DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, João Taborda da Gama e Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º..., B..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º..., e C..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º..., todas com sede na ..., n.º..., ..., ...-..., em Lisboa (doravante individualmente designadas por "1.ª Requerente", "2.ª Requerente" e "3.ª Requerente", ou, conjuntamente designadas por "Requerentes"), vieram, em coligação, requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo, nomeadamente, dos artigos 3.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (“IMT”) e Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) e correspondentes juros compensatórios, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”), no montante total de € 3.933.185,57, bem como das decisões de indeferimento tácito das reclamações graciosas apresentadas pelas Requerente, respectivamente, nos dias 24 de Abril, 29 de Abril e 21 de Maio de 2024.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, efectuado em 22.11.2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b), 10.º, n.º 2, alínea g) e 11.º, n.º 2, todos do RJAT, as Requerentes designaram como árbitro João Taborda da Gama. Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, a Requerida indicou como árbitro Sofia Ricardo Borges. A solicitação dos árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou Carla Castelo Trindade como Árbitro-Presidente.
4. As partes foram devidamente notificadas destas designações, às quais não se opuseram nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 8.º, do RJAT, e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 21.02.2025, sendo que naquela mesma data foi proferido Despacho notificando a Requerida para apresentar a sua resposta.
6. Em 31.03.2025, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo, tendo-se defendido por impugnação e concluído pela improcedência do pedido arbitral formulado pelas Requerentes.
7. Em 24.04.2025, as Requerentes, ao abrigo dos princípios do contraditório e da cooperação e boa fé processual, previstos no artigo 16.º, alíneas a) e f), do RJAT, e em conformidade com o teor do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, apresentaram requerimento a pronunciar-se sobre o teor da resposta apresentada pela Requerida.
8. Em 07.05.2025, foi proferido despacho arbitral nos termos do qual (i) se concedeu à Requerida o prazo de 10 (dez) dias para, querendo, exercer o seu direito de pronúncia sobre o requerimento apresentado pelas Requerentes; (ii) se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT; e (iii) se concedeu também o prazo de 15 (quinze) dias para as partes, querendo, apresentarem, em simultâneo, alegações escritas.
9. No dia 06.06.2025, as Requerentes apresentaram as suas alegações escritas.
II. POSIÇÃO DAS PARTES
§1 – Posição das Requerentes
10. Os fundamentos apresentados pelas Requerentes, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese e com relevo para a presente decisão, os seguintes:
a. As liberdades fundamentais previstas no Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) opõem-se ao regime previsto nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI, ao agravar as taxas de IMT e IMI, com base exclusivamente na circunstância de os adquirentes serem controlados ou dominados por entidade sujeita a um regime fiscal mais favorável;
b. O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), impõe a prevalência do Direito da União Europeia sobre o direito interno, obrigando à não aplicação de normas nacionais incompatíveis com o TFUE;
c. A regulamentação nacional introduz uma diferença de tratamento fiscal na aquisição e detenção de bens imóveis em Portugal entre:
i. Situações puramente domésticas (em que apenas intervêm entidades residentes neste território); e
ii. Situações transfronteiriças (em que intervêm entidades residentes noutras jurisdições).
d. Esta diferença de tratamento sujeita entidades residentes controladas por entidades não residentes a uma tributação mais gravosa do que aquela aplicável a entidades apenas controladas por entidades residentes;
e. Tal constitui uma discriminação entre sujeitos passivos que se encontram numa situação objectivamente comparável, em violação da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, do TFUE, sendo, por isso, proibida;
f. Em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), a diferença de tratamento apenas seria justificada por razões imperiosas de interesse geral, como:
i. A necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal português;
ii. A necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros;
iii. A necessidade de evitar a diminuição de receitas fiscais, ou
iv. A necessidade de garantir a eficácia dos controlos administrativos;
g. Nenhuma destas razões imperiosas de interesse geral se verificam ou podem ser consideradas admissíveis neste caso;
h. Em particular, quanto à necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos, o Estado Português nem sequer concede às entidades accionistas não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu estado de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação Portuguesa para os accionistas residentes;
i. Acresce que a Requerida dispõe de mecanismos adequados de troca de informações, como a Convenção Multilateral da OCDE sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal (“Convenção Multilateral”) e o Acordo entre a República Portuguesa e o Governo das Ilhas Caimão sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal (“Acordo de Troca de Informações”), aptos a permitir controlos administrativos eficazes com as Ilhas Caimão;
j. O TJUE já se pronunciou sobre situações de tributação patrimonial agravada de sociedades não residentes, apenas admitindo semelhante discriminação em situações de inexistência de mecanismos internacionais de troca de informação;
k. O Estado Português não pode justificar a discriminação em causa com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos, já que tal resultaria numa presunção inilidível – e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade – da existência de uma situação de fraude ou evasão fiscal;
l. Em alternativa, caso subsistam dúvidas sobre a compatibilidade do regime nacional com o artigo 63.º, do TFUE, impõe-se o reenvio prejudicial ao TJUE, suspendendo-se a instância até à decisão deste Tribunal.
§2 – Posição da Requerida
11. Por seu lado, a Requerida contestou a posição das Requerentes, defendendo-se, em síntese e com relevo para esta decisão, com os fundamentos seguintes:
i. O TFUE estabelece no artigo 63.º a eliminação de restrições aos movimentos de capitais, tanto entre Estados-Membros quanto entre estes e países terceiros, salvo algumas excepções, nomeadamente as que sejam justificadas por razões imperativas de interesse geral e sejam proporcionais face às situações ou comportamentos que visam acautelar;
ii. O combate à fraude e à evasão fiscal é reconhecido pelo TJUE como uma motivação legítima que pode justificar restrições à liberdade de circulação de capitais, desde que esta restrição seja desenhada para impedir “expedientes puramente artificiais” (i.e., situações desprovidas de realidade económica, com o objectivo de eludir o imposto normalmente devido);
iii. As razões de interesse geral de combate à fraude fiscal e a necessidade de preservar a eficácia dos controlos fiscais são aceites apenas quando não existem instrumentos (acordos bilaterais ou multilaterais) de troca de informações com Estados terceiros equivalentes às Directivas;
iv. O Acordo de Troca de Informações não inclui, no seu âmbito de aplicação, impostos como o IMT e o IMI;
v. A Convenção Multilateral também não é aplicável ao IMT, já que as Ilhas Caimão aprovaram uma reserva que exclui do seu âmbito de aplicação impostos cobrados a favor das subdivisões políticas ou das autoridades locais de uma parte, tal como o IMT;
vi. É falacioso o argumento de que Portugal tem ao seu dispor instrumentos internacionais que permitem a troca de informação fiscal com as Ilhas Caimão;
vii. A actuação da Requerida não está a violar qualquer norma de Direito Europeu, designadamente o artigo 63.º, do TFUE, nem mesmo o princípio da igualdade, já que a restrição à livre circulação de capitais é legitimada pela necessidade de combate à evasão fiscal, sendo que, no caso em concreto, não há troca de informações ao nível de IMT, nem de IMI.
