SUMÁRIO
Sobre a questão de saber se, para efeitos do artigo 14.º, n.º 3, al. c), do Código do IRC, no requisito de detenção “direta ou direta e indiretamente” se quis abranger a detenção simultânea de participações sociais diretas e indiretas ou, de forma diversa, a detenção alternativa de participações sociais diretas e indiretas, deve entender-se que a detenção será simultânea.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros, Victor Calvete (árbitro presidente), Francisco Melo (árbitro adjunto) e Ana Rita do Livramento Chacim (árbitro adjunta e relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede social no ..., ...-..., ..., (doravante “Requerente”), vem, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 5.º, n.º3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal para declaração de ilegalidade econsequente anulação da liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2024..., no valor de € 75.000,00, e da liquidação de juros compensatórios (demonstração de liquidação n.º 2024...), no valor de € 10.076,71, referentes ao período de tributação de 2020, e das quais resultou, a final, imposto a pagar no montante de € 85.076,71 (oitenta e cinco mil, setenta e seis euros e setenta e um cêntimos).
1.2. Do Pedido
A Requerente deduziu o pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos de liquidação já identificados, concretizando a final o seu pedido:
«Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverá V. Exa. julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por provado, e, em consequência: A) anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada; B) Declarar ilegal e, por isso, ser anulada, a liquidação de retenções na fonte de IRC n.º 2024 ... e de juros compensatórios (Documento de demonstração n.º 2024...), no valor total de € 85.076,71, referentes ao exercício de 2020; C) Ser condenada a AT, ora Requerida, a indemnizar a Requerente pelos encargos suportados pela Requerente com a prestação e garantia indevida.»
1.3. Tramitação Processual
1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 20.03.2025 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
3. Em 12.05.2025, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 30.05.2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
5. Por despacho arbitral de 30.05.2025, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta.
6. A 07.07.2025, a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, pela legalidade e manutenção dos mesmos na ordem jurídica.
7. Por despacho de 31.07.2025, proferido pelo Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, determinou-se a notificação das Partes nos seguintes termos:
«Uma vez que não foi requerida a audição de testemunhas e a pronúncia sobre a matéria de excepção suscitada pela AT poderá ser melhor apresentada por escrito, para o que se fixa um prazo de 15 dias, dispensa-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).
Sem prejuízo de a decisão arbitral ser proferida até ao dia 30 de Novembro de 2025, deve a Requerente fazer o pagamento do remanescente da taxa arbitral no prazo fixado para a apresentação da réplica às excepções.»
8. Por Requerimento de 26.08.2025, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida.
2. POSIÇÃO DAS PARTES
2.1. Causa de pedir da Requerente
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de retenção na fonte de IRC e de juros compensatórios subjacente, o seguinte:
9. No ano de 2023, e com referência ao exercício fiscal de 2020, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, com a Ordem de Serviço n.º OI2023..., a qual foi iniciada com âmbito parcial em IVA e em IRC, tendo a mesma sido, entretanto, alargada para âmbito geral.
10. Tendo sido propostas correções em sede de IRC (fundamentalmente relacionadas com considerações de gastos, despesas não documentadas, imparidades e retenções na fonte), IVA, IRS (retenções na fonte) e Imposto do Selo, por não concordar com algumas das correções, a Requerente apresentou o competente direito de audição prévia.
11. A AT manteve a (quase) integralidade das correções que haviam sido contestadas, com a exceção de um ajustamento a uma das correções referentes às perdas por imparidade e das correções referentes a retenções na fonte de IRC sobre rendimentos de honorários pagos a uma sociedade francesa, tendo procedido também a um ajustamento à correção inicialmente proposta às retenções na fonte de IRC sobre adiantamentos por conta de lucros, no âmbito da qual a AT passou de uma correção de € 125.000,00 (que resultava da aplicação da taxa de IRC de 25% sobre os valores transferidos para a uma sociedade francesa, no valor global de € 500.000,00) para uma correção de € 75.000,00 (onde a AT passou a aplicar a taxa reduzida de 15%, prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França (“CDT Portugal – França”) àquele aludido valor global de € 500.000,00 transferido para a sociedade francesa B..., sua acionista).
