Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2025-T
Data da decisão: 2025-11-21   Outros 
Valor do pedido: € 1.118.349,82
Tema: Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) – Centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis – Não vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem em matéria tributária (artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março)
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SUMÁRIO:

 

I.         «A qualificação da CESE como contribuição financeira assenta […] na relação funcional entre obrigados tributários (operadores do setor energético) e a finalidade a que a contribuição está adstrita, o financiamento de um Fundo, o FSSSE, dedicado à implementação de políticas do setor energético de cariz social e ambiental que promovam a sua eficiência e estabilidade […]. Entre estas atribuições, conta[m]-se o serviço e a amortização da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) […]. Sobre a possibilidade de esta estrutura tributária ter ficado comprometida pelas alterações ao regime jurídico do FSSSE […], introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, será de recuperar as considerações tecidas pelo Acórdão do TC n.º 296/2023 […]. [Amodificação do quadro legislativo do RJFSSSE não impactou na CESE de modo a comprometer a doutrina do Acórdão do TC n.º 7/2019 sobre a qualificação do tributo como contribuição financeira, também com relação ao leque de sujeitos abrangidos pela incidência e aqui se incluindo empresas do setor electroprodutor» – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 63/2025 (2.ª Secção), de 23 de janeiro de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24.

 

II.       «[A]s empresas electroprodutoras com recurso a fonte renovável não apenas beneficiam da estabilidade (de preço e de volume de procura) conferida pela adequada gestão da dívida tarifária, são elas as principais beneficiárias do regime de subsidiação pública responsável pela geração da quase-totalidade do stock de dívida: a sua adequada gestão – cujo serviço e amortização a CESE financia, para além do mais – terá de entender-se, como está bom de ver, contraface natural do sistema de incentivos financeiros à produção de que gozam as empresas do subsetor electroprodutor com fonte renovável, reforçando a relação de benefício difuso entre tributo e sujeitos passivos, característica das contribuições financeiras, e suportando a incidência sobre esta classe de operadores» – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2025 (Plenário), de 15 de julho de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24.

 

III.     Atendendo à natureza jurídica da CESE (contribuição financeira), a Entidade Requerida não se encontra vinculada à arbitragem em matéria tributária (cfr. artigo 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março), pelo que o Tribunal Arbitral abster-se-á de apreciar o mérito da causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

Requerente: A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ... n.º ...,  ..., ...-... ...

 

Entidade Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Tomás Castro Tavares (Árbitro Adjunto) e Sónia Fernandes Martins (Árbitra Adjunta e Relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral coletivo constituído a 17 de junho de 2025, decidiram o seguinte:

 

I.          Relatório

 

1.          A..., S.A., pessoa coletiva melhor identificada supra (“Requerente”), apresentou perante o CAAD, dirigido ao seu Ex.mo Senhor Presidente, pedido de pronúncia arbitral a 2 de abril de 2025, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”).  

 

2.          Em sede do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade (e concomitante anulação) das (auto)liquidações da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”), no montante total de 1.118.349,82 EUR, relativas aos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022, constituindo tais atos tributários o objeto mediato da ação arbitral. Peticionou, de igual modo, a restituição do tributo (1.118.349,82 EUR) e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

3.          A propositura da ação arbitral teve lugar após a apresentação, perante o Diretor de Finanças da Guarda, de pedido de revisão oficiosa daqueles atos tributários a 31 de outubro de 2024, o qual foi rejeitado por decisão de 30 de dezembro de 2024 do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (Justiça Tributária), constituindo esta decisão o objeto imediato da ação arbitral.

 

4.          No âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pugnou grosso modo pela preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) por, na sua ótica, a CESE «[por si] autoliquidada e paga […] nos anos de 2020, 2021 e 2022 assumi[r] a natureza de imposto (e não de contribuição financeira), sem existência de qualquer bilateralidade entre o seu custo e a contrapartida recebida, e sem respaldo no princípio da capacidade contributiva […]. [Na sua perspetiva,] na qualidade de detentora de um centro electroprodutor com recurso a fonte renovável, é um dos sujeitos em relação aos quais a CESE passou a constituir um verdadeiro imposto, porquanto não pode ser considerada responsável pela dívida tarifária do setor elétrico nem, consequentemente, ser presumível beneficiária da redução dessa dívida […]. Em face do exposto, entende a Requerente, seguindo a linha jurisprudencial do acórdão n.º 338/2024, do Tribunal Constitucional, que a norma de incidência da CESE de sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável constante da alínea b) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, aplicada ao seu caso concreto da autoliquidação de CESE de 2020, 2021 e 2022, é inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP […]. Tal significa que os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base dos atos de autoliquidação da CESE […] estão errados, por inconstitucionalidade da norma de incidência em que os mesmos se fundaram. Pelo que, os referidos atos devem ser revistos (anulados) à luz dos novos pressupostos».

 

5.          É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Entidade Requerida”).

 

6.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD a 4 de abril de 2025, tendo sido notificado à Entidade Requerida a 9 de abril de 2025.

 

7.          Os Árbitros Signatários foram designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral coletivo, tendo aceitado a designação a 9 de maio de 2025.

 

8.          No dia 27 de maio de 2025, as partes foram notificadas das referidas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar.

 

9.          O Tribunal Arbitral foi constituído a 17 de junho de 2025.

 

10.       Por despacho de 18 de junho de 2025, a Entidade Requerida foi notificada para (i) apresentar a sua resposta; (ii)juntar o processo administrativo e, querendo, (iii) requerer a produção de prova adicional. 

