Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2025-T
Data da decisão: 2025-11-20  Selo  
Valor do pedido: € 122.664,94
Tema: Imposto do selo. Isenção. Comissões de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento. Erro na autoliquidação. Pedido de revisão oficiosa, Impugnação administrativa necessária (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT). Competência do tribunal arbitral. Meio processual próprio.
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SUMÁRIO: 

I – O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de imposto do selo, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, independentemente de o pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido ter sido objeto de rejeição liminar por intempestividade; 

II – Nesse condicionalismo, o meio processual próprio é o processo impugnatório, e não a ação administrativa a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT;

III - O erro na autoliquidação apenas pode ser conhecido no pedido de revisão oficiosa, apresentado nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, caso seja interposto no prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos, que se encontra previsto para a reclamação graciosa (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT).

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – RELATÓRIO

1.             A..., S.A., com o número único de pessoa coletiva ..., sede no ..., Av. ..., ..., ..., ..., ...-... Porto Salvo, adiante designado por “REQUERENTE”, no seguimento da decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa deduzida contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo realizados no período compreendido entre maio de 2020 e fevereiro de 2022, vem requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo relativos às comissões de comercialização de Unidades de Participação de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVMs”) cobradas pelo B..., S.A., na qualidade de entidade sub-comercializadora, no valor total de  € 122.664,94 (cento e vinte e dois mil seiscentos e sessenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos).

2.             Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

3.             O Requerente é uma plataforma digital que disponibiliza toda a gama de produtos e serviços de um Banco universal, alicerçado em parcerias nacionais e internacionais, nas vertentes de Poupança, Asset Management e Trading. 

4.             Em 22 de agosto de 2016, no âmbito da sua atividade, o Requerente celebrou com o B... um contrato de distribuição com vista a possibilitar a sub-comercialização, por parte daquele banco, de unidades de participação de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVMs”) comercializados pelo A..., aqui Requerente, o que permitiu ao B... ter a possibilidade de comercializar junto dos seus clientes as unidades de participação dos OICVMs, cujas entidades gestoras tinham celebrado com o A... contratos de distribuição global. 

5.             Acresce que a comercialização daquela tipologia de ativos realizada pelo B... compreende os serviços de intermediação nas operações de subscrição, resgate, aquisição ou alienação das unidades de participações dos OICVM’s efetuados em nome dos seus clientes junto dos distribuidores globais. 

6.             Deste modo, a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento comercializados pelo A...  encontra-se a ser desenvolvida pelo B... no que respeita aos clientes deste último, nos termos do contrato entre ambos celebrado (mormente, instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito) que atua enquanto intermediário financeiro, mais concretamente como sub-intermediário.

7.             Como contrapartida, o contrato de distribuição em apreço prevê a remuneração do B... pela atividade de distribuição/comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, tendo o mesmo direito a uma comissão de distribuição/comercialização pelo exercício das atividades de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, a qual é cobrada por aquele ao A... (cfr. Documento n.º 1). 

8.             Tais comissões de distribuição/comercialização são cobradas diretamente pelo B... ao A..., através de faturas emitidas por aquele a este, nas quais é liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (“TGIS”), o qual é suportado pelo Requerente.

9.             Assim, nos termos do referido contrato de distribuição, foram cobradas pelo B... ao A... as seguintes comissões de distribuição/comercialização:

i).              Nos períodos de maio, agosto e dezembro de 2020, comissões no montante total de € 792.779,65, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 31.711,19 (cfr. Documento n.º 1);

ii).            Nos períodos de fevereiro, maio, setembro e novembro de 2021, comissões, no montante total de € 1.639.620,50, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 65.584,82 (cfr. Documento n.º 1);

iii).           No período de fevereiro de 2022, foram cobradas pelo B... ao A... comissões no montante total de € 634.223,27, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 25.368,93 (cfr. Documento n.º 1).