12. Por discordar com a manutenção, ainda que ajustada, da correção referente a retenções na fonte de IRC sobre adiantamentos por conta de lucros, da qual resultou na emissão da liquidação controvertida nos presentes autos, no valor global de € 85.076,71, a Requerente não procedeu ao respetivo pagamento, tendo prestado garantia bancária para a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2024... (dívida global no valor de € 85.439,76).
13. Discorda, assim, do entendimento sufragado pela AT no seu relatório de inspeção, tendo procedido à submissão de reclamação graciosa contra a liquidação de retenções na fonte de IRC, à taxa de 15% prevista na CDT Portugal – França (e ora controvertida), e, bem assim, contra as correções que estavam na sua origem. Entende que, contrariamente ao que foi entendido pelos Serviços de Inspeção Tributária, aquelas retenções na fonte não eram, como não são, devidas.
14. Por não se se conformar com a decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, apresenta o competente PPA.
15. Alega que, com respeito à retenção na fonte sobre os pagamentos efetuados à B..., apesar da alteração proposta pela AT «(…) de correção de retenção na fonte de IRC do período 2020/11 no valor de 125.000,00 Eur que resultou da aplicação da taxa de 25% prevista pelo n.º 4 do artigo 87.º do CIRC ao rendimento bruto de 500.000,00 Eur (valor dos adiantamentos por conta de lucro nas transferências bancárias de 2020-11-27), para 75.000,00 Eur que decorreincidência da taxa de IRC de 15%, prevista pelo n.º 2 do artigo 11.º da Convenção entre Portugal e França para Evitar a Dupla Tributação, aprovada pelo DL n.º 105/71, de 26 de março, e nos termos do n.º 1 do artigo 98.º do CIRC, aomesmo rendimento bruto de dividendos de 500.000,00 Eur (15% x 5000.000,00 Eur).
16. Entende que, à data em que tal ato tributário foi emitido, já se encontravam preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 14.º, n.º 3 e n.º 4, do Código do IRC para que a isenção de retenção na fonte fosse aplicável àqueles adiantamentos.
17. Atento o quadro normativo (artigo 14.º, n.º 3 e n.º 4, e artigo 94.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, artigo 98.º, n.º 1, todos do Código do IRC), e entendimento jurisprudencial identificado [acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), ao abrigo do processo n.º 01458/13, de 14.05.2014], a Requerente salienta, com respeito ao caso concreto, que, desde 2015, que B... participava no capital social da Requerente.
18. Inicialmente, indiretamente, através de uma participação de 20% do seu capital social, e, desde 14 de maio de 2020, através de uma participação direta de 100% do seu capital social e dos seus direitos de voto.
§ 01.12.2015 - a sociedade B... adquiriu 10% do capital social e dos direitos de voto da sociedade C..., sendo esta última detentora de 100% do capital social da aqui Requerente;
§ 13.12.2017 – reforço em 10% da participação da sociedade B... no capital social e dos direitos de voto da sociedade C...;
§ 14.05.2020 - a B... adquiriu à C... 100% do capital social da Requerente.
19. A participação (direta) de 100% do capital social da Requerente detida pela B... tem sido conservada desde então, mantendo-se estabilizada e não se antevendo que a mesma venha a ser alienada.
20. Entende assim que, à data da distribuição dos montantes que totalizaram € 500.000,00 (17 de novembro de 2020), já há muito (desde 2015) que a B... participava no capital social da Requerente.
21. Ao abrigo do artigo 98.º, n.º 7, do Código do IRC, caso tivesse existido retenção na fonte aquando da transferência daqueles montantes, o Estado Português já teria sido, entretanto, obrigado a devolver a retenção na fonte que tivesse sido efetuada, uma vez que a partir de maio de 2021, a B... já detinha aquela participação direta de 100% do capital social da Requerente há mais de um ano.
22. Pelo que o único Estado com direito a tributar quaisquer quantias auferidas pela B... sempre seria, e em exclusivo, o Estado Francês.
23. Conclui assim que, porque o mecanismo de retenção na fonte tem sempre uma natureza excecional face ao regime previsto na Diretiva Mães-Filhas, sob pena de, como entende o STA e o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), se colocar irremediavelmente em causa a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais (princípios basilares do Tratado de Funcionamento da União Europeia), que a liquidação de retenções na fonte de IRC aqui em causa, da qual resultou um imposto a pagar, a final, de € 85.076,71 é indevida e ilegal, devendo, por consequência e inerência, ser anulada para os devidos efeitos legais.
