Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 335/2025-T
Data da decisão: 2025-11-18  IRC  
Valor do pedido: € 1.534.250,00
Tema: IRC. Caducidade do direito de ação. Violação do Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais (OIC não Residentes – Retenções na Fonte – artigos 22.º, n.º 1 a 3 e 10 do EBF e 63.º do TFUE).
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SUMÁRIO

I. A prolação de ato expresso (mesmo que deficientemente notificado) antes da propositura da ação relativamente ao ato tácito ficcionado, inviabiliza a impugnação do ato tácito.

II. É inaplicável à ação arbitral o regime previsto no artigo 58.º do CPTA.

II. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.

III. A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, (acórdão de 17.03.2022).

 

DECISÃO ARBITRAL

            Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Nuno Miguel Morujão e Ana Rita do Livramento Chacim (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18-06-2025, decidem o seguinte:

I- Relatório

 

1.A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão com o NIF ..., com sede em ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, adiante designada por “Requerente”, veio, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia arbitral sobre pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, a anulação do ato tributário de retenção na fonte de IRC por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, e a restituição da quantia de 1.534.250,00 € (um milhão, quinhentos e trinta e quatro mil, duzentos e cinquenta euros), relativa a retenção na fonte de IRC suportada em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2022 e 2023, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 07-04-2025, e automaticamente notificado à AT, em 11-04-2025.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas da designação dos árbitros em 29-05-2025, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 18-06-2025, sendo que ainda nesse dia foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

5. Em 01-09-2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

6. A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese:

a)  A Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, ma1is concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, encontrando-se inscrito junto da Bundesanstal für Finanzdienstleistungaufscicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) ... .

b)  A Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

c)  Nos anos de 2022 e 2023, a Requerente era detentora de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: B..., S.A.

d)  Nos referidos anos, a Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”):

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa Retenção Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

2022

3.420.000,00

28.04.2022

25%

...

855.000,00

2023

2.717.000,00

03.05.2023

25%

...

679.250,00

TOTAL

1.534.250,00

e)  Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2022 e 2023, a quantia total de imposto de 1.534.250,00 €, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

f)   Nos termos do acórdão do TJUE, proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).

g)  Neste sentido, no dia 20.05.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º n.ºs 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 137.º do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.

h)  Todavia, no passado dia 06.01.2025, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável”.

i)   Não pode a Requerente conformar-se com a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida pela AT, não só porque esta se destitui do seu papel decisório, mas também porque, ao ensaiar uma interpretação “conforme ao direito europeu” (a qual, como se verá, não tem qualquer cabimento), acabou por decidir de forma desfavorável aos contribuintes, incorrendo em evidente vício de violação de lei, o que motiva a apresentação do presente pedido arbitral.

j)   No sentido peticionado pela Requerente, vide decisões dos tribunais arbitrais com pronúncia uniforme, designadamente, nos processos n.ºs 528/2019-T, 548/2019-T, 11/2020-T, 68/2020-T, 926/2019-T, 922/2019-T e 32/2021-T. O mesmo entendimento tem sido seguido pelos tribunais arbitrais em todos os processos que se encontravam suspensos a aguardar o veredito do TJUE no processo acima identificado e cuja suspensão foi, entretanto, levantada.

k)  Tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como a Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

l)   Face a tudo o acima exposto é evidente que deveria a reclamação graciosa previamente apresentada pelo ora Requerente ter sido julgada integralmente procedente, por se mostrarem ilegais os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2022 e 2023, por violação do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que motivará a integral procedência do presente pedido arbitral, concluindo-se pela anulação do ato tributário ora sindicado e pelo direito do Requerente à restituição do imposto indevidamente suportado, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.