10.           Assim sendo, relativamente aos períodos compreendidos entre maio de 2020 e fevereiro de 2022, o Requerente suportou Imposto do Selo no montante total de € 122.664,94, incidente sobre as comissões de distribuição/comercialização que totalizaram o valor de € 3.066.623,42 (cfr. Documento n.º 1).

11.           No entanto, a sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização, enquanto remuneração dos serviços prestados pelos intermediários financeiros na comercialização das unidades de participação em fundos de investimento, viola o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE, denominada Diretiva de Reunião de Capitais.

12.           E esse entendimento foi já confirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos acórdãos proferidos, nomeadamente, no Processo C-656/21.

13.           O Requerente apresentou no dia 20 de junho de 2024 o pedido de Revisão Oficiosa (cfr. Documento n.º 2) contra os atos de liquidação de Imposto do Selo, respeitantes aos períodos compreendidos entre maio de 2020 e fevereiro de 2022, que incidiu sobre as comissões de comercialização acima identificadas. 

14.           Posteriormente, no dia 20 de dezembro de 2024, o Requerente foi notificado do indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa (cfr. Documento n.º 3).

15.           Ora, não se conformando com o indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa por si apresentado, e, por conseguinte, com os atos de liquidação de Imposto do Selo que lhes estão subjacentes, o Requerente vem suscitar a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento e dos próprios atos de liquidação junto deste Tribunal, requerendo a respetiva anulação.

16.           Conclui, requerendo que se julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral e se anule a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa e as liquidações de Imposto de Selo efetuadas entre maio de 2020 e fevereiro de 2022, e, em consequência, se condene a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, no valor total de € 122.664,94 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e sessenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), e no pagamento de juros indemnizatórios.

17.           A Autoridade Tributária, na sua Resposta, defende-se por exceção e por impugnação.

18.           Por exceção, invoca a incompetência do Tribunal Arbitral e a inidoneidade do meio processual.

19.           Considera para o efeito que, contrariamente ao que vem defendido pelo Requerente, a decisão que recaiu sobre o seu pedido de revisão oficiosa não foi uma decisão de indeferimento, mas sim uma decisão de rejeição liminar, com fundamento em intempestividade, não tendo havido qualquer pronúncia da AT quanto ao mérito do mesmo, tendo sido indicado como meio de reação adequado a ação administrativa ao abrigo do CPTA.

20.           Por isso, a AT defende que estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade de um ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial ou arbitral, como pretende a Requerente, invocando para o efeito diversa doutrina e jurisprudência a seu favor.

21.           Nessa medida e nesta parte, considera o Requerente que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral, o que consubstancia, portanto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência do tribunal quanto à liquidação do Imposto do Selo aqui em questão, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição, nessa parte, da Entidade Requerida, da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

22.           Caso o tribunal assim o não entenda, a Requerida invoca ainda a imimpugnabilidade do ato tributário de liquidação em apreço, invocando que as proteções relativas à ilegalidade das autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa estão excluídas da jurisdição do CAAD.

23.           Embora reconheça que a doutrina equipara o procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa, para o efeito da verificação dos pressupostos previstos no artigo 131.º do CPPT, a Requerida considera que, para que assim seja, necessário se tornaria que no procedimento de revisão oficiosa a AT se tivesse pronunciado quanto à legalidade da autoliquidação.

24.           O que, entende a Requerida, no caso concreto não se verificou.

25.           Razão pela qual não se pode dar por cumprido o ónus de reclamação prévia necessária, o que torna o ato de autoliquidação em dissidio inimpugnável, retirando-o outrossim do âmbito de competências do Tribunal Arbitral, por via do artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março.

26.           Ainda para mais, reforça a Requerida, quando o pedido de revisão oficiosa foi apresentado já depois de ultrapassado o prazo de 2 anos previsto para a reclamação administrativa.