24. Ao abrigo do princípio da justiça, da proporcionalidade e da legalidade, princípios estes que subjazem ao sistema fiscal, com assento constitucional, e aos quais a atuação da AT deve obediência, deve a AT abster-se de promover correções inúteis e que não salvaguardam os interesses fiscais de que a sua atuação depende.
25. Assim sendo, demonstrado que estava que, à data da correção promovida (e à data da emissão do ato tributário aqui em contenda), já não subsistiam quaisquer fundamentos legais para promover a liquidação de retenções na fonte de IRC sobre os dividendos distribuídos pela aqui Requerente – naturalmente, o que não se contesta, das coimas que fossem devidas (e que não se contestam) – era obrigação da AT abster-se de emitir a liquidação aqui em causa.
26. Pelo que antecede, vem requer, por consequência, a devolução de todos os encargos suportados pela Requerente com a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal contra si instaurado.
2.2. Resposta da Requerida
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta na qual, em substância, alegou o seguinte:
27. Invoca a verificação de exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral (nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) para conhecer a pretensão da Requerente relativamente ao pedido de condenação (da AT) no pagamento de indemnização pelos encargos suportados com prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal. Entende assim que, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não consta do objeto da vinculação da AT, aí delimitado, a apreciação de as pretensões conexas com processos de execução fiscal.
28. Sem conceder, apresenta ainda a defesa por impugnação:
a) Referindo-se ao teor do artigo 14. °, n.º 3 e n.º 4, do Código do IRC, salienta que, em 17 e 27 de novembro de 2020, a Requerente pagou, a título de adiantamentos por conta de lucros, à acionista B..., sem que tenha efetuado a retenção na fonte de IRC, por entender que estava a coberto da isenção ali prevista.
b) Contudo, na data da colocação à disposição dos lucros (dividendos) à beneficiária B..., esta detinha 100% do capital da aqui Requerente há menos de um ano (18 dias), uma vez que, iniciou a sua participação, de forma direta, em 30.10.2020, tendo adquirido, nesta data, a totalidade do capital social à sociedade C... (a qual era detentora do capital social da Requerente).
c) Antes de 30.10.2020, a sociedade B... participava apenas de forma indireta no capital social da Requerente, devido à participação no capital C... [aquisições efetuadas em 2015 (10%) e 2017 (10%)].
d) Conclui que, para se considerar que havia há mais de um ano, uma participação direta e indireta da B... no capital social da A..., S.A. (aqui Requerente), aquela teria de dispor de participações diretas e indiretas, que somadas perfizessem uma detenção não inferior a 10%, o que não sucede, já que as aquisições anteriores, traduzem apenas uma participação indireta.
e) Desta forma, conclui pela procedência da exceção dilatória invocada e a AT absolvida da instância, ou, sem conceder, ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por se encontrar corretamente apurado o montante em falta, nos termos do artigo 11. °, n.º 2 da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105171, de 26 março), e nos termos do artigo 98. °, n.º 1, do Código do IRC.
2.3. Pronúncia da Requerente quanto à matéria de exceção
Tendo a Requerente sido notificada para se pronunciar quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida, vem expor e requerer o seguinte:
29. O objeto imediato do pedido é a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...e o mediato as identificadas demonstrações de liquidação, estando compreendido no âmbito da competência dos tribunais arbitrais (artigo 2.º, do RJAT).
30. Esclarece ainda que peticionou, em consequência da anulação das liquidações controvertidas, por serem manifestamente ilegais, a devolução de todos os encargos suportados pela Requerente com a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal contra si instaurado.
31. Ou seja, não se pretende sindicar qualquer decisão proferida no âmbito do processo de execução fiscal, ao contrário do defendido pela Requerida.
32. Indicando o disposto no artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, e no artigo 53.º, n.os 1 e 2 da LGT, remete igualmente para o entendimento exposto em várias decisões proferidas em tribunais a funcionar no CAAD, alegando que, sendo o tribunal arbitral competente para conhecer do presente pedido arbitral, deverá ser julgada improcedente a exceção invocada pela Requerida. Caso o Tribunal Arbitral se declare incompetente para apreciar o mencionado pedido, a consequência sempre será a absolvição da Requerida da instância quanto a esse segmento do pedido – apenas e só -, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 96.º, n.os 1 e 2 e 99.º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT).
