imposto do Selo) cobradas pelas instituições de crédito à Reclamante, decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE.
67.As comissões cobradas remuneram apenas as atividades desenvolvidas pelas entidades financeiras, não constituindo contrapartida de qualquer emissão do papel comercial/obrigações ou de formalidades conexas, em que avulta o seu registo, a que se refere a alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° da Diretiva 2008/7/CE.
68.Neste caso particular, cabe ao emitente, no caso a Reclamante, e não aos intermediários financeiros por esta contratados, emitir ou reembolsar o papel comercial e as obrigações.
69.Por outro lado, para o que aqui nos interessa, na atividade de intermediação financeira há que ter em conta o Código dos Valores Mobiliários ('CVM"), cujo artigo 290.° diz que serviços e atividade em instrumentos financeiros consistem, entre outros, na receção e na transmissão de ordens por conta de outrem; execução de ordens por conta de outrem; gestão de carteiras por conta de outrem; prestação de serviços e atividades de tomada firme e colocação com garantia ou colocação sem garantia; negociação por conta própria; consultoria para investimento; sendo que, a receção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação.
70.Decorre no normativo referido que o papel do intermediário financeiro é, assim, divulgar produtos financeiros e, caso se justifique, colocar em contacto o "público investidor" com o emitente, no caso a Reclamante, para efeitos de subscrição do papel comercial ou das obrigações, cuja emissão é da sua exclusiva competência e não do intermediário financeiro que nela não tem qualquer intervenção.
71.Ou seja, não cabe de modo algum no escopo da Diretiva o Imposto do Selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for.
72.O Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS incide apenas sobre as comissões cobradas por entidades financeiras, máxime comissões bancárias, remunerações essas devidas pela prestação de serviços financeiros, desde que não sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado, conforme decorre do n.° 2 do artigo 2.° do CIS.
73.Na verdade, na intermediação financeira, estamos perante contratos acessórios que criam vínculos juridicamente distintos e autónomos de "atos de emissão, criação, admissão à cotação ... dos valores mobiliários em causa (papel comercial e obrigações) que, recorde-se, uma vez mais, em sítio nenhum foram tributados em sede de Imposto do Selo.
74.A expressão "formalidades conexas" reporta-se apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita (onde cabem, por exemplo, as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões) e não a outras operações, incluindo contratos, eventualmente acessórios, mas juridicamente distintos da emissão.
75.Ou seja, "formalidades conexas", não são todas as formalidades que condicionam a prossecução da operação de reunião de capitais (e como se disse a intermediação financeira não é uma formalidade, mas antes uma operação autónoma), mas apenas os requisitos de eficácia regulados por lei, cuja verificação constitui um ónus para os intervenientes em um negócio jurídico, ou, dito de outra forma: as condições legais indispensáveis para que um ato seja considerado legítimo, devendo existir um nexo entre essa condição e o ato com que ela se relaciona, como sejam os atos preparatórios e os requisitas de mera eficácia regulados por lei, não abrangendo contratos acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita.
76.Dito de outro modo: os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita que com ela não se confundem.
77.Assim, a liquidação e cobrança de IS sobre as comissões, não violam a Diretiva, atenta a necessária concatenação da verba 17.3.4, da TGIS com o artigo 5°-2/b), da Diretiva 2008/7ICE, do Conselho da UE, de 12-2-2008.
78.O artigo 5.º, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 opõe-se a uma legislação nacional que preveja a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a entidades bancárias às quais tenha confiado a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, seja de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações, seja, ainda, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas, por lei, a recorrer aos serviços de um terceiro, ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária, o que não se verifica.
79.Mais se acrescenta que, no que toca aos documentos contratuais apresentados, em anexo à petição, estão praticamente todos redigidos em língua estrangeira.
80.Pelo que, temos de chamar à colação o artigo 54.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que refere que "a língua do procedimento é a língua portuguesa."
