SUMÁRIO:
I. Só beneficiam da taxa reduzida de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, alínea a), e na verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, as empreitadas qualificadas como sendo de “reabilitação urbana”;
II. Conforme Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 26.03.2025, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, no processo n.º 12/24.9BALSB, a qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Júlio Tormenta designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar Tribunal Arbitral, constituído em 25 de março de 2025 acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A A..., UNIPESSOAL LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., nº ..., ..., ...-... Amadora, (adiante designada por «A... » ou «Requerente»), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto do disposto nos artigos 2º e 10º do D.L. nº 10/2011, de 20.01, tendo por objeto, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 01/2021, com o valor da correção de € 1.275,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 02/2021, com o valor da correção de € 2.834,16, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 03/2021, com o valor da correção de € 2.392,83, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 04/2021, com o valor da correção de € 850,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 05/2021, com o valor da correção de € 5.874,11, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 06/2021, com o valor da correção de € 891,26, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 07/2021, com o valor da correção de € 2.550,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 08/2021, com o valor da correção de € 3.294,71, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 09/2021, com o valor da correção de € 1.704,10, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 10/2021, com o valor da correção de € 5.185,90, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 11/2021, com o valor da correção de € 4.905,65, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 12/2021, com o valor da correção de € 8.934,40, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 01/2022, com o valor da correção de € 7.425,26, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 02/2022, com o valor da correção de € 6.406,99, imposto a pagar de € 5.311,99 e juros compensatórios a pagar de € 518,10, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas, a liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 03/2022, com o valor da correção de € 3.742,95, IVA a pagar de € 762,03 e juros compensatórios a pagar de € 74,54, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros, a liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 06/2022, com o valor de IVA a pagar de € 2.097,65 e juros compensatórios a pagar de € 302,78, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas, e liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 10/2022, com o valor da correção de € 4.723,82 e IVA a pagar de € 95,65, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), resultantes de correções efetuadas pela AT em procedimento inspetivo no montante de € 58.267,32 (cinquenta oito mil duzentos sessenta sete euros e trinta dos cêntimos) em sede de IVA.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 15 de janeiro de 2025 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 17 de janeiro de 2025.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 7 de março de 2025, não tendo arguido qualquer impedimento.
4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de março de 2025 e, no dia 26 de março de 2025, foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo (doravante «PA»), e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
5. Em 8 de maio de 2025, a Requerida apresentou Resposta e juntou aos autos o PA.
6. Por despacho arbitral, de 26 de maio de 2025, foi designado o dia 4 de julho de 2025, pelas 10 horas, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, notificando a Requerente e a Requerida para indicarem, de forma individualizada, quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que seriam objeto daquele tipo de prova.
7. Em 11 de junho de 2025, a Requerente apresentou requerimento a indicar os concretos factos do pedido arbitral relativamente aos quais a testemunha por si arrolada iria prestar depoimento.
8. Foi proferido despacho arbitral datado de 7 de julho de 2025, a reagendar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para 14 de julho às 10h nas instalações do CAAD em Lisboa.
9. No dia 14 de julho de 2025, a Requerente apresentou requerimento a solicitar ao Tribunal a substituição da testemunha previamente arrolada, tendo a Requerida sido notificada.
10. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, teve lugar no dia 14 de julho de 2025, pelas 11 horas, para ouvir a testemunha arrolada pela Requerente (i) B... . O Tribunal perguntou às representantes da Requerida se se opunham à substituição da testemunha previamente arrolada –C...- não se tendo oposto. O representante da Requerente no uso da palavra requereu prazo para proceder à junção de novos documentos nesta fase. Igualmente no uso da palavra, as representantes da Requerida declararam opor-se à junção de novos documentos nesta fase. Ouvidas as partes, o Tribunal indeferiu o pedido da Requerente.
11. Nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a facultar às partes o prazo de 15 (quinze) dias para as mesmas, querendo, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas.
12. A Requerida apresentou as suas alegações escritas, tendo-o feito no dia 12 de setembro de 2025, vindo reiterar a posição assumida em sede de Resposta.
13.A Requerente enviou, em 15/9/2025, ao CAAD as alegações escritas acompanhadas de 7 (sete) documentos, tendo os mesmos sido registados no SGP do CAAD no dia 17/9/2025. Em sede de alegações veio reiterar aquilo que tinha defendido no PPA, vindo igualmente manifestar a sua discordância com o entendimento do Acórdão Uniformizador do STA sobre a necessidade de que em obras a realizar em imóveis, para que as mesmas estejam sujeitas à taxa reduzida de IVA a 6%, seja necessária a cumulação de ARU e ORU.
14.A Requerida enviou requerimento, em 18/9/2025, ao CAAD, tendo o mesmo sido registado no SGP do CAAD em 19/9/2025, relativamente às alegações escritas apresentadas pela Requerente assim como dos documentos anexos a essas alegações requerendo a “(…) desconsideração dos factos anteriormente não suscitados que, não podendo ser relevados por este Tribunal, devem ter-se por não escritos, em como o desentranhamento dos documentos”.
15.Foi proferido despacho arbitral, em 29/9/2025, no sentido do desentranhamento dos documentos (Doc. 1 a 7) apresentados pelo Requerente em sede de alegações com os fundamentos constantes no despacho.
16.O Requerente enviou requerimento, em 26/9/2025, ao CAAD, tendo o mesmo sido registado no SGP do CAAD em 29/9/2025, arguindo que “(…) dúvidas não restam que o requerimento de 18.09.2025 não é legalmente admissível por não estar previsto, pelo que se requer o seu desentranhamento.”
17.Foi proferido despacho Arbitral, em 9/10/2025, relativamente ao requerido pela Requerente no seu requerimento de 26/9/2025 e registado no SGP do CAAD em 29/9/2025, que o Tribunal já se tinha pronunciado sobre o assunto através do despacho arbitral proferido em 29/9/2025.