3. SANEAMENTO
33. O Tribunal foi regularmente constituído, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3, ambos do RJAT.
34. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
35. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
36. Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria), importa apreciar, preliminarmente, esta matéria para efeitos de saneamento do processo, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT). Neste âmbito, vide análise no ponto 5 da decisão.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos Provados
Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:
a. A Requerente é uma sociedade anónima cujo objeto social reside no fornecimento de várias atividades combinadas de serviços de apoio a edifícios, tais como limpeza geral, manutenção, separação de lixo, vigilância, encaminhamento de correio, receção, lavandaria e serviços relacionados para apoio às operações dentro das instalações do cliente, bem como fornecimento de pessoal para efetuar essas atividades. – Facto não controvertido.
b. Em 01.12.2015, assinatura de acordo cessão de participação social pelo qual a sociedade B... adquiriu 10% do capital social e dos direitos de voto da sociedade C..., sendo esta última detentora de 100% do capital social da aqui Requerente – cf. cópia do acordo entre a D... (vendedor) e detentor da totalidade das ações da C... (acionista única da Requerente) e a B...(comprador) junta ao PA (PA-12);
c. Em 13.12.2017, assinatura de acordo cessão de ações (participação social) para reforço em 10% da participação da sociedade B... no capital social e dos direitos de voto da sociedadeC... – cf. cópia do acordo entre a D... (vendedor) e detentor da totalidade das ações da C... (acionista única da Requerente) e a B... (comprador) junta ao PA (PA-13);
d. Em 14.05.2020, assinatura de acordo cessão de ações (participação social) pelo qual a B... adquiriu à C... 100% do capital social e dos direitos de voto da Requerente – cf. cópia do acordo entre a D... (vendedor) e detentor da totalidade das ações da C... (acionista única da Requerente) e a B... (comprador) junta ao PA (PA-13);
e. Em 15.07.2022, submissão pela Requerente da IES (Informação Empresarial Simplificada - IES) respeitante ao ano de 2021, na qual se indica a participação direta no capital social da Requerente pela sociedade B..., desde 30.10.2020 – cf. cópia junta ao PA (PA-13; PA-14; PA-15; PA-16);
f. Em 04.08.2023, submissão pela Requerente da IES respeitante ao ano de 2022, na qual consta a mesma informação constante no ponto anterior – cf. cópia junta ao PA (PA-16; PA-17; PA-18);
g. Em 19.09.2024, submissão pela Requerente da IES respeitante ao ano de 2023, na qual consta a mesma informação constante no ponto anterior – cf. cópia junta ao PA (PA-19; PA-20; P-21; PA-22);

h. No ano de 2023, e com referência ao período de tributação de 2020, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, com base na Ordem de Serviço n.º OI2023... (emitida em 09.03.2023, pelos SIT da DF do Porto), tendo sido notificada em 22.02.2024 do projeto de relatório de inspeção para, querendo, exercer direito de audição – cf. cópia junta ao PA (PA-2; PA-3; PA-4; PA-5).

i. Em 18.03.2024, a Requerente exerceu o direito de audição referente ao Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (Ordem de Serviço n.º OI2023...) – cf. cópia junta ao PA (PA-6);
j. Notificação do Relatório (final) da Inspeção Tributária (Ordem de Serviço n.º OI2023...) (assinado em 02.05.2024) –cf. cópia junta ao PA (PA-7; PA-8; PA-9; PA-10);









k. Emissão da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2024..., com um valor total a pagar de € 85.076,71 (a pagar até 09.07.2024), resultante do apuramento das retenções na fonte referente a rendimentos de capitais respeitante ao ano de 2020 (n.º de liquidação 2024...), no valor de € 75.000, e demonstração de liquidação de juros compensatórios (n.º de liquidação 2024...), no valor de € 10.076,71 – cf. cópia junta ao PA, e anexa ao pedido como Documento 2.