81. Esta norma decorre do n.° 3 do artigo 11 .° da Constituição da República Portuguesa, nos
termos da qual o Português é a língua oficial da República.
82.Sobre este tema veja-se a anotação ao artigo 54.° do CPA, in Comentários à revisão do código do procedimento administrativo, que dispõe que "Dada a natureza a função do procedimento administrativo faz sentido que ele corra apenas na língua nacional. Isto significa que, por exemplo, documentos a ele juntos em língua estrangeira deverão ser acompanhados da respetiva tradução em português, devidamente certificada. (...) A circunstância de hoje se ter generalizado o conhecimento de línguas estrangeiras, sobretudo do inglês, tanto por parte dos agentes da Administração como por parte dos particulares e dos seus representantes, não significa que exista qualquer obrigação, da parte de uns ou de outros, de dominarem idiomas estrangeiros para poderem ter intervenção num procedimento administrativo." (Comentários à revisão do código do procedimento administrativo, Fausto de Quadros, e outros, Coimbra, Almedina, 2016- pág.111).
83.Cumpre realçar que, é à Reclamante que compete o ónus de proceder à tradução certificada para língua portuguesa dos documentos que pretende juntar ao procedimento administrativo, conforme dispõem os artigos 133.° e 134.° do Código do Processo Civil, aplicável por remição da alínea e) do artigo 2.° do CPPT.
84. Atento o supra aludido, o facto de os documentos:
• "acordo entre a Reclamante and Others" - doc. n.° 6;
• "acordo entre a Reclamante and BNP Paribas, ng Bank N.V. and Unicredit Bank AG" - doc. n.° 9,
• "acordo entre a Reclamante and BNP Paribas, Citigroup Global Markets Europe AG and Morgan Stanley Europe SE" - doc. n.° 13;
• "Subscription Agreement entre a Reclamante and others" - doo. n.° 18
não se encontrarem redigidos em língua portuguesa inviabiliza que os mesmos sejam considerados como elemento de prova no presente procedimento.
85. Face todo o exposto, conclui-se, quanto ao caso em apreço, que as comissões em análise se afastam do conceito de formalidades conexas previstas no n° 2 do artigo 5.° da Diretiva, e, preenchendo cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no n° 1 do artigo 1.º do CIS.
86.Neste conspecto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado ao de sujeito passivo, de acordo com o disposto no art.° 2° do CIS.
87.Assim, entendemos que as autoliquidações efetuadas em matéria de imposto do selo não padecem de qualquer vício de violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, devendo as mesmas manterem-se na sua plenitude.
88.No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, enquanto garantia dos contribuintes, atualmente previsto no art.° 43° da LGT, este tem na sua origem o facto de a contribuinte ter pago indevidamente impostos em virtude de erros imputáveis aos serviços.
89.No caso em apreço, e tendo a AT atuado dentro dos limites legais, conclui-se que não são devidos juros indemnizatórios à Reclamante.
I) Em 10-07-2025, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os apresentados posteriormente, que são indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, bem como os que constam do processo administrativo.
2.2.2. No que respeita à falta de apresentação de traduções, referida na Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, há que dizer que não é fundamento para não dar como provados factos com base neles, desde logo porque foram apresentadas traduções, na sequência de decisão do Tribunal Arbitral.
De qualquer modo, nem o artigo 54.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) nem o artigo 134.º do Código de Processo Civil (CPC), justificam que não se considerem provados factos no procedimento tributário ou no processo judicial ou arbitral apenas por falta de apresentação de traduções certificadas de documentos.
Na verdade, a referência ao uso da língua portuguesa no procedimento administrativo tem um alcance idêntico àquele que tem no artigo 133.º do CPC em que se estabelece que «nos atos judiciais usa-se a língua portuguesa», isto é, aplica-se aos actos procedimentais.
