SUMÁRIO
1. . A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
2. Os artigos 94.º, n.º 1, c), 94.º, n.º 3, b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25%, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes, é incompatível com o princípio da livre circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, (acórdão de 17.03.2022).
3. Desde o Tratado de Maastricht, todas as restrições à circulação de capitais e pagamentos foram suprimidas, tanto entre Estados Membros como com países terceiros
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos (relatora), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 03.06.2025, decidem o seguinte:
I – RELATÓRIO
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito dos Estados Unidos da América, com o número contribuinte português ..., com sede em..., ..., Estados Unidos da América (doravante designado de “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º1, al. a) e 10.º, nº 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro.
1) Do Pedido:
No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente formula o seguinte pedido:
“TERMOS EM QUE SE REQUER a V. Exa. se digne dar provimento ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sobre o ato tributário melhor identificado no introito, determinando-se a sua anulação, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu.”
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).
2). Da tramitação:
O pedido de constituição de Tribunal arbitral foi apresentado em 20-03-2025, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 24-03-2025 e seguiu a sua normal tramitação.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a) e do artigo 11.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as aqui signatárias como Árbitras do Tribunal coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo devido.
Foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11.º, n.º 1, al. b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT. Não se verificou a possibilidade prevista no artigo 13º do RJAT, pelo que, decorrido o prazo aí previsto para a eventual alteração ou revogação do ato impugnado, foi o Tribunal Arbitral constituído em 03-06-2025.
Em 04-06-2025 o Tribunal Arbitral proferiu Despacho, nos termos do artigo 17º do RJAT, ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. A Requerida apresentou a sua resposta, em 12-05-2025, remetendo o respetivo processo administrativo.
Em 03-10-2025 foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conferindo às partes o prazo de 10 dias para apresentarem, querendo, alegações escritas. Requerente e Requerida pronunciaram-se, em requerimentos com data de 31-10-2025.
II – SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
Como fundamento do pedido arbitral, o Requerente alega, em síntese, que o ato de retenção na fonte relativo aos dividendos distribuídos em abril de 2022, é ilegal por ser contrário às normas presentes do Direito da União Europeia (DUE). O Requerente sustenta este entendimento, no essencial, através da fundamentação contida no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 17.03.2022, proferido no processo AllianzGI-Fonds AEVN (doravante designado apenas como Ac. AllianzGI-Gonds AEVN), com o número de processo C-545/19, o qual decidiu que:
“O artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
Assim, resulta do acórdão Allianz Fonds, processo C-545/19, do Tribunal de Justiça, que o regime constante dos artigos 94.º, n.º 1, c), 94.º, n.º 3, b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25%, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes, é incompatível com o princípio da livre circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do TFUE, aplicável aos Estados membros e a Estados terceiros.. Sucintamente, conclui o Requerente que por força do princípio do primado do DUE, se impõe a desaplicação das normas de direito interno contrárias ao direito da União. E, assim sendo, conclui que, por ter pago um valor de imposto que se afigura ilegal este deve ser restituído acrescido dos devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
A Requerida respondeu nos seguintes termos:
a) O Requerente não é um Organismo de Investimento Coletivo (doravante OIC) que cumpra as condições requeridas pela diretiva 2009/65/EC.
b) O Requerente não demonstrou, através de declaração que o ateste, qual o montante bruto dos dividendos distribuídos e o montante do imposto retido na fonte, bem como o número da guia através da qual foi entregue o imposto retido junto dos cofres do Estado, uma vez que não foi junto qualquer documento emitido pelo substituto tributário (D..., S.A.). Acrescenta ainda que não consta demonstrado o montante dos dividendos pagos, a data em que foram colocados à disposição, bem como a entendida beneficiária dos mesmos, uma vez que não consta qualquer documento emitido pela entidade pagadora dos dividendos.