 

7. A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese: 

 

A) Defesa por exceção: Caducidade do direito de ação:

a)    Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a impugnação contenciosa de atos administrativos anuláveis deve ser intentada no prazo de três meses.

b)    De acordo com o n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, a contagem desse prazo obedece ao regime previsto no artigo 279.º do Código Civil (CC).

c)    O prazo para o órgão competente apreciar e decidir a reclamação graciosa é de 120 dias, contados nos termos do artigo 279.º do Código Civil de acordo com o art.º 20.º do CPPT.

d)    Atenta a circunstância de a reclamação graciosa não ter sido decidida no decurso do prazo legal para a decisão da mesma (120 dias), o facto que ocorreu em primeiro lugar foi indubitavelmente, o indeferimento tácito da reclamação graciosa (21.09.2024).

e)    Para efeitos de impugnação contenciosa, findou em 21.12.2024 tendo o PPA sido apresentado em 03-04-2025.

f)     Ora, a petição inicial nos presentes autos só deu entrada em tribunal depois do términus do prazo, pelo que é manifesto que foi apresentada muito para além do prazo legal previsto no artigo 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA.

 

B) Defesa por impugnação:

 

B.1) Impugnação da matéria de facto

a)     O montante peticionado ascende a € 1.534.250,00, decomposto pelos dividendos distribuídos pela Entidade B..., S.A., por datas, rendimentos, RF e guias:

- 28-04-2022 - € 3.420.000,00 cuja RF foi de € 855.000,00 – Guia nº  ...;

- 03-05-2023 - € 2.717.000,00 cuja RF foi de € 679.250,00 – Guia nº ....

As guias supra identificadas apresentam valores muito superiores ao reclamado, tornando-se impossível a confirmação do pedido.

b)    No que concerne aos comprovativos de pagamento, no processo consta “credit advice” emitido pelo não residente C..., SA, com sede em Paris, declarando que pagou ao D..., e não a Requerente, valores de rendimento e de retenção na fonte muito superiores aos aqui peticionados, não sendo possível estabelecer qualquer conexão.

c)     A Requerente, entidade jurídica de direito alemão, refere ser um OIC, constituído sob a forma contratual e não societária, que se encontra inscrito junto da Bundesanstal fúr Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação ("BaFin-ld”} ..., contudo, não afirma explicitamente que cumpre com os critérios da diretiva 2009/65/EC sendo que o NIF... é diferente do NIF português que consta no ppa e do NIF alemão presente no certificado de residência.

d)    Solicitada informação à Direção de Serviços de Relações Internacionais, no sentido de saber se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos supra referidos, veio aquela Direção de Serviços esclarecer: “Em resposta ao presente pedido de informações, informo que não existe nenhum processo de reembolso instaurado neste Serviço em nome de A..., NIF-PT... .”

 

B.2) Impugnação da matéria de direito

 

B.2.1) As alegadas diferenças de tratamento fiscal encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português:

a)     A Requerente é um sujeito passivo não residente, sem estabelecimento estável, em Portugal.

b)    Sendo a Requerente um organismo de investimento coletivo (OIC) e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.

c)     Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.

d)    Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.

e)     Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.

f)     Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.

g)    No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), "cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável".

h)    Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

i)      Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.

j)      Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.

k)    Aliás, o TFUE refere expressamente que "a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido" [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE]" (cf. se prolatou no Acórdão do STA, n.º 01435/12, de 20/02/2013).

l)      O STA, no âmbito do processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro referiu ainda que, “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (atual artigo 63.º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.

 

B.2.2) Não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores:

a)     Ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.

b)    Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, como se viu, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não se pode afirmar que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

c)     E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.

d)    Em suma: a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.

e)     Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.

 

B.2.3) A AT não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada:

a)     A administração tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT.

b)    A administração tributária tem que aplicar o disposto nos códigos fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com o artigo 2.º, alínea b) da LGT, in casu, as normas constantes do Código do IRC e do EBF acima citadas.

c)     Na verdade, tem a administração tributária que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da União Europeia.

d)    Pois bem, a Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal. 

e)     Mas o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento.

f)     É, assim, arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a resolver casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

g)    Assim, a AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.

 

C) Juros indemnizatórios:

a)     Em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

b)    Nesse sentido, o acórdão do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB):

“Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cf. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cf. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cf. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.

 

8. Por Despacho Arbitral, de 03-09-2025, determinou-se a notificação da Requerente, para exercer o contraditório sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida, no prazo de dez dias, tendo a Requerente juntado requerimento com resposta, em 19-09-2025. 

 

9. Por Despacho Arbitral, de 23-09-2025, analisados os elementos carreados para os autos, considerou-se desnecessária a produção de prova testemunhal, dispensando-se por isso a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cf. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. As partes foram notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de dez dias a partir da notificação do presente despacho.