l. A Requerente não procedeu ao pagamento do montante de € 85.076,71 a que respeita o ponto anterior da matéria de facto – Por acordo;
m. Em 24.07.2024, citação pessoal da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2024..., no montante total a pagar de € 85.076,71 – cf. cópia junta ao PA (PA-10);
n. Apresentação do pedido de suspensão do processo de execução fiscal com prestação de garantia bancária idónea (garantia bancária n.º ... prestada pelo Banco Comercial Português, S.A.) – cf. cópia junta ao PA (PA-10; PA-11);
o. Em 06.11.2024 a Requerente apresentou reclamação graciosa, identificada com o n.º de processo ...2024... (tributo reclamado: Retenção na fonte em resultado de atos inspetivos) – cf. cópia junta ao PA (PA-23);
p. Em 25.11.2024 a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa (Ofício n.º 2024..., de 20.11.2024), não tendo sido exercido – cf. cópia junta ao PA (PA-23);
q. Em 18.12.2024 a Requerente foi notificada pelo ofício n.º 2024..., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cf. cópia junta ao PA (PA-23);
r. A Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral para impugnação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e, mediatamente, das liquidações em causa nos presentes autos, o qual foi aceite em 20.03.2025.
4.2. Factos não provados
Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.
4.3. Motivação da decisão da matéria de facto
37. A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas Partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.
38. O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base nos documentos juntos ao Pedido e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas Partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
5. MATÉRIA DE DIREITO
39. A Requerida na Resposta invoca exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, para conhecer a pretensão da Requerente relativamente ao pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pelos encargos suportados com prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal. Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que iniciar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
5.1. Exceção da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
40. Estando em causa o âmbito de competência dos Tribunais arbitrais do CAAD previsto no artigo 2.º do RJAT, o qual abrange na al. a) do seu n.º 1 «a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta»), entende a Requerida que, sendo pretendido pela Requerente a condenação da AT no pagamento de indemnização pelos encargos suportados com prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal, não se encontra no âmbito da competência do tribunal arbitral, e respetiva Portaria de vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), a apreciação de as pretensões conexas com processos de execução fiscal.
41. Em sentido contrário, esclarece a Requerente que o objeto imediato do pedido é a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...e o mediato as identificadas demonstrações de liquidação, estando compreendido no âmbito da competência dos tribunais arbitrais (artigo 2.º, do RJAT). Caso o Tribunal Arbitral se declare incompetente para apreciar o mencionado pedido, a consequência sempre será a absolvição da Requerida da instância quanto a esse segmento do pedido – apenas e só -, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 96.º, n.os 1 e 2 e 99.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT).
42. Vejamos. Constituindo o pedido “o elemento identificador das acções” (…) sendo o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” [1], resulta claro da análise ao mesmo, que a pretensão formulada pela Requerente visa a «(…) obtenção de pronúncia arbitral de declaração deilegalidade e consequente anulação dos [sic] a demonstração de liquidação de retenções na fonte – Imposto sobre oRendimento (“IR”) – número 2024..., no valor de € 75.000,00, e, bem assim, demonstração de liquidação de juros compensatórios com n.º 2024 ..., no valor de € 10.076,71, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…) quanto ao exercício de 2020 (…)».
43. Requerendo-se, a final, «(…) e, em consequência: A) anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada; B) Declarar ilegal e, por isso, ser anulada, a liquidação de retenções na fonte de IRC n.º 2024... e de juros compensatórios (Documento de demonstração n.º 2024...), no valor total de € 85.076,71, referentes ao exercício de 2020; (…)», sendo aqui igualmente pedido ao Tribunal «C) Ser condenada a AT, ora Requerida, a indemnizar a Requerente pelos encargos suportados pela Requerente com a prestação e garantia indevida.»
44. Efetivamente, dispõe o Artigo 53.º da LGT (Garantia em caso de prestação indevida) que,
«1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. (…)»
45. Ora, perante o carácter taxativo da norma de competência dos tribunais arbitrais - artigo 2.º do RJAT e respetiva Portaria de vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) - no que respeita ao pedido de indemnização da Requerente pelos encargos suportados pela Requerente com a prestação e garantia indevida, entende este Tribunal que o pedido em questão não está contemplado nas competências dos Tribunais a funcionar no CAAD.
46. Neste sentido, e entre outros, o acórdão do CAAD do processo n.º 525/2016-T, decidiu que “entre as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD definidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não se incluem competências para apreciar atos praticados em execução fiscal, mas apenas para declarar a ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, para além de atos de fixação da matéria tributável ou coletável e atos de fixação de valores patrimoniais. Os atos de liquidação de juros de mora e custas em processo de execução fiscal não são de nenhuma das categorias indicadas, pelo que este Tribunal Arbitral não é competente para apreciar a sua legalidade”.