II. POSIÇÕES DAS PARTES
II.I Posição da Requerente
18.A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese, o seguinte:
a. A Requerente é uma sociedade por quotas que desenvolve a sua atividade principal no âmbito da construção civil, nomeadamente remodelações e construção de edifícios.
b. Na sequência do procedimento de inspeção registado sobre as ordens de serviço n.º OI2023... (ano de 2021), n.º OI2023... (período de 2022.01 e 2022.02) e OI2023... (período de 2022.03), foi apreciado o pedido de reembolso de IVA n.º ... do período de 2022/3 (entregue a 2022.05.19 com a identificação n.º ...), no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), solicitado pela Requerente, tendo a AT detetado irregularidades em sede de IVA no montante global de € 58.267,32 (cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta e sete euros e trinta e dois cêntimos).
c.A Requerente, nos anos de 2021 e 2022, efetuou obras de reabilitação urbana em edifícios sitos nos concelhos de Cascais, Lisboa e Odivelas, com as seguintes localizações:
- Cascais: ..., nº ... e nº ... e Rua ..., nº ..;
- Lisboa: Rua ..., nº ..., ..., Rua ..., nº ..., ..., Rua..., ns. ... e ..., Rua ..., nº ..., ...;
- Odivelas: Rua ..., nº ... e Rua ..., nº ..., ... .
d.Os edifícios acima referidos estão localizados em Área de Reabilitação Urbana (doravante «ARU»), os quais foram objeto de obras de reabilitação urbana ao abrigo de contratos de empreitada celebrados entre si e os seus clientes. A Requerente obteve certidões emitidas pelas respetivas Câmaras Municipais comprovativas de que os imóveis objeto de obras de reabilitação urbana se localizavam em ARU.
e.Os trabalhos concretamente executados e respetivos valores constam das faturas identificadas em V.3 dos relatórios de inspeção.
f. Quanto à verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (doravante “CIVA”), alega a AT que para se poder beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% não basta que o imóvel intervencionado se localize em ARU, mas tem que se validar que determinado projeto se enquadra no âmbito de uma operação de reabilitação urbana (ORU), sendo a Câmara Municipal, da área onde se localiza o imóvel objeto de intervenção, a entidade competente para atestar que se trata de uma ORU. Assim, afirma que não se verificam cumpridos os requisitos estipulados na verba 2.23 para aplicação da taxa reduzida e que os serviços in casu deveriam ter sido faturados com IVA à taxa de 23%, conforme determina a alínea c) do n.º 1, do artigo 18. ° do CIVA. A Requerente não concorda com o entendimento da AT, visto ser manifesto que se reuniam condições legais para que o IVA fosse liquidado à taxa reduzida de 6% (al. a) n.º 1 artigo 18.º do CIVA), em harmonia com a verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, nas empreitadas objeto de análise nos presentes autos.
g.Em defesa da sua posição, a Requerente defende que as mencionadas intervenções foram realizadas em edifícios pré-existentes (que foram alvo de obras de reabilitação), não estando em causa, portanto, uma construção de raiz. Todas as obras respeitam a intervenções de reconstrução/alteração/conservação dos edifícios/frações, o que, diga-se, a AT nem coloca em causa. As obras levadas a cabo pela Requerente são empreitadas de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, como se entendeu quer no Acórdão do Pleno do STA de 21.02.2024 (proc. nº 0167/23.0BALSB): “Recorde-se que esta verba 2.2.3 abrange as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (…)” (sublinhado nosso). Por outras palavras, o legislador quis abranger, na verba 2.23, as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana. Acresce que, como vimos, a noção ampla de “reabilitação urbana” abrange, no segmento final da definição legal prevista no RJRU (também) as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios.” quer a nível da Doutrina[1].
h.Assim, a Requerente defende que a verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, tem aplicação automática quando estamos (necessariamente) perante uma empreitada de reabilitação urbana nos termos legalmente definidos, em que se verifica uma das seguintes condições:
a) realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (ARU) (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras), delimitadas nos termos legais; OU
b) realizadas no âmbito de operações de reabilitação urbana (ORU).
i.Ora, do acima exposto, é manifestamente óbvio que se trata de requisitos alternativos (existe uma conjunção disjuntiva “ou”), e não há, pois, obrigatoriedade quanto à cumulação dos requisitos, como resulta claro do texto legal acima transcrito.
j.Nem da letra, nem do espírito da Lei, resulta qualquer outra exigência para a aplicação da taxa reduzida de IVA de 6%, nem tampouco resulta a exigência cumulativa de que uma Câmara Municipal tenha de atestar que a empreitada consubstancia uma “Operação de Reabilitação Urbana” (ORU).
i.Assim, quando nos relatórios de inspeção emitidos pela AT se exige a cumulação dos requisitos: ARU e ORU, não prevista na lei, para se aplicar a taxa reduzida de 6% ao abrigo da verba 2.23 da Lista I Anexa ao IVA, a AT está a violar a norma em causa e o princípio da legalidade tributária previsto no artigo 8.º n.º1 da LGT.
j.Este entendimento tem respaldo em diversa jurisprudência arbitral, segundo a qual, a aplicabilidade da taxa reduzida de 6% de IVA, ao abrigo da verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, não requer a existência da ORU para uma ARU, não estando este requisito previsto naquela norma.
k.Conclui que estão evidentemente reunidos todas os pressupostos legalmente previstos para que se considere verificada a aplicabilidade da previsão da verba 2.23 da Lista I Anexa ao Código do IVA e, em consequência, seja de considerar legal a taxa reduzida de 6% aplicada às obras em apreço, por estarem em causa imóveis sujeitos a obras de reabilitação e que se encontram localizados em área de reabilitação Urbana (ARU), tal como atestado pelas respetivas Câmaras Municipais.
l.As liquidações impugnadas (resultantes das correções no montante de €58.267,32) incorrem em vicio de lei, concretamente a verba 2.23 da Lista I Anexa ao Código do IVA e ainda violam o princípio da legalidade tributária previsto no artigo 8.º da LGT, pelo que devem ser anuladas com as legais consequências.
II.II Posição da Requerida
19.Por seu turno, a Requerida contestou a posição da Requerente na sua Resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
a. A Requerente solicitou, em 19.05.2022, através da declaração periódica de IVA relativa ao período 03/2022, um reembolso no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros). Foram abertos procedimentos inspetivos ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2023... (ano de 2021), n.º OI2023... (período de 2022/01 e 2022/02) e n.º OI2023... (período de 2022/03) dos quais resultaram correções meramente aritméticas no montante de €58.267,32 (ano 2021 - €40.692,12, períodos 2022.01 e 2022.02 - €13.832,25 e 2022.03 - €3.742,95) com o fundamento de falta de imposto liquidado resultante da diferença de taxas: 23% para 6%. Essas correções deram origem às liquidações impugnadas nos presentes autos.