c) O Requerente não logrou provar que não deduziu no estado de residência – in casu, nos Estados Unidos da América – o imposto retido na fonte em Portugal.
d) Alega ainda a Requerida que, de facto, sendo o Requerente Residente Fiscal nos Estados Unidos da América a não dispondo de estabelecimento estável em Portugal, não lhe é aplicável o disposto no artigo 22.º n.º1 do EBF. Contudo, esta diferença de tratamento instituída pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, na parte em que altera o artigo 22.º do EBF no sentido de excluir da isenção de imposto os OIC não constituídos ao abrigo da legislação nacional, é contrabalançada pelo facto de aqueles que se encontram abrangidos pela dispensa da obrigação de efetuar retenção na fonte de IRC, estarem sujeitos ao Imposto do Selo e à tributação autónoma prevista no artigo 88.º n.º1 do CIRC (ex vi artigo 22.º n.º8 do EBF). Por último, alega que não competente à Requerida, enquanto autoridade administrativa adstrita ao princípio da legalidade positivada, sindicar a compatibilidade das normas internas com o DUE, concluindo que“(…) não pode, assim, no âmbito da sua atividade, deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento na sua desconformidade com os referidos tratados.”
Assim sendo, a Requerida entende pela legalidade da liquidação realizada e, consequentemente, a manutenção da mesma na ordem jurídica. Todavia, mesmo que seja outro o entendimento sufragado – o que concebe por dever de patrocínio – os juros indemnizatórios apenas são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral que vier a ser proferida (cfr. artigo 43.º, n.º3, al. d) da LGT), uma vez que “(…) a retenção na fonte não é um acto praticado pela AT mas sim pelo substituto tributário, quer porque este noa seguiu qualquer instrução ou informação vinculativa veiculada pela AT sobre a matéria em apreço e, ainda, porque a AT não podia decidir a reclamação graciosa em detrimento da lei interna face do primado do direito comunitário.”
III – Saneamento
O Tribunal arbitral foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 2.º n. º1, al. a) do RJAT. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
IV – Matéria de Facto
§1 – Factos Provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente é um organismo de investimento coletivo com residência fiscal nos Estados Unidades da América, constituído de acordo com esse direito.
b) Para efeitos fiscais, o Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, nem tão pouco em outro país da União Europeia.
c) No ano de 2022, o Requerente era detentor de participações sociais numa sociedade residente em Portugal, nomeadamente na B..., S.A., pela qual auferiu dividendos.
d) Os referidos dividendos foram recebidos no mês de abril do ano de 2022 e foram sujeitos a tributação em Portugal por retenção na fonte definitiva, à taxa liberatória de 15%, prevista no artigo 94.º do Código do IRC e no artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América, no montante total de imposto de € 177,399,48.
e) No dia 15 de abril de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade do ato de retenção na fonte de IRC relativo aos dividendos auferidos em consequência da sua participação no capital social da sociedade supra referida.
f) No dia 4 de novembro de 2024, o Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa.
g) No dia 23 de dezembro de 2024, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
h) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 20-03-2025, no qual o Requerente solicitou a anulação do ato de retenção de IRC relativo aos dividendos auferidos em consequência da sua participação no capital social da sociedade supra referida, com fundamento na respetiva ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia (UE), bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
§2 – Factos Não Provados
Inexistem factos não provados com relevo para a causa.
§3 – Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados resultam da prova documental junta e do processo administrativo.
Alínea a) do elenco dos factos provados:
A natureza jurídica do Requerente pode ser provada através da documentação junta com a petição inicial e no processo administrativo, em particular o documento nº 1 junto com a PI, emitido pelas finanças dos EUA – Internal Revenue Service. No estado de Residência – Estados Unidos da América – o Requerente é qualificado como “Regulated Investment Company”. Essa qualificação não determina que o Requerente não seja, em Portugal, qualificado como um Organismo de Investimento Coletivo, uma vez que, de resto, esta qualificação jurídica não existe na legislação fiscal do estado de residência respetivo. O certo é que de acordo com o Internal Revenue Code, título 26, subtítulo A, capítulo 1, subcapítulo M[1], uma “Regulated Investment Company” é uma Organização de Investimento Coletivo nos termos e para os efeitos da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho de 2009 que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valor mobiliários (OICVM). Acresce que este facto é reconhecido pela Requerida ao longo da resposta junta aos autos.