 

11.       No dia 8 de setembro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo.

 

12.       Na sua resposta, a Entidade Requerida invocou a seguinte matéria de exceção: (ia incompetência material do Tribunal Arbitral, face (a) à «natureza jurídico-tributária da CESE»; (b) à «definição legal e regulamentar da competência dos tribunais arbitrais» e (c) à «inidoneidade do meio processual» e, bem assim, (ii) a inimpugnabilidade dos atos tributários. Neste âmbito, em síntese, a Entidade Requerida sustentou:

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(a) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à natureza jurídico-tributária da CESE]:

«[ACESE foi (e continua a ser) uniformemente qualificada juridicamente como contribuição financeira, não tendo a evolução normativa verificada a virtualidade de alterar a sua qualificação jurídica […]. Aposição por nós [Entidade Requerida] advogada encontra eco e suporte nas decisões quer dos tribunais arbitrais quer dos tribunais superiores do nosso ordenamento jurídico, máxime do Tribunal Constitucional, que assim a qualificaram. E note-se que estamos a falar de decisões respeitantes à CESE de anos posteriores à alteração legislativa que a Requerente considera como determinante para a alteração da qualificação jurídica da CESE, ou seja, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 109 A/2018, de 7 de dezembro […]. [Éneste momento vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, a saber:

·   Acórdão n.º 63/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2019;

·   Acórdão n.º 65/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020;

·   Acórdão n.º 68/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020;

·   Acórdão n.º 164/2025, de 20-02-2025, apreciou CESE de 2020;

·   Acórdão n.º 253/2025, de 20-03-2025, apreciou CESE de 2019;

·   Acórdão n.º 333/2025, de 30-04-2025, apreciou CESE de 2020;

·   Acórdão n.º 425/2025, de 15-05-2025, apreciou CESE de 2020;

·   Acórdão n.º 464/2025, de 29-05-2025, apreciou CESE de 2019;

·   Acórdão n.º 505/2025, de 12-06-2025, apreciou CESE de 2019;

·   Acórdão n.º 507/2025, de 12-06-2025, apreciou CESE de 2019;

·   Acórdão n.º 680/2025, de 15-07-2025, apreciou CESE de 2019 (Plenário do TC).

Em todos […] [estes] arestos é analisada a evolução do quadro legal da CESE, inclusive da relacionada com o seu financiamento, tendo os doutos Conselheiros, para o que aqui importa […], concluído que:

·   A CESE mantém os critérios para ser considerada contribuição financeira (não imposto ou taxa);

·   A afetação ao FSSSE e as modificações legislativas mantêm a relação de benefício difuso entre os sujeitos passivos e o Fundo;

·   O princípio da igualdade tributária não é violado ao incluir na sujeição à CESE os sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto […].

Em face do exposto, temos, pois, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo de uma forma sistemática a qualificar a CESE como uma contribuição financeira e deve ser dessa forma que este tribunal arbitral deverá apreciar a mesma, quer em termos de competência material do tribunal arbitral (sendo certo que esta é uma questão que, por maioria de razão, precede todas as demais), quer, eventualmente, na apreciação do mérito da questão, se a ele houver lugar, o que não se concede».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(b) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à definição legal e regulamentar da competência dos tribunais arbitrais]:

«O âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (artigos 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (artigo 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT e, sendo a espécie tributária da CESE qualificada como contribuição financeira (e não um imposto), não se encontra verificada a afirmação vertida pela Requerente acerca da competência material deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio[…]. Face ao exposto, nos termos conjugados dos artigos 4.º, n.º 1, do RJAT, e 2.º da Portaria de Vinculação, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(c) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à inidoneidade do meio processual]:

«[…] [P]ara que o douto tribunal se pudesse pronunciar acerca do pedido da Requerente era condição sine qua non que tivesse havido uma decisão de indeferimento expresso, com análise do mérito da causa, o que indubitavelmente não sucedeu. […] [N]os presentes autos estamos perante uma decisão de rejeição liminar e consequente arquivamento do pedido de revisão oficiosa apresentado, ao invés de uma decisão de indeferimento do mesmo […][N]ão estando em causa a apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação/autoliquidação, a impugnação judicial ou o pedido de pronúncia arbitral não são os meios próprios de reação, contrariamente ao que defende a Requerente […]. [N]ão se pode deixar de considerar que, uma vez que foi rejeitada a apreciação da legalidade do ato tributário de autoliquidação de CESE, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT. E, assim o sendo, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele […]. Consubstanciando, portanto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência do tribunal quanto à liquidação de IS aqui em questão, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição, nessa parte, da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1, e 577.º, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi [do] artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (ii) supra [inimpugnabilidade dos atos tributários]:

«[…] [E]stão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa (artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março). Pese embora parte da doutrina equipare o procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de verificação do cumprimento do ónus de reclamação necessária previsto no artigo 131.º do CPPT, tal doutrina pressupõe que, no procedimento de revisão oficiosa, a AT se tenha pronunciado quanto à legalidade da autoliquidação. O que não se verificou no caso concreto, porquanto o predito pedido de revisão foi liminarmente rejeitado com fundamento na sua intempestividade. Não se podendo considerar, dessa forma, cumprido o ónus de reclamação prévia necessária […]. De resto, não é despiciendo notar que o pedido de revisão oficiosa em apreço foi apresentado muito depois do prazo de dois anos previsto para a reclamação administrativa […]. Em suma, dado que o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente rejeitado, tendo sido, além disso, apresentado extemporaneamente, nunca poderá ser equiparado à impugnação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, sendo por isso forçoso concluir pela inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação de CESE em crise por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto. Nestes termos, tendo os atos de autoliquidação de CESE se consolidado na ordem jurídica, verifica-se a exceção de inimpugnabilidade dos mesmos, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i), do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT».