47. Em face do que se expõe, entende este Tribunal que procede a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida, resultando o objeto do pedido formulado ao Tribunal limitado aos atos de liquidação impugnados, não abrangendo os atos praticados em execução fiscal, sobre os quais o Tribunal Arbitral se declara incompetente para apreciar. Verifica-se, assim, a absolvição da Requerida da instância quanto ao ponto C) do pedido - «(C) Ser condenada a AT, ora Requerida, a indemnizar a Requerente pelos encargos suportados pela Requerente com a prestação e garantia indevida.»
48. Não foram suscitadas quaisquer outras exceções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.
Cumpre analisar.
5.2. Sobre o preenchimento das condições para aplicação da isenção de IRC constante do artigo 14.º, n.º 3 e 4 do respetivo Código.
49. A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos tributários identificados, suscitando, em concreto, a questão de saber se os adiantamentos por conta de lucros, distribuídos pela Requerente, em 17 e 27 de novembro de 2020, a uma sociedade francesa, sua acionista (B...), se encontram isentos de IRC, nos termos do no n.° 3 e seguintes do artigo 14. ° do Código do IRC.
50. Analisado o alegado pelas Partes, entende a AT que, na data da colocação à disposição dos adiantamentos por conta de lucros (dividendos) à beneficiária B..., esta detinha 100% do capital da aqui Requerente há menos de um ano (18 dias), uma vez que iniciou a sua participação, de forma direta, em 30.10.2020, tendo adquirido, nesta data, a totalidade do capital social à sociedade C... (a qual era detentora do capital social da Requerente). Assim, antes de 30.10.2020, a sociedade B... participava apenas de forma indireta no capital social da Requerente, devido à participação no capital C... [aquisições efetuadas em 2015 (10%) e 2017 (10%)].
51. Com a discordância da Requerente, conclui a AT que, para se considerar que havia há mais de um ano, uma participação direta e indireta da B... no capital social da A..., S.A. (Requerente), aquela teria de dispor de participações diretas e indiretas, que somadas perfizessem uma detenção não inferior a 10%, o que não sucede, já que as aquisições anteriores, traduzem apenas uma participação indireta.
52. Na redação em vigor à data dos factos, dispunha (como dispõe) o artigo 14.º, n.º 3 e 4, do Código do IRC que,
«3 - Estão isentos os lucros e reservas que uma entidade residente em território português, sujeita e não isenta de IRC ou do imposto referido no artigo 7.º e não abrangida pelo regime previsto no artigo 6.º, coloque à disposição de uma entidade que:
a) Seja residente:
1) Noutro Estado membro da União Europeia;
2) Num Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia;
3) Num Estado com o qual tenha sido celebrada e se encontre em vigor convenção para evitar a dupla tributação que preveja a troca de informações;
b) Esteja sujeita e não isenta de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC desde que, nas situações previstas na subalínea 3) da alínea anterior, a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
c) Detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 %do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
d) Detenha a participação referida na alínea anterior de modo ininterrupto, durante o ano anterior à colocação à disposição;
4 - Para efeitos da aplicação do regime previsto no número anterior, deve ser feita prova do cumprimento das respetivas condições, perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, em momento anterior à data da colocação à disposição dos lucros e reservas distribuídos, devendo a prova relativa aos requisitos estabelecidos nas alíneas a) e b) do número anterior ser efetuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado de que é residente esta entidade, sendo ainda de observar o previsto no artigo 119.º do Código do IRS.
5 - Para efeitos do disposto no n.º 3, considera-se como entidade residente a que, como tal, seja qualificada pela legislação fiscal do respetivo Estado e que, ao abrigo das convenções destinadas a evitar a dupla tributação celebradas por este Estado, não seja considerada, para efeitos fiscais, residente noutro Estado. [nosso sublinhado]
53. O referido regime decorre da transposição da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/7/1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados- membros diferentes (“Diretiva mães-filhas”).