Mas, como no processo civil, essa obrigatoriedade do uso da língua portuguesa não é obstáculo a que no procedimento sejam ouvidas pessoas que não conheçam a língua portuguesa, se necessário. E apenas se necessário, com intérprete (artigo 133.º, n.º 2, do CPC), ou que a Autoridade Tributária e Aduaneira junte ao procedimento tributário documentos em língua estrangeira sem certidões certificadas, (como faz usualmente com as informações obtidas de autoridades tributárias estrangeiras, nos termos do artigo 76.º n.º 4, da LGT), ou mesmo que a própria administração diligencie no sentido de obter traduções, para efectuar notificações, como está ínsito no artigo 88.º, n.º 4, do CPA.
De qualquer forma, é seguro que, à face do artigo 134.º do CPC, que não é obrigatório juntar traduções de documentos em língua estrangeira.
Na verdade, esta norma, ao estabelecer no seu n.º 1 ao dizer que «quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte», pressupõe, obviamente, que esses documentos possam ser apresentados sem tradução e mesmo que elas não venham a ser apresentadas, se o juiz entender que não são necessárias.
Assim, esta norma implica que não é obrigatória a apresentação inicial da tradução com os documentos escritos em língua estrangeira, pois a tradução só será exigida, eventualmente, se o tribunal (ou no procedimento administrativo a entidade que o dirige) considerar necessário.
Por isso, não há obstáculo a que os documentos apresentados em língua estrangeira sejam utilizados como meios de prova, como também não havia no procedimento de reclamação graciosa, numa situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não notificou a aí reclamante da necessidade de juntar traduções, nem deixou de apreciar os documentos que foram junto e pronunciar-se sobre eles.
2.2.3. No que concerne ao contrato relativo à recompra de obrigações visar a extinção definitiva da dívida representada por essas obrigações, o que é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, considerou-se provado com base no teor da alínea m) do ponto 6.1 do documento n.º 9, em que se refere:
6.1 The Offeror represents and warrants to and agrees with each Dealer Manager, on each of the date of this Agreement, the Launch Date, the Settlement Date and each day falling between the Launch Date and the Settlement Date, as follows:
(…)
m) that the Offeror will have, at the time it becomes obliged to purchase Notes tendered for purchase pursuant to the Offer, sufficient funds to enable it to pay, and is authorised to use such funds to pay promptly on the Settlement Date, in accordance with the terms and conditions of the Offer and the Agreements. (i) the Purchase Price for, and (ii) Accrued Interest on, the Notes tendered in the Offer and accepted for purchase by the Offeror, and the fees and expenses payable under Clause 5
Ou, como consta da respectiva tradução:
6.1. O Oferente declara, garante e concorda com cada Gestor de Negociação, em cada uma das datas do presente Contrato, da Data de Lançamento, da Data de Liquidação e em cada dia entre a Data de Lançamento e a Data de Liquidação, o seguinte:
(…)
m) que o Oferente terá, no momento em que se tornar obrigado a adquirir as Valores Mobiliários Representativos de Dívida apresentados para aquisição nos termos do Convite, fundos suficientes para lhe permitir pagar, e está autorizado a utilizar esses fundos para pagar prontamente na Data de Liquidação, de acordo com os termos e condições do Convite e dos Contratos, (i) o Preço de Compra e (ii) os Juros Acumulados sobre os Valores Mobiliários Representativos de Dívida apresentados no Convite e aceites para aquisição pelo Oferente, bem como as comissões e despesas exigíveis nos termos da Cláusula 5;
3. Matéria de direito
A verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, determina a sujeição a Imposto do Selo das seguintes operações:
“17 Operações financeiras:
(…)
17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:
(…)
17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.”.
A questão essencial que é objecto do processo, é a de saber se a cobrança de Imposto do Selo relativamente a comissões cobradas por entidades bancárias por serviços de intermediação financeira prestados no âmbito de operações de aumento de capital e de emissão e recompra de títulos de dívida (obrigações e papel comercial) ( [2] ), é incompatível com artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais.