Alínea b) do elenco dos factos provados:
Resulta diretamente do documento nº2 junto com a reclamação graciosa e que faz parte do processo administrativo, tendo este facto sido reconhecido e mutuamente aceite pelas partes nos articulados junto aos autos.
Alíneas c) e d) do elenco dos factos provados:
O substituto tributário do Requerente, através da guia de retenção n.º ..., de abril de 2022, por ocasião dos dividendos auferidos no montante bruto de €1.182.663,17, foram sujeitos à tributação em Portugal, por retenção na fonte à taxa liberatória de 15%, prevista no artigo 94.º do Código do IRC e no artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América, no montante total de imposto de € 177,399,48, o que resulta, em particular, do documento nº3 junto com reclamação graciosa. Por outro lado, e pese embora a impugnação por parte da Requerida da veracidade dos factos que constam no documento nº3 junto com a reclamação graciosa, a verdade é que a entidade emissora desse documento – a C... – é uma entidade que este Tribunal considera credível, sendo ainda certo que, a Requerida não conseguiu abalar essa convicção.
Tal será suficiente para o Tribunal, atenta a liberdade de meios de prova e o facto de não vigorar no nosso ordenamento jurídico a tipicidade dos meios de prova, julgar credível o declarado no documento nº3 junto com a reclamação graciosa.
Mas, sempre se diga, que a Requerida tem ao seu alcance os elementos para aferir o montante de dividendos distribuídos, o montante das retenções na fonte efetuadas, o número da guia e as respetivas datas, tendo optado livremente por não utilizar esses elementos (artigo 74.º n.º2 da LGT).
Por isso, não pode a Requeria sustentar o desconhecimento, nem tão pouco a não correspondência à verdade da informação junta pelo Requerente, visto que, podendo, optou por não juntar qualquer elemento que permitisse fundamentar a não correspondência com a verdade do declarado do documento nº3 junto com a reclamação graciosa.
Finalmente, a Requerida aponta a inexistência de prova sobre se existiu, ou não, um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do Requerente ou dos seus devedores. Todavia, esta questão não assume a relevância que a Requerida lhe atribuiu, uma vez que, conforme resulta do acórdão AllianzGi Fond (processo C-545/19, do Tribunal de Justiça), a diferença discriminatória estabelecida pela legislação portuguesa, entre a tributação de dividendos distribuídos a OIC residentes e não residentes releva independentemente da situação fiscal de que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados de Residência.
Por tudo quanto foi exposto, julgaram-se provados os factos compreendidos nas alíneas c) e d).
Alíneas e) a h) do elenco dos factos provados:
Resulta diretamente dos documentos presentes no processo administrativo.
V. Matéria de Direito
A. Da ilegalidade dos atos de retenção da fonte por violação do artigo 63.º do TFUE
A questão essencial a decidir no presente processo é aferir a compatibilidade entre o princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e o artigo 22.º do EBF, por força do qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residentes estão isentos dessa retenção.
Ora, estatui o artigo 63.º n.º 1 do TFUE: “No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”. E é certo que, in casu, está em causa uma restrição ao movimento de capitais entre Portugal e uma OIC com residência dos Estados Unidos da América e, portanto, um país terceiro, visto que não faz parte da União Europeia nem tão pouco do Espaço Económico Europeu.