b. A Requerente entendeu, que, tratando-se de IVA respeitante a empreitadas de reabilitação de prédios localizados em áreas de reabilitação urbana, haveria lugar à aplicação daquela taxa reduzida. Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) concluíram que não se encontravam reunidos os pressupostos necessários para a aplicação da taxa reduzida, 6%, e por isso, as prestações de serviços (obras realizadas pela Requerente) deveriam ser sujeitas a uma taxa de 23%, apurando-se correções no montante de €58.267,32 (resultante da diferença de taxas: 23% para 6%) que estão na origem das liquidações controvertidas.
c. Relativamente às obras realizadas pela Requerente em Cascais, sitas na ..., n.º ... e n.º...; e na Rua ..., n.º ..., não foi apresentada prova de que os imóveis intervencionados se localizassem numa área de reabilitação urbana (ARU) nem que as obras desenvolvidas configurassem operações de reabilitação urbana (ORU). Em relação às obras sitas em Lisboa, na Rua ..., n.º ..., ...; na Rua ..., n.º...; na Rua..., n.º ... e n.º ... e na Rua..., n.º ..., ..., assim como em Odivelas na Rua ..., n.º ... e na Rua ... n.º ..., ..., não foi apresentada prova que as mesmas configurassem operações de reabilitação urbana (ORU).
d. Para que esteja em causa uma empreitada de reabilitação urbana, é necessário que se verifique a aprovação de uma ORU, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º do RJRU;
e. A delimitação de uma ARU determina a intenção do município congregar nessa área uma intervenção integrada, de acordo com uma estratégia previamente definida.
f. Tal delimitação afigura-se desprovida de utilidade se não for completada pela execução de uma ORU.
g. A aprovação da ARU e a aprovação da ORU constituem atos administrativos distintos e não têm de ser necessariamente simultâneos.
h. Em conformidade com o artigo 7.º, n.º 4, e o artigo 15.º, ambos do RJRU, cada ARU deverá ser enquadrada por uma ORU, tanto mais que, uma vez aprovada a ARU, esta caduca se, no prazo de três anos, não tiver sido aprovada a ORU correspondente.
i. O RJRU esclarece que estamos perante uma reabilitação urbana apenas, e só, quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos: ARU e ORU.
j. É condição necessária que o imóvel se encontra localizado numa ARU delimitada
nos termos legais, mas tal não é uma condição suficiente.
k. Uma empreitada de construção em local inserido numa ARU, sem que haja a aprovação de uma ORU, não permite classificar essa empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da aplicação da verba 2.23, da Lista I anexa ao
CIVA.
l. A aprovação da ORU constitui uma condição essencial da qual depende a aplicação da taxa reduzida de IVA, tratando-se, nessa medida, de um facto essencial e não de uma realidade que possa ser considerada de modo abstrato;
m. Esta interpretação tem suporte na letra da lei (artigo 7.º do RJRU através do uso de conjunção aditiva “e”), pelo que contrariamente ao indicado pela Requerente, a exigência de ORU está inscrita na lei, sendo exigível.
n. A Requerida defende que a posição defendida pela Requerente não tem acolhimento na lei e não é o mais correto de acordo com o acima exposto, chamando à colação jurisprudência do STA que se pronunciou num recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0430/16, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, de 26.03.2025, no seguinte sentido:
«… entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana…»
«…em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples‖ ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana…».
o. No caso controvertido, à data da realização das obras, com exceção das realizadas em Cascais, em que não havia ARU (Travessa ..., n.º ... e n.º ...; e na Rua ..., n.º ...), as restantes obras (Lisboa e Odivelas) foram realizadas pela Requerente em imóveis inseridos em ARU, mas sem ORU aprovadas (Cascais, Lisboa e Odivelas).
p. A documentação apresentada pela Requerente comprova que os imóveis alvo das empreitadas em causa se situam em ARU (com exceção de Cascais), mas os mesmos documentos não provam que existe ORU aprovada.
q. Não havia lugar à aplicação da taxa reduzida de 6% de IVA, a que se refere a alínea
a) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, mas sim à taxa normal definida na sua alínea c), havendo, consequentemente, imposto em falta.
r. Tendo em conta ao cima exposto, as liquidações adicionais de IVA controvertidas são devidas, devendo manter-se as correções efetuadas pelos SIT.
s. A Requerida pugna pela improcedência do PPA, com todas as consequências legais, nomeadamente, a absolvição da Requerida do pedido, em consonância com a mais recente jurisprudência do STA que o Tribunal Arbitral não poderá olvidar.
III. SANEAMENTO
20.O pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
21.Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT, o tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído.
22.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
23.A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as partes devidamente representadas.
24.Em tudo o que de mais possa relevar para a boa decisão da causa, o processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV.I Fundamentação da fixação da matéria de facto
25.Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante «CPPT»), e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante «CPC»), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
26.Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
27. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente, a prova documental junta aos autos pela Requerente, do PA junto aos autos pela Requerida, e do depoimento da testemunha arrolada pela Requerente (i) B..., feito no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT. A testemunha aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados. Tal depoimento foi analisado e valorado pelo Tribunal Arbitral à luz dos critérios da experiência e da normalidade e em linha com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV.II – Factos provados
28. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a. A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à prestação de serviços de construção civil, fundamentalmente, remodelações e reabilitações de imóveis, preferencialmente a nível de apartamentos e/ou frações autónomas, cf. depoimento de testemunha. Os serviços são prestados tanto a empresas, como a particulares.
b. A Requerente solicitou um pedido de reembolso de IVA na Declaração Periódica de IVA referente ao período de 2022.03 no montante de €50.000, cf. ponto 10 da Resposta e ponto I.4. Conclusão Ação Inspeção – Correções em sede de IVA do RIT relativo à OI2023... constante no PA a fls. 487.
c. Resultante do pedido de reembolso da Requerente, foi aberto um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial em sede de IVA, sob as Ordens de Serviço n.º OI2023... (período 2022.03), n.º OI2023... (ano 2021) e n.º OI2023... (período 2022.01 e 2022.02), cf II.1 Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal constante no PA a fls. 489.
d. A Requerente efetuou obras de reabilitação urbana em edifícios sitos nos concelhos
de Lisboa, Cascais e Odivelas, ao abrigo de contratos de empreitada celebrados com os seguintes clientes:
Período: 2022.03 (IVA) – OI 2023...
[cf. PA fls. 13-53]
i. Condomínio do Prédio sito no ...
Local das Obras: Rua do ... n.º... – Lisboa
Objeto da empreitada: Trabalhos de reabilitação do Imóvel
D...
Local de Obras: Rua ... n.º...- Lisboa
Objeto da empreitada: Trabalhos de reabilitação do apartamento
E...