III. SANEAMENTO
12. O pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
13. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
14. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
15. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
16. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
17. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
18. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelas Requerentes e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
§2 – Factos provados
19. Analisada a prova até agora produzida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a apreciação do mérito da causa:
a. As Requerentes são sociedades comerciais unipessoais por quotas com sede em Lisboa, Portugal, que têm por objecto social a “compra e venda de imóveis, compra para revenda de imóveis e gestão do património imobiliário detido pela sociedade”;
b. As Requerentes estão inscritas para o exercício da actividade principal de compra e venda de imóveis (CAE 68100) e para a actividade secundária de arrendamento de imóveis (CAE 68200);
c. O capital social de cada uma das Requerentes é integralmente detido pela sociedade de direito luxemburguês D..., S.A.R.L., com sede no Grão-Ducado do Luxemburgo (“D...”);
d. O capital social da D... é detido integralmente pela sociedade de direito luxemburguês E..., S.A.R.L., com sede no Grão-Ducado do Luxemburgo (“AE...”);
e. O capital da sociedade E... é detido pelas seguintes entidades sedeadas nas Ilhas Caimão:
a) F… L.P., titular do registo n.º … (“F…”);
b) G…, L.P., titular do registo n.º …(“G…”); e
c) H…, L.P., titular do registo n.º … (“H…”);
f. As entidades F..., G... e H... são controladas pela sociedade I..., L.P., com sede nas Ilhas Caimão (“I...”);
g. A sociedade J..., LLC (“J...”) é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito norte-americano, com residência fiscal no Estado do Delaware, nos Estados Unidos da América;
h. Em 2018, a 1.ª Requerente adquiriu os seguintes imóveis:




i. Em 2018, a 2.ª Requerente adquiriu os seguintes imóveis:

j. Em 2018, a 3.ª Requerente adquiriu os seguintes imóveis:


k. As Requerentes adquiriram os imóveis acima identificados, com isenção de tributação em sede de IMT, por declararem destinar-se a uma futura revenda, nos termos do artigo 7.º, do Código do IMT;
l. Não tendo aqueles imóveis sido revendidos num período de três anos, nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT, as Requerentes deixaram de beneficiar da referida isenção de IMT;
m. Consequentemente, as Requerentes efectuaram, voluntariamente, o pagamento do IMT devido, nos seguintes termos:
a) 1.ª Requerente – € 1.035.694,40;
b) 2.ª Requerente – € 1.780.126,86;
c) 3.ª Requerente – € 1.255.925,28;
n. Relativamente à 1.ª Requerente, a falta de revenda dos imóveis dentro do prazo de três anos determinou, igualmente, o início da tributação em sede de IMI, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Código do IMI;
o. Em 10 de Janeiro de 2023, a Requerida ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2022..., OI2022... e OI2022..., datadas de 5 de Dezembro de 2022, iniciou acções de inspecção tributária externas às Requerentes, tendo por objecto o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC"), IMT e IMI, referentes ao ano de 2021;
p. Em 19 de Junho de 2023, a 3.ª Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária;
q. De acordo com esse projecto de relatório, a Requerida enunciou a sua intenção de corrigir os valores de IMT e IMI devidos, referentes ao exercício de 2021, respectivamente, nos montantes de € 698.653,92 e € 238.620,27, com o fundamento de que a 3.ª Requerente é “indirectamente controlada por entidades com domicílio fiscal em território sujeito a um regime fiscal mais favorável” e, como tal, sujeita às taxas previstas nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI;
r. Em 26 de Agosto de 2023, a 2.ª Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária;
s. De acordo com esse projecto de relatório, a Requerida enunciou a sua intenção de corrigir os valores de IMT e IMI devidos, referentes ao exercício de 2021, respectivamente, nos montantes de € 958.529,85 e € 566.186,37, com o fundamento de que a 2.ª Requerente é “indirectamente controlada por entidades com domicílio fiscal em território sujeito a um regime fiscal mais favorável” e, como tal, sujeita às taxas previstas nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI;
t. Em 5 de Setembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária;
u. De acordo com esse projecto de relatório, a Requerida enunciou a sua intenção de corrigir os valores de IMT e IMI devidos, referentes ao exercício de 2021, respectivamente, nos montantes de € 1.058.500,73 e € 1.002.892,64, com o fundamento de que a 1.ª Requerente é “indirectamente controlada por entidades com domicílio fiscal em território sujeito a um regime fiscal mais favorável” e, como tal, sujeita às taxas previstas nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI;
v. Dentro dos respectivos prazos, as Requerentes exerceram os seus direitos de audição prévia, enunciando as razões pelas quais consideravam que as taxas de IMT e de IMI, previstas nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI, não lhes poderiam ser aplicadas;
w. Em 28 de Agosto de 2023, a 3.ª Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária que converteu em definitivas as correcções anteriormente projectadas;
x. Em 25 de Outubro de 2023, a 2.ª Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária que converteu em definitivas as correcções anteriormente projectadas;
y. Em 2 de Novembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária que converteu em definitivas as correcções anteriormente projectadas;