 

10. No requerimento de contraditório à matéria de exceção pela Requerente, e nas alegações finais, as partes alegaram:

 

10.1 Contraditório à matéria de exceção e alegações finais da Requerente

 

10.1.1) Contraditório à matéria de exceção: Caducidade do direito de ação:

a)     Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT: “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado (…) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

b)    Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. d) e e) do CPPT: 

“1 - A impugnação será apresentada (…) a partir dos factos seguintes: (…)

d) Formação da presunção de indeferimento tácito; 

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código (…)”.

c)     De onde resulta que a impugnação pode ser apresentada no prazo de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito, ou da notificação do ato de indeferimento expresso.

d)    É inequívoco que impugnar o indeferimento expresso (ou o indeferimento tácito) de uma reclamação graciosa é uma opção do contribuinte.

e)     No presente caso, tendo a decisão de indeferimento expresso sido enviada, por carta registada simples, a 02.01.2025 (cf. print retirado do site dos CTT), o Requerente considera-se notificado da referida decisão a 06.01.2025, conforme decorre do artigo 39.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT:  sendo certo que o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, previsto no artigo 10.º do RJAT, terminaria a 06.04.2025 que, por ser dia não útil, remete o término do prazo para 07.04.2025 (cf. alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, ex vi do n.º 2 do artigo 3.º-A do RJAT).

f)     Pelo que, dúvidas não restam que o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado pelo Requerente a 07.04.2025, o que fundamenta a improcedência da exceção invocada pela Requerida, na medida em que o direito de ação do Requerente não havia caducado à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

10.1.2) Alegações finais: a irrelevância da situação fiscal dos investidores:

a)     Afirma a Requerida que “o imposto retido à requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional (…) na esfera dos investidores (…)” (cf. artigo 66.º da Resposta).

b)    “Assim”, continua, “não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário” (cf. artigo 68.º da Resposta).

c)     No que respeita à alusão à situação fiscal dos investidores, refira-se que a presente ação foi intentada pelo Requerente apenas, enquanto sujeito passivo da retenção na fonte de IRC.

d)    Ou seja, os investidores não são partes na presente ação, nem é lícito trazer à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores.

e)     Da mesma forma que o legislador nacional não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes últimos o regime fiscal de isenção previsto no artigo 22.º do EBF.

f)     Com efeito, a discriminação negativa dos OIC não residentes – como é o caso do Requerente – face aos OIC residentes em Portugal para efeitos fiscais é reconhecida pela própria Requerida, ao suscitar alegados pressupostos e/ou indagações quanto aos investidores que participam nos OIC que, desde logo, não resultam da lei, nem a própria Requerida suscitaria se estivessem em causa rendimentos auferidos por OIC residentes em Portugal para efeitos fiscais!

g)    Assim, reitera-se, o objeto do presente processo arbitral prende-se única e exclusivamente com uma retenção na fonte imposta ao Requerente e que, no caso em apreço, se afigura incompatível com as normas de Direito da UE.

h)    Para aferir de uma desconformidade entre o artigo 22.º do EBF e as normas de Direito da UE, não releva a possibilidade de recuperação do imposto por parte dos investidores, até porque a norma legislativa em análise é de aplicação imediata e independente face à posição ou estatuto fiscal de tais investidores.

i)      A discriminação existe, no caso concreto, apenas na esfera jurídica do Requerente, uma vez que este está sujeito a retenção na fonte, ao passo que os OIC residentes em Portugal não estão sujeitos a tal.

j)      O artigo 22.º do EBF não estabelece qualquer ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de fonte nacional recebidos pelos OIC (residentes e não residentes) e a situação fiscal dos seus detentores de participações, nem faz depender a aplicação da isenção de qualquer análise neste sentido.

k)    Assim, a aplicação do benefício previsto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, não está dependente de qualquer prévia aferição de quem são os investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal, ao contrário da construção efetuada e do que pretende fazer crer a Requerida.

l)      Efetivamente, a isenção de que beneficiam os OIC residentes em Portugal não está subordinada à tributação dos rendimentos distribuídos aos detentores de participações nos OIC.