 

13.       Ademais, no que respeita ao mérito da causa, a Entidade Requerida defendeu carecer de razão a posição adotada pela Requerente. Para este efeito, referiu em síntese:

«[…] [AAdministração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 3.º, n.º 1, do CPA e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT). Daqui resulta que não caberá à AT questionar a aplicação de uma norma dimanada de um órgão de soberania, sendo que, encontrando-se a(s) norma(s) legal(is) que instituem e regulamentam a CESE vigentes no ordenamento jurídico nacional (ao qual a AT se encontra vinculada), mais não restaria à AT senão aplicá-la, não podendo tal aplicação acarretar qualquer ilegalidade do ato de liquidação […]. Nesta medida, à Autoridade Tributária está vedada a desaplicação de uma norma por vício de inconstitucionalidade, porquanto, até à presente data, não lhe subjaz acórdão transitado em julgado do Tribunal Constitucional que assim o tenha decidido (declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral), nem jurisprudência firmada dos tribunais superiores que assim o determine. [Além disso,] […] é insofismável, à luz da evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a CESE configura uma verdadeira contribuição financeira, não violando quaisquer princípios constitucionais, mormente o princípio da capacidade contributiva, como concretização do princípio da igualdade […]. As autoliquidações em causa não provêm de qualquer erro dos serviços, mas decorrem diretamente da aplicação da lei. Em sede de apreciação do pedido de revisão oficiosa, a AT limitou-se a aferir dos pressupostos do artigo 78.º da LGT, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros [indemnizatórios] peticionados».

 

14.       Por despacho de 8 de setembro de 2025, o Tribunal Arbitral concedeu à Requerente o prazo de 10 (dez) dias para exercer o contraditório sobre a matéria de exceção invocada pela Entidade Requerida em sede de resposta.

 

15.       No dia 22 de setembro de 2025, a Requerente pronunciou-se sobre a aludida matéria de exceção, tendo, em síntese, sustentado:

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(a) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à natureza jurídico-tributária da CESE]:

«Efetivamente, a CESE só viola o princípio da igualdade (tributária), em especial na dimensão do princípio da capacidade contributiva, especialmente previsto e tutelado no artigo 13.º da CRP, por, no entendimento da Requerente (e do TC), assumir a natureza de imposto. Assim, e tendo a Requerente configurado a CESE como um imposto, no âmbito da sua causa de pedir, deve improceder a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, em razão da qualificação jurídica da CESE […]. A isso acresce o facto de a discussão sobre a natureza jurídica da CESE – e sobre o potencial impacto de legislação posterior – ser matéria de direito (de impugnação) e não matéria de exceção, razão pela qual não deve obstar ao prosseguimento dos presentes autos».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(b) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à definição legal e regulamentar da competência dos tribunais arbitrais]:

«[…] [ARequerida pretende fazer valer o entendimento de que o artigo 2.º da Portaria de Vinculação da AT aos tribunais arbitrais deve ser interpretado no sentido de os tribunais arbitrais apenas terem competência para apreciar pretensões relativas a impostos que mereçam essa designação legal, o que, conforme jurisprudência arbitral consolidada, constitui interpretação errónea da referida norma. Desde logo, um entendimento de tal génese, para além de não refletir a melhor interpretação das normas que delimitam a competência dos tribunais arbitrais, reduz a tarefa hermenêutica, entregue aos próprios tribunais, ao literalismo extremo […].

Ora, o aditamento da alínea e) ao artigo 2.º daquela Portaria de Vinculação, através da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, revela que, na própria perspetiva do Governo, a competência dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária se estende a todos os tributos (e não apenas aos impostos)».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (i)(c) supra [incompetência material do Tribunal Arbitral, face à inidoneidade do meio processual]:

«[…] [E]sta consideração da Requerida não só é falaciosa – pois, na verdade, a AT pronunciou-se acerca do mérito da questão suscitada pela aqui Requerente – como também contradiz, de forma ostensiva, a jurisprudência reiterada e consolidada proferida por tribunais arbitrais […]. Basta ver que a AT não só analisou os requisitos previstos no artigo 78.º da LGT, confirmando a existência do prazo legal de 4 anos para revisão oficiosa de atos tributários, e procedendo a uma análise e verificação do cumprimento desse prazo, como procedeu à análise do conceito de erro imputável aos serviços, referindo jurisprudência e doutrina que, alegadamente, sustentam a sua posição, no sentido de, in casu, não existir erro imputável aos serviços».

 

®   No que respeita à matéria de exceção elencada em (ii) supra [inimpugnabilidade dos atos tributários]:

«[…] [N]ão obstante a letra do artigo 131.º do CPPT remeter, em exclusivo, para a reclamação graciosa, a jurisprudência nacional tem aceitado o recurso alternativo à revisão oficiosa, por ser, igualmente, um meio administrativo que permite à AT tomar conhecimento, e pronunciar-se, sobre a questão decidenda, não sendo surpreendida com uma impugnação de uma autoliquidação que nunca lhe coube apreciar […]. Outra não poderia ser a solução, pois o legislador, ao consagrar o regime da reclamação necessária, estatuída no artigo 131.º do CPPT, o que pretendeu foi dar a oportunidade à Autoridade Tributária para se pronunciar, em fase administrativa, o que também é assegurado no pedido de revisão oficiosa».

 

16.       Por despacho de 24 de setembro de 2025, o Tribunal Arbitral notificou as partes (i) da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAMT; (ii) da faculdade de apresentação de alegações escritas simultâneas; (iii) da data-limite de prolação da decisão arbitral (7 de dezembro de 2025) e (iv) para pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

17.       A Requerente efetuou o pagamento da taxa de arbitragem subsequente a 13 de outubro de 2025.

 

18.       Em 14 de outubro de 2025, a Requerente apresentou alegações escritas, nas quais corroborou a posição que anteriormente sufragara.

 

19.       Na mesma data, a Entidade Requerida apresentou alegações escritas, tendo reiterado o entendimento que expressara em sede de resposta.

 

II.        Saneamento

 

20.       O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º, n.os 1, parte final, e 3, alínea a), 6.º, n.os 2, alínea a), 3 e 4, e 11.º do RJAMT.

 

21.       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

22.       Não se verificam nulidades.

 

23.       Foi, porém, invocada matéria de exceção pela Entidade Requerida, impondo-se, por isso, a sua apreciação imediata, a qual necessariamente precederá a (eventual) apreciação do mérito da causa pelo Tribunal Arbitral.

 

III.      Matéria de Facto

 

24.       Relativamente à matéria de facto, não impende sobre o Tribunal Arbitral o ónus de pronúncia sobre todos os factos alegados pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os que importam para a boa decisão da causa e de discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT].