27.           Posição esta defendida por vasta jurisprudência do CAAD que cita e transcreve, para concluir:

“Em suma, dado que o pedido de Revisão Oficiosa foi liminarmente rejeitado, tendo sido, além disso, apresentado extemporaneamente, nunca poderá ser equiparado à impugnação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, sendo por isso forçoso concluir pela inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação de Imposto de Selo em crise por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.”.

28.           Para finalizar, ainda acrescenta a entidade Requerida em abono da sua posição, o facto de o Requerente não ter provado, de forma cabal e inequívoca, que houve um erro imputável aos serviços para que o pedido de revisão pudesse ser admitido num prazo de 4 anos, o que a leva a concluir do seguinte modo:

“Significa isto que, no que concerne às autoliquidações de Imposto do Selo aqui sindicadas, atacadas pela revisão oficiosa supramencionada, dever-se-á rejeitar liminarmente o pedido por intempestividade do mesmo, uma vez que não aproveitam do prazo de quatro anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nem o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, relativamente ao qual era condição a interposição de reclamação graciosa, e para a qual se encontravam excedidos os respetivos prazos para o efeito.”.

29.           E isto é assim, porquanto estamos perante atos de autoliquidação de imposto do selo ocorridos após a revogação do número 2 do artº. 78º. da LGT.

30.           O Tribunal notificou o Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada na Resposta, pela Autoridade Tributária, o que conduziu à apresentação por este de um Requerimento, em 30 de julho de 2025, por intermédio do qual pugna pela defesa da improcedência das exceções levantada pela Requerida.

31.           Aí defende a tempestividade do pedido, por o mesmo não carecer de ato administrativo prévio.

32.           Por outro lado, entende ter utilizado o meio processual adequado, já que defende não ser o mesmo a ação administrativa, porque o que está em causa é sempre a apreciação da legalidade da liquidação do imposto, mesmo que autoliquidação e com recursos a substituto tributário, e, nesses casos o meio processual idóneo é a impugnação judicial ou o equivalente PPA.

33.           E tudo isto será sempre assim, no que se suporta em vasta jurisprudência, mesmo que a AT não se tenha pronunciado expressamente sobre a legalidade do ato, por exemplo, por ter procedido à decisão do indeferimento do pedido administrativo com base na sua extemporaneidade.

34.           Por outro lado, o Requerente defende ainda que a decisão de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa com fundamento na inexistência de erro imputável aos serviços para efeitos de aplicação do artigo 78.º da Lei Geral Tributária “comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação” (Processo n.º 01958/13, de 14 de maio de 2015, do STA).

35.           Mas também defende o dever do Estado de anular atos ilegais e um conceito muito vasto, quase absoluto, de “erro impotável aos serviços”, incluindo aí por exemplo o “erro de direito”, para concluir:

“…não há, in casu, incompetência material do Tribunal Arbitral alguma do precedente pedido de Revisão Oficiosa, pelo que as liquidações controvertidas são, inquestionavelmente, impugnáveis.”, pelo que deve improceder a exceção invocada pela Requerida.

36.           Retomando a apreciação da matéria de fundo, a Requerida pretende focar-se na questão a decidir a qual, no seu entender, consiste em saber:

“… se os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS) supra referidas, atos que incidiram sobre a comissão de comercialização cobrada pelas entidades comercializadoras a si e aos fundos de investimento por si geridos, devem, ou não, ser sujeitos a Imposto do Selo por aplicação da norma de incidência consagrada na verba 17.3.4 da TGIS, e se tal incidência viola o direito comunitário, na medida em que está desconforme com as disposições da Diretiva n.º 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, em particular com a alínea a) do n.º 2 do seu artigo 5.º, como demonstra a decisão do TJUE sobre esta questão no acórdão C-656/21.”

