Sumário
I. O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo. Esta presunção é iuris tantum, podendo ser feita prova do contrário.
II. Não tendo a fração autónoma alienada e geradora de mais-valias constituído, em qualquer momento, o domicílio fiscal do sujeito passivo, este tinha o ónus de demonstrar que essa fração correspondia à sua habitação própria e permanente, para efeitos de aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
III. Não tendo essa prova sido realizada, não se encontram preenchidos os pressupostos da não tributação da norma em apreço.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Pedro Miguel Bastos Rosado e João Santos Pinto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de junho de 2025, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., doravante “Requerente”, portador do cartão de cidadão n.º..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ... n.º ..., ..., ...-... Porto, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024 ... e juros compensatórios inerentes, relativamente ao ano de 2021, que resultou no valor global a pagar de € 96.671,77, e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa desse ato tributário, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 10.º n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 8 de abril de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e, de seguida, notificado à AT.
Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 30 de maio de 2025, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 18 de junho de 2025.
Em 8 de setembro de 2025, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por exceção e por impugnação e, na mesma data, juntou documentos e o processo administrativo (“PA”).
Em 25 de setembro de 2025, o Requerente exerceu o contraditório sobre a matéria de exceção, requereu a ampliação do pedido, por forma a abranger a condenação da AT no pagamento da indemnização por prestação indevida de garantia, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), e juntou documentos adicionais. Em 6 de outubro de 2025, a AT pronunciou-se no sentido da improcedência do novo pedido da Requerente.
Em 3 de novembro de 2025, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas duas testemunhas indicadas pela Requerente, tendo sido prescindidas as restantes e admitida pelo Tribunal a junção de dois documentos. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias a contar da notificação da junção dos documentos. O Tribunal Arbitral fixou o prazo para prolação da decisão até ao dia 18 de dezembro de 2025 (v. ata e gravação áudio disponíveis no SGP do CAAD).
Requerente e Requerida apresentaram alegações em 18 de novembro de 2025 e 19 de novembro de 2025, respetivamente, nas quais reafirmaram as posições antes assumidas, que consideraram corroborada pela prova produzida.
Posição do Requerente
O Requerente alega ser-lhe aplicável a exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias prevista no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, na redação à data do facto tributário [2021], por ter demonstrado que o imóvel alienado tinha sido, até esse momento, a sua habitação própria permanente, apesar de ter o seu domicílio fiscal noutra morada, e de, dentro do prazo legalmente previsto, ter efetuado o reinvestimento noutro imóvel que, de igual modo, afetou à sua habitação permanente, conforme declarado.
Acrescenta que, do produto da venda, utilizou € 224 099,20 para pagar na totalidade o crédito bancário associado à fração entretanto alienada, pelo que este encargo deve ser atendido para efeitos fiscais.
Sobre o facto de não ter cumprido a formalidade de comunicação da mudança de residência, afirma que não pode ter por consequência ser ilegitimamente tributado. Opõe-se à possibilidade de se considerar a habitação própria e permanente como domicílio fiscal, conceitos que considera distintos, mas, caso assim se entenda, corresponderá a uma presunção iuris tantum, podendo a habitação própria e permanente ser provada por diversos meios, o que considera ter efetuado.
Conclui pela anulação do ato tributário impugnado e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa. Peticiona também a extinção do processo de execução fiscal e a ordenação do cancelamento da hipoteca voluntária oferecida como garantia e uma indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT.
Posição da Requerida
A Requerida começa por suscitar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de extinção do processo de execução fiscal e de cancelamento da hipoteca, os quais respeitam à cobrança coerciva de dívidas tributárias, fora do âmbito da jurisdição arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
Em relação ao mérito da causa, a Requerida afirma que o Requerente alega factos essenciais à posição jurídica que defende, mas não os provou, como lhe competia, nos termos do disposto nos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil. Em concreto, não comprovou que a fração autónoma alienada, geradora das mais-valias em discussão nos presentes autos, tivesse constituído a sua habitação própria e permanente em momento prévio à transmissão, sendo que nunca teve o seu domicílio fiscal nesse imóvel.
Apesar de a presunção prevista no artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS ser ilidível, para tanto seria necessário que o Requerente provasse que a sua habitação própria e permanente, o seu centro de vida, eram localizados no imóvel alienado. O que não sucedeu, não permitindo a documentação junta alcançar, por si só, essa conclusão.
Em relação à aplicação parcial do produto da venda no pagamento da totalidade do crédito bancário associado à fração autónoma em causa, na importância de € 224 099,20, também considera que a mesma não está provada, pois a documentação junta limita-se a um extrato bancário que não evidencia esse valor, nem estabelece uma relação direta entre o movimento e a amortização desse crédito.
Sobre o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, entende ser o mesmo improcedente, por se tratar de hipoteca.