54. A presente questão prende-se, essencialmente, com a interpretação do artigo 14.º, n.º 3, alíneas c) e d) do Código do IRC, nos termos do qual «3 - Estão isentos os lucros e reservas que uma entidade residente em território português, sujeita e não isenta de IRC ou do imposto referido no artigo 7.º e não abrangida pelo regime previsto no artigo 6.º, coloque à disposição de uma entidade que:
a) Detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 %do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
Detenha a participação referida na alínea anterior de modo ininterrupto, durante o ano anterior à colocação à disposição; (…)» [nosso sublinhado]
55. Em benefício da presente análise, e ainda que referente a um período de tributação anterior (2015), atendemos à fundamentação constante da decisão proferida no Processo n.º 125/2020-T (CAAD), com respeito ao normativo em questão:
«Aqui chegados importa averiguar se o legislador, ao referir-se à detenção “direta ou direta e indiretamente” (cfr. artigo 14.º, n.º 3, alínea c) do CIRC 2015) quis, no segundo segmento (“direta e indiretamente”) abranger a detenção simultânea de participações sociais diretas e indiretas ou, de forma diversa, a detenção alternativa de participações sociais diretas e indiretas.
Se o elemento literal é, como vimos, muito claro – o legislador quis abranger a detenção simultânea de participações sociais diretas e indiretas – importa, porém, averiguar e tentar reconstituir, a partir da letra da lei, o "pensamento legislativo".
Aqui, deve observar-se que o legislador, quando quis abranger, no Código do IRC, a possibilidade de detenção alternativa de participações sociais diretas ou indiretas, o fez de forma expressa.
De forma diversa, em múltiplas normas do Código do IRC o legislador refere-se à detenção, “direta ou indireta”, de participações sociais.
Assim sucede, de forma exemplificativa, nos artigos 18.º, n.º 9, alínea a); 23.º-A, n.º 3, alíneas c) e d); 52.º, n.º 9, alínea d); 52.º, n.º 10; 63.º, n.º 4, alíneas a) e b); 68.º, n.º 3; 69.º, n.º 3; 69.º, n.º 5, alínea b); 86.º-A, n.º 1, alínea d); 91.º, n.º 1, alínea b) e 91.º-A, n.º 3, alínea a), todos do Código do IRC.
Registe-se ainda que, no CIRC 2015, o legislador referia-se apenas por duas vezes à detenção “direta ou direta e indiretamente” de participações sociais: justamente no artigo 14.º, n.º 3, alínea c) sub judice e no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) (referente ao vulgarmente designado regime de “participation exemption”) do Código do IRC.
Ora, a esta luz, também se pode concluir que o legislador quis, clara e inequivocamente, distinguir situações em que a detenção simultânea de participações sociais diretas e indiretas se deve verificar – como ocorria no artigo 14.º, n.º 3, alínea c) do Código do IRC então em vigor – da possibilidade de detenção alternativa de participações sociais diretas ou indiretas, como sucedia nas múltiplas normas do Código do IRC anteriormente referidas de forma exemplificativa.
Ainda assim, importa verificar qual foi o pensamento do legislador neste domínio.
Analisado o relatório final da Comissão para a reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas – 2013, que esteve na base das alterações ao Código do IRC em vigor em 2015, verifica-se a Comissão não quis consagrar uma solução como a que passou a constar do artigo 14.º, n.º 3, alínea c) do CIRC 2015.
Na verdade, a Comissão propunha a seguinte redação para o artigo 14.º, n.º 3, alínea c) (cfr. página 111 do relatório):
c) Detenha direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 2% do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas.
De forma idêntica, a Comissão propunha a seguinte redação para o artigo 51.º (cfr. página 112 do relatório):
Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos
1. Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) O sujeito passivo detenha direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 2% do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
Em síntese, a Comissão para a reforma do IRC, em 2013, propunha que a detenção alternativa de participações sociais diretas ou indiretas permitisse ao contribuinte beneficiar da isenção, para efeitos do artigo 14.º, n.º 3.
Porém, esta sugestão da Comissão não foi acolhida na redação final das alterações ao Código que vieram a ser aprovadas.
Não se pode considerar que tal se deveu a erro, omissão ou desatenção.
Pelo contrário.
O legislador quis, de forma propositada, modificar a proposta da Comissão e afirmar que, para efeitos do disposto no artigo 14.º, n.º 3, alínea c), segundo segmento do Código do IRC, a detenção de participações sociais diretas e indiretas deve ser simultânea.