 

25.       Deste modo, os factos pertinentes ao julgamento da causa foram selecionados e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida atentas as várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito carentes de resposta (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT).

 

A.         Factos provados e respetiva motivação

 

26.       O Tribunal Arbitral considera assente a seguinte factualidade:

 

a.          A Requerente é uma sociedade comercial anónima de Direito português, com sede na ... n.º ...,  ..., ...-...  ... [facto não controvertido entre as partes];

 

b.          No âmbito da sua atividade, a Requerente opera sob o código de atividade económica (“CAE”) 35113, relativo à «produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem, n.e.» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelos documentos n.os 2, 3 e 4 do pedido de pronúncia arbitral];

 

c.          Em concreto, a Requerente dedica-se à «atividade de produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelos documentos n.os 2, 3 e 4 do pedido de pronúncia arbitral];

 

d.          Neste contexto, nos anos de 2020, 2021 e 2022, a coberto da licença de exploração concedida pela Direção-Geral de Energia e Geologia a 15 de janeiro de 2016, a Requerente detinha e explorava um conjunto de instalações com uma potência total de 50.000 kW (52.500 kVA), a saber:

®  O núcleo de São Gens, constituído por dezassete aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2.070 kW (2.100 kVA), dezassete postos de transformação, cada um equipado com um transformador de potência de 2.220 kVA, 0,69/30 kV, rede de cabos subterrânea a 30 kV para ligação dos postos de transformação ao posto de corte, na extensão de 9.690 m, um transformador para os serviços auxiliares de 50 kVA, 30/0,4 kV, e respetivo equipamento de comando, corte, proteção e medição, sito na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Viseu e na freguesia de ..., concelho de ..., distrito da Guarda;

®  O núcleo de ..., constituído por oito aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2.070 kW (2.100 kVA), oito postos de transformação, cada um equipado com um transformador de potência de 2.220 kVA, 0,69/30 kV, rede de cabos subterrânea a 30 kV para ligação dos postos de transformação à subestação elevadora 30/60 kV, na extensão de 2.750 m, subestação constituída por dois transformadores com a potência unitária de 25.000 kVA, 30/60 kV, um transformador para os serviços auxiliares de 50 kVA, 30/0,4kV, e respetivo equipamento de comando, corte, proteção e medição, sito na freguesia ..., concelho de Aguiar da Beira, distrito de Viseu, na freguesia de União das Freguesias de ... (... e...) e..., concelho de Trancoso, distrito da Guarda e na freguesia de..., concelho de Fornos de Algodres, distrito da Guarda;

®  O troço subterrâneo, a 30 kV, entre o posto de corte do subparque eólico de ... e o apoio P1, na extensão de 46 m;

®  O troço subterrâneo, a 30 kV, entre o apoio P47 e a subestação de ..., na extensão de 234 m;

®  O troço aéreo duplo, a 30 kV, entre o apoio P1 e o apoio P47, na extensão total de 23.918 m;

®  O troço subterrâneo, a 60 kV, entre a subestação do A... e o apoio P1, na extensão de 39 m; e

®  A linha aérea dupla, a 60 kV, entre o apoio P1 e a subestação de ..., na extensão total de 32.982 m [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral];

 

e.          No dia 23 de outubro de 2020, relativamente ao período de tributação de 2020, a Requerente apresentou a declaração Modelo 27, na qual liquidou a respetiva CESE e, concomitantemente, disponibilizou a seguinte informação:

®  Identificação do setor de atividade: «outro: atividade de produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis»;

®  Apuramento da base tributável: «outros ativos aplicáveis/ativos fixos tangíveis/ativos afetos/base tributável: 42.048.782,09»;

®  Demonstração da liquidação da contribuição: «42.048.782,09*0,850% = 357.414,65» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 2 do pedido de pronúncia arbitral];

 

f.           No dia 21 de outubro de 2021, relativamente ao período de tributação de 2021, a Requerente apresentou a declaração Modelo 27, na qual liquidou a respetiva CESE e, concomitantemente, disponibilizou a seguinte informação:

®  Identificação do setor de atividade: «outro: atividade de produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis»;

®  Apuramento da base tributável: «outros ativos aplicáveis/ativos fixos tangíveis/ativos afetos/base tributável: 46.660.289,28»;

®  Demonstração da liquidação da contribuição: «46.660.289,28*0,850% = 396.612,46» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 3 do pedido de pronúncia arbitral];

 

g.          No dia 3 de outubro de 2022, relativamente ao período de tributação de 2022, a Requerente apresentou a declaração Modelo 27, na qual liquidou a respetiva CESE e, concomitantemente, disponibilizou a seguinte informação:

®  Identificação do setor de atividade: «outro: atividade de produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis»;

®  Apuramento da base tributável: «outros ativos aplicáveis/ativos fixos tangíveis/ativos afetos/base tributável: 42.861.494,93»;

®  Demonstração da liquidação da contribuição: «42.861.494,93*0,850% = 364.322,71» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral];

 

h.          A CESE atinente aos referidos períodos de tributação, respetivamente nos montantes de 357.414,65 EUR, 396.612,46 EUR e 364.322,71 EUR, foi entregue junto dos cofres do Estado, através das guias n.os ..., ...e..., a 28 de outubro de 2020, 28 de outubro de 2021 e 31 de outubro de 2022 [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelos documentos n.os 6, 7 e 8 do pedido de pronúncia arbitral];   

 

i.           No dia 31 de outubro de 2024, a Requerente apresentou perante o Diretor de Finanças da Guarda pedido de revisão oficiosa, no qual requereu a anulação das (auto)liquidações de CESE, nos aludidos montantes, referentes aos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022 [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 9 do pedido de pronúncia arbitral];

 

j.           A título adicional, a Requerente solicitou a restituição de tal quantitativo (357.414,65 EUR + 396.612,46 EUR + 364.322,71 EUR = 1.118.349,82 EUR) e, bem assim, a condenação da Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 9 do pedido de pronúncia arbitral];