Local das Obras: Rua ... n.º ... – Odivelas
Objeto da empreitada: Trabalhos de reabilitação total do apartamento 1.º Dto.
F...
Local de Obras: Rua ... n.º ... – Cascais
Objeto da empreitada: Demolição e transporte de entulho no imóvel e reabilitação do mesmo
Período: 2021 (IVA) – OI 2023...
[cf. PA fls. 278 - 446]
G...
Local das obras: Rua ... n.º...– Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação total do apartamento
E...
Local de Obras: Rua ... n.ºs ... e ... - Lisboa
Objeto da empreitada: Demolição e reabilitação do imóvel sito na Rua ... n.ºs ... e ... – Lisboa e trabalhos de reabilitação total do imóvel
H...
Local das Obras: Rua ... n.º ...- ...– Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento
I...
Local das Obras: ... ... – Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento
ii. J...– Unipessoal, Lda
Local de Obras: Rua ... n.º ... ... Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação da zona de arrumos no ... da Rua ... n.º ...
iii. Condomínio Prédio sito na Rua ... n.º ... –...– Lisboa
Local de Obras: Rua ... n.º ... –...– Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento
iv. E...
Local de Obras: ... n.º ...- Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação total do apartamento
v. K...
Local de Obras: Rua ... n.º ... . - Lisboa
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento
vi. F...
Local de Obras: ... n.º ... - Cascais
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento
vii. F...
Local de Obras: ..., n.º... -Cascais
Objeto da empreitada: Trabalhos de requalificação
Período: 2022.01 e 2022.02 (IVA) – OI 2023...
[cf. PA fls. 533-577]
viii. L... Unipessoal, Lda – Rua ... n.º...– Lisboa
Local de Obras:
Objeto da empreitada:
ix. M...
Local de Obras: Rua ... n.º ... Esq – Lisboa
Objeto da empreitada: Pintura de apartamento e substituição de cozinha, cf Orçamento constante dos autos
x. E...
Local de Obras: Rua ... n.º ... – Odivelas
Objeto da empreitada: Trabalhos de reabilitação do imóvel sito na rua Dr. ... n.º ... – Odivelas
xi. E...
Local de Obras: Rua ... n.º ...- Odivelas
Objeto da empreitada: Reabilitação do apartamento 1.º dto localizado na Rua ... n.º ... – Odivelas.
e. Mediante pedido de elementos e/ou prestação e esclarecimentos, ao abrigo dos artigos 57.º n.º4 da LGT e 48.º do RCPITA, cf. PA fls. 5, 270 e 525, a Requerente relativamente às empreitadas referidas no ponto d. acima, a Requerente apresentou os contratos de empreitada, orçamento de obra, extratos de conta corrente, fatura de maior valor e comprovativo de obra em zona ARU, cf. PA fls. 13-577.
f. Nas faturas emitidas aos clientes identificados no ponto d. do probatório, a Requerente liquidou IVA à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, cf. PA. Compulsados os autos, não consta a existência de ORU para as empreitadas referidas em d. dos Factos Provados.
g. A Requerida considerou, no âmbito da ação de inspeção, que apenas são consideradas empreitadas de reabilitação urbana, para efeitos do seu enquadramento na verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, aquelas que são realizadas em ARU e em que se verifique a aprovação de ORU, nos termos da conjugação da mencionada verba com as alíneas a) e b) do artigo 7.º do RJRU.
h. Foram emitidos PRIT por cada um dos períodos de tributação de IVA identificados nos pontos c. e d. dos Factos Provados: PRIT n.º OI2023... (IVA: 2022.03), cf. PA fls. 54-75; PRIT n.º OI2023... (IVA: 2021), cf. PA fls. 449-468 e PRIT n.º OI2023... (IVA: 2022.02 e 2022.03), cf. PA fls. 580-599.
i. Nos PRIT referidos no ponto h. dos Factos Provados, é expresso o seguinte:
“
I.4. Conclusão Ação Inspeção – Correções em Sede de IVA
No âmbito do presente procedimento inspetivo registado sob as Ordens de serviço n.º OI2023... (ano 2021), n.º OI2023... (período 2022.01 e 2022.02) e n.º OI2023... (período 2022.03) foi apreciado o pedidode reembolso de IVA n.º ... do período de 2022.03, no montante de € 50.000,00, solicitado pelo Sujeito Passivo A..., UNIPESSOAL LDA, NIF ... .
|
Ano 2021
|
Ano 2022
|
|
Período
|
campo 41declarado
|
Correções
|
campo 41corrigido
|
Período
|
campo 41declarado
|
Correções
|
campo 41
corrigido
|
|
2021.01
|
107,89
|
1.275,00
|
1.382,89
|
2022.01
|
1.244,80
|
7.425,26
|
8.670,06
|
|
2021.02
|
3.217,94
|
2.834,16
|
6.052,10
|
2022.02
|
1.034,22
|
6.406,99
|
7.441,21
|
|
2021.03
|
30,27
|
2.392,83
|
2.423,10
|
2022.03
|
764,64
|
3.742,95
|
4.507,59
|
|
2021.04
|
1,57
|
850,00
|
851,57
|
|
|
|
|
|
2021.05
|
1.727,99
|
5.874,11
|
7.602,10
|
|
|
|
|
|
2021.06
|
845,41
|
891,26
|
1.736,67
|
|
|
|
|
|
2021.07
|
172,53
|
2.550,00
|
2.722,53
|
|
|
|
|
|
2021.08
|
171,21
|
3.294,71
|
3.465,92
|
|
|
|
|
|
2021.09
|
57,5
|
1.704,10
|
1.761,60
|
|
|
|
|
|
2021.10
|
157,32
|
5.185,90
|
5.343,22
|
|
|
|
|
|
2021.11
|
17,64
|
4.905,65
|
4.923,29
|
|
|
|
|
|
2021.12
|
89,97
|
8.934,40
|
9.024,37
|
|
|
|
|
|
Total
|
6.597,24
|
40.692,12
|
47.289,36
|
Total
|
3.043,66
|
17.575,20
|
20.618,86
|
Em conformidade com a descrição mais pormenorizada/sistematizada no capítulo V. da presente informação foram detetadas irregularidades em sede de IVA, no montante de € 58.267,32, conforme quadro seguinte:
A correção aritmética do IVA deduzido indevidamente será efetuada em cada uma das declarações periódicas dos exercícios 2020 e 2021 (Ponto Relatório V), anulando o crédito de imposto para o períododo pedido de reembolso (no valor de € 52.193,30), em 2022.03, com IVA a pagar no montante de €6.074,02, anulando o crédito de imposto a reportar para o período seguinte, conforme quadro seguinte:
|
#
|
Descrição
|
Valor (€)
|
|
1
|
Crédito Imposto 2022.03
|
52.193,30
|
|
2
|
Reembolso Pedido 2022.03
|
50.000,00
|
|
3
|
Correções 2021
|
40.692,12
|
|
4
|
Correções 2022.01 a 2022.02
|
13.832,25
|
|
5
|
Correções 2022.03
|
3.742,95
|
|
6
|
Correções Total (6=3+4+5)
|
58.267,32
|
|
7
|
Valor a Pagar (6-1)
|
6.074,02
|
|
|
Anular CI para período seguinte
|
2.193,30
|
Deste modo, propõe-se que o pedido de reembolso de IVAseja indeferido por insuficiência de crédito, anulando o crédito de imposto a reportar para o período seguinte, originando liquidações adicionais, no total de € 6.074,02.