37.           Depois de transcrever a referenciada Decisão do TJUE, retira do seu conteúdo as seguintes conclusões:

“i. Que a liquidação de Imposto do Selo sobre as designadas comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas UP, e só estas, de fundos comuns de investimento abertos, e só destes, cobradas pelos intermediários financeiros (mormente bancos) às respetivas sociedades gestoras pode violar a alínea a) do n.º 2 do artigo da Diretiva 2008/7/CE (princípio que, embora não resulte diretamente da decisão do TJUE, consideramos também aplicável às comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas UP, e só estas, cobradas pelos bancos diretamente aos fundos comuns de investimento abertos, e só destes); 

ii. Que a tributação do redébito dessas mesmas comissões de comercialização nas comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos comuns de investimento por si geridos pode igualmente violar a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, mas apenas na parte correspondente ao redébito do exato valor dessas mesmas comissões de comercialização;

 iii. Que esta não sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização está circunscrita à comercialização de novas subscrições de UP dos chamados “Fundos Comuns de Investimento” previstos na Diretiva 2009/65/CE, cuja verificação compete ao tribunal nacional, conforme se diz claramente na primeira parte do ponto 32 do acórdão C-656/21 na qual se consigna que: “Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.°, n. os 1 a 3”.

 iv. Que não só não é proibida como é permitida a liquidação de Imposto do Selo sobre outras comissões que podem atingir os fundos e/ou as respetivas sociedades gestoras, quais sejam, e por exemplo, as comissões de gestão (na íntegra, ou expurgadas da parte correspondente ao redébito das comissões de comercialização resultantes da subscrição de novas UP de fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, quando isso aconteça), de depósito ou de depositário, outras comissões bancárias (ex. manutenção de conta) etc., etc”.

38.           Nestes termos, a Requerida entende que a primeira função do intérprete e aplicador nacional, face a esta jurisprudência comunitária, é averiguar se as comissões cobradas respeitam à: 

(I) comercialização

(II) conexa com a emissão de novas unidades de participação

 (III) de “Fundos comuns de investimento” abrangidos pelo âmbito da Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 13 de julho de 2009.

39.           Ora, pela análise da documentação junta aos autos, nomeadamente cópia das faturas emitidas pelo B..., com o seguinte descritivo: ““Contrato de Distribuição entre o A... e o B...– Comissões de Retrocessão”, a Requerida entende que tal não permite saber, com certeza, se estão reunidos os requisitos acima assinalados.

40.           Considerando que o ónus da prova compete ao Requerente, a Requerida entende que este não o conseguiu fazer, já que:

“…não resulta inequivocamente claro que as comissões faturadas pelo B... respeitem exclusivamente a serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de (novas) unidades de participação de fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, e não a quaisquer outras comissões ou mesmo outras comissões de comercialização que nada terão a ver as “comissões de comercialização” protegidas da tributação pelo Acórdão C-656/21 do TJUE.”

41.           Para assim concluir:

“Ante o exposto, caso o tribunal não atenda às exceções dilatórias acima invocadas, o que não se concede, relativamente às alegadas “comissões de comercialização”, porque não há evidência quanto à verdadeira origem e natureza dessas comissões, devem os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, realizados pelo B... nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, ser considerados compatíveis com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por isso, de qualquer ilegalidade que os inquine.”

42.           Concluindo pela improcedência do pedido arbitral, o mesmo deverá acontecer aos peticionados juros indemnizatórios.

43.            No seguimento do processo, por despacho arbitral de 29 de agosto de 2025, ao abrigo da aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações, tanto mais que a Requerente já se pronunciou, no exercício do direito do contraditório, quanto à matéria de exceção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária.

44.           O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

45.           Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

46.           As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

47.           Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30 de maio de 2025.

 

II - SANEAMENTO.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades, mas foram invocadas exceções que importa desde já conhecer.

 

a)     Factos Provados

Antes a factualidade que importa dar como provada.

A)             O Requerente é uma plataforma digital que disponibiliza toda a gama de produtos e serviços de um Banco universal com um modelo de negócio de arquitetura aberta, alicerçado em parcerias nacionais e internacionais, nas vertentes de Poupança, que tem por objeto o exercício a título principal, a atividade a que corresponde o CAE 64190 (OUTRA INTERMEDIAÇAO MONETÁRIA).