 

k.          A Requerente alicerçou os fundamentos do seu pedido de revisão oficiosa na preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP – em concreto, na violação do subprincípio da capacidade contributiva – por, na sua perspetiva, a CESE «[por si] autoliquidada e paga […] nos anos de 2020, 2021 e 2022 assumi[r] a natureza de imposto (e não de contribuição financeira), sem existência de qualquer bilateralidade entre o seu custo e a contrapartida recebida» [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 9 do pedido de pronúncia arbitral];

 

l.           O pedido de revisão oficiosa correu os seus termos no âmbito do procedimento n.º ...2024... [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral]; 

 

m.        Por despacho de 28 de novembro de 2024, do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, notificado a 5 de dezembro de 2024, a Requerente tomou conhecimento do projeto de decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo processo administrativo];

 

n.          A Requerente optou por não exercer o seu direito de participação na formação da decisão do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2024... [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo processo administrativo]; 

 

o.          Por despacho de 30 de dezembro de 2024, do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, notificado a 6 de janeiro de 2025, a Requerente viu rejeitado o pedido de revisão oficiosa que apresentara [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo documento n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral];

 

p.          No dia 2 de abril de 2025, por dissentir da posição perfilhada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente propôs a ação arbitral na origem dos presentes autos [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pela informação constante do sistema de gestão processual do CAAD];

 

q.          Em sede do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, das (auto)liquidações de CESE dos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022, no montante global de 1.118.349,82 EUR, assim como o reembolso deste quantitativo acrescido de juros indemnizatórios computados desde o pagamento do tributo até ao processamento das inerentes notas de crédito [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD];

 

r.           Em concreto, a Requerente defendeu ser «a norma de incidência da CESE de sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável constante da alínea b) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, [quando] aplicada ao seu caso concreto […], inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP[…]» e, por via disso, ilegais os atos tributários de liquidação [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pelo pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD];

 

s.           No dia 8 de setembro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pela resposta constante do sistema de gestão processual do CAAD];

 

t.           Na sua resposta, a Entidade Requerida invocou matéria de exceção e pugnou pela conformidade à lei da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa [facto não controvertido entre as partes, não obstante corroborado pela resposta constante do sistema de gestão processual do CAAD].

 

B.         Motivação

 

27.       O Tribunal Arbitral formou a sua convicção após ter analisado (i) o acervo documental carreado para os autos pela Requerente; (ii) a resposta da Entidade Requerida e (iii) o processo administrativo.

 

C.         Factos não provados

 

28.       Inexistem factos relevantes para a boa decisão da causa que não tenham sido dados como provados. A matéria de facto não se afigura controvertida entre as partes.

 

IV.      Apreciação da Matéria de Exceção

 

29.       De acordo com o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT, «Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença [in casu, a decisão arbitral] conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica».

 

30.       Na aceção do artigo 278.º, n.º 1, alíneas a) e e), do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT, conduzem à absolvição da instância quer a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal [entre as quais se enquadra a incompetência em razão da matéria (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do CPPT, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT)] quer as exceções dilatórias inominadas, sendo ambas de conhecimento oficioso (cfr. artigos 16.º, n.º 2, do CPPT, e 578.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT).

 

31.       Assim sendo, o Tribunal Arbitral conhecerá, em primeiro lugar, da exceção dilatória referente à impossibilidade de apreciação e julgamento da causa pelo Tribunal Arbitral, ante a natureza jurídica da CESE [exceção dilatória configurada pela Entidade Requerida como de incompetência material (cfr. artigos 18.º a 57.º da sua resposta); exceção dilatória entendida distintamente pelo Tribunal Arbitral, como se verá infra]. 

 

32.       No que respeita à matéria em apreço (natureza jurídica da CESE devida por sujeitos passivos como a Requerente – i.e., por entidades electroprodutoras que recorrem a fontes de energia renovável), o Tribunal Constitucional sustentou recentemente, em formação plenária, ser o tributo em causa uma verdadeira contribuição financeira:

«[…] [A]nalisando de perto o quadro legal e as condições de operação que deram causa à dívida tarifária, a sua gestão enquanto escopo compreendido nas atividades do Fundo não apenas representava o tipo de benefício difuso passível de justificar a sujeição das empresas do setor da energia renovável a um tributo com a natureza de ‘contribuição financeira’, como constituía resposta pública a um problema gerado por este mesmo subsetor […].

[A]s empresas electroprodutoras com recurso a fonte renovável não apenas beneficiam da estabilidade (de preço e de volume de procura) conferida pela adequada gestão da dívida tarifária, são elas as principais beneficiárias do regime de subsidiação pública responsável pela geração da quase-totalidade do stock de dívida: a sua adequada gestão – cujo serviço e amortização a CESE financia, para além do mais – terá de entender-se, como está bom de ver, contraface natural do sistema de incentivos financeiros à produção de que gozam as empresas do subsetor electroprodutor com fonte renovável, reforçando a relação de benefício difuso entre tributo e sujeitos passivos, característica das contribuições financeiras, e suportando a incidência sobre esta classe de operadores» [sublinhados nossos] – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2025 (Plenário), de 15 de julho de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24.

 

33.       O Tribunal Constitucional estribou (preponderantemente) a sua posição no Acórdão n.º 63/2025, de 23 de janeiro de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24 (igualmente proferido pelo Tribunal Constitucional; porém, no âmbito da 2.ª Secção):

«A qualificação da CESE como contribuição financeira assenta […] na relação funcional entre obrigados tributários (operadores do setor energético) e a finalidade a que a contribuição está adstrita, o financiamento de um Fundo, o FSSSE, dedicado à implementação de políticas do setor energético de cariz social e ambiental que promovam a sua eficiência e estabilidade (artigo 2.º, corpo do texto, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril). Entre estas atribuições, conta-se o serviço e amortização da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) (artigo 2.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril), isto desde a data do primeiro lançamento da contribuição (2013) […]. Sobre a possibilidade de esta estrutura tributária ter ficado comprometida pelas alterações ao regime jurídico do FSSSE […] introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, será de recuperar as considerações tecidas pelo Acórdão do TC n.º 296/2023 […], de que se conclui que a modificação do quadro legislativo do RJFSSSE não impactou na CESE de modo a comprometer a doutrina do Acórdão do TC n.º 7/2019 sobre a qualificação do tributo como contribuição financeira, também com relação ao leque de sujeitos abrangidos pela incidência e aqui se incluindo empresas do setor electroprodutor.