O artigo 5.º, n.º 2 da Directiva 2008/7/CE estabelece o seguinte:
2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:
a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.
3.1. Posições das Partes
Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira baseia-se no seguinte, em suma:
– caso o legislador comunitário quisesse de facto não sujeitar, a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas al. a) e b) do n.° 2 do art.° 5.° da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez;
– necessário será distinguir entre "as formalidades conexas (...) admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis" previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e a as operações financeiras que "gravitam" em redor dessas mesmas operações financeiras;
– a emissão das obrigações e bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1. da TGIS não tributa tais operações;
– a Reclamante solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito, não procedendo diretamente à emissão de obrigações ou títulos - apesar do Código das Sociedades o permitir - não podendo por isso considerar-se os encargos decorrentes de tais serviços de intermediação, maxime as comissões cobradas pelos Bancos contratados, estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 20081710E;
– apesar de estarmos a falar de programas de papel comercial, o denominador comum aos contratos celebrados com os Bancos é o facto de se tratarem exclusivamente de ofertas particulares do emitente ora Reclamante, efetivadas por colocação direta do emitente junto desses mesmos Bancos, com a garantia de subscrição da totalidade do papel comercial ou das obrigações por parte desses mesmos Bancos;
– as comissões cobradas remuneram apenas as atividades desenvolvidas pelas entidades financeiras, não constituindo contrapartida de qualquer emissão do papel comercial/obrigações ou de formalidades conexas, em que avulta o seu registo, a que se refere a alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° da Diretiva 2008/7/CE;
– que o papel do intermediário financeiro é, assim, divulgar produtos financeiros e, caso se justifique, colocar em contacto o "público investidor" com o emitente, no caso a Reclamante, para efeitos de subscrição do papel comercial ou das obrigações, cuja emissão é da sua exclusiva competência e não do intermediário financeiro que nela não tem qualquer intervenção;
– a expressão "formalidades conexas" reporta-se apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita (onde cabem, por exemplo, as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões) e não a outras operações, incluindo contratos, eventualmente acessórios, mas juridicamente distintos da emissão;
– os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita que com ela não se confundem.
– os documentos contratuais apresentados, em anexo à petição, estão praticamente todos redigidos em língua estrangeira;
– nos termos do artigo 54.º do CPA, os documentos a ele juntos em língua estrangeira deverão ser acompanhados da respetiva tradução em português, devidamente certificada;
– é à Reclamante que compete o ónus de proceder à tradução certificada para língua portuguesa dos documentos que pretende juntar ao procedimento administrativo, conforme dispõem os artigos 133.° e 134.° do Código do Processo Civil.
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– a tributação em Imposto do Selo das operações referidas não é admitida pelo Direito da União Europeia, mormente pela Diretiva 2008/7/CE, o que foi confirmado pelo TJUE nas decisões proferidas nos processos p n.º C-416/22 e C-335/22;
– estas decisões têm natureza vinculativa;
– as operações em causa não constam das excepções taxativamente previstas no artigo 6.º, n.º 1, da mesma Diretiva;
– a redação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), não remete sequer especificamente para uma das categorias de instrumentos financeiros (e.g., valores mobiliários, o que em qualquer circunstância seria o caso), antes se refere à isenção de impostos indiretos dos empréstimos, e, embora mencione concretamente as obrigações, a título de exemplo, fala também em «outros títulos negociáveis», nestes estando enquadrado o papel comercial;
– a intenção do legislador europeu foi a de isentar todas as operações de determinadas tipologias – e, designadamente, as que constituam formalidades conexas das expressamente mencionadas no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva – salvo quando do n.º 1 do artigo 6.º resulte solução diversa;
– o objetivo de não tributar formalidades conexas com as operações que estão isentas de impostos indiretos – tais como as que se encontram sob apreciação nos presentes autos;
– prende-se com a necessidade de garantir que essas operações conexas não são afetadas quanto à finalidade que prosseguem: «uma concentração de meios financeiros» e «o reforço do potencial económico das sociedades» – cf. § 29 das Conclusões do Advogado-Geral no âmbito do processo n.º C-22/03 (Optiver);
– independentemente de alguns dos serviços e atividades de investimento serem ou não de natureza legalmente facultativa ou obrigatória – como entende o próprio TJUE –, não sendo possível dissociar as operações de intermediação financeira das operações de emissão de obrigações e de papel comercial, não restam dúvidas de que estas últimas constituem, estas sim, as operações principais (globais) realizadas, e aquelas primeiras, operações acessórias a elas, perfeitamente subsumíveis ao conceito de formalidades conexas;
– no entendimento do TJUE, que deverá ser seguida no caso concreto, a aplicação da Diretiva – em particular, do seu artigo 5.º, n.º 2, alínea b) – não está dependente «de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar as operações» (cf. § 42 C-416/22).