B)             O Requerente é considerado “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na aceção prevista no art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária, e por isso constante do elenco previsto no despacho n.º 7048/2022, de 2 de junho (Unidade e Grandes Contribuintes);

C)             Para efeitos fiscais encontra-se registado junto do serviço periférico local territorialmente competente, in casu, no Serviço de Finanças de Oeiras ... (...).

D)             Em 22 de agosto de 2016, no âmbito da sua atividade, o Requerente celebrou com o B... um contrato de distribuição com vista a possibilitar a sub-comercialização, por parte daquele banco, de unidades de participação de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVMs”) comercializados pelo A..., aqui Requerente, o que permitiu ao B... ter a possibilidade de comercializar junto dos seus clientes as unidades de participação dos OICVMs, cujas entidades gestoras tinham celebrado com o A... contratos de distribuição global. 

E)             A comercialização daquela tipologia de ativos realizada pelo B... compreende os serviços de intermediação nas operações de subscrição, resgate, aquisição ou alienação das unidades de participações dos OICVM’s efetuados em nome dos seus clientes junto dos distribuidores globais. 

F)             A atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento comercializados pelo A... encontra-se a ser desenvolvida pelo B... no que respeita aos clientes do último, nos termos do contrato entre ambos celebrado (mormente, instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito) que atua enquanto intermediário financeiro, mais concretamente como sub-intermediário.

G)             Como contrapartida, o contrato de distribuição em apreço prevê a remuneração do B... pela atividade de distribuição/comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, tendo o mesmo direito a uma comissão de distribuição/comercialização pelo exercício das atividades de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, a qual é cobrada por aquele ao A... (cfr. Documento n.º 1). 

H)             Tais comissões de distribuição/comercialização são cobradas diretamente pelo B... ao A..., através de faturas emitidas por aquele a este, nas quais é liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (“TGIS”), o qual é suportado pelo Requerente.

I)               O Requerente suportou o correspondente Imposto do Selo que foi liquidado sobre as mesmas comissões, referentes a imposto de selo da Verba 17.3.4 da TGIS, (Tabela Geral de Imposto de Selo), que estabelece a incidência de imposto do selo sobre as operações financeiras, nomeadamente operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - no que concerne à aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

J)              Nos termos do referido contrato de distribuição, foram cobradas pelo B... ao A... as seguintes comissões de distribuição/comercialização:

i).             Nos períodos de maio, agosto e dezembro de 2020, comissões no montante total de € 792.779,65, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 31.711,19 (cfr. Documento n.º 1);

ii).            Nos períodos de fevereiro, maio, setembro e novembro de 2021, comissões, no montante total de € 1.639.620,50, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 65.584,82 (cfr. Documento n.º 1);

iii).           No período de fevereiro de 2022, foram cobradas pelo B... ao A... comissões no montante total de € 634.223,27, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 25.368,93 (cfr. Documento n.º 1).

K)             Relativamente aos períodos compreendidos entre maio de 2020 e fevereiro de 2022, o Requerente suportou Imposto do Selo no montante total de € 122.664,94, incidente sobre as comissões de distribuição/comercialização que totalizaram o valor de € 3.066.623,42 (cfr. Documento n.º 1).  

L)              O Requerente requer na sua petição a sua anulação no valor global de € 122.664,94, acrescido do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, uma vez que os mesmos se encontram eivados de vicio de violação de lei, porquanto entende que o imposto de selo liquidado não é devido por a verba n.° 17.3.4 da TGIS ser ilegal, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais. 

M)           O Requerente, apresentou em 20 de junho de 2024 um pedido de revisão oficiosa, no qual contesta os atos tributários de liquidação de imposto do selo, referentes à verba 17.3.4 da TGIS (Tabela Geral de Imposto de Selo), que foram efetuados pelo B..., SA, enquanto sujeito passivo do imposto nos termos do art.° 2.° do CIS, e cobrados à Requerente, entre os períodos de 05.2020 a 02.2022, no valor global de € 122.664,94, em cumprimento da obrigação enquanto titular do interesse económico, referente aos serviços de intermediação.