No aresto se fez ver que: (i) os limites da despesa estabelecidos pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, já na sua redação primitiva, não eram uma componente do regime jurídico da CESE que a caracterizasse do ponto de vista dogmático, mas uma norma de organização financeira do FSSSE, vinculando-o a um capeamento na realização de despesa com base em qualquer uma das suas receitas: alterações desta disciplina financeira, pois, não são aptas a impactar na qualificação da CESE como contribuição; (ii) a CESE esteve, desde início, alocada ao financiamento de políticas públicas relacionadas com o setor energético por via do FSSSE, entre estas se incluindo, também desde início, a gestão da dívida tarifária, que nunca foi entendida [como] um objetivo secundário ou marginal na lógica do diploma regulador do FSSSE; (iii) a redução do limite às despesas do FSSSE relacionadas com outras medidas de eficiência energética (artigo 4.º, n.º 2, alínea a), in fine, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, na nova redação) de 2/3 para 1/3 da receita obtida da CESE foi acompanhada da eliminação do teto absoluto de M 100 € que se estabelecia no regime do Fundo, o que pode significar que o limite real venha a superar o imposto em exercícios anteriores; (iv) o Fundo persiste vinculado e dotado de receitas à implementação de outras medidas de política energética, que não o serviço e amortização da dívida tarifária […].

Tudo considerado, não parece viável defender que a CESE ficou descaracterizada enquanto contribuição financeira […]».

 

34.       No concernente à gestão (redução) da dívida tarifária e ao seu papel na (des)caraterização da CESE como contribuição financeira, o mencionado aresto salienta:

«[…] [A] dívida tarifária compreende os custos do sistema energético não-repercutidos nas tarifas pagas pelos consumidores. Trata-se de encargos gerados pela subsidiação do sistema elétrico nacional que são suportados pelos comercializadores e que, nos termos dos respetivos regimes legais de financiamento, são depois transferidos para os consumidores de energia pela sua incorporação em tarifa cobrada em fatura […]. [E]m vários exercícios, estes custos não foram repercutidos em fatura na totalidade, acumulando créditos dos distribuidores sobre o Estado a esse título. O lote de dívida assim gerado tem três fontes de gastos essenciais[…]: [(i)os custos de […] Convergência Tarifária […], [(ii)os custos decorrentes de […] Contratos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC) e [(iii)os custos advenientes da […] Produção em Regime Especial (PRE) […]. 

O mecanismo de convergência tarifária financia [assim] os sobrecustos da produção de energia nas Regiões [Autónomas], subsidiando produtores e moderando o preço ao público insular, dessa forma promovendo o alargamento das bases de consumo para as empresas com operação nas Ilhas e oferecendo-lhes um mercado mais estável; [por outro lado,] a despesa gerada pelos CMEC tem por causa a própria privatização do setor, já que destinou-se a viabilizar a construção de uma estrutura de mercado liberalizado que admitisse a privados capturarem a oportunidade de investimento e de rentabilização de capitais; a política de subsidiação da PRE através de feed in tariffs responde, de seu lado, à pressão criada nos recursos ambientais pelo setor energético, constituindo um esforço de modernização do tecido empresarial português em convergência com a política energética europeia.

A contenção na transferência deste conjunto alargado de sobrecustos para os consumidores através da gestão do deficit tarifário, por sua vez, promove a estabilidade do mercado de energia por prevenir a rotura das bases de consumo e por não permitir o estrangulamento da procura em condições cujas consequências seriam imprevisíveis. Sinaliza-se aqui a salvaguarda do equilíbrio sistémico do setor energético, de que todas as empresas do setor extraem evidente benefício, pelo que a chamada destas últimas a contribuírem para esta fórmula de gestão financeira do sistema através de uma contribuição que nessa gestão participa (a CESE), não descaracteriza a natureza do tributo.

Com o que vai dito não se esquece que a mitigação do impacto da subsidiação à produção nas tarifas beneficia também o consumidor pela moderação do preço de acesso à energia, que são geralmente associadas vantagens para o público da abertura dos mercados à concorrência e da transição energética de produção fóssil para recursos de fonte renovável. Apenas sucede, porém, que a participação da CESE na gestão da dívida tarifária não significa a sujeição das empresas do setor da energia a suportar todos os seus encargos […].

A CESE, na medida em que se possa estender uma participação no apoio financeiro à adequada gestão da dívida tarifária, constitui, pois, uma contribuição modesta dos operadores empresariais no setor da energia concorrente com a participação financeira de outro grupo de agentes económicos do mesmo setor, os consumidores de energia, que suporta em muito maior medida os custos de subsidiação do sistema […].

[M]esmo que se aceitasse que as alterações ao RJFSSSE introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, deixaram a CESE essencialmente vinculada à gestão da dívida tarifária – o que […] não é afirmação que aqui se aceite –, nem por isso teria perdido a sua natureza de contribuição financeira. O programa legal de serviço e amortização da dívida gerada pelo deficit tarifário, com bases normativas dispersas por vários diplomas e gerido pela administração, deve ser entendido num quadro de Direito público de promoção da estabilidade sistémica do setor da energia e de preservação das condições para o suporte financeiro dos apoios à privatização dos mercados, à modernização do tecido empresarial no contexto da transição energética e à proteção do mercado insular (até subsumível ao conceito geral do artigo 2.º, alínea a), do RJFSSSE, sobre as atribuições do Fundo), com especial incidência no setor electroprodutor».