z. Nos relatórios finais de inspecção tributária notificados às Requerentes, a Requerida considerou que as mesmas são “indiretamente controlada[s] por entidades com domicílio fiscal em território sujeito a um regime fiscal mais favorável” e, como tal, sujeitas às taxas agravadas de IMT e de IMI previstas nos artigos 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e 112.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMI, invocando para o efeito o seguinte:
a) Os capitais sociais das Requerentes são integralmente detidos pela D...;
b) O capital social da sociedade D... é integralmente detido pela E...;
c) O capital social da sociedade E... é detido pela F..., pela G... e pela H..., entidades estabelecidas nas Ilhas Caimão;
d) Em conjunto, a F..., G... e H... detêm integralmente o capital social da E...;
e) A F..., G... e H... são controladas e detidas pela I..., com sede nas Ilhas Caimão, que actua como “General Partner” de tais fundos;
f) A I..., na qualidade de “General Partner”, concentra em si a autoridade e controlo sobre as operações e tomada de decisões relativamente à F..., à G...c e à H...;
g) A I... mantém relações de domínio indirecto com as Requerentes, nos termos do artigo 486.º, do Código das Sociedades Comerciais;
aa. Na sequência das correcções efectuadas pela Requerida à 1.ª Requerente no relatório de inspecção tributária, esta foi notificada das seguintes liquidações de IMT e de IMI:







bb. O somatório das liquidações de IMT e de IMI que foram notificadas à 1.ª Requerente ascendem ao montante total de € 2.147.773,54, assim discriminados:
a) € 1.058.500,85, respeitam a IMT;
b) € 1.002.892,64, respeitam a IMI;
c) € 86.380,05, respeitam a juros compensatórios;
cc. Na sequência das correcções efectuadas pela Requerida à 2.ª Requerente no relatório de inspecção tributária, esta foi notificada das seguintes liquidações de IMT:

dd. O somatório das liquidações de IMT que foram notificadas à 2.ª Requerente ascendem ao montante total de € 1.035.842,51, assim discriminados:
a) € 958.529,85, respeitam a IMT;
b) € 77.312,66, respeitam a juros compensatórios;
ee. Na sequência das correcções efectuadas pela Requerida à 3.ª Requerente no relatório de inspecção tributária, esta foi notificada das seguintes liquidações de IMT:


ff. O somatório das liquidações de IMT que foram notificadas à 3.ª Requerente ascendem ao montante total de € 749.569,52, assim discriminados:
a) € 698.653,91, respeitam a IMT;
b) € 50.915,59, respeitam a juros compensatórios;
gg. Todas as liquidações adicionais de IMT e IMI foram pagas pelas Requerentes dentro dos prazos legais respectivos;
hh. Em 24 de Abril de 2024, 29 de Abril de 2024 e 21 de Maio de 2021, a 1.ª Requerente, a 2.ª Requerente e a 3.ª Requerente apresentaram, respectivamente, reclamações graciosas contra aqueles actos de liquidação adicional de IMT e de IMI;
ii. Ainda que a 1.ª Requerente tenha apresentado uma única reclamação graciosa contra todos os actos de liquidação de imposto, a Requerida instaurou dezassete procedimentos para a respectiva análise, os quais se encontram actualmente pendentes e a correr os seus termos sob os n.ºs ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024... e ...2024...;
jj. No que se refere à 2.ª Requerente e à 3.ª Requerente, na presente data, os procedimentos de reclamação graciosa encontram-se pendentes junto da Requerida, correndo, respectivamente, os seus termos sob os n.ºs ...2024... e ...2024...;
kk. Em 28 de Outubro de 2024, a 2.ª Requerente foi notificada de projecto de rejeição liminar da reclamação graciosa por si apresentada no dia 29 de Abril de 2024, com fundamento na respectiva intempestividade;
ll. Em 12 de Novembro de 2024, a 2.ª Requerente exerceu o respectivo direito de audição prévia, apontando um vício de falta de fundamentação ao projecto de rejeição liminar e invocando, subsidiariamente e sem conceder, o poder-dever da Requerida em convolar o procedimento de reclamação graciosa apresentada intempestivamente num procedimento de revisão oficiosa;
mm. Após mais de quatro meses sobre a data de apresentação das referidas reclamações graciosas, as Requerentes não foram notificadas pela Requerida das decisões finais no âmbito dos correspondentes procedimentos.
§2 – Factos não provados
20. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se deu como provado o seguinte facto:
a. O capital social da E... é detido legal e fiduciariamente pela J... .
V. MATÉRIA DE DIREITO
21. Discute-se, em síntese, neste processo, a legalidade das liquidações adicionais de IMT e de IMI, efectuadas pela Requerida às Requerentes na sequência de processos de inspeção tributária, incidentes, respectivamente, sobre a aquisição onerosa e a detenção de bens imóveis.
22. Mais concretamente, analisa-se a legalidade dessas liquidações adicionais que têm subjacente a aplicação de taxas agravadas e cujo fundamento utilizado pela Requerida é a circunstância de as Requerentes serem sujeitos passivos residentes, dominados ou controlados, directa ou indirectamente, por entidade com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – Ilhas Caimão.
23. Essa tributação agravada implica que as Requerentes tenham sido tributadas, em sede de IMT, a uma taxa de 10% (ao invés das habituais taxas que variam entre 5% e 6.5%), pela aquisição de bens imóveis, e, em sede de IMI, a uma taxa de 7,5% (ao invés das habituais taxas que variam entre 0,3% e 0,8%), pela detenção desses bens.
Vejamos,
§1 - Normas legais relevantes
24. Para decidir, importa, antes de mais, transcrever na parte que aqui interessa o enquadramento legal aplicável às operações em análise:
i. Artigo 17.º, n.º 1, alíneas d e e), e n.º 4, alíneas, a e b), do Código do IMT:
“Artigo 17º
Taxas
1 - As taxas do IMT são as seguintes:
(…)
d) Aquisição de prédios rústicos - 5%;
e) Aquisição de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas - 6,5%.