A final, a Requerida pugna pela procedência da exceção, relativamente ao pedido de extinção do processo de execução fiscal e de cancelamento da hipoteca, e, no mais, pela improcedência da ação, com a absolvição de todos os pedidos, com as legais consequências.
II. Saneamento
Sobre a competência
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do pedido de anulação do ato de liquidação de IRS objeto desta ação arbitral e do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, na parte em que o manteve, por enquadramento no âmbito da apreciação da legalidade de “atos de liquidação de tributos”, conforme previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a); 5.º, n.ºs 1 e 3; e 11.º, n.º 8, todos do RJAT.
A competência deste Tribunal Arbitral estende-se, ainda, ao pedido dependente de indemnização por prestação indevida de garantia previsto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), que deve ser formulado no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
Com efeito, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
A ação arbitral visa reforçar a tutela dos direitos dos contribuintes e constitui um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (v. artigo 124.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), pelo que se é no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da “dívida exequenda” (por opção do contribuinte), resulta do teor do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT que é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
A jurisprudência consolidada dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD confirma, de igual modo, que a ação arbitral é o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (v., por todas, as decisões arbitrais proferidas em 4 de novembro de 2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18 de maio de 2016, no processo n.º 695/2015-T, em 2 de janeiro de 2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28 de junho de 2017, no processo n.º 508/2016).
Em relação aos pedidos de extinção do processo de execução fiscal n.º ...2024... e de cancelamento da hipoteca voluntária prestada no seu âmbito, os mesmos não têm cabimento na norma atributiva de competência contida no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, pois não respeitam à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, de atos tributários, mas ao processo de cobrança de dívidas fiscais, de onde deriva que os litígios emergentes dos processos executivos não se dirimem nos tribunais arbitrais[1].
Conforme afirma Jorge Lopes de Sousa (Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, 2013, Almedina, p. 105), “[f]icam, assim, de fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal”, pelo que se conclui que este Tribunal Arbitral é incompetente e não pode conhecer os pedidos deduzidos pelo Requerente em relação à execução fiscal contra o mesmo instaurada, incluindo o pedido de cancelamento da hipoteca constituída como garantia da dívida exequenda, com a absolvição da instância da Requerida em relação a este segmento do petitório [v. artigos 4.º, n.º 1 do RJAT, 16.º do CPPT, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT].
Demais pressupostos processuais
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra o ato tributário impugnado, em 7 de janeiro de 2025, tendo a ação arbitral dado entrada em 7 de abril de 2025.
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A..., aqui Requerente, teve a sua morada fiscal na Rua ..., n.º..., desde 22 de setembro de 2015 até 12 de setembro de 2016. Nesta data, alterou a sua morada no cartão de cidadão para a ... n.º...– Matosinhos, onde exerce atividade numa clínica dentária – cf. Documentos 1 e 4 juntos pelo Requerente e depoimento da primeira testemunha, quanto ao local da atividade.
B. O Requerente adquiriu, em 28 de maio de 2020, a fração autónoma afeta à habitação designada pela letra “I” do prédio urbano, tipologia T3, identificada na matriz do serviço de finanças do Porto com o artigo ...-U-... da União das Freguesias de ..., ... e ..., concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., sita na ... n.º..., ..., pelo valor de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros) – cf. Documentos 6 e 7 juntos pelo Requerente.
C. Nesta escritura de compra da fração autónoma da ... n.º ..., o Requerente declarou que a mesma se destinava exclusivamente à sua habitação própria e permanente – cf. Documento 6 junto pelo Requerente.
D. Pela mesma escritura, foi celebrado um contrato de empréstimo com hipoteca constituída a favor do Banco Santander Totta, S.A., no montante de € 230 000,00, ao abrigo do regime geral de crédito à habitação, para financiamento da aquisição da fração autónoma da ... n.º ... – cf. Documento 6 junto pelo Requerente.
E. O Requerente recebia correspondência que lhe era endereçada para a morada da ... n.º ..., ... relativa:
- Ao condomínio desse prédio;
- A comunicações da companhia de seguros;
- A fornecimento de água naquela fração;
- A extratos de conta do Banco Santander relativos à conta n.º..., que foi encerrada com a venda e a amortização do crédito à habitação da fração autónoma sita na ... n.º ..., ..., em 22 de novembro de 2021– cf. Documentos 8, 14 e 22 juntos pelo Requerente e documentos juntos após a inquirição de testemunhas.
F. Em 13 de maio de 2021, com intervenção de uma empresa de mediação imobiliária, o Requerente adquiriu a fração autónoma afeta à habitação designada pelas letras “AJ” do prédio urbano, tipologia T4, identificada na matriz do serviço de finanças do Porto com o artigo ...-U-... da União das Freguesias ..., ... e ..., concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., sita na Rua ... n.º..., ..., bem como uma arrecadação e dois lugares de estacionamento, tudo pelo valor global de € 635 000,00 (seiscentos e trinta e cinco mil euros) – cf. Documentos 15 e 20 juntos pelo Requerente.