As liquidações adicionais, no total de € 6.074,02 respeitarão aos seguintes períodos:
|
Períodos
|
2022.02
|
2022.03
|
|
Imposto a Entregar
|
€ 5.311,99
|
€ 762,03
|
(…)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
Considerando os elementos apresentados pelo SP (nomeadamente faturas, extratos contabilísticos, contratos empreitada, orçamentos, certidão emitida pelas Câmaras Municipais onde se localizam as obras), o sistema informático E- Fatura e a lista de faturas emitidas por obra, disponibilizados pelo S.P.,foram apuradas as seguintes irregularidades, relativamente aos valores declarados no Campo 1 das DPs:
V.1. Verba 2.23 da Lista I do CIVA
V.1.1. Requisitos para aplicação da verba
A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) determina que estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida, a que se refere a alínea a), do n.º 1, do artigo 18.º do CIVA:
"empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticasde recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional."
Este conceito pressupõe assim que, se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais ouno âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Assim, para se poder beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA não basta que o imóvel intervencionado se localize em ARU, mas tem que se validar que determinado projeto se enquadra no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro. Sendo a Câmara Municipal, da área onde se localiza o imóvel objeto de intervenção, a entidade competente para atestar que se trata de uma ORU.
V.1.2. Irregularidades detetadas na aplicação da Verba
Nas obras realizadas na..., n.º ..., em Cascais, na ..., n.º..., em Cascais e na Rua ..., n.º ..., não foiapresentado o comprovativo de que os imóveis intervencionados se encontram em Área de reabilitação Urbana (ARU) e que se tratou de uma operação de reabilitação urbana (ORU).
Nas obras realizadas na Rua..., n.º..., em Lisboa, na Rua..., n.º ..., ..., em Lisboa, na Rua ..., n.º ... e n.º ..., em Lisboa, na Rua
..., n.º ..., em Odivelas, na Rua ... n.º ..., ..., em Lisboa e na Rua..., n.º..., ..., em Lisboa, não foi apresentada a prova de que se tratou de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU),
Do exposto verifica-se que para estas obras não se encontram cumpridos os requisitos para aplicação da taxa reduzida de IVA, nos termos da verba 2.23 da Lista I do CIVA.
(…)
V.3. Apuramento do Imposto em falta
Da análise efetuada constata-se que o sujeito passivo não cumpriu os requisitos estipulados nas verbas 2.23 e 2.27 da Lista I do CIVA, pelo que liquidou IVA indevidamente à taxa reduzida.
Os serviços prestados deveriam ter sido faturados com IVA à taxa de 23%, conforme determina a alínea c), do n.º 1, do artigo 18.º do CIVA.
Deste modo, o imposto em falta, não liquidado e resultante das diferenças de taxas (23%- 6%) totaliza
€ 58.267,32 (ano 2021: € 40.692,12, períodos 2022.01 e 2022.02: € 13.832,25 e 2022.03; € 3.742,95).
O valor apurado referente à liquidação de IVA em falta, por período, corresponde a:
Ano 2021
|
Faturas
|
Data
|
Base
|
IVA não liquidado/em falta (€)
|
|
IVA devido 23% (1)
|
IVA liquidado 6% (2)
|
CORREÇÃO
|
|
(1-2)
|
|
2021/13
|
15/01/2021
|
7.500,00
|
1.725,00
|
450,00
|
1.275,00
|
|
2021/11
|
07/02/2021
|
16.671,54
|
3.834,45
|
1.000,29
|
2.834,16
|
|
2021/17
|
02/03/2021
|
7.075,47
|
1.627,36
|
424,53
|
1.202,83
|
|
2021/21
|
18/03/2021
|
7.000,00
|
1.610,00
|
420,00
|
1.190,00
|
|
2021/34
|
30/04/2021
|
5.000,00
|
1.150,00
|
300,00
|
850,00
|
|
2021/40
|
07/05/2021
|
34.553,62
|
7.947,33
|
2.073,22
|
5.874,11
|
|
2021/49
|
06/06/2021
|
5.242,69
|
1.205,82
|
314,56
|
891,26
|
|
2021/66
|
29/07/2021
|
15.000,00
|
3.450,00
|
900,00
|
2.550,00
|
|
2021/73
|
31/08/2021
|
19.380,67
|
4.457,55
|
1.162,84
|
3.294,71
|
|
2021/80
|
22/09/2021
|
10.024,12
|
2.305,55
|
601,45
|
1.704,10
|
|
2021/81
|
06/10/2021
|
14.077,40
|
3.237,80
|
844,64
|
2.393,16
|
|
2021/78
|
19/10/2021
|
2.500,00
|
575,00
|
150,00
|
425,00
|
|
2021/90
|
31/10/2021
|
13.927,85
|
3.203,41
|
835,67
|
2.367,74
|
|
2021/92
|
12/11/2021
|
28.856,77
|
6.637,06
|
1.731,41
|
4.905,65
|
|
2021/98
|
02/12/2021
|
16.045,06
|
3.690,36
|
962,70
|
2.727,66
|
|
2021/101
|
28/12/2021
|
36.510,26
|
8.397,36
|
2.190,62
|
6.206,74
|
|
TOTAL CORREÇÃO IVA
|
40.692,12
|

Períodos 2022.01 e 2022.02
|
Faturas
|
Data
|
Base
|
IVA não liquidado/em falta (€)
|
|
IVA devido 23% (1)
|
IVA liquidado 6% (2)
|
CORREÇÃO
|
|
(1-2)
|
|
2022/03
|
28/01/2022
|
27.123,43
|
6.238,39
|
1.627,41
|
4.610,98
|
|
2022/2
|
04/01/2022
|
16.554,55
|
3.807,55
|
993,27
|
2.814,28
|
|
2022/7
|
04/02/2022
|
8.711,61
|
2.003,67
|
522,70
|
1.480,97
|
|
2022/8
|
04/02/2022
|
1.631,00
|
375,13
|
97,86
|
277,27
|
|
2022/9
|
04/02/2022
|
27.345,62
|
6.289,49
|
1.640,74
|
4.648,75
|
|
TOTAL CORREÇÃO IVA
|
13.832,25
|
Período 2022.03
|
Faturas
|
Data
|
Base
|
IVA não liquidado/em falta (€)
|
|
IVAdevido 23% (1)
|
IVA liquidado 6% (2)
|
CORREÇÃO
|
|
(1-2)
|
|
2022/21
|
07/03/2022
|
17.650,81
|
4.059,69
|
1.059,05
|
3.000,64
|
|
2022/16
|
07/03/2022
|
2.045,67
|
470,50
|
122,74
|
347,76
|
|
2022/17
|
07/03/2022
|
2.320,90
|
533,81
|
139,25
|
394,55
|
|
TOTAL CORREÇÃO IVA
|
3.742,95
|
V.4. Conclusão
Em conformidade com o descrito, relativamente àquelas operações o SP deveria assim ter liquidado o valor total de € 58.267,32 (€ 3.742,95+ € 13.832,25 + € 40.692,12), em falta nos cofres do estado, pelo que se propõe a correção desse IVA nas respetivas declarações periódicas, campo 41.