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda o seguinte, em suma:
– as duas operações de emissão de instrumento de dívida “green” subordinada em análise não tem um cariz de oferta pública, já que se destinavam, direta ou indiretamente, a investidores profissionais;
– as comissões de garantia de subscrição não correspondem a comissões que visem remunerar a colocação em mercado de novos títulos negociáveis junto do público em geral, sob a forma de papel comercial e/ou obrigações e, como tal, a sua tributação em sede de IS, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, deve, de acordo com a jurisprudência do TJUE acima indicada, ser considerada compatível com a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE;
– não se verifica o requisito fundamental da reunião de capitais previsto na Diretiva 2008/7/CE, que é os títulos serem verdadeiramente negociáveis, isto é, serem colocados em mercado aberto junto do público em geral através de uma oferta pública, e não se destinarem, pura e simplesmente, a subscrições particulares;
– a recompra de obrigações emitidas em 2019 e que, como tal, só se enquadra no âmbito da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE se implicar a EXTINÇÃO DEFINITIVA DA DÍVIDA QUE ESSAS OBRIGAÇÕES REPRESENTAM, sendo que, do teor dos documentos disponibilizados pela Requerente, tal não se encontra provado;
– da análise das faturas juntas pela Requerente, verificou-se que, ao contrário da fatura emitida pelo UniCredit Bank AG (documento n.º 11), as faturas emitidas pelo BNP Paribas (documento n.º 10) e pelo ING Bank N.V. (documento n.º 12) apresentam descrições vagas (“dealer manager” e “...”), que não permitem identificar o contrato a que respeitam e muito menos concluir se se referem a comissões enquadráveis no âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE;
– quanto à operação de aumento de capital social da Requerente, de acordo com o §30 do PPA, as ações foram colocadas junto de DETERMINADOS INVESTIDORES de acordo com um processo de “accelerated bookbuilding”, concluído igualmente naquela data e titulado por um contrato denominado “Underwriting Agreement”;
– da leitura do respetivo contrato (documento n.º 13), datado de 2 de março de 2023, foi possível concluir que o mesmo estabelece, na cláusula 7, que não existiriam ofertas públicas, nomeadamente nos Estados Unidos, Reino Unido e no Espaço Económico Europeu;
– não estamos perante uma operação de colocação de ações junto do público em geral, mas antes de uma operação de emissão de ações para SUBSCRIÇÃO PARTICULAR de determinados investidores;
– o programa de emissão de papel comercial em apreço destina-se a SUBSCRIÇÃO PARTICULAR com GARANTIA DE SUBSCRIÇÃO pelo próprio Banco contratado pela Requerente para o efeito;
– NÃO ESTÁ PRESENTE O REQUISITO FUNDAMENTAL DA REUNIÃO DE CAPITAIS previsto na Diretiva 2008/7/CE na interpretação que o TJUE lhe vem dando, que é que esses capitais sejam obtidos JUNTO DE UM PÚBLICO INDETERMINADO EM GERAL, EM CONSEQUÊNCIA DA EMISSÃO DE NOVOS TÍTULOS DE DÍVIDA, no presente caso sob a forma de papel comercial, PARA SEREM DISSEMINADOS EM MERCADO ATRAVÉS DA SUA OFERTA PÚBLICA;
– no documento n.º 21 anexado ao PPA, a Requerente juntou faturas, emitidas pelo Millenium BCP, com a descrição “COMISSÃO AGENTE PAGADOR” sem qualquer referência que permita identificar o contrato a que se refere.