G. O pagamento do preço de aquisição da fração autónoma da Rua... n.º ... foi efetuado de forma parcelar, tendo as primeiras três prestações sido pagas no ano anterior à compra, em agosto de 2020, na sequência do contrato promessa de compra e venda datado de 14 de agosto desse ano, a quarta prestação em dezembro de 2020 e a quantia remanescente na data da escritura (13 de maio de 2021) – cf. Documentos 15 e 9 juntos pelo Requerente.
H. Nesta escritura de compra da fração autónoma da Rua ... n.º..., o Requerente declarou que a mesma se destinava exclusivamente à sua habitação própria e permanente – cf. Documento 15 junto pelo Requerente.
I. Em 8 de julho de 2021, o Requerente alterou a sua morada no cartão de cidadão para a Rua..., n.º ..., ..., Porto, onde reside atualmente – cf. Documentos 1, 4 e 15 juntos pelo Requerente.
J. Em 26 de outubro de 2021, o Requerente obteve do Banco Santander Totta, S.A. autorização de cancelamento da hipoteca voluntária que incidia sobre a fração autónoma da ... n.º ..., tendo promovido o respetivo registo (de cancelamento) em 11 de novembro de 2021 – cf. Documentos 11 e 12 juntos pelo Requerente.
K. Em 11 de novembro de 2021, o Requerente alienou duas terças partes indivisas da fração autónoma da ... n.º ..., pelo preço de € 525 000,00 – cf. Documento 10 junto pelo Requerente.
L. Na conta do Requerente no Banco Santander Totta, S.A., no extrato do período de 30 de outubro a 30 de novembro de 2021, está evidenciado o débito do valor de € 216 607,28 por cancelamento antecipado, com data valor de 12 de novembro de 2021 – cf. Documento 14 junto pelo Requerente.
M. No período subsequente ao divórcio do Requerente, em meados de 2018 até à sua instalação no apartamento da Rua ... n.º..., onde agora reside, este habitou em diversos apartamentos/casas, incluindo uma pertencente à sua família, no Mindelo, e uma casa arrendada em Matosinhos – cf. Depoimento da segunda testemunha.
N. Em 30 de junho de 2022, o Requerente entregou a declaração de IRS modelo 3, relativo ao período de tributação de 2021, na qual declarou, no anexo G, a alienação onerosa de duas terças partes indivisas da fração autónoma da ... n.º ..., ...– cf. Documento 21 junto pelo Requerente.
O. No referido modelo 3 de IRS, o Requerente declarou – cf. Documento 21 junto pelo Requerente:
a) No campo 5005, do Quadro A, do anexo G, o valor de € 224 099,20 como valor em dívida do empréstimo à data da alienação;
b) No campo 5006, do Quadro A, do anexo G, o valor de € 300 900,80, a título de valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) na aquisição da propriedade de outro imóvel;
c) No campo 5007, do Quadro A, do anexo G, colocou o mesmo valor de € 300 900,80, como valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à data de alienação (sem recurso ao crédito);
d) Que o imóvel objeto de reinvestimento foi a fração autónoma com o artigo matricial ...-U-... (da Rua ... n.º ..., ...).
P. Na sequência de irregularidades detetadas pelo sistema informático da AT, em 7 de julho de 2022, o Requerente foi notificado para esclarecer/corrigir as divergências detetadas na declaração de IRS referente ao ano 2021, nomeadamente a “necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados” – cf. Documentos 1 e 4 juntos pelo Requerente e Documento 1 junto pela AT com a resposta.
Q. Na ausência de reação do contribuinte, em 20 de dezembro de 2023, foi emitida uma declaração de correção oficiosa (...-2021-...), nos termos do artigo 65.º, n.º 4 do Código do IRS, tendo sido desconsiderado o reinvestimento relativo à fração com o artigo ...-U-... (... n.º...,...), além de outras correções sem relevância para a matéria dos autos – cf. Documentos 1 e 4 juntos pelo Requerente.
R. Na sequência desta correção, foi emitida a liquidação n.º 2024..., de 5 de janeiro de 2024, no valor de € 119 556,33, incluindo juros compensatórios de € 5 069,49 (liquidação n.º 2024...), que resultou no valor total a pagar de € 96 671,77 – cf. Documento 2 junto pelo Requerente.
S. Inconformada, o Requerente apresentou reclamação graciosa em 18 de junho de 2024, autuada sob o n.º ...2024..., tendo sido notificada para audição prévia, por ofício datado de 9 de dezembro de 2024, com exercício desse direito em 30 de dezembro de 2024 – cf. Documentos 1, 3, 4 e 5 juntos pelo Requerente.