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do EBF: “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”. Segundo o n.º 3 do mesmo normativo: “Para efeitos do apuramento do lucro tributável destes organismos, não se consideram os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (juros, dividendos, rendas, mais-valias) – exceto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças – os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. Os OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional estão também isentos de derrama estadual e derrama municipal, impostos acessórios relativamente ao IRC (cf. artigo 22.º, n.º 6 do EBF). Finalmente, dispõe o n.º 10 do artigo 22.º que “Não existe obrigação de efetuar retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos por sujeitos passivos referidos no n.º 1”.
Com efeito e como resulta das alíneas c) e d) do elenco dos factos dados como provados, importa decidir se o ato de retenção na fonte realizado em abril de 2022 ao Requerente enferma de uma ilegalidade, na medida em que o artigo 22.º n.º1 do EBG isenta de retenção na fonte em sede de IRC os dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a OIC constituídas de acordo com a legislação portuguesa e, portanto, aí residente, enquanto que sujeita a tributação por retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC, os dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal.
Ora, esta questão que nos ocupa já foi alvo de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE), no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, de 17-03-2002, proferido no processo n.º C-545/19, em que concluiu que:
“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
20. Importa a este respeito considerar, por um lado, que o Direito da União Europeia tem supremacia relativamente ao Direito Português em face do disposto no artigo 8.º n.º4 da Lei Fundamental que estatui que: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”.
Por outro lado, não cabe a este Tribunal, nem, de resto, a nenhum órgão jurisdicional nacional, reinterpretar as disposições do Direito da União, nem reponderar o tratamento que o TJUE realiza aos argumentos invocados pelos Estados membros. Por consequência, o sentido interpretativo de uma norma da união – como é o disposto no artigo 63.º do TFUE – caberá ao Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. artigo 267.º do TFUE). A este propósito veja-se o acórdão arbitral de 13 de maio de 2024 no âmbito do processo n.º 66/2024-T: “Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).”
Consequentemente e na medida que o artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, limita o regime de isenção nele previsto aos OIC residentes em Portugal, verifica-se uma indubitável incompatibilidade com o disposto no artigo 63.º do TFUE. Entendimento este que, evidentemente, tem vindo a ser reiteradamente sufragado pela jurisprudência portuguesa. A este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo nº 0882/2/21.BELRS de 27 de novembro de 2024: “Vejamos, então, começando por salientar que a questão de que ora nos ocupamos tem vindo a ser objecto de múltiplos julgamentos por este Supremo Tribunal que, perante quadros fácticos praticamente idênticos vem decidindo, de forma uniforme, que o artigo 63.º, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. E que esta interpretação do artigo 63, do TFUE é incompatível com o artigo 22.º, do E.B.F., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia ou de outros Estados terceiros.”
Na verdade, desde o Tratado de Maastricht, todas as restrições à circulação de capitais e pagamentos foram suprimidas, tanto entre Estados Membros como com países terceiros
A Requerida, porém, sustenta que não ocorre a violação do disposto no artigo 63.º n.º1 do TFUE, uma vez que a distinção do tratamento fiscal aplicada ao Requerente por força do artigo 22.º do EBF é salvaguardada pelo facto desta não ser sujeita ao imposto do selo e à tributação autónoma prevista no artigo 88.º n.º11 do CIRC (ex vi artigo 22.º n.º8 do EBF), verificando-se, deste modo, um contrabalanço. Dito de outro modo, a Requerida sustenta que o caso que ora nos ocupa se encontra salvaguardado pelo disposto no artigo 65.º n.º3 do TFUE que, de modo claro, permite a um Estado-Membro aplicar disposições de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.
A este propósito entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, que: “O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, em consequência, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE devem ser distinguidas das discriminações proibidas pelo artigo 65º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente respeite as situações que não sejam comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C-565/18, EU:C:2020:318, nº 24).”