(…)
4 - A taxa é sempre de 10 %, não se aplicando qualquer isenção ou redução sempre que o adquirente:
a) Tenha domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, sem prejuízo da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho;
b) Seja uma entidade dominada ou controlada, direta ou indiretamente, por entidade que tenha domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”;
ii. Artigo 112.º, n.º 1, alíneas a e c), e n.º 4, alíneas a) e b), do Código do IMI:
“Artigo 112º
Taxas
1 - As taxas do imposto municipal sobre imóveis são as seguintes:
a) Prédios rústicos: 0,8%;
(…)
c) Prédios urbanos - de 0,3 % a 0,45 %.
(…)
4 - A taxa do imposto é de 7,5 % para os prédios de sujeitos passivos que:
a) Tenham domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças;
b) Sejam, nos termos previstos no n.º 8 do artigo 17.º do Código do IMT, uma entidade dominada ou controlada, direta ou indiretamente, por entidade que tenha domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”;
iii. Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro:
“A luta contra a evasão e fraude internacionais passa também pela adopção de medidas defensivas, tradicionalmente designadas por medidas antiabuso, traduzidas em práticas restritivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património, benefícios fiscais e imposto do selo, que têm como alvo operações realizadas com entidades localizadas em países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a regimes de tributação privilegiada. Tendo em conta as dificuldades em definir «paraíso fiscal» ou «regime fiscal claramente mais favorável», o legislador nacional, na esteira das orientações seguidas por outros ordenamentos jurídico-fiscais, optou, nuns casos, por razões de segurança jurídica, pelo sistema de enumeração casuística e, noutros, por um sistema misto, estando, no entanto, ciente de que tais soluções obrigam a revisões periódicas dos países, territórios ou regiões que figuram na lista. Assim: Manda o Governo, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril, o seguinte: Para todos os efeitos previstos na lei, designadamente no n.º 3 do artigo 16.º do Código do IRS, no n.º 2 do artigo 59.º e no n.º 3 e na alínea c) do n.º 7 do artigo 60.º do Código do IRC, na alínea b) do artigo 26.º, no n.º 7 do artigo 41.º e no n.º 8 do artigo 42.º do EBF, no n.º 3 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril, no n.º 4 do artigo 2.º e no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 219/2001, de 4 de Agosto, no n.º 7 do artigo 9.º e no n.º 3 do artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e no n.º 4 do artigo 17.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, é a seguinte:
(…)
15) Ilhas Cayman;”;
iv. Artigos 63.º a 65.º, do TFUE:
“Artigo 63.º
(…)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 64.º
(…)
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais. Em relação às restrições em vigor ao abrigo da legislação nacional na Bulgária, na Estónia e na Hungria, a data aplicável é a de 31 de dezembro de 1999. Em relação às restrições em vigor ao abrigo da legislação nacional na Croácia, a data aplicável é a de 31 de Dezembro de 2002.
2. Ao mesmo tempo que se esforçam por alcançar, em toda a medida do possível, o objetivo da livre circulação de capitais entre Estados-Membros e países terceiros, e sem prejuízo dos restantes capítulos dos Tratados, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adotam medidas relativas à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.
3. Em derrogação do n.º 2, só o Conselho, deliberando de acordo com um processo legislativo especial, por unanimidade e após consulta ao Parlamento Europeu, pode adotar medidas que constituam um retrocesso no direito da União em relação à liberalização dos movimentos de capitais com destino a países terceiros ou deles provenientes.
Artigo 65.º
(…)
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
4. Na ausência de medidas ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adotar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objetivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.
§2 – Violação do artigo 63.º, do TFUE
25. As Requerentes invocaram a ilegalidade da tributação agravada a que foram sujeitas, em sede de IMT e de IMT, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE.
26. Conforme anteriormente referido, as Requerentes alegam que as liquidações de IMT e de IMI, às taxas agravadas de 10% e 7,5%, nos moldes acima detalhados, conduzem a uma diferença de tratamento fiscal na aquisição e detenção de bens imóveis em Portugal entre:
i. Situações puramente domésticas (em que apenas intervêm entidades residentes neste território); e
ii. Situações transfronteiriças (em que intervêm entidades residentes noutras jurisdições).
27. Esta diferença de tratamento sujeita, de acordo com as Requerentes, as entidades residentes controladas por entidades não residentes a uma tributação mais gravosa do que a aplicável a entidades apenas controladas por entidades residentes.
28. As Requerentes enunciam que esta discriminação não pode ser justificada pela necessidade de Portugal garantir a eficácia de controlos administrativos, já que os accionistas não residentes não têm a possibilidade de comprovar que cumprem, no seu estado de residência, requisitos similares aos previstos na legislação nacional…
29. … apesar de existirem mecanismos de troca de informações em matéria fiscal em vigor entre Portugal e as Ilhas Caimão.
30. Tal constitui, para as Requerentes, uma discriminação entre sujeitos passivos que se encontram numa situação objectivamente comparável, em violação da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, do TFUE, sendo, por isso, proibida.
31. Já a Requerida entende que a aplicação destas normas nacionais decorre da circunstância de os territórios de tributação privilegiada – como é o caso das Ilhas Caimão – serem instrumentos de evasão fiscal e que a mera domiciliação de entidades nesses territórios também o é.
32. Por conseguinte, a Requerida argumenta que o legislador assume que as entidades aí domiciliadas são potencialmente indutoras de evasão fiscal ou utilizadoras de riqueza e de meios económicos e financeiros emergentes de fenómenos evasivos.
33. Acrescenta a Requerida que é a domiciliação de um sujeito passivo de IMT e de IMI, ou de uma entidade que o domina ou controla, num território de tributação privilegiada, que é determinante para a sujeição às taxas de tributação agravada…
34. … sendo irrelevante a origem dos meios financeiros e a especificidade do adquirente e detentor de bens imóveis.
35. A Requerida sublinha que a diferenciação de tratamento arguida pelas Requerentes apresenta fundamento racional no escopo, estrutura e natureza das normas em análise, isto é, no combate e prevenção à evasão fiscal, para “reduzir oportunidades de planeamento fiscal quando estejam em causa residentes em offshore”.