T. A reclamação graciosa assenta nas mesmas alegações da presente ação arbitral, pugnando o Requerente pela efetiva residência habitual e permanente no imóvel da ..., n.º ..., ..., previamente à sua alienação, o que considera ter provado por documentos e “também facilmente comprovável pela inquirição de testemunhas” (ponto 34 do respetivo requerimento), embora não tenha arrolado/indicado qualquer testemunha para esse efeito – cf. Documento 3 junto pelo Requerente.
U. O projeto de decisão da reclamação graciosa contém os seguintes fundamentos com relevância para a matéria em discussão nos presentes autos – cf. Documento 4 junto pelo Requerente:
“[…] 10.2. O reclamante teve a sua morada fiscal na Rua..., ...- Porto, desde 2015/09/22 até 2016/09/12, altura em que alterou a sua morada, no Cartão de Cidadão (CC), para a ..., ... – Matosinhos. Em 2021/07/08 alterou, no CC, para sua morada atual na Rua..., ...,.... – Porto.
10.3. Neste sentido, o reclamante nunca teve o seu domicílio fiscal no prédio alienado, ou seja, na ..., n.º ... – ... – Porto.
Assim,
11. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, constituem mais-valia os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.
12. Nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Português, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
13. Refere o n.º 12 do artigo 13.º do CIRS que:
a) O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
Conjugado com o artigo 19.º da LGT que refere que:
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é salvo em disposição em contrário – a) para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
14. Como se constata, o reclamante, para poder beneficiar da exclusão de tributação da mais-valia teria de cumprir com o n.º 5 do artigo 10.º e o n.º 12 do artigo 13.º, ambos do CIRS, conjugado com o artigo 19.º da LGT, ou seja, teria de ter o seu domicílio fiscal à data da alienação, no prédio alienado em 2021/11/11, na ..., n.º..–... - Porto, mas como se verifica, o seu domicílio fiscal, era à data da alienação, na rua ..., ...– Matosinhos.
15. De referir que os documentos que o reclamante junta, relativamente a este prédio, nomeadamente, recibos de condomínio, faturas de seguros, não servem de prova em como residia naquela habitação.
16. Deste modo, relativamente ao prédio objeto de reinvestimento, adquirido em 2021/05/21, não se pode considerar um qualquer montante como reinvestimento, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, uma vez que o imóvel alienado que originou as mais-valias teria de corresponder ao seu domicílio fiscal e, simultaneamente, constituir a sua habitação própria e permanente e/ou do seu agregado familiar, o que, como se constatou, não aconteceu.
17. Relativamente ao capital em dívida, o documento apresentado é apenas informativo do montante em dívida e não comprova a amortização do valor declarado em dívida do empréstimo a data da alienação no valor de 224.099,20 €. Também não foi junto aos autos a escritura de aquisição do imóvel para se aferir se empréstimo foi contraído para aquisição do referido imóvel, sem o que não é aceite.
18. No entanto, como se verificou, à data da alienação, o imóvel não constituía a sua habitação própria e permanente/domicílio fiscal, não lhe sendo, assim aplicável, o regime previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, pelo que a falta desses documentos se mostra irrelevante.”
V. No direito de audição do Requerente, este argumenta ter tido residência habitual e permanente no imóvel da ..., n.º ..., o que considera provado por documentos e “também facilmente comprovável pela inquirição de testemunhas” (ponto 5), tendo indicado uma testemunha, B...– cf. Documento 1 junto pelo Requerente.
W. Após exercício do direito de audição, a AT converteu em definitivo o projeto de despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa e manteve as correções relativas à não aceitação do reinvestimento e do regime de exclusão de tributação das mais-valias previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS. Para tanto, louvou-se nos fundamentos do projeto de decisão da reclamação graciosa acima transcritos e, bem assim, nos seguintes – cf. Documento 1 junto pelo Requerente:
“[…] verifica-se que os documentos agora apresentados são exatamente os mesmos que foram apresentados na P.I., pelo que se remete para os pontos 10 a 18 do “projeto de decisão” nada mais havendo a dizer.
[…] 3. No que respeita à indicação da prova testemunhal, conforme resulta do art.º 69.º al. e) do CPPT, a apresentação de prova está restringida essencialmente à prova documental, vigorando desta forma o denominado princípio da limitação legal dos meios de prova.
4. A limitação dos meios de prova à prova documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do requerente, conforme dispõe o art.º 58.º da LGT.
5. Assim, em virtude de se estar perante um procedimento gracioso, que se pauta pela simplicidade e celeridade, nos termos do prescrito no art.º 69.º do CPPT, e, por outro lado, na petição de reclamação graciosa não figura qualquer factualidade suscetível de infirmar a prova documental já constante dos autos ou de acrescentar qualquer factualidade relevante (a ser dada como provada ou não provada) que tenha a probabilidade de influenciar a decisão a ser tomada no caso em análise.