Sucede que a diferença de tratamento em causa não se consubstancia numa diferente modalidade de cobrança do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, mas numa verdadeira isenção de imposto tendo em conta o local de residência da OIC. Por sua vez, o facto do Requerente não estar sujeito ao imposto do selo e ao imposto previsto no artigo 88.º n.º 11 do CIRC não a coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. Conforme entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no dia 17 de dezembro de 2024 (processo nº 0274/24.1BELRS): “53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente 56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes”
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Deste modo e uma vez que as situações das OIC residentes e das OIC não residentes são objetivamente comparáveis, torna-se desnecessário, por inútil, julgar a existência de uma razão imperiosa de interesse geral que justifique a diferença de tratamento, não se aplicando, pois, o disposto no artigo 65.º n.º3 do TFUE.
Consequentemente, o ato de retenção da fonte objeto dos presentes autos está ferido de ilegalidade, por desconformidade das normas que o suportam com o artigo 63.º do TFUE, o que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º n.º1 do Código de Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art.2.º al. c) da LGT e do artigo 29.º n.º1 al. d) do RJAT. Anulação que se estende, por maioria de razão, ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa que teve por objeto a legalidade dos atos de retenção.
Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último coincide com uma jurisprudência nacional, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[2] .
No referido Acórdão TJUE, foi decidido que:
«37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16,
EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Muito embora este tribunal não esteja obrigado a considerar todos e cada um dos argumentos expendidos pelas partes, mas apenas a apreciar os vícios invocados, remete-se para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.
Pelo que a este tribunal arbitral nada mais resta que cumprir com o ditame do TJUE.
Resulta irrelevante o facto de a Requerente e os “fundos” por ela geridos estarem sediados nos Estados Unidos da América (e não num Estado-membro) porquanto a liberdade de circulação de capitais abrange, também, operações com estados terceiros[3]
Sendo a tributação em causa de anular por violação de princípios de direito da união, resultam prejudicadas as demais questões (substantivas) invocadas pela AT, nomeadamente a, já referida, da (im)possibilidade de obtenção de crédito de imposto no estado da residência relativamente às retenções na fonte controvertidas.
B. Do Pedido de Condenação em Juros Indemnizatórios
O Requerente entende, ainda, que a Requerida deve ser condenada ao pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º n.º1 da LGT, desde a data em que se deveria ter pronunciado sobre a reclamação graciosa (15 de agosto de 2024). Por seu turno, a Requerida sufragada a posição segundo a qual apenas são devidos juros indemnizatórios desde a data do trânsito em julgado da presente decisão arbitral, conforme o disposto no art.43.º n.º3 al. d) da LGT.
Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. No n.º 3 do mesmo preceito pode ler-se o seguinte: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (...) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária; d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. Dito de outro modo, a aplicabilidade do disposto no artigo 43.º n.º1 da LGT depende da existência ou não, in casu, de “erro imputável aos serviços”, isto é, à Requerida.
É certo que a Requerida, enquanto autoridade administrativa, não pode escolher não aplicar uma determinada norma jurídica, como o artigo 22.º do EBF e, nesse sentido, essa conduta não pode, evidentemente, ser qualificada como “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos do artigo 43.º n.º1 da LGT, mas, antes, como uma consequência da aplicação do princípio constitucional da legalidade da administração (artigo 266.º n.º2 da CRP).
Não obstante, após a realização da reclamação graciosa pelo Requerente, a Requerida tinha não a possibilidade de desaplicar o disposto no artigo 22.º do EBF, mas a possibilidade de anular o ato de autoliquidação, por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE. Aliás, a jurisprudência do TJUE entende que a administração pública, in casu, a Requerida, tem o dever de desaplicar as disposições de direito nacional contrárias às normas de Direito da União que gozem de efeito direto, como é precisamente o caso do artigo 63.º do TFUE (Acórdão do Tribunal de Justiça de 22-06-1987, Fratelli Costanzo, processo 103/88, em particular o §31). Por consequência, a não anulação da autoliquidação constitui um erro imputável à Requerida nos termos do artigo 43.º n.º1 da LGT.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência no recente acórdão proferido em 28 de maio de 2025 no âmbito do processo nº 78/22.6BALSB: “Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito.”