3.1.1. Fundamentação a atender
Antes de mais, importa esclarecer que a fundamentação a atender é a que a consta da decisão da reclamação graciosa e não a que é invocada inovatoriamente na resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
O processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas na pendência do processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente os invocados no processo contencioso.
O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos na decisão da reclamação graciosa, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo a trazer ao processo poderiam ser diferentes.
Por isso, aquele direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos dos actos impugnados que o sujeito passivo não teve oportunidade de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial e o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.
O que, aliás, também é imposto pelo princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) à face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, :
– Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária (acórdão do STA de 1-6-2011, processo n.º 058/11);
– (...) o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos actos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os actos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial (acórdão do STA de 31-1-2018, processo n.º 1157/17).
Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.
Nos casos de actos que não foram praticados pela Administração Tributária, sujeitos a reclamação graciosa necessária [artigos 131.º do CPPT e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março], a fundamentação relevante para aferir a legalidade é a da respectiva decisão.
Nos casos em que uma decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de actos não praticados pela Administração Tributária), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a liquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação em que o acto subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dela consta, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [3] )
Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.
Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da auto-liquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas foram invocados na Resposta apresentada no processo arbitral. Designadamente, não é fundamentação relevante, tudo o que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz na resposta sobre hipotéticas deficiências probatórias de facturas, que não foi fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
3.2. Apreciação da questão
Como referem ambas as Partes, a matéria em causa foi apreciada pela jurisprudência do TJUE.
Sobre a interpretação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE, o TJUE tem vindo a pronunciar-se de forma consentânea com o entendimento defendido pela Requerente.
Assim, por Despacho de 19-07-2023, proferido no processo n.º C-416/22, refere-se, além do mais, o seguinte:
25 De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.
26 Neste contexto, por um lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital de uma sociedade de capitais, proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.
27 Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas obrigações e à recompra de obrigações emitidas anteriormente por uma sociedade de capitais, proíbe a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.
28 A este respeito, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, cumpre antes de mais salientar que o conceito de «formalidades conexas», que devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C:1998:508, n.ºs 21 e 22, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C-466/03, EU:C:2007:385, n.ºs 52 a 54 e jurisprudência referida).
29 Todavia, serviços de intermediação financeira como os que estão em causa no processo principal estão relacionados com a substância das operações de reunião de capitais, pelo que não são abrangidos pelas «formalidades» a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7.
30 No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).
31 Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).
32 Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a transmissão da titularidade de ações, exigida pelo direito nacional, unicamente para efeitos de uma operação de admissão dessas ações à cotação em bolsa e sem consequências sobre a propriedade efetiva das mesmas, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer forma de imposto (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.° 36).
33 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C:1998:508, n.ºs 19, 21 e 22).
34 Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de novas ações para efeitos de aumento do capital social ou de novas obrigações apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.ºs 31 a 33 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).
35 Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles ou, em alternativa, de comprar por conta própria esses títulos constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).
(...)
41 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de intermediação financeira com essas operações de emissão e de colocação em circulação dos títulos em causa, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).
42 A este respeito, há que recordar, por um lado, que esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).
Nesse Despacho, o TJUE respondeu às questões colocadas em reenvio prejudicial, nestes termos:
O artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,
deve ser interpretado no sentido de que:
se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.