CONCLUSÃO
Face ao exposto, e tendo por base os fundamentos que antecedem, deve o projeto de despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa em referência, converter-se em despacho definitivo, nos termos e com os fundamentos constantes do projeto de decisão, oportunamente notificado.”
X. A decisão final de deferimento parcial da reclamação graciosa foi notificada ao Requerente em 7 de janeiro de 2025 – cf. PA e artigo 4.º do ppa.
Y. Em 17 de abril de 2025, em discordância da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e do ato tributário de liquidação (adicional) de IRS e juros compensatórios referentes ao ano 2021, o Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral na origem deste processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. Factos não Provados
Não se provou que o Requerente utilizasse a fração autónoma da ... n.º ..., ..., adquirida em 28 de maio de 2020, como o local de habitação onde, a partir dessa data e até ao momento da alienação da mesma, pernoitava, cozinhava e tomava as suas refeições, assistia a programas de televisão, recebia a família e amigos, fazia festas e celebrava aniversários – v. artigos 8.º a 12.º do ppa.
Com efeito, a prova documental feita, refere-se tão-só a correio / cartas remetidas pela companhia de seguros, pelo condomínio do prédio, pelo banco financiador em relação à conta bancária usada para aquisição dessa fração da ... n.º ..., ... e pela empresa de abastecimento de água.
A correspondência postal carreada para os autos é inerente à qualidade de proprietário do imóvel, porém, não demonstra que o Requerente aí habitava e muito menos de forma permanente. Nomeadamente, não evidencia que ali dormia, cozinhava, tomava as refeições, entre outras atividades que alega.
Aliás, constata-se que a correspondência do banco se refere apenas à conta bancária ligada ao empréstimo à habitação contraído pelo Requerente, pois logo que a fração foi alienada (em novembro de 2021) e o empréstimo amortizado/liquidado, a conta foi encerrada (documento 14), o que indicia que não era a única conta bancária, nem a principal do Requerente.
Por outro lado, importa notar que cerca de dois meses depois de adquirir a fração da ... n.º ..., ..., o Requerente celebrou contrato promessa de compra de uma outra fração autónoma, sita na Rua ... n.º ...,..., com vista a aí residir de forma permanente. E esse propósito manifesta-se, pelo menos, desde 14 de agosto de 2020, data da celebração do CPCV e a partir da qual os pagamentos parcelares começaram a ser efetuados pelo Requerente, culminando mais tarde com a celebração da escritura de compra em 13 de maio de 2021.
Em relação à prova testemunhal produzida, esta não permitiu que este Tribunal Arbitral adquirisse a convicção que o Requerente residiu de forma efetiva e permanente na fração autónoma da ... n.º ..., ..., aí realizando os atos correntes e usuais, como dormir e tomar refeições.
A primeira testemunha, funcionária/assistente do Requerente, apesar de afirmar que o Requerente foi habitar, e que até ajudou a fazer a mudança, para o imóvel da ..., não soube precisar em que mês tal aconteceu e, perguntada onde o Requerente vivia antes (quando do divórcio), não se recordava. Ou seja, diz que auxiliou na mudança para aquela fração, mas não se lembra da origem dessa mudança (de onde é que proveio), nem quando a mesma ocorreu, o que suscita sérias dúvidas sobre a sua veracidade e credibilidade. Acresce não ter revelado conhecimento efetivo da vida pessoal do Requerente, referindo apenas que houve um jantar de natal da equipa nesse apartamento e, de forma vaga, outros “jantares”.
A segunda testemunha, pai do Requerente, confirmou que também conhecia a casa da ... e que tinha lá ido algumas vezes tomar refeições com o filho. Porém, não se recordava sequer do piso/andar em que esse apartamento se localizava. Acabou por referir diversas habitações por onde o filho (o Requerente) passou, incluindo para uma casa do Mindelo do pai e para uma casa “alugada” em Matosinhos, tudo de forma vaga e até confusa.
Os depoimentos em causa foram imprecisos e desprovidos de factualidade relevante para a demonstração das alegações do Requerente no que se refere à efetiva habitação na fração autónoma da ... n.º ..., ... .
De sublinhar que o Requerente refere que a AT ignorou o arrolamento de testemunha indicada nas respetivas peças do procedimento, constatando-se, porém, que aquele não arrolou qualquer testemunha na petição de reclamação graciosa que apresentou, apesar de referir que a prova testemunhal (que todavia não indicou …) poderia comprovar o que alega. Só na fase final do procedimento, quando do exercício do direito de audição, indicou uma pessoa (B...) que também arrolou na ação arbitral, não a tendo, contudo, apresentado e tendo da mesma prescindido, pelo que se presume que não seria essencial. De referir também que o Requerente, no artigo 10.º do ppa, assinala uma pessoa responsável pela limpeza do apartamento, que poderia corroborar os factos que alega, porém, prescindiu da inquirição da mesma.