m)   Nestes termos, a situação fiscal dos detentores de participações é totalmente irrelevante para efeitos da definição do regime fiscal aplicável aos OIC quando recebem dividendos de participações sociais em sociedades portuguesas.

n)    Como asseverou o TJUE, “há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem” (cf. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 71).

o)    Perante o exposto, impõe-se concluir que a análise do modo como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante, para efeitos de apreciação do carácter discriminatório da legislação portuguesa aqui em análise e da questão material controvertida, porquanto esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto para (i) os OIC (residentes e não residentes) e (ii) os respetivos detentores de participações nos OIC, o que motivará a procedência da presente ação, em harmonia com a posição expressamente sustentada pelo TJUE sobre a matéria controvertida.

 

10.1.3) Alegações finais: o direito aos Juros indemnizatórios:

a)     A Requerida é de opinião que não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que não há qualquer ilegalidade dos atos de retenção impugnados.

b)    Sucede que, como resulta igualmente de jurisprudência do STA, nomeadamente do acórdão proferido em 08.03.2017, processo n.º 01019/14, “[s]obre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respetivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.)”.

 

De resto, no essencial propugna pelas posições expostas no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

10.2 Alegações finais da Requerida: 

 

Nada acrescenta, face às posições expostas na Resposta.

 

 

II- Saneamento

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Foi suscitada uma questão prévia: a caducidade do direito de ação. A apreciação dessa questão será prévia à apreciação do mérito da causa. 

Finda essa apreciação, estarão reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

III - Fundamentação

 

III.1.1- Matéria de facto

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, não residente e sem estabelecimento estável em território português, com o NIF ..., constituída sob a forma contratual e não societária, encontrando-se inscrito junto da Bundesanstal für Finanzdienstleistungaufscicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) ... – cf. prospeto disponível em linha no seguinte endereço https://www... e certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, relativo aos anos de 2022 e 2023, Doc. n.º 1.

b)      A Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cf. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, relativo aos anos de 2022 e 2023, Doc. n.º 1).

c)      A Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal – cf. Docs. n.ºs 2 e 4 e aceite pela AT no Doc. n.º 6. 

d)      Nos anos de 2022 e 2023 a Requerente era titular de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: B..., S.A. – cf. Docs. n.ºs 2 e 4 e aceite pela AT no Doc. n.º 6.

e)      A Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, nos anos de 2022 e 2023, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”) – cf. Docs. n.ºs 2 e 4 e aceite pela AT no Doc. n.º 6.

f)       Nesses anos, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado – cf. Docs. n.ºs 2 e 4 e aceite pela AT no Doc. n.º 6:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa Retenção Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

2022

3.420.000,00

28.04.2022

25%

...

855.000,00

2023

2.717.000,00

03.05.2023

25%

...

679.250,00

TOTAL

1.534.250,00

g)      Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, a Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2022 e 2023, a quantia total de imposto de 1.534.250,00 €, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral:

- Cópia dos documentos emitidos pela  D..., com o número de ações, valor dos dividendos, data de pagamento e valores de imposto suportado em Portugal, e que comprovam ainda que o Requerente é o beneficiário dos rendimentos (cf. Doc. n.º 2);

- Cópia das declarações (vouchers) emitidas pelo C..., atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos à Requerente e imposto retido na fonte em Portugal (conforme declarado na respetiva Modelo 30), bem como os números das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária e Cópia do documento emitido pelo E..., correspondente a tabela-síntese da informação contida nos dois documentos referidos nos pontos anteriores (cf. Doc. n.º 3 e 4);

- Decisão da reclamação graciosa na qual a AT confirma, no ponto IV.2, que “[c]onsultada a declaração modelo 30 (declaração de rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes), verifica-se que foi declarada pelos substitutos tributários a distribuição de rendimentos à reclamante no montante global de € € 6.137.000,00, com o montante de imposto retido à taxa de 25% de € 1.534.250,00, valor coincidente com o invocado e documentos apresentados”. 

h)      No dia 20.05.2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa (n.º ...2024...) para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cf. Doc. n.º 5).

i)       No dia 06.01.2025 (carta registada de 02.01), a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa (cf. Doc. n.º 6), concluindo que:

“(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável” (cf. § V.7 da decisão final de indeferimento).