Da citada jurisprudência resulta, em síntese e com interesse para os autos, que:
a) a cobrança de imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira relacionados com a colocação em mercado e subscrição de novas obrigações oc com ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam viola o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (Parte decisória);
b) a proibição de tributar de forma indirecta tais serviços de intermediação financeira abrange igualmente a tributação das formalidades conexas a tais serviços (n.º 27);
c) para o efeito, é indiferente que a sociedade de capitais (entidade emitente dos títulos) seja obrigada a recorrer a serviços de um terceiro ou se optou por recorrer aos mesmos de forma voluntária (Decisão);
d) sendo ainda indiferente, para o efeito, que os títulos negociáveis sejam colocados em mercado junto do público ou , em alternativa, a entidade bancária adquira tais títulos por conta própria (n.º 35).
No caso em apreço, a aplicação desta jurisprudência conduz a considerar ilegal a cobrança de Imposto do Selo relativamente às operações de colocação no mercado e recompra de obrigações, já que esta visava a extinção definitiva da dívida que essas obrigações, como resulta da matéria de facto fixada.
Na linha desta jurisprudência, decidiu o TJUE no Despacho proferido, na mesma data, no processo C-335/22, relativamente às comissões relacionadas com a colocação no mercado da generalidade de títulos negociáveis, «como obrigações e papel comercial de novas emissões:
“O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.”
Desta segunda decisão, conclui-se que esta jurisprudência é aplicável à colocação em mercado de «títulos negociáveis», de qualquer natureza, inclusivamente, por isso, obrigações, papel comercial, situações enquadráveis na alínea b) do n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.
Por outro lado, a aplicação desta jurisprudência à colocação no mercado de acções, resulta directamente do teor expresso daalínea a) do n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.
Como se refere no ponto 35 do Despacho proferido no processo n.º C-416/22, a proibição em causa tanto de aplica quando os títulos negociáveis são colocados em mercado junto do público como quando a entidade bancária adquire tais títulos por conta própria.
Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
O reenvio prejudicial está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) , do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial previsto nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) do TUE e 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Assim, aplicando a referida jurisprudência do TJUE, conclui-se que são ilegais, por violação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, as liquidações de Imposto do Selo impugnadas.
Essa ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso da quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso das quantias pagas indevidamente, com juros indemnizatórios.
A Requerente tem direito a reembolso da quantia de € 598.594,00 paga, a título de Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas pelos serviços prestados no âmbito das operações de colocação de acções, obrigações e papel comercial, bem como recompra de obrigações.
Relativamente a juros indemnizatórios, o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos do Pleno de 29-06-2022 e de 22-11-2023, processo n.º 125/23.4BALSB, uniformizou jurisprudência sobre juros indemnizatórios nos casos de retenção na fonte impugnados através de reclamação graciosa, nestes termos:
Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.
Esta jurisprudência é transponível para os casos de reclamação graciosa de actos de liquidação praticados por entidades estranhas à Administração Tributária.
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 17-12-2024 e foi indeferida em 15-04-2025, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir de 16-04-2025, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia a reembolsar.
Os juros indemnizatórios são calculados com base na quantia de € 598.594,00, devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 16-04-2025 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de Imposto do Selo impugnadas tituladas pelas a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo titulados pelas DMIS n.º ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e respeitantes aos períodos de janeiro de 2023, março de 2023, junho de 2023, agosto de 2023, fevereiro de 2024 e agosto de 2024;
c) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de reembolso, relativamente à referida quantia de € 598.594,00;
d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 598.594,00, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23-11-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Pedro Guerra Alves)
(Carla Almeida Cruz)
[1] Há algumas diferenças de alguns cêntimos, eventualmente derivadas de arredondamentos, que não têm relevo apreciável, pois é seguro que o montante de imposto suportado foi de € 240.025,95, como consta do documento n.º 3.
[2] Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março, «são papel comercial os valores mobiliários representativos de dívida emitidos por prazo igual ou inferior a 397 dias».
[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102; de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047; de 12-12-2002, processo n.º 047699; de 18-12-2002, processo n.º 048366; de 06-05-2020, processo n.º 512/10.8BEPRT.