Em relação ao valor do empréstimo bancário contraído para a aquisição da fração autónoma da ... n.º ..., ... ficou provada a amortização do valor de € 216 607,28 e não os alegados € 224 099,20 (no artigo 14.º do ppa).
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
No que se refere aos factos provados essenciais, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, conforme supra referenciado em relação a cada facto julgado assente. Como atrás descrito, a prova testemunhal não se revelou profícua.
Não se deram como provadas, nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
IV. Do Direito
1. Questões a Apreciar
Cabe a este Tribunal Arbitral aferir do preenchimento dos requisitos legais de acesso ao regime de exclusão de tributação das mais-valias, previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, em concreto, no que se refere à qualificação da fração autónoma alienada, da ... n.º ..., ..., como habitação própria e permanente do Requerente, apesar de o seu domicílio fiscal se situar noutra morada. Em caso afirmativo, importa ainda decidir se o Requerente provou a amortização de empréstimo bancário contraído para a aquisição desse imóvel e em que montante.
Além da apreciação da legalidade do ato tributário (liquidação adicional de IRS referente ao ano 2021, incluindo os juros compensatórios) e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa que sobre o mesmo recaiu, o Tribunal tem, por fim, de decidir sobre o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.
2. Regime Aplicável
2.1. A exclusão de tributação prevista no art. 10.º, n.º 5 do CIRS
As mais-valias imobiliárias encontram-se sujeitas a IRS na categoria G - Incrementos patrimoniais, de acordo com o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Código do IRS. Estabelece esta última norma, na redação aplicável
à data dos factos, o seguinte:
“Artigo 10.º
Mais-valias
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;”
Segundo o n.º 3 do citado preceito, “[o]s ganhos consideram-se obtidos no momento da prática” dos atos previstos no n.º 1 e o rendimento sujeito a IRS é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso , nas situações previstas nas alíneas a), b), c) e i) do n.º 1;” (v. alínea a) do n.º 4).
Em simultâneo, o n.º 5 do mesmo artigo prevê uma exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, que sejam reinvestidos na aquisição de outro imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo.
Rege, a este respeito, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, na redação à data:
“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”
Esta exclusão tributária tem subjacentes razões sociais e de promoção e concretização do direito à habitação, visando proteger e favorecer, por via fiscal, a aquisição de habitação própria e permanente. Como salienta Rui Morais, o “objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias” – v. Sobre o IRS, Almedina, 2016, 3.ª edição (reimpressão), p. 138 – desde que verificados os demais requisitos ali também especificados.
Desde logo, com relevância crítica para o caso em análise, o ganho tem de ser proveniente da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.Neste sentido, refere Xavier de Basto que “o imóvel de «partida» e o de «chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e a mais-valia realizada no imóvel «de partida» será tributável.” – v. IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 412-420 (o excerto é de p. 413-414). Sobre a matéria, no mesmo sentido, vide Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99-101.
De notar que a redação dada ao artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, passou a exigir, para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias geradas com a alienação de imóveis, que não só o imóvel adquirido fosse afeto à habitação própria permanente (do sujeito passivo ou do seu agregado familiar), como que o prédio alienado tivesse sido a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 25 de março de 2015, processo n.º 158/13.
Assim, a natureza [habitacional] e a afetação do imóvel envolvido [à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar] assumem-se como condições essenciais do reinvestimento, e do respetivo regime de não tributação em IRS, ainda que são sejam as únicas condições que a lei prevê para que o referido regime de exclusão de tributação seja aplicado.[2]
No caso em análise, foi o preenchimento dos requisitos relativos ao imóvel de “partida” (i.e., ao imóvel alienado e gerador da mais-valia sito na ... n.º...,...), que foi posto em causa pela Requerida, por não corresponder ao domicílio fiscal do Requerente, não se suscitando questões relativamente ao imóvel de “chegada”, correspondente à fração autónoma adquirida na Rua ..., n.º ..., ... .
2.2. O Conceito de Habitação Própria e Permanente – Presunção
O Código do IRS não define o conceito de “habitação própria e permanente” que constitui pressuposto da não tributação dos ganhos (mais-valias imobiliárias) em apreço. A legislação fiscal contém, no entanto, a densificação de um conceito próximo, o de domicílio fiscal, que consta do artigo 19.º da LGT. Este artigo estabelece, no seu n.º 1, que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, para as pessoas singulares, o “local da residência habitual” e determina, no n.º 3, a obrigação de os sujeitos passivos comunicarem o seu domicílio fiscal à administração tributária, estatuindo o n.º 4 a ineficácia dessa mudança enquanto não for comunicada.