36. Daí que, defende a Requerida, não há qualquer violação do princípio da igualdade, já que este princípio tem como vertente tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes.
37. Nota ainda a Requerida, que Portugal não tem ao seu dispor instrumentos internacionais que permitem a troca de informação fiscal com as Ilhas Caimão, já que estas, de facto e de Direito, afastaram a utilização dos mecanismos criados com esse objectivo, em sede de IMT e de IMI, não sendo possível o respectivo controlo pela Requerida.
38. Em face do exposto, e do confronto de posições assumidas pelas Requerentes e pela Requerida, importa analisar se as normas nacionais aplicadas e ora em apreciação são, ou não, contrárias à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, do TFUE.
39. Conforme decorre da jurisprudência do TJUE, “[o] artigo 63.º, n.º 1, TFUE proíbe, em termos gerais, as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros. Constituem movimentos de capitais visados por esta disposição, designadamente, os investimentos diretos sob a forma de participação numa empresa através de uma detenção de ações que confira a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo (investimentos ditos «diretos»), assim como a aquisição de títulos no mercado de capitais com a única intenção de realizar uma aplicação financeira, sem pretender influenciar a gestão e o controlo da empresa (investimentos ditos «de carteira»” (in Acórdão de 26.02.2019, X GmbH, no processo n.º C-135/17, ou “Acórdão X GmbH”).
40. Complementando esta ideia, o TJUE refere que “medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados” (inacórdão de 30.01.2020, Köln‑Aktienfonds Deka, no processo n.º 156/17, ou “Acórdão Köln”).
41. Nestes moldes, resultará da jurisprudência do TJUE que a situação sub judice estará abrangida pela liberdade de circulação de capitais, prevista naquela norma do TFUE.
42. Os termos em que as normas nacionais foram concebidas poderão traduzir-se numa restrição a essa liberdade, já que poderão dissuadir sociedades residentes em países terceiros de investir em Portugal, afectando directamente operações transfronteiriças.
43. Em termos práticos, a entender-se ocorrer tal restrição, a mesma poderá traduzir-se numa discriminação de tratamento, já que estruturas de aquisição e detenção de bens imóveis que utilizem somente entidades com residência em Portugal não se encontram sujeitas à aplicação de taxas agravadas (contrariamente ao que pode suceder com estruturas transfronteiriças de aquisição e detenção de bens imóveis).
44. Nesse sentido, as normas nacionais, poderão eventualmente constituir uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º, do TFUE.
45. Todavia, importa analisar se ocorre a mencionada restrição na circunstância factual aqui em apreço em que as sociedades portuguesas proprietárias dos imóveis são detidas indirectamente por entidade(s) com domicílio fiscal em território de baixa tributação, concretamente nas Ilhas Caimão, e se, a ser assim, pode ou não ser justificada à luz do TFUE.
46. Tendo por referência o disposto no artigo 65.º, do TFUE, o TJUE tem arguido que [e]sta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes, em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o Tratado (…) Com efeito, a própria derrogação prevista na referida disposição é limitada pelo artigo 65.°, n.° 3,TFUE, que prevê que as disposições nacionais referidas no n.° 1 deste artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e de pagamentos, tal como definida no artigo 63.°» (…) As diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE devem ser distinguidas das discriminações proibidas pelo n.° 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação fiscal nacional como a que está em causa no processo principal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento nela prevista diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral” (in acórdão de 10.04.2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, no processo n.º C-190/12, ou “Acórdão Emerging Markets”).
47. Ora, à luz do acima exposto e em face da interpretação do TJUE perfilhada noutros acórdãos, poderá eventualmente entender-se inexistir uma diferença objectiva entre as duas categorias de contribuintes ora em comparação - aqueles unicamente detidos por entidades residentes em Portugal e aqueles detidos por entidades não residentes (com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável) - que justifique uma desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação da aquisição e detenção de bens imóveis (vide, entre outros, Acórdão Köln, Acórdão X GmbH, acórdão de 10.02.2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel BetriebsgmbH e Österreichische Salinen AG, nos processos apensos C‑436/08 e C‑437/08, ou “Acórdão Haribo”, acórdão de 06.09.2018, Carlos Manuel Patrício Teixeira e Maria Madalena da Silva Moreira Patrício Teixeira, no processo n.º C-184/18, ou “Acórdão Carlos Teixeira”).
48. Com efeito, poderá eventualmente entender-se que a situação de uma sociedade residente em Portugal detida, directa ou indirectamente, por entidades estabelecidas em países ou territórios terceiros (com um baixo nível de tributação), será essencialmente comparável à situação de uma sociedade residente em Portugal detida, directa ou indirectamente, apenas por entidades estabelecidas neste país.
49. Em ambos os casos, estaremos na presença de sociedades residentes que adquirem e detêm a propriedade de bens imóveis localizados em Portugal, sendo que poderá eventualmente entender-se que o carácter transfronteiriço da estrutura accionista de umas entidades em face da situação interna da estrutura accionista de outras não é, por si só (ao envolver entidades com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável), razão bastante para afastar essa comparabilidade.
50. Nesse sentido, a restrição em análise, a ocorrer, “apenas pode ser admitida se for justificada por razões imperiosas de interesse geral, for adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e não for além do necessário para o alcançar” (cfr., nesse sentido, entre outros, Acórdão Köln).
51. Conforme o TJUE já afirmou anteriormente, as razões imperiosas de interesse geral que podem justificar as restrições à livre circulação de capitais incluem:
i. A necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal (cfr., entre outros, acórdão de 13.11.2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, no processo n.º C-35/11, ou “Acórdão Test Claimants”);
ii. A prevenção de fraude e evasão fiscais (cfr., entre outros, Acórdão X GmbH); e
iii. A eficácia dos controlos tributários no combate à fraude e evasão fiscais (cfr., entre outros, Acórdão X GmbH).