 

35.       Enfatizando, de igual modo, o seguinte:

«Sobre o recorte subjetivo da incidência como abrangendo as empresas do setor electroprodutor de fonte renovável – o subsetor financiado através de feed in tariffs – cuja fiscalização se suscita, é evidente que estas recolhem vantagem em linha direta do quadro de gestão da dívida tarifária, já que este é condição da sustentabilidade financeira dos incentivos à produção que lhes são concedidos pelos regimes de remuneração garantida (PRE) e da estabilidade do mercado onde operam, maxime na preservação de condições de procura […]. Não tem por isso cabimento que se defenda violador de um dever de diferenciação imposto pelo princípio da igualdade tributária (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) a sujeição à CESE dos produtores de energia com fonte renovável, já que o tributo deve ser observado como instrumento de financiamento de políticas do setor energético que lhes aproveita, mesmo de forma particular […].

[Q]uanto ao subsetor colocado nestes autos [de produção de energia elétrica com recurso a fontes renováveis], tratamos dos beneficiários, privilegiados e diretos, do regime de subsidiação que constitui a principal causa do deficit tarifário e da necessidade de modelar uma resposta gestionária que impeça a desorganização do mercado energético pelo colapso da plataforma de consumo» [sublinhado nosso].

 

36.       A título complementar, o aludido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2025 (Plenário), de 15 de julho de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24, apoia-se no Acórdão n.º 253/2025, de 20 de março de 2025, tirado em sede do processo n.º 220/24 (igualmente proferido pelo Tribunal Constitucional; porém, no âmbito da 3.ª Secção):

«[…] [V]erifica-se que o nexo de causalidade entre a existência de dívida tarifária e a atividade dos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis foi sucessivamente identificado e assumido nas diversas intervenções destinadas a regular o setor da energia, mormente o subsetor da eletricidade […]. [É] seguro afirmar-se que a produção em regime especial (“PRE”), disponibilizada aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis, beneficiou diretamente da formação da dívida tarifária e contribuiu efetivamente para a sua evolução. Com efeito, o estabelecimento de um regime de remuneração garantida permitiu aos centros electroprodutores com recurso a fonte renovável, designadamente energia eólica, vender a eletricidade produzida a um preço garantido durante um determinado período, tendo em vista a recuperação dos investimentos realizados e a obtenção de retorno económico. Tratou-se de uma decisão política, alinhada com a denominada Diretiva Green Electricity (Diretiva 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis) e orientada para a reconversão energética do país, que incentivou a criação de centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis através do acesso a um regime de tarifa subsidiada, permitindo assim a esta categoria de agentes económicos não refletir no preço a pagar pelos consumidores os sobrecustos associados à utilização de energia verde na produção da eletricidade comercializada e ver deste modo assegurada a respetiva viabilidade económica. Os encargos implicados na subsidiação das tarifas da eletricidade produzida em regime especial concorreram, por sua vez, de modo expressivo, para a evolução da dívida tarifária do SEN […].

Nessa medida, não pode deixar de concluir-se que […] a recorrente pertence a um subsetor – produção de eletricidade com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida – que, por um lado, contribuiu definitivamente para o défice tarifário do SEN […] e, por outro, beneficiou diretamente da formação dessa dívida, na parte originada pelos encargos estaduais associados à comercialização da eletricidade produzida mediante tarifa subsidiada.

Nestas circunstâncias, torna-se, aliás, mais clara a razão pela qual quer a isenção da CESE que vigorou até à Lei n.º 71/2018, quer a sua eliminação relativamente aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida, operada pela Lei n.º 71/2018, se apresentam essencialmente como o resultado de uma ponderação política, assente na distinção entre produção em regime ordinário e produção em regime especial com remuneração garantida, associada à atribuição às empresas do setor da faculdade de opção pela aplicação de um ou de outro.

Tendo em conta o que ficou dito, é de concluir que, no segmento em que incide sobre os centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis, a CESE […] continua a evidenciar os atributos próprios das contribuições financeiras […][R]elativamente às taxas, as contribuições financeiras apresentam a particularidade de se dirigirem não “à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”. Como se escreveu ainda no Acórdão n.º 539/2015, “[p]reenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir” […].

Ora, é justamente o que ocorre na situação em causa nos presentes autos.

Alocada que está à redução da dívida tarifária do SEN, a prestação correspondente à liquidação da CESE […] aproveita ao grupo homogéneo constituído pelos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis na medida em que aquela redução, para além de visar a proteção do consumidor, evitando um aumento drástico de preços, contribui para a sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, beneficiando, deste modo, ainda que de forma presumida, cada uma das empresas que operam no mercado da produção de eletricidade. Por outro lado, o facto de a CESE […] se destinar ao financiamento da redução do défice tarifário, que foi em parte gerado pela assimilação dos sobrecustos associados à produção de eletricidade com tarifa subsidiada, coloca os centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida entre os presumíveis causadores da prestação administrativa que o tributo visa compensar, permitindo, também desse ponto de vista, detetar na norma de incidência impugnada a presença da estrutura comutativa e da finalidade compensatória que caraterizam as contribuições financeiras.

Nesse sentido, pode dizer-se que, relativamente aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de especial, o fundamento da CESE […] é discernível quer em atenção à vantagem económica propiciada pela sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico a que a redução do défice tarifário em última instância se dirige, quer em face do encargo público originado pela subsidiação do regime de produção com tarifa garantida facultado aos produtores de eletricidade com recurso a fontes de energia renováveis».

 

37.       Em jeito de súmula: perante as suas estrutura comutativa e finalidade compensatória, a CESE assume a natureza de contribuição financeira. Beneficia, ainda que de forma presumida, o grupo homogéneo dos centros electroprodutores que utilizam fontes renováveis (como a Requerente), porquanto contribui para a sustentabilidade sistémica do setor elétrico, designadamente através da redução do défice tarifário, o qual provém, em grande medida, dos sobrecustos associados à produção de eletricidade com tarifa subsidiada pelos aludidos centros electroprodutores.  