Tem razão o Requerente quando argui que o domicílio fiscal não é condição necessária para preenchimento da previsão normativa do citado artigo 10.º, n.º 5 do compêndio do IRS, pois esta norma apela a um conceito distinto, o de “habitação própria e permanente”, que não é inteiramente equiparável, como afirmado pela jurisprudência consolidada. Não obstante, é indesmentível que o legislador veio reconhecer que o domicílio fiscal constitui um indício revelador de “habitação própria e permanente”, presumindo do primeiro [domicílio fiscal] a segunda [habitação própria e permanente].
Com efeito, com a reforma do Código do IRS, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o artigo 13.º deste Código passou a prever que o “domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário” (atual n.º 12[3]), designadamente de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel. A prova dos factos invocados compete, de acordo com a citada regra, ao sujeito passivo, e são admissíveis quaisquer meios admitidos por lei, reservando-se à AT a possibilidade de demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados pelos sujeitos passivos ou das informações neles constantes (v. artigos 73.º e 74.º da LGT).
Assim, os sujeitos passivos podem excluir de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, mesmo que não tenham atualizado o domicílio fiscal. Contudo, neste caso, e como acima dito, cabe-lhes fazer prova do contrário, i.e., de que é outra a habitação onde habitualmente, e de forma permanente, residem, apresentando “factos justificativos” de que aí fixaram o centro da sua vida pessoal.
Preconiza, neste âmbito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de novembro de 2018, processo n.º 01077/11.9BESNT 01448/17, que para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS: “o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal. Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal». Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cfr. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)”
Em sentido similar se pronuncia o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 8 de maio de 2019, processo n.º 396/08.6BECTB: “[…] no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98), porém em matéria tributária há necessidade de dar estabilidade ao conceito tendo sido introduzido na LGT a noção de domicilio fiscal, fazendo coincidir este, no caso das pessoas singulares, com o local da sua residência permanente (art. 19.º n,º 1 al. a da LGT) com a criação de declaração obrigatória da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (art. 19.º n.º 2 também da LTG, à data dos factos, agora n.º 3)”.
Posição que a decisão do processo arbitral n.º 146/2015, de 16 de dezembro de 2015, já havia acolhido, nos seguintes moldes: “No plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria e permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redação do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.
[…]
Daqui se conclui que, para efeitos de exclusão de tributação de mais valias, não é suficiente a demonstração de comunicação de domicílio fiscal para comprovar que os imóveis – o vendido (imóvel de partida) e o adquirido com reinvestimento das mais valias obtidas (imóvel de chegada) – eram ambos residências permanentes do sujeito passivo e seu agregado familiar”.
De igual modo, tem a jurisprudência entendido que a omissão do dever de comunicação da mudança de domicílio não impede que os contribuintes possam demonstrar os pressupostos de habitação permanente, como afirma o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de outubro de 2015, processo n.º 6685/13: “nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de factos justificativos e, por conseguinte, não obsta ao preenchimento dos pressupostos de habitação permanente” porquanto, e cite-se, “(…) o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente”, em linha com o que já havia sido decidido a propósito de isenção de IMI, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de novembro de 2011, processo n.º 590/11: “II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através «factos justificativos» de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal”.
Neste contexto, é de concluir, em consonância com o entendimento exposto, que o domicílio fiscal constitui presunção da habitação permanente do sujeito passivo, podendo ser por este ilidida e que o incumprimento do dever de comunicar o domicílio ou a sua mudança não constituem obstáculo à comprovação dos pressupostos de habitação permanente através de factos justificativos idóneos.
No tocante ao conceito de habitação própria, o mesmo não pode deixar de se reconduzir à titularidade do imóvel que deve estar na esfera do sujeito passivo que aufere os rendimentos tributáveis gerados pela respetiva transmissão.
2.3. Análise Concreta
Na situação vertente, o ponto de discordância prende-se com o imóvel “de partida”, por este não constituir o domicílio fiscal do Requerente, suscitando-se a presunção de habitação própria e permanente, prevista no artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS, relativamente a outro imóvel que não o alienado e gerador das mais-valias em causa.
Ficou provado nos autos que o domicílio fiscal do Requerente correspondia ao local onde este exercia a sua atividade clínica, não constituindo a sua residência habitual e permanente. Deste modo, o Requerente conseguiu demonstrar que o facto inferido não corresponde à realidade, ilidindo a presunção de que o domicílio fiscal constituía a sua habitação própria e permanente.
Porém, para aceder ao regime de exclusão de tributação do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS, não é suficiente ilidir a presunção assente no domicílio fiscal. O Requerente tinha ainda de preencher a condição legal, demonstrando factos concretos que manifestassem que a fração autónoma alienada (o imóvel “de partida), sita na ..., n.º ..., ..., constituía a sua habitação própria e permanente.