N)            Em 20 de dezembro o Requerente foi notificado do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

O)            A Requerida entende que o Requerente não conseguiu demonstrar, cabendo-lhe o ónus dessa prova, que os serviços prestados respeitam a:

 

(i)             comissões de comercialização

(ii)             resultantes da subscrição de novas UP 

(iii)           de fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, 

Pois só estes, numa interpretação conforme à alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital, ficam excluídos da tributação de Imposto do Selo prevista na verba 17.3.4 da TGIS, conforme se extrai do Acórdão C-656/21 do TJUE.

P)             O pedido arbitral deu entrada em 19 de março de 2024.

 

b)     Factos não provados 

Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.

 

c)     Matéria de exceção

i). Incompetência do tribunal arbitral e inidoneidade do meio processual

1.             A Autoridade Tributária começa por suscitar as exceções dilatórias da incompetência material do tribunal arbitral e da inidoneidade do meio processual utilizado, por considerar que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não se pronunciou sobre o mérito do pedido, mas limitou-se a rejeitar liminarmente o pedido com fundamento em intempestividade. Neste contexto, entende que as questões tributárias que constituem o objeto do pedido não comportam a apreciação da legalidade da liquidação, pelo que o tribunal arbitral é materialmente incompetente e o meio judicial adequado é a ação administrativa a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

2.             Tal como vem colocada, a questão prende-se com a distinção, no âmbito do processo judicial tributário, entre a impugnação judicial e a ação administrativa segundo a nomenclatura que resulta do artigo 97.º do CPPT.

3.             Nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei”. Por sua vez, o artigo 97.º, n.º 1, do CPPT distingue entre a impugnação judicial e a ação administrativa de acordo com o objeto do processo, considerando impugnáveis “os atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (alínea d)), e reservando a ação administrativa para “atos administrativos relativos a questões tributárias, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (alínea p)).

4.             Entretanto, o n.º 2 desse artigo 97.º esclarece que recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, o que remete para o disposto no artigo 191.º do CPTA. Determina este preceito que “as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa”, o que significa que a remissão efetuada pelo artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT se considera agora feita para a forma de processo que lhe corresponde no CPTA. O que conduziria, em tese geral, a considerar aplicável a ação de condenação à prática de ato devido quando estivesse em causa a omissão ou recusa da prática de ato administrativo.

5.             Havendo de notar-se que, com a revisão de 2015, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, as pretensões materiais deduzidas em juízo que se reportam à prática ou omissão de ato administrativo ou à prática ou omissão de norma administrativa - que anteriormente correspondiam à forma da ação administrativa especial - seguem agora o regime da ação administrativa como única forma de processo declarativo aplicável quando não estejam em causa processos urgentes (cfr. artigo 37.º). 

6.             A utilização da ação administrativa, em aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT e por efeito da remissão constante do n.º 2 desse artigo, prende-se, portanto, com a caracterização da questão tributária que está em causa, e terá lugar quando a questão não comporte apreciação da legalidade do ato de liquidação.

7.             Ora, o Requerente deduziu um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de atos de autoliquidação de Imposto do Selo, e, precedentemente, deduziu um pedido de revisão oficiosa contra os mesmos atos de autoliquidação, visando obter a sua anulação pela via administrativa. 

8.             O efeito útil e relevante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação, pelo que é esse mesmo indeferimento que torna justificável e necessário o recurso à jurisdição arbitral visto não ter sido possível obter a anulação administrativa ainda na fase pré-judicial. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui, neste contexto, o objeto mediato do pedido e tem em vista assegurar a eliminação da ordem jurídica dessa decisão, caso se venha a concluir pela ilegalidade dos atos tributários de liquidação.