 

38.       Em sentido consonante pronuncia-se a jurisprudência dos tribunais superiores. A título exemplificativo: Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de outubro de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 093/22.0BEBJA; de 1 de outubro de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 0427/24.2BELRS e de 11 de setembro de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 091/23.6BEBJA:

«Não estamos […] perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade que cai no âmbito de incidência deste tributo, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira carácter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os mesmos sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá […].

[N]ão pode deixar de se considerar que a CESE revela as características de uma contribuição financeira, que não de um verdadeiro imposto» – cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de outubro de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 093/22.0BEBJA.

 

39.       E, similarmente, a jurisprudência arbitral. A título ilustrativo: Decisões Arbitrais de 28 de outubro de 2025, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 173/2025/T; de 17 de setembro de 2025, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 174/2025-T, e de 4 de novembro de 2022, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 826/2021-T, as quais, com o intuito de se evitar desnecessária prolixidade, não se transcrevem, mas consideram-se reproduzidas na presente sede.

 

40.       Aqui chegados, e sob evocação do desiderato uniformizador previsto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (“CC”), o Tribunal Arbitral acompanha a orientação firmada nos arestos supra, no sentido de a CESE sob escrutínio assumir as vestes de contribuição financeira, na aceção do artigo 3.º, n.º 2, in fine, da LGT.

 

41.       Neste ensejo, o Tribunal Arbitral subscreve a jurisprudência ínsita no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de janeiro de 2025, exarada em sede do processo n.º 136/19.4BCLSB:

«[…] [S]e determinado sujeito ativo da relação jurídico-tributária (art.º 18.º, n.º 1, da LGT), entende, por cautelas que se prendem com a novidade do regime, sujeitar-se à jurisdição arbitral apenas relativamente a matérias ou questões relativas a impostos compreendidas na competência dos Tribunais Arbitrais, mas excluindo outros tributos que administra, tal não consubstancia uma limitação da competência material do Tribunal Arbitral introduzida por via regulamentar, que inquine de inconstitucionalidade a norma do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na parte em que determina que os serviços e organismos nela referidos vinculam-se à jurisdição arbitral quanto a litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, arredando dessa vinculação outros tributos que administrem, nomeadamente taxas e contribuições financeiras (art.º 3.º, n.º 2 da LGT). Acompanhamos, por conseguinte, a Impugnante quando alega não se estar, no art.º 2.º da Portaria de execução do art.º 4.º do RJAT, perante normas de competência, mas que, a entender-se assim, então, impor-se-ia desaplicar a norma, no segmento referido, por inconstitucionalidade material (art.º 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP). Daqui decorre que o Tribunal Arbitral, ao declarar-se materialmente incompetente para conhecer do litígio, cujo objeto era a pretensão anulatória da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, que concluiu tratar-se de uma contribuição financeira administrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, incorreu em pronúncia indevida. Salvo o devido respeito, tendo o pedido de pronúncia arbitral por objeto pretensão relativamente à qual a Administração Tributária e Aduaneira não está sujeita ao regime da arbitragem (por se tratar de tributo, mas não imposto por ela administrado), o caminho certo seria absolver a requerida da instância por não estar sujeita à jurisdição arbitral relativamente ao objeto do pedido, exceção dilatória inominada (artigos 24.º, n.º 3 e 29.º, alínea e) do RJAT e 576.º, n.os 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC)».

 

42.       Em conformidade, o Tribunal Arbitral julga procedente a exceção dilatória (inominada) em causa, relativa à não sujeição do objeto da presente ação à jurisdição arbitral, porquanto, atendendo à natureza jurídica do tributo em apreço (contribuição financeira), a Entidade Requerida não se encontra vinculada à arbitragem em matéria tributária (cfr. artigo 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março).

 

43.       Em consequência, o Tribunal Arbitral absolve a Entidade Requerida da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.os 1 e 2, 577.º e 578.º, parte inicial, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.  

 

44.       Perante o exposto, a apreciação da demais matéria de exceção afigura-se prejudicada, pelo que o Tribunal Arbitral abster-se-á de tecer quaisquer considerações a seu respeito, em conformidade com o artigo 608.º, n.º 2, parte inicial, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.

 

45.       Por maioria de razão, a questão decidenda na origem dos presentes autos – i.e., na génese dos pedidos deduzidos pela Requerente e atinente à inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea b), do Regime Jurídico da CESE (por preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, em concreto do subprincípio da capacidade contributiva) e, consequentemente, à ilegalidade das (auto)liquidações da CESE dos anos de 2020 a 2022 e, bem assim, da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa – não será apreciada pelo Tribunal Arbitral.

 

V.        Decisão

 

46.       Por tudo quanto se expôs, o Tribunal Arbitral:

 

i.)         Julga procedente a exceção dilatória (inominada) de não sujeição do objeto da presente ação à jurisdição arbitral (cfr. artigo 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março) e, em consequência,

 

ii.)        Absolve a Entidade Requerida da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.os 1 e 2, 577.º e 578.º, parte inicial, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT;

 

iii.)      Abstém-se de conhecer da demais matéria de exceção e, bem assim, do mérito da causa.

 

VI.      Valor da causa

 

47.       Nos termos dos artigos 306.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT), e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”), fixa-se o valor do processo (da causa) em 1.118.349,82 EUR (um milhão, cento e dezoito mil, trezentos e quarenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos).

 

VII.    Custas arbitrais

 

48.       Condena-se a Requerente nas custas do processo, as quais perfazem 15.300 EUR (quinze mil e trezentos euros), em consonância com os artigos 527.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAMT e, bem assim, com os artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.os 1 e 5, do Regulamento de Custas e Tabela I anexa a este.

 

 

Lisboa, 21 de novembro de 2025

 

 

Os Árbitros

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Tomás Castro Tavares

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

                                     

Sónia Fernandes Martins

(Árbitra Adjunta e Relatora)