“(…) no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal. 

V.10 Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

V.11 Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC’s não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

V.12 Ora, no caso em apreço, conforme informado, a reclamante não é residente fiscal e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.” 

(vide § V.9 a V.12 da decisão final de indeferimento, cf. Doc. n.º 6).

j)       O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pela Requerente em 07.04.2025.

 

III.1.2- Factos não provados

Inexistem factos que se considerem não provados, com relevo para a boa decisão deste pleito.

 

III.1.3- Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, o PPA e a Resposta junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Interessa notar neste âmbito, quanto ao factos controvertidos pela AT o seguinte:

- Sobre a natureza de Organismo de Investimento Coletivo e a sua observância da Diretiva 2009/65/CE, a mesma pode ser constatada em linha na página da internet da F..., nomeadamente na área dos fundos de investimento específicos (https://www...), que contém a informação e requisitos aplicáveis ao fundo, bem como foi confirmada a sua inscrição, por consulta em linha, na página da entidade reguladora de supervisão financeira alemã “BaFin” (Bundesanstalt für Finanzdienstleistungausfsicht) https://portal.mvp.bafin.de/database/FondsInfo/sucheFonds.do, sob o número de identificação ... . Esta informação foi prestada pela Requerente em fase de direito de audição do projeto de decisão da reclamação graciosa. 

- Sobre os valores de retenção na fonte pagos, é a própria Requerida que os confirma na decisão da reclamação graciosa (ponto IV.2), pelo que não se compreende que venha na ação arbitral alegar ser “impossível” confirmar os valores. 

- Em relação à conexão dos valores de retenção na fonte com a Requerente, basta seguir o trato sucessivo dos documentos emitidos pelo D...  e pelo C..., sendo este último identificado como o agente pagador e de retenção na fonte (PT witholding agent) do primeiro, como referem os documentos. Acresce que o D... identifica a Requerente como o beneficiário efetivo (“beneficial owner”) dos dividendos da B... aqui em causa, nos anos 2022 e 2023 (Doc. n.º 2).

- Por fim, em relação à alegada existência de 2 números de contribuinte distintos, não se alcança a razão ou fonte da sua invocação pela AT, sendo que o número adicional que invoca nem sequer tem os 9 dígitos necessários para ser considerado um NIF.

 

 

III.2- Matéria de Direito

 

III.2.1- Questão prévia: a caducidade do direito de ação

 

Na sua resposta, a AT sustenta ter caducado o direito de ação da Requerente, tomando por referência o presumido indeferimento tácito (21.09.2024) da reclamação graciosa. Já a Requerente, conclui que a ação é tempestiva, mas assumindo por referência a data do indeferimento expresso (06.01.2025).

 

Vejamos.

 

No dia 20.05.2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa, e considerando o prazo para decidir de 120 dias (cf. artigo 20.º CPPT e 279.º do Código Civil), o indeferimento tácito da reclamação graciosa ocorreu em 21.09.2024. A decisão expressa veio a existir, mas em data posterior.

 

Seja qual for a referência do início de contagem de prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir do indeferimento tácito ou expresso (cf. n.º 1 al. e) e n.º 2 do artigo 102.º do CPPT).

 

Pelo que, a controvérsia reside em saber qual o momento que deve ser tido como referência para início de contagem do prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral.

 

A jurisprudência mais recente do STA[1] permite concluir que o sustentado pela AT é, neste caso, inviável. Com efeito, nos termos dessa jurisprudência (proc. 047055, de 6-3-2001, relator: João Belchior), tem-se considerado que: 

 

“I - O acto tácito constitui uma ficção legal, com finalidades exclusivamente adjectivas com vista a garantir aos administrados, face a conduta inerte da Administração, a via administrativa ou contenciosa.

II - Por isso, a mera prolação de acto expresso de indeferimento (mesmo que não notificada ou deficientemente notificada) inviabiliza, só por si, a formação de indeferimento tácito.

III - A notificação não faz parte do acto, sendo ulterior à sua prática, não passando de mero requisito da sua eficácia.