A Requerente entende que esta interpretação “não atende à teleologia da norma, nem ao funcionamento do sistema do IRC.”
Sendo certo que o disposto no artigo 14.º, n.º 3, alínea c) não segue a regra adoptada na maior parte das disposições do Código do IRC – detenção “direta ou indireta” - não pode, contudo, deixar de se interpretar a lei não apenas com base na letra desta mas também atendendo à ratio legis e ao pensamento do legislador, como vimos anteriormente.
É legítimo assumir-se, de jure condendo, uma postura mais ou menos crítica do legislador – que, porventura, terá motivado a posterior alteração ao artigo 14.º e a aprovação da redação em vigor do CIRC. A Requerente assinala essa crítica quando defende que o resultado prático da aplicação do artigo 14.º, n.º 3 do CIRC 2015 “conduz a uma solução injusta e sem sentido”.
Porém o juízo crítico que a Requerente faz sobre a lei não coloca em causa a interpretação anteriormente feita nem legitima que se proceda a uma interpretação contra legem da norma, naturalmente inadmissível.
Como foi referido anteriormente, de harmonia com o artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora o resultado da tarefa interpretativa in casu é, como vimos, insofismável: o legislador pretendeu que, para efeitos do disposto no artigo 14.º, n.º 3, alínea c), segundo segmento, do Código do IRC, a detenção de participações sociais diretas e indiretas fosse simultânea.
Como foi dado como provado, a B... BV detinha uma participação de 38,67% na Requerente há mais de 24 meses, que se cingia a uma participação indireta,
A participação direta na Requerente, por parte da B... BV, passou a ser detida desde 08.04.2014 (data do registo das ações na Holanda).
Por esta razão, a Requerente estava obrigada a proceder à retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos à B... em 20 de maio e 22 de dezembro de 2015 uma vez não tinha enquadramento na alínea d) do n.º 3 do artigo 14.º do CIRC.»
56. Pelo que se expõe, sobre a questão de saber se, ao referir-se à detenção “direta ou direta e indiretamente” se quis abranger a detenção simultânea de participações sociais diretas e indiretas ou, de forma diversa, a detenção alternativa de participações sociais diretas e indiretas, entende este Tribunal que a detenção será simultânea. Desta forma, não assiste razão à Requerente, a qual estaria obrigada à retenção na fonte em sede de IRC sobre os adiantamentos por conta de lucros identificados nos autos.
57. Refere ainda a Requerente que não foi considerado o disposto no artigo 98.º, n.º 7, do Código do IRC, alegando que já se verificavam todos os requisitos para que a retenção na fonte não fosse aplicável. Nestes termos, caso a retenção na fonte tivesse sido efetuada, a mesma teria de ser devolvida à B... . Neste sentido, socorre-se do entendimento constante do Acórdão emitido pelo STA, ao abrigo do processo n.º 01458/13, de 14.05.2014.
58. Ora, sem que se questione o entendimento proferido pelo Ilustre Tribunal, não se coloca em causa nos presentes autos uma situação de reembolso de imposto, por não ter sido realizada a retenção na fonte. Caberia sempre à entidade beneficiária do rendimento (B...), o recurso ao mecanismo de reembolso previsto no artigo 98.º, n.º 7, do Código do IRC, que não está em causa, atenta a opção de não pagamento por parte da Requerente.
6. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente a exceção de incompetência quanto ao pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização pelos encargos suportados pela Requerente com a prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal;
b) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, negar provimento ao pedido de anulação da liquidação de retenções na fonte de IRC n.º 2024..., no valor no valor de € 75.000,00, da liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., no valor de € 10.076,71 (Documento de demonstração n.º 2024 ...), no valor total de € 85.076,71, referentes ao exercício de 2020, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida (n.º ...2024...), em conformidade com o decidido nos presentes autos;
c) Condenar a Requerente nas custas do processo.
7. VALOR DA CAUSA
Fixa-se o valor do processo em € 85.076,71 (oitenta e cinco mil, setenta e seis euros e setenta e um cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do CPC.
8. CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 2.754,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerente[2], de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de novembro de 2025
O Tribunal Coletivo,
Victor Calvete
(Árbitro presidente)
Francisco Melo
(Árbitro adjunto)
Ana Rita Chacim
(Árbitra adjunta - Relatora)
[2] De acordo com o despacho de retificação de 2025-11-26