Deste modo, tendo as presentes Ordens de serviço origem no pedido de reembolso de IVA, período 2022.03 constata-se que com as correções mencionadas, no total de € 58.267,32, o crédito de imposto de IVA inicialmente apurado, no montante de € 52.193,30 será anulado, resultando numa liquidação adicional de imposto, no valor total de € 6.074,04, anulando ainda o crédito de imposto a reportar para o período seguinte.
(…) “
j. A Requerente exerceu o direito de audição relativamente a cada PRIT, cf. PA a fls.76-83, fls.469-476 e fls. 600-607 contestando a posição assumida pelos SIT (AT) segundo os quais a Requerente não reunia as condições para liquidar IVA à taxa reduzida de 6% em harmonia com a verba 2.23 da Lista I Anexa ao IVA. Fundamenta a sua posição alegando que as obras realizadas foram efetuadas em edifícios pré-existentes (que somente sofreram alterações), não estando em causa, uma construção de raiz. Por outro lado, a Requerente defende que a verba 2.23 da Lista Anexa ao IVA, tem aplicação automática quando se está (necessariamente) perante uma empreitada de reabilitação urbana nos termos legalmente definidos, em que se verifica uma das seguintes condições: (a) realizada em imóveis ou em espaços públicos localizados em ARU; OU (b) realizadas no âmbito de ORU. Não se retira quer da letra quer do espírito da lei, que para se aplicar a taxa de 6% resulte a exigência cumulativa de ARU e ORU e por isso a posição defendida pelos SIT (AT), viola o princípio da legalidade. Entende que a sua posição tem respaldo quer na doutrina quer em jurisprudência arbitral.
k. A posição assumida pela Requerente não colheu vencimento junto dos SIT (AT), que mantiveram as correções para efeitos de IVA no montante de €58.267,32 com os fundamentos constantes no ponto V.1.2 dos PRIT. Assim, foram emitidos RIT relativos a cada período de IVA referido no ponto c. dos Factos Provados.
l. Dos RIT resultantes do procedimento inspetivo e constantes no PA, a Requerente foi notificada das liquidações controvertidas: liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 01/2021, com o valor da correção de € 1.275,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 02/2021, com o valor da correção de € 2.834,16, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 03/2021, com o valor da correção de € 2.392,83, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 04/2021, com o valor da correção de € 850,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 05/2021, com o valor da correção de € 5.874,11, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 06/2021, com o valor da correção de € 891,26, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 07/2021, com o valor da correção de € 2.550,00, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 08/2021, com o valor da correção de € 3.294,71, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 09/2021, com o valor da correção de € 1.704,10, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 10/2021, com o valor da correção de € 5.185,90, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 11/2021, com o valor da correção de € 4.905,65, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 12/2021, com o valor da correção de € 8.934,40, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 01/2022, com o valor da correção de € 7.425,26, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 02/2022, com o valor da correção de € 6.406,99, imposto a pagar de € 5.311,99 e juros compensatórios a pagar de € 518,10, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas, liquidação adicional de IVA nº..., respeitante ao período de 03/2022, com o valor da correção de € 3.742,95, IVA a pagar de € 762,03 e juros compensatórios a pagar de € 74,54, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros, liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 06/2022, com o valor de IVA a pagar de € 2.097,65 e juros compensatórios a pagar de € 302,78, conforme respetivas demonstrações de liquidação de IVA e de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas, e liquidação adicional de IVA nº ..., respeitante ao período de 10/2022, com o valor da correção de € 4.723,82 e IVA a pagar de € 95,65, conforme demonstração de liquidação de IVA e demonstração de acerto de contas, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), resultantes de correções efetuadas pela AT em procedimento inspetivo no montante de € 58.267,32 (cinquenta oito mil duzentos sessenta sete euros e trinta dos cêntimos) em sede de IVA.
IV.III - Factos não provados
29.Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
V. Matéria de Direito
30.Passando-se à apreciação do mérito da causa a analisar nos presentes autos, entende-se que a matéria controvertida que foi sujeita à apreciação deste Tribunal se resume a apreciar a legalidade das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios promovidas pela Requerida.
31.Mais concretamente, caberá avaliar a legalidade do entendimento veiculado pela Requerida de que às empreitadas de reabilitação urbana realizadas em ARU, mas para as quais não tenha sido aprovada uma ORU, dever-se-á aplicar a taxa normal (23%) e não a taxa reduzida (6%) de IVA, para efeitos de liquidação do imposto devido incidente sobre aquelas operações.
[
Então vejamos,
V.I Normas legais relevantes
32.Passando-se, agora, à apreciação da questão a analisar nos presentes autos, crê-se que importa fixar a base legal relevante, tendo por referência o que se encontrava consagrado na legislação, à data dos factos tributários aqui em causa:
a. Artigo 18.º, n.º 1, do CIVA:
“1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%”.
b. Verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA:
“As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”
c. Artigo 2.º, alíneas b), h) e j), do RJRU:
i. “b) «Área de reabilitação urbana» a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana”;
ii. “h) «Operação de reabilitação urbana» o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área”;
iii. “j) «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”;
d. Artigo 7.º, do RJRU:
“1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
2 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo.