52. De resto, o TJUE considera que é, em princípio, adequada uma regulamentação nacional destinada a combater a fraude e evasão fiscais, designadamente através da utilização de expedientes puramente artificiais (e.g. a “filial «caixa de correio» ou de «fachada»” na terminologia do TJUE), desprovidos de realidade económica, cujo principal objectivo, ou um dos principais objectivos, seja elidir uma determinada tributação mediante recurso a jurisdições de baixa tributação (cfr., entre outros, Acórdão X GmbH).
53. Poder-se-á, pois, concluir que a finalidade do combate à fraude e à evasão fiscais subjacente às normas do Código do IMT e do Código do IMI ora em análise constitui uma razão de interesse geral susceptível de justificar restrições à liberdade de circulação de capitais, nos termos do artigo 65.º, do TFUE.
54. Porém, à luz das orientações do TJUE, ainda que existam razões de interesse geral justificativas da restrição à liberdade de circulação de capitais, as medidas nacionais restritivas:
i. Terão de ser adequadas a garantir a sua realização, e
ii. Não poderão ultrapassar o necessário (i.e., terão de ser proporcionais) para atingir o objectivo prosseguido (cfr., entre outros, acórdão de 09.10.2014, Rita van Caster e Patrick van Caster, no processo n.º C-326/12, ou “Acórdão van Caster”, acórdão de 03.10.2013, Itelcar — Automóveis de Aluguer Lda., no processo n.º C-282/12, ou “Acórdão Itelcar”, Acórdão Test Claimants, Acórdão Haribo, Acórdão Köln e Acórdão X GmbH).
55. Quanto ao preenchimento do critério da adequação, ainda que este Tribunal não disponha de elementos de facto suficientes para concluir que a estrutura de detenção e domínio accionista das Requerente tenha um carácter artificial…
56. … também não pode excluir que essa mesma estrutura (atenta à profusão de entidades e jurisdições incluídas nessa estrutura):
i. não tenha qualquer justificação económica e comercial válida, e que
ii. tenha, como objectivo principal ou um dos objectivos principais, a fraude ou a evasão fiscal, mediante, entre outras possibilidades, uma eventual transferência artificial de rendimentos para países ou territórios com baixo nível de tributação.
57. Uma vez que a regulamentação nacional que está em causa nestes autos visa – precisamente – o combate à fraude e à evasão fiscais, entende este Tribunal que a mesma será, em princípio, adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue (cfr., por analogia, Acórdão X GmbH).
58. Nestes moldes, é imperioso analisar se aquela regulamentação nacional não vai para além do que é necessário para atingir o seu objectivo.
59. Ora, conforme se retira das orientações do TJUE, a mera circunstância de uma determinada sociedade ou entidade se encontrar num país terceiro com um baixo nível de tributação ou de uma dada entidade ser detida por outra localizada num país terceiro com baixo nível de tributação não pode, por si só:
i. Servir de base a uma presunção geral de fraude e evasão fiscais, e
ii. Justificar, a esse título, uma medida fiscal que afecte a livre circulação de capitais (cfr., entre outros, Acórdão van Caster, Acórdão Itelcar, Acórdão Test Claimants, Acórdão Haribo, Acórdão Köln e Acórdão X GmbH).
60. Acresce que, enuncia o TJUE que uma regulamentação nacional que opere de forma automática e que não admita a possibilidade de um sujeito passivo demonstrar que:
i. Não se está na presença de “um expediente artificial”;
ii. Existem “razões comerciais”, ou
iii. Existe uma “efetiva existência da atividade económica” que justifica que uma determinada entidade se estabeleça num “país terceiro com um baixo nível de tributação”;
61. corresponderá “essencialmente comparável a uma presunção inilidível de fraude ou de evasão fiscais”, mesmo nos casos em que as actividades que estão na origem da aplicação de tal regulamentação possam constituir “indícios de um comportamento suscetível de conduzir à fraude ou evasão fiscais” (cfr., Acórdão X GmbH).
62. Como tal, para o TJUE, “a legislação de um Estado‑Membro que impeça de forma absoluta os contribuintes que tenham subscrito participações em fundos de investimento estrangeiros de fornecerem elementos de prova que respondam a critérios, designadamente de apresentação, diferentes dos previstos para os investimentos nacionais pela legislação do primeiro Estado‑Membro excede o necessário para garantir a eficácia dos controlos fiscais” (cfr. Acórdão van Caster).
63. Até porque, “não se pode excluir, a priori, que os referidos contribuintes estejam em condições de fornecer documentos justificativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, as informações exigidas para determinar corretamente a tributação dos rendimentos dos fundos de investimento” (cfr. Acórdão van Caster).
64. Complementando este raciocínio, TJUE já afirmou que “se pode considerar que não vai além do necessário para evitar a fraude e evasão fiscais uma legislação que se baseia numa análise de elementos objetivos e verificáveis para determinar se uma transação tem caráter de expediente puramente artificial apenas para fins fiscais e que, sempre que a existência desse expediente não possa ser excluída, permite ao contribuinte, sem o submeter a contingências administrativas excessivas, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais pelas quais esta transação foi concluída” (cfr., entre outros, Acórdão Itelcar).
65. Assim, parece decorrer desta jurisprudência que as restrições à livre circulação de capitais, a ocorrerem, devem, em regra, assegurar aos contribuintes a possibilidade de demonstrarem - sem estarem sujeitos a exigências administrativas excessivas - que as operações foram ditadas por razões económicas válidas e que não tiveram como principal objectivo, ou como um dos principais objectivos, evitar ou reduzir os impostos pagos.
66. Sem prejuízo do acima exposto, dado que as normas nacionais ora em análise visam países terceiros (e não Estados-Membros), o TJUE assinala que os princípios associados às restrições à livre circulação de capitais que vigoram dentro da União Europeia não podem ser inteira e automaticamente transpostas para os movimentos de capitais entre Estados-Membros e aqueles países, uma vez que estão em causa contextos jurídicos distintos (cfr. Acórdão X GmbH).