Relativamente ao momento a partir do qual são devidos juros indemnizatórios, importa considerar o artigo 57.º n.º1 da LGT que dispõe: “O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis ou dilatórios.”
Ora, o Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou quanto a esta questão no acórdão proferido no processo nº 93/21.7BALSB de 29 de junho de 2022, entendendo que: “De acordo com o probatório da decisão arbitral recorrida, no que diz respeito aos actos tributários que foram objecto de reclamação graciosa (cfr. actos de liquidação de imposto de selo emitidos nos períodos de Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018 - al.J) da matéria de facto supra exarada), foi tal reclamação deduzida em 20 de Março de 2019, mais sendo objecto de indeferimento expresso em 6 de Setembro de 2019 (cfr.al.K) da matéria de facto supra exarada). Neste segmento da instância recursiva, deve chamar-se à colação a doutrina defendida pelo acórdão fundamento, oriundo do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual já foi sufragada por diversos acórdãos deste Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.890/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec. 360/11.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.3009/12.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1098/16.5BELRS), e que nos diz: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Mais se deve recordar que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C.Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).
Revertendo ao caso dos autos, tendo sido deduzida, a reclamação graciosa, em 20 de Março de 2019, operou o indeferimento tácito da mesma em 22 de Julho de 2019, uma segunda-feira (cfr. artº.279, als. b), c) e e), do C.Civil). Portanto, a mencionada data de 22 de Julho de 2019 deve ter-se como "dies a quo" do cômputo dos juros indemnizatórios no caso concreto, em consequência do que, também nesta parcela, deve ser revogada a decisão arbitral que fixou o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto”.
Pese embora, in casu, tenha sido proferida decisão expressa de indeferimento no dia 23 de dezembro de 2024 (alínea g) do elenco dos factos provados), a reclamação graciosa foi apresentada em 15 de abril de 2024 (alínea e) do elenco dos factos provados), razão pela qual, nos termos do artigo 57.º n.º1 da LGT, a decisão deveria ter sido realizada no prazo de 4 meses, isto é, até ao dia 15 de agosto de 2024, dia a partir do qual o Requerente tem, pois, direito a juros indemnizatórios.
Portanto, são devidos juros indemnizatórios por estarem preenchidos os respetivos pressupostos, a saber, a ocorrência de erro imputável à Requerida que resultou no pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (artigo 43.º, n.º1e 3 da LGT).
37. Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.º10, e 43.º n.º4, da LGT, no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
VI. Decisão
Termos em que delibera este Tribunal julgar totalmente procedente o pedido arbitral e, em consequência, decide:
(a) Anular os atos tributários de retenção na fonte relativos ao mês de abril de 2022, bem como o ato de indeferimento do pedido de reclamação graciosa;
(b) Condenar a Requerida no reembolso da quantia de €177.399,48 ao Requerente, e no pagamento de juros indemnizatórios a partir de 15-08-2024;
(c) Condenar a Requerida nas custas do processo, atento o seu total decaimento.
VII. Valor do processo
Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º1, al. a) do CPPT e no artigo 3.º, n.º2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 177.399,48, valor atribuído pelo Requerente, sem contestação da Requerida.
VIII. Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º2 e 22.º, n.º2 do RJAT, no artigo 4.º, n.º4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em €3.672,00, a cargo da parte vencida.
Lisboa, 15 de novembro de 2025
O Tribunal Arbitral
Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente)
Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães
Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos (relatora),
[1] https://www.law.cornell.edu/uscode/text/26/851
[2] Uma referência ao facto de o STA – como era seu dever – ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao
decidido pelo TJUE (ac. 093/19, de 28/09/2023).
[3] Artigo 63º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (ex-artigo 56º TCE):
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.