IV - Assim a emissão de acto expresso (embora proferido depois de ter decorrido o prazo de formação de acto tácito fixado pelo n.º 1 do art. 175°. do C.P.A.), antes da interposição do recurso contencioso relativo ao acto tácito, e mesmo que tal acto não tenha sido notificado ao interessado, retira objecto ao recurso contencioso por ocorrer impossibilidade o que leva à sua rejeição, nos termos do art.º 57° § 4°., do R.S.T.A”.

 

Em processo distinto, o STA (cf. acórdão STA, de 27-2-2002, proc. 047932, Jorge de Sousa) considerou que:

 

“I - Um acto expresso de indeferimento fundamentado em nenhuma circunstância é susceptível de ser configurado como meramente confirmativo de indeferimento tácito anterior, sobre a mesma pretensão, pois falta entre ambos a identidade de fundamentação necessária para a existência de uma relação de confirmatividade.

II - Assim, mesmo que se entenda que do art. 60.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro (em que se usa uma fórmula idêntica à do art. 108.º e não à do art. 109.º do C.P.A.), resulta que a falta de pronúncia, no prazo de seis meses, sobre um pedido de funcionamento de um curso forma um acto tácito de indeferimento e não uma presunção de indeferimento, está afastada a possibilidade de ser confirmativo daquele um posterior acto expresso de indeferimento, com fundamentação”.

 

Nestes termos, não será opção do contribuinte a escolha quanto ao ato tributário de indeferimento (tácito ou expresso) que pretende impugnar. A prolação de ato expresso antes da interposição do recurso contencioso relativo ao ato tácito (mesmo que deficientemente notificado), inviabilizará a impugnação do ato tributário tácito.

 

Assim, no presente caso, tendo a decisão de indeferimento expresso sido enviada, por carta registada simples, a 02.01.2025 (cf. print retirado do site dos CTT), o Requerente considera-se notificado da referida decisão a 06.01.2025, conforme decorre do artigo 39.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT:  sendo certo que o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, previsto no artigo 10.º do RJAT, terminaria a 06.04.2025 que, por ser dia não útil, remete o término do prazo para 07.04.2025[2].

 

Pelo que, o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado pela Requerente a 07.04.2025, concluindo-se pela improcedência da exceção invocada pela Requerida, estando reunidas as condições para a apreciação da questão de mérito.

 

Mais se diga, que o regime de contagem de prazos invocado pela AT é totalmente inaplicável às ações de impugnação de atos tributários e à ação arbitral. A Requerida apela ao disposto no artigo 58.º do CPTA, que diz respeito à impugnação de atos administrativos, no âmbito da ação administrativa. Regime, de acordo com o qual, a reclamação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, mas só até ao decurso do prazo legal para a respetiva decisão (v. artigo 59.º, n.º 4 do CPTA). 

Esta disciplina não é aplicável ao processo de impugnação judicial, nem à ação arbitral, que têm a sua regulação própria na LGT, no CPPT e no RJAT. 

 

Assim, na situação vertente, nem a suspensão do prazo para impugnar tem a condicionante da ação administrativa (que está restringida ao decurso do prazo legal para a decisão, findo o qual se retoma a contagem do prazo de caducidade da ação), pois o prazo para reagir contenciosamente só começa a contar, segundo o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, da notificação dos atos (alínea e))[3], nem os prazos para impugnar são iguais, pois o RJAT, no seu artigo 10.º, n.º 1 prevê o prazo de 90 dias.  

 

 

III.2.2- Impugnação: Violação do princípio do primado da liberdade de circulação de capitais, do Direito da União Europeia (artigo 63.º do TFUE), face ao regime jurídico aplicável

 

No essencial, cumpre verificar se assiste razão à Requerente quando alega a existência de uma discriminação, violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, dados os regimes de tributação diferenciados que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC’s constituídos e residindo noutro Estado.

 

Seguindo de perto as decisões do Tribunal Arbitral do CAAD constantes dos processos nº 125/2025-T, 61/2025-T, 42/2025-T, 1301/2024-T e 1357/2024-T (presididos por Alexandra Coelho Martins), bem como 60/2024-T, 447/2024, 620/2024-T e 709/2024-T (presididos por Rui Duarte Morais), entre outros acórdãos no mesmo sentido, é de salientar que esta questão foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o qual versou sobre uma situação factual idêntica às dos presentes autos, suscitada por Tribunal constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo.