3 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas.
4 - A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana”.
e. Artigo 15.º, do RJRU:
“No caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação”;
V.II Da taxa de tributação aplicável às empreitadas de reabilitação urbana prevista na verba 2.23 da Lista I do CIVA
33.Através do presente processo, a Requerente pretende sindicar a legalidade dos atos de liquidação oficiosa de IVA e juros compensatórios acima referidos, por considerar que os mesmos são ilegais, em resultado de um vício de erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, no que respeita à não aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, conjugada com alínea a) do artigo 18.º do Código do IVA, às prestações de serviços de empreitada de reabilitação urbana que realizou.
34.Para tal, argumenta a Requerente, em síntese, que ao abrigo das normas acima citadas, as operações de reabilitação urbana que realizou, em prol dos seus clientes, nas cidades de Lisboa, Cascais e Odivelas, devem beneficiar da taxa reduzida de 6% de IVA, já que as mesmas foram realizadas em prédios localizados em ARU.
35.Acrescenta a Requerente, tendo em consideração jurisprudência arbitral conhecida, que aquelas normas – ao contrário do que é defendido pela Requerida – não fazem depender a aplicação da taxa reduzida de IVA da existência de ORU previamente decidida pelos municípios em questão.
36.Por seu turno, a Requerida apresenta uma visão totalmente oposta à da Requerente, arguindo que só se está na presença de empreitadas de reabilitação urbana aquelas que, cumulativamente, sejam realizadas em imóveis localizados em ARU, quando as mesmas decorram de uma ORU pré-existente aprovada por um município.
37.Sem a verificação de ambos os requisitos (ARU+ORU), considera a Requerida que não se pode considerar uma empreitada de construção como sendo de reabilitação urbana e, como tal, não é possível aplicar àquela operação a taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
38.Acrescenta a Requerida que este seu entendimento está devidamente suportado na letra da lei (quer do CIVA, quer do RJRU), na jurisprudência arbitral e no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA n.º 0430/16, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo STA, em 26.03.2025 (artigo 81.º da Resposta).
39.Pelo que, conclui a Requerida, limitando-se a agir em conformidade com o princípio da legalidade, os atos de liquidação ora controvertidos deverão ser mantidos na ordem pública.
40.Conforme decorre do acima exposto, a questão essencial a decidir nestes autos gira em torno de saber quando é que se está perante uma “empreitada de reabilitação urbana”, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 18.º do CIVA, em conjugação com a verba 2.23 da Lista I anexa ao mesmo Código.
41.Afinal, conforme decorre dos articulados e das posições enunciadas pelas partes, estão em causa duas posições divergentes que se encontram, respetivamente, suportadas em diversas decisões arbitrais.
42.Assim, dando como exemplo a decisão arbitral proferida em 16.10.2023, no processo n.º 2/2023-T, entendeu-se o seguinte:
“1- Constituem-se condições cumulativas para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA: empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico; e empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
2- A delimitação e aprovação de ARU, nos termos do artigo 14º do decreto-lei nº307/2009 confere de forma direta o acesso aos apoios e incentivos fiscais à reabilitação urbana, entre os quais a possibilidade de acesso à taxa reduzida de IVA de 6% constante da verba
2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA.”.
43.Esta decisão, juntamente com outras enunciadas pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral – nomeadamente as proferidas nos processos n.º 137/2022-T, n.º 354/2023-T e n.º 803/2023-T - dão respaldo ao entendimento professado por aquela.
44.Por outro lado, na decisão arbitral proferida em 12.12.2023, no processo n.º 517/2023-T, entendeu-se o seguinte:
“Como decorre do teor literal do n.º 1 deste artigo 7.º a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta, cumulativamente, da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da aprovação de uma operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
A necessidade desta dupla aprovação de uma delimitação e de uma operação com ela conexa ressalta do uso da conjunção «e» que separa as duas alíneas do n.º 1 deste artigo
7.º.
O n.º 4 do mesmo artigo corrobora esta interpretação ao estabelecer que «a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana».
Ora, como resulta do artigo 7.º, n.ºs 2 e 3, do RJRU, «a aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo» ou aquela delimitação pode preceder esta operação, podendo mesmo suceder, nos termos do artigo 15.º do mesmo diploma, que caduque a delimitação da área de reabilitação urbana «se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação», como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.
Isto é, não existe uma situação legal de “reabilitação urbana” se não for aprovada uma “operação de reabilitação urbana”, como se conclui no acórdão de 14-08-2023, proferido no processo arbitral n.º 93/2023-T.
Por isso, o mero licenciamento de uma construção através de empreitada, em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação urbana nessa área, não permite qualificar uma empreitada como sendo de «empreitada de reabilitação urbana» em «área de reabilitação urbana», para efeitos da verba 2.23 referida.
Assim, como bem se conclui na decisão arbitral de 31-07-2023, proferida no processo n.º 3/2023-T, «uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto». Por outro lado, como resulta dos artigos 16.º e 17.º do RJRU, «as operações de reabilitação urbana são aprovadas através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana», da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, que contenham, cumulativamente, «a definição do tipo de operação de reabilitação urbana» e «a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática», o que obsta a que se possa concluir pela existência de uma operação de reabilitação urbana decorrente de uma mera certificação, como a que se refere na matéria de facto fixada, efectuada por uma câmara municipal, manifestando o seu entendimento de que a construção consubstancia uma «operação de reabilitação urbana».
Pelo exposto, é de concluir que o conceito de «empreitada de reabilitação urbana» em área de reabilitação urbana só é preenchido quando as obras a realizar se reportam a imóvel localizado em área delimitada como sendo de reabilitação urbana e no âmbito de uma «operação de reabilitação urbana», aprovada nos termos do artigo 16.º do RJRU.
É certo que a alínea b) do artigo 14.º do RJRU, a que a Requerente alude, estabelece que «a delimitação de uma área de reabilitação urbana (...) confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural», o que permite concluir que haverá potencialmente efeitos decorrentes da mera delimitação da ARU.
Mas, esta norma não se aplica à situação da Requerente, pois, como decorre do seu texto, reporta-se apenas aos proprietários e titulares de outros direitos sobre edifícios e fracções, o que não era o caso da Requerente, pois a obra objecto do contrato de empreitada é um edifício novo, a construir em local em que não existia qualquer construção.