Como resultou da fundamentação de facto, para a qual se remete, o Requerente não logrou tal prova, não tendo apresentado documentos nem testemunhas que transmitissem factos justificativos de que fixou na fração autónoma da ..., n.º ... (...) o centro da sua vida pessoal, pelo que não satisfez o ónus que lhe cabia de demonstrar os pressupostos do regime de tributação que invoca.
Em relação ao empréstimo bancário, ficou provado que o Requerente contraiu efetivamente um financiamento para aquisição do apartamento sito na ..., n.º..., ..., conforme consta da própria escritura de compra desse imóvel, e, bem assim, que amortizou (liquidou esse empréstimo) em novembro de 2021, quando da alienação do mesmo. No entanto, o valor da amortização que ficou provado foi de € 216 607,28 e não o declarado pelo Requerente, no modelo 3 de IRS, de € 224 099,20.
Contudo, atenta a inaplicabilidade do regime de exclusão de tributação do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, não há que ter em conta a dedução do valor amortizado prevista na sua alínea a).
À face do exposto, conclui-se pela improcedência do pedido de anulação do ato tributário impugnado, referente a IRS e juros compensatórios do ano 2021, e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa que sobre aquele recaiu, não se demonstrando as ilegalidades alegadas pelo Requerente.
2.4. Sobre a Indemnização por Prestação Indevida de Garantia
O Requerente veio ampliar o pedido, de forma a abranger a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia, no requerimento de pronúncia sobre a matéria de exceção, ao que a Requerida não se opôs e que este Tribunal admite, atento o disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, segundo o qual a ampliação do pedido pode ser feita “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”
Com efeito, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida alicerça-se nos factos essenciais do pedido principal, configurando o desenvolvimento ou a consequência deste último, sem introdução de uma nova causa de pedir. De notar que a ampliação do pedido não equivale à sua procedência, que depende do desfecho da causa e da prova a efetuar pela Requerente.
O artigo 53.º, n.º 1 da LGT consagra o direito à indemnização do sujeito passivo, na medida do ganho de causa, quando este, para suspender o processo executivo, tiver oferecido garantia bancária ou equivalente, sendo secundado pelo artigo 171.º, n.º 1 do CPPT, segundo o qual: “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.
No caso concreto, dois dos pressupostos (cumulativos) constitutivos do direito à indemnização não se verificam, tendo em conta, por um lado, que a ação é improcedente, pelo que o Requerente não tem vencimento, total ou parcial (primeiro pressuposto), e, por outro lado, que não prestou garantia bancária ou equivalente, sendo a garantia oferecida a hipoteca voluntária do imóvel onde reside (segundo pressuposto).
Conforme declara a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo (v. acórdão de 10 de outubro de 2018, no processo n.º 0469/14.6BELRS – 033/18):
“[…] somos levados a concordar que tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido).
Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta segundo os doutrinadores da ocorrência “de uma maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais” (Lei Geral Tributária, anotada, página 254, Lima Guerreiro. Em idêntico sentido, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, página 555, José Maria Fernandes Pires e Outros e Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, III volume, página 241, Jorge Lopes de Sousa).”
No mesmo sentido, v. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de outubro de 2012, no processo n.º 0528/12:
“[…] No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.”
Tendo em consideração o que antecede julga-se, de igual modo, improcedente o pedido indemnizatório relativo à garantia por falta de verificação dos respetivos pressupostos.
***
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Decisão
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar:
a) Procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de extinção do processo de execução fiscal n.º ...2024... e de cancelamento da hipoteca voluntária oferecida como garantia, com a consequente absolvição (parcial) da instância da Requerida em relação a este segmento;
b) No mais, totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 96.671,77 (noventa e seis mil, seiscentos e setenta e um euros e setenta e sete cêntimos), que corresponde ao valor a pagar da liquidação de IRS, incluindo juros compensatórios, cuja anulação o Requerente pretende – v. o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Taxa de Arbitragem
Custas no montante de € 2 754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar pelo Requerente em razão do decaimento integral, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de novembro de 2025
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, Relatora
Pedro Miguel Bastos Rosado
João Santos Pinto
[1] Nos Tribunais Administrativos e Fiscais estes litígios não são objeto da ação de impugnação judicial, de que a ação arbitral constitui alternativa, mas de outros meios processuais, como a oposição à execução, embargos e reclamações das decisões do órgão da execução fiscal – v. artigos 97.º, n.º 1, 204.º e 276.º do CPPT e, em geral, artigos 148.º e seguintes deste compêndio legal.
[2] Com efeito, existem na Lei outras condições que necessitam ser cumpridas que não serão examinadas dado que não estão na origem da liquidação controvertida.
[3] N.º 10 à data da sua introdução.