67. Mais afirma o TJUE que “[n]o que diz respeito, nomeadamente, à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de proporcionarem a um sujeito passivo condições para apresentar elementos que provem as eventuais razões comerciais da sua participação numa sociedade estabelecida num país terceiro, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de tal obrigação deve ser apreciada em função da disponibilidade de medidas administrativas e regulamentares que permitam, sendo caso disso, um controlo da veracidade desses elementos” (cfr. Acórdão X GmbH).
68. Assim, ainda que caiba a um Estado-Membro o dever de proporcionar a um determinado contribuinte a possibilidade de demonstrar as “razões comerciais” ou a efectiva “atividade económica exercida” associadas a uma determinada estrutura de detenção, esse mesmo Estado-Membro deve poder controlar a veracidade dessa demonstração.
69. Aliás, a este propósito, o TJUE enuncia que “quando a regulamentação de um Estado‑Membro faz depender a concessão de um benefício fiscal da satisfação de condições cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado‑Membro pode, em princípio, recusar‑se a conceder essa vantagem se for impossível obter essas informações junto desse país, designadamente por não existir uma obrigação convencional de esse país terceiro fornecer essas informações” (cfr. Acórdão X GmbH), sendo por isso “impossível obtê-las junto do mesmo” (cfr. Acórdão Haribo).
70. Por comparação, nos casos em que se verifica a “existência de obrigações convencionais (…) que estabelecem um quadro jurídico comum de cooperação e preveem mecanismos de troca de informações entre as autoridade nacionais em questão, pode excluir a priori que os fundos de investimento estabelecidos nos Estados Unidos da América possam ser obrigados a fornecer os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais polacas verificar, em cooperação com as autoridades competentes dos Estados Unidos da América, que exercem as suas atividades em condições equivalentes às aplicáveis aos fundos de investimento estabelecidos no território da União” (cfr. Acórdão Emerging Markets).
71. Nestes termos, tal controlo pode e deve ser efectuado por um Estado-Membro, mediante o recurso a mecanismos convencionais de trocas de informações existentes junto das autoridades competentes de um determinado país terceiro.
72. Sendo que, se tal controlo for efectuado nestes moldes, dar-se-á como verificada a condição de a regulamentação nacional não ir para além do que é necessário para atingir os seus objectivos.
73. Daí que o TJUE conclua que “[o] artigo 63.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual os rendimentos obtidos por uma sociedade estabelecida num país terceiro que não provêm de uma atividade própria desta sociedade (…) são incorporados (…) na matéria coletável de um sujeito passivo residente nesse Estado‑Membro, (…) a menos que exista um quadro jurídico que preveja, nomeadamente, obrigações convencionais que habilitem as autoridades fiscais nacionais (…) a controlar, se for caso disso, a veracidade das informações relativas a essa sociedade, fornecidas para demonstrar que a participação (…) não tem origem num expediente artificial.” (cfr. Acórdão X GmbH).
74. Por oposição, caso tais mecanismos de trocas de informações entre Estados-Membros e países terceiros não existam (ou, ainda que existam formalmente, não exista um histórico ou uma obrigação prática desse país terceiro efectivamente fornecer as informações necessárias), esta conclusão do TJUE sugere que a inexistência de instrumentos de troca de informações eficazes poderá caracterizar a regulamentação nacional como sendo adequada e proporcional, em face das razões de interesse geral invocadas para justificar as restrições à livre circulação de capitais.
75. Ou seja, por outras palavras, na ausência de um quadro jurídico de cooperação internacional que permita o controlo efectivo pela administração fiscal de um Estado- Membro de que a operação não teve a obtenção de vantagens fiscais como principal objectivo, ou como um dos principais objectivos, o artigo 63.º, do TFUE, não impede que o Estado-Membro aplique uma regulamentação nacional restritiva, mesmo sem conceder ao contribuinte a oportunidade de provar a inexistência de um expediente artificial.
76. A este respeito e quanto aos mecanismos de troca de informações entre Portugal e as Ilhas Caimão – a Convenção Multilateral e o Acordo de Troca de Informações –, o Tribunal tem fundadas dúvidas sobre se estes serão, por si só, suficientes para que a Requerida controle, de forma efectiva, se uma estrutura de detenção de activos imobiliários situados em Portugal não foi criada com fins evasivos ou abusivos, fins esses que as normas do Código do IMT e do Código do IMI em análise visam combater.
77. Quanto ao Acordo de Troca de Informações, os impostos nele visados respeitam a impostos sobre o rendimento (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, IRC e Derrama) e sobre o Imposto do Selo sobre as transmissões gratuitas, não abrangendo o mesmo a troca de informações quanto a impostos sobre o património, como o IMT e o IMI, aqui em análise.
78. Quanto à Convenção Multilateral, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 80/2014, de 16 de Setembro, Portugal declarou unilateralmente que o IMT e o IMI enquadravam-se como “impostos sobre propriedade imóvel”, integrando-os no âmbito de aplicação desta Convenção.
79. Porém, em relação ao âmbito dos impostos visados na Convenção Multilateral, as Ilhas Caimão formularam, através de uma declaração constante de uma carta do Secretary of State for Foreign and Commonwealth Affairs of the United Kingdom, datada de 9 de Setembro de 2013, registada no Secretariado Geral da OCDE em 25 de Setembro de 2013, uma reserva unilateral nos seguintes moldes:
“Annex A - Taxes to which the Convention applies
For the Cayman Islands, the Convention shall apply to those taxes in Article 2, paragraph 1, which fall within:
a) any of paragraphs (i) to (iii) of sub-paragraph (a); or
b) paragraph (iii) of sub-paragraph (b)”[1].
80. Através desta reserva, as Ilhas Caimão excluíram do âmbito da Convenção Multilateral, nomeadamente, os impostos sobre a propriedade imobiliária (tais como o IMT e o IMI) que sejam cobrados a favor de subdivisões políticas ou de autoridades locais de um Estado.
81. Nestes termos, não resulta claro para este Tribunal que existam, efectivamente, obrigações convencionais entre Portugal e as Ilhas Caimão que estabeleçam um quadro jurídico de cooperação e mecanismos de trocas de informações entre as autoridades nacionais em questão que permitam, efectivamente, à Requerida verificar a veracidade das informações fornecidas pelas Requerentes, quanto à sua estrutura accionista transfronteiriça e à demonstração de que a mesma não tem origem num expediente artificial.