9.             Ainda que assim se não entendesse, não pode deixar de reconhecer-se – tal como se decidiu, em situação similar, no acórdão do STA de 14 de Maio de 2015 (Processo n.º 01958/13) - que a decisão de indeferimento, tendo manifestado concordância com a proposta formulada pelos serviços, assenta em dois diferentes fundamentos: por um lado, considerou-se que o pedido de revisão é extemporâneo por não ter sido apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa; por outro lado, entendeu-se não se ter verificado a ilegalidade do ato tributário por erro imputável aos serviços para efeito de poder ser admitida a revisão oficiosa no prazo mais amplo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

10.           E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por efeito de um dos fundamentos invocados, comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação e cabe no âmbito de aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

11.           Nestes termos, a invocada exceção da incompetência do tribunal arbitral mostra-se ser improcedente e o meio processual adotado em vista à anulação das liquidações é o próprio.

 

ii). Inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação

12.           Vem também requerida pela Autoridade Tributária possibilidade de ser declarada a absolvição da instância com fundamento na intempestividade da impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, e a consequente inimpugnabilidade dos atos tributários que constituem objeto do pedido arbitral, considerando que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo previsto nessa disposição legal. 

13.           O Requerente entende que o pedido de revisão oficiosa pode ser deduzido no prazo de quatro anos após a liquidação, não obstante haver previsão normativa de reclamação graciosa necessária no prazo de dois anos, pelo que, tendo sido apesentado o pedido de revisão oficiosa dentro desse prazo de quatro anos, não se verifica a alegada intempestividade da impugnação administrativa.

14.           Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do RJAT, regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas no n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

15.           No caso de erro na autoliquidação, o artigo 131.º especifica que a impugnação judicial “será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração”.

16.           Essa disposição, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.

17.           Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial.

18.           É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

19.           O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.

20.           Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o ato tributário, dentro do mesmo prazo e com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.

21.           A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T e 840/2021-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17).

22.           Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido  revisão oficiosa contra atos de autoliquidação, e sendo esse um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, a questão está na limitação que a lei estabelece quanto aos prazos que result0ma dos dois segmentos normativos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: o sujeito passivo, por sua iniciativa, pode solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1, primeira parte); a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode proceder à revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade que se torna extensiva ao contribuinte por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT.

23.           No caso em análise, o que se constata é que o Requerente impugna atos de autoliquidação de imposto do selo realizados entre maio de 2020 e fevereiro de 2022 e apresentou o pedido de revisão oficiosa em 20 de junho de 2024 e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa. E ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos - artigo 131.º, n.º 1, do CPPT (cfr., neste sentido, o citado acórdão proferido no Processo n.º 840/2021-T).

24.            Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º do CPPT, pelo que se verifica a inimpugnabilidade dos atos tributários que constituem objeto do pedido arbitral por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.

25.           Refere o Requerente que, tendo sido apresentado pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de quatro anos, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, os atos de autoliquidação são impugnáveis, independentemente de se encontrar prevista a reclamação graciosa necessária no prazo de dois anos. 

26.           Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 131.º, n.º 1, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de autoliquidação.

27.           Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação paralela do artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial.

28.           Procede, por conseguinte, a exceção de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação que constituem objeto do pedido arbitral.

 

iii). Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

29.           Não sendo de tomar conhecimento do pedido arbitral de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto liquidado e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – DECISÃO

Termos em que se decide:

a)   Julgar improcedentes as exceções de incompetência do tribunal arbitral e de inidoneidade do meio processual;

b)  Julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação de imposto do selo que constituem objeto do pedido arbitral;

c)   Absolver a Autoridade Tributária da instância quanto ao pedido principal;

d)  Absolver a Autoridade Tributária do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios

 

IV - VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 122.664,94 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e sessenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos).

 

V - CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2025,

 

 

 Presidente do Tribunal Arbitral,

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

 Árbitro vogal

 

Nina Aguiar

 

 

 Árbitro vogal

 

 

 

Jorge Carita

(Relator)