Assim, no caso em apreço, não tendo sido aprovada qualquer «operação de reabilitação urbana» para o local em que foi construído o prédio, é de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao recusar a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA.”
45.Esta decisão, juntamente com outras enunciadas pela Requerida na sua resposta – designadamente, as proferidas nos processos n.º 295/2022-T, n.º 404/2022-T, 3/2023-T, n.º 93/2023-T e n.º 1249/2024-T - dão suporte à argumentação apresentada por aquela.
46.Acontece que, em face desta diferente interpretação entre julgados a nível da jurisprudência arbitral, por força do previsto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT e do regime legal aplicável ao Recurso de Uniformização de Jurisprudência previsto no artigo 152.º, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, houve lugar ao competente recurso para o STA, dando origem ao Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, datado de 26.03.2025, proferido no processo n.º 12/24.9BALSB, cuja relatora foi a Senhora Conselheira Anabela Ferreira Alves e Russo.
47.Neste Acórdão, afirmou o STA o entendimento de que “o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana”.
48.Acrescentou aquele Tribunal, em tal Acórdão, que “os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana. (…) Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização”.
49.Nesta linha de pensamento, o STA concluiu em tal Acórdão no sentido de que:
“– Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
– A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.”.
50.Não se pode também deixar de ter em conta que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 12.05.2016, proferido no processo n.º 982/10.4TBPTL se pronunciou acerca da relevância dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, nestes termos:
“1. Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.
2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada.”.
51.Deste modo, na presente decisão arbitral adere-se, na sua integralidade, aos argumentos professados nesta decisão uniformizadora, reiterando-se a remissão integral quanto aos fundamentos da presente decisão para o teor do mencionado acórdão uniformizador.
52.Isto sem prejuízo de, em face (i) do entendimento que foi sendo professado, durante um largo período de tempo pelos sujeitos passivos de IVA, demais agentes económicos e estaduais e por alguma doutrina, (ii) da falta de unanimidade existente na jurisprudência conhecida em torno desta matéria e (iii) da inação ou atrasos consideráveis na aprovação de ORUs ser imputável aos municípios competentes…
53.… se compreender que a expectativa da Requerente (e dos demais sujeitos passivos) na aplicação da taxa reduzida de IVA, prevista na verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, a empreitadas de reabilitação urbana, realizadas num imóvel localizado em ARU (mas sem ORU aprovada) pudesse ser legitima.
54.E aqui, caso assim se conclua – pela legitimidade da expectativa –, haverá que equacionar se a mesma é ou não merecedora de proteção ao abrigo do princípio da segurança jurídica.
55.Sobre este princípio, há que ter presente que, num outro Acórdão do STA, de 18.05.2022, proferido no processo n.º 01670/15.0BELRS, se decidiu que o “princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático e como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial, sendo que, em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos”.
56.Em particular, e porque está em causa um benefício ou vantagem fiscal conferida pelo legislador (sob a forma de uma taxa de tributação reduzida) aos sujeitos passivos, recorda-se também o pugnado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 309/2018, datado de 07.06.2018, segundo o qual “[a] atividade prévia desempenhada pelo contribuinte para o gozo do benefício fiscal assume, assim, particular relevância na proteção da confiança. Para aproveitar o benefício “oferecido” pelo Estado, o contribuinte realiza antecipadamente investimentos que implicam custos financeiros, e dos quais espera ter retorno. Naturalmente que os contribuintes visam a racionalidade da gestão da sua atividade económica através da minimização dos custos comerciais, industriais, financeiros e fiscais. A sua escolha dependerá dos cálculos do capital a investir e da rentabilidade esperada dos investimentos projetados. Ora, a motivação dessa escolha não pode deixar de levar em consideração o contexto normativo tributário em que os investimentos vão ser realizados”.
57.Ora, no caso dos autos (e, seguramente, em muitos outros casos), os investimentos realizados (e.g. mormente o respetivo custo e rentabilidade) na execução das empreitadas que foram sendo contratualizadas entre a Requerente e os seus clientes tiveram subjacente o pressuposto de que o IVA devido seria liquidado e cobrado à taxa reduzida de 6%.
58.Nesse sentido, em face das conclusões que têm sido alcançadas pelo Tribunal Constitucional em torno do princípio da segurança jurídica e da salvaguarda de direitos adquiridos e/ou legítimas expectativas dos sujeitos passivos, admite-se que o entendimento professado pelo STA no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência acima identificado – e que segue este Tribunal Arbitral – suscite discussões adicionais num plano constitucional.
59.Desde logo, tais discussões poderão implicar que se apure em que medida é que o princípio da segurança jurídica que se encontra subjacente à uniformização de jurisprudência ora imposta pelo STA é suscetível de, proporcional e adequadamente, se compatibilizar com a salvaguarda de direitos adquiridos e/ou legítimas expectativas dos sujeitos passivos.
60.Noutra dimensão, tais discussões poderão, eventualmente (e.g. havendo matéria de facto alegada que o justifique), estender-se à apreciação daquele acórdão uniformizador à luz de outros princípios fundacionais e com relevância no Direito Fiscal, designadamente, o princípio da justiça material, previsto no artigo 5.º, n.º 2, da LGT…
61.…ou as exigências de tipicidade das normas de incidência tributária, ínsitas no princípio da legalidade, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, e igualmente refletido no artigo da LGT atrás mencionado.
62.Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, adere o presente Tribunal Arbitral às conclusões da mencionada jurisprudência que assim foi firmada, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STA proferido no processo n.º 12/24.9BALSB, datado de 26.03.2025, sob evocação do desiderato uniformizador decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, razão pela qual se julga improcedente o vício de erros sobre os pressupostos de facto e de Direito invocado pela Requerente e se declaram legais os atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios aqui contestados.
63.Improcede assim o pedido da Requerente.
VI. DECISÃO
64.Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, e, em consequência, absolver a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, e
b. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.
VII. VALOR DO PROCESSO
65.De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €58.267,32 (cinquenta oito duzentos mil, duzentos e sessenta sete euros e trinta e dois cêntimos) por ter sido esse o valor económico dado à presente ação arbitral e não contestado.
VIII. CUSTAS
66.Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta dois euros), a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de novembro de 2025
O Árbitro
Júlio Tormenta
[1] Oliveira, Fernanda Paula, o IVA na Reabilitação Urbana, in Revista de Direito Administrativo, n.º 17, maio-agosto 2023, pp. 17 a 25.