82. Sem prejuízo de tudo o acima exposto e mesmo considerando que as orientações presentes na jurisprudência citada do TJUE permitem, de uma forma consistente, alcançar um entendimento acerca dos critérios que uma regulamentação nacional deverá seguir para – perante uma restrição à liberdade de circulação de capitais – ser julgada conforme com o TFUE…
83. … não é menos verdade de que as situações analisadas pelo TJUE e que originaram os acórdãos atrás citados são diferentes entre si e distintas das visadas nos presentes autos.
84. Ora, aqueles acórdãos, ao não terem versado sobre a tributação agravada associada à aquisição e detenção de bens imóveis e sobre uma eventual proibição dessa tributação à luz da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º, do TFUE, considera este Tribunal Arbitral que não pode ser feita uma transposição tout court da jurisprudência do TJUE (mormente a atrás citada) para o presente processo.
85. Acresce que os processos sobre os quais o TJUE teve a oportunidade de se pronunciar não versaram sobre questões específicas de tributação relacionadas com a aquisição e detenção de património imobiliário, mas antes sobre temas alusivos à tributação de determinadas tipologias de rendimentos.
86. As divergências e entendimentos contraditórios quanto à interpretação do Direito da União Europeia são evidentes nas posições assumidas pelas partes nos articulados que apresentaram, sendo que ambas suscitaram a hipótese de formulação de questões prejudiciais ao TJUE.
87. Ora, o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária (…) pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados-membros”, conforme sublinhou o TJUE no acórdão de 01.12.1965, Schwarze, proferido no processo C-16/65.
88. Este instrumento de cooperação pode não ser utilizado pelo juiz nacional com base na “teoria do acto claro” que, tal como sublinhou o TJUE no acórdão de 06.10.1982, Cilfit, proferido no processo 283/81, se verifica nos seguintes casos:
i. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
ii. O TJUE já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; e
iii. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União Europeia, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.
89. Aqui chegados, e considerando o anteriormente exposto, considera este Tribunal Arbitral que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da teoria do acto claro, impondo-se a formulação de questões prejudiciais para suscitar a intervenção do TJUE no que respeita à interpretação e compatibilidade das normas de direito interno com normas de Direito da União Europeia.
VI. DECISÃO
90. Termos em que decide este Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 267.º, do TFUE e do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, suspender a instância e submeter à apreciação do TJUE as seguintes questões prejudiciais:
I. Uma legislação, como a portuguesa, que prevê a aplicação de uma taxa agravada na aquisição e na detenção de bens imóveis por sujeitos passivos dominados ou controlados, directa ou indirectamente, por entidade que tenha domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por Portaria do Ministro das Finanças, constitui uma restrição à livre circulação de capitais abrangida pelo artigo 63.º, do TFUE?
II. Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa, o combate à fraude e evasão fiscais constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar essa restrição?
III. Caso a resposta à segunda questão seja afirmativa, pode-se considerar que essa restrição vai além do necessário se:
i. Não for conferido ao sujeito passivo o direito de afastar a aplicação da taxa de tributação agravada, em sede de IMT e de IMI, provando ou demonstrando que a estrutura de aquisição e detenção de bens imóveis em Portugal, ainda que envolvendo entidades localizadas em jurisdições com baixo nível de tributação, não decorre de expedientes artificiais, sendo legítima por assentar em razões comerciais e económicas válidas?
ii. A resposta à questão suscitada na alínea anterior depende da existência, ou não, de um instrumento convencional de troca de informações fiscais entre Portugal e o território terceiro com baixo nível de tributação que permita a obtenção de informações relativas à natureza das actividades dessa entidade estabelecida nesse território, tendo em vista a aplicação das leis fiscais nacionais relativas aos impostos como o IMT e o IMI aqui em apreço?
IV. Ocorre ou não restrição da liberdade de circulação de capitais tal como definida no artigo 63.º, do TFUE, por via das normas da legislação portuguesa, de tributação sobre o património, constantes do artigo 17.º, n.º 4, alínea b), do Código do IMT, e do artigo 112.º , n.º 4, alínea b), do Código do IMI, que estabelecem taxas fixas de imposto agravadas, respectivamente, de 10% e de 7,5% (ao invés das habituais taxas que variam entre 5% e 6,5%, e entre 0,3% e 0,8%) – o primeiro na aquisição onerosa, e o segundo na detenção, de bens imóveis –, na circunstância em que o contribuinte (que é o proprietário do imóvel sito em Portugal) é detido, directa ou indirectamente, por entidade com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável. Concretamente sendo as Requerentes sedeadas em Portugal e detidas indirectamente por entidade(s) com domicílio fiscal nas Ilhas Caimão, que integram a lista aprovada por Portaria do Ministério das Finanças.
V. Caso a restrição seja justificada e não vá além do necessário, será admissível uma diferença de tratamento entre entidades que adquiram e detenham bens imóveis residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, com os quais existem mecanismos de assistência administrativa mútua e troca de informação em matéria fiscal, e entidades que adquiram e detenham bens imóveis residentes em Portugal ou noutros países não constantes da referida lista, impondo-se uma taxa de tributação agravada às primeiras, tendo como critério exclusivo o respetivo território de residência?
VI. VALOR DO PROCESSO
91. Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.933.185,57.
VII. CUSTAS
92. Custas a cargo das Requerentes, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder à fixação do respectivo montante, dado o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, a contrario.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Outubro de 2025
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
O Árbitro Adjunto,
João Taborda da Gama
A Árbitra Adjunta,
Sofia Ricardo Borges
[1] Numa tradução livre para Língua Portuguesa:
“Anexo A – Impostos aos quais a Convenção se aplica
Para as Ilhas Cayman, a Convenção se aplicará àqueles impostos do Artigo 2, parágrafo 1, que se enquadrem em:
a) qualquer dos parágrafos (i) a (iii) da alínea (a); ou
b) parágrafo (iii) da alínea (b).”