 

O problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia recente do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.

 

Verifica-se, o total paralelismo da decisão com a situação sob exame, o que justifica a aplicação da conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado, no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de  retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Com efeito, à semelhança da situação analisada no processo de reenvio prejudicial C-545/19, a Requerente:

a)     é um OIC constituído ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro com observância do disposto na Diretiva 2009/65/CE;

b)    é gerido por uma entidade gestora com sede nesse outro Estado-Membro;

c)     não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional; e

d)    foi sujeito a tributação por retenção na fonte sobre dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal, nas quais era detentor de participações sociais.

 

Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no aresto em referência, a situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.

 

Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último) exemplo de uma jurisprudência, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[4]:

 

“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

 

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63. ° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida)”.

 

Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Muito embora este tribunal não esteja obrigado a considerar todos e cada um dos argumentos expendidos pelas partes, mas apenas a apreciar os vícios invocados, remete-se para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.

 

Pelo que a este tribunal arbitral nada mais resta que cumprir com o ditame do TJUE. 

 

Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cf. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).

 

Há que frisar ser irrelevante o facto de o acórdão do TJUE no qual, desde logo por obrigação legal, nos louvamos, ter versado sobre uma situação de um OIC de direito luxemburguês, com residência fiscal nesse país e, no caso sub judice, estar em causa um OIC de direito alemão, com residência na Alemanha. Como consta do excerto atrás transcrito, o TJUE foi claro em afirmar estar em causa uma ofensa à liberdade de circulação de capitais. Ora o artigo 63.º, n.º 1 do TFUE é claro em proibir “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cf. entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).

 

Aliás, não só os tribunais, mas todos os destinatários, incluindo a Administração Pública, que deverá desaplicar o direito interno sempre que contrário ao direito da União Europeia, nos termos do primado da União Europeia. Neste sentido, veja-se, entre outras, a decisão proferida pelo TJUE no âmbito do processo C-628/15, onde se pode ler (n.º 54):

 

“(…) há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34)”.

 

No plano interno, importa ainda referir o acórdão do STA n.º 7/2024, de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 93/19.7BALSB - Pleno da 2.ª Secção), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia:

 

“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

 

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

 

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.

 

Finalmente, reclama a AT que a Requerente não demonstra, em concreto, que seja prejudicada fiscalmente por efeito da distribuição de dividendos.

 

E assim é, com efeito, a Requerente não demonstra quantitativamente, qual a tributação que suportou, afinal, e qual a tributação que suportaria, em caso de ser OIC residente. Mas nem por isso a jurisprudência antes exposta deixa de ser aplicável, já que, em qualquer caso, o fundamento da liquidação contraria o Direito da União Europeia, e assim, a liquidação é ilegal.

 

 

III.2.3- Juros indemnizatórios

 

A liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf. neste sentido, além da jurisprudência do CAAD antes mencionada, entre outros, a decisão arbitral proferida no processo n.º 114/2022-T e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo n.º 01273/08.6BELRS, relator: Anabela Russo).

 

Só que, porque num primeiro momento o erro apenas pode ser imputável ao substituto (e não à AT), há que observar o decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 093/21.7BALSB, de 29/6/2022, relator: Joaquim Condesso: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3, da LGT.

 

 

IV- Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1) Anular, por ilegais, as liquidações (retenções na fonte, a título definitivo) e o ato tributário de indeferimento da Reclamação Graciosa antecedente, que incidiram sobre os dividendos auferidos pela Requerente, em 28-4-2022 e 3-5-2023, no montante total de 1.534.250,00 € (um milhão, quinhentos e trinta e quatro mil, duzentos e cinquenta euros) de IRC.

2) Condenar a Requerida, para além da devolução do imposto indevidamente pago, a pagar à Requerente juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais, contados desde o dia seguinte ao indeferimento expresso, da reclamação graciosa.

3) Condenar a AT ao pagamento das custas processuais.

 

 

V- Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.534.250,00 € (um milhão, quinhentos e trinta e quatro mil, duzentos e cinquenta euros).

 

VI- Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 20.502,00 € (vinte mil, quinhentos e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de novembro de 2025.

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins (presidente)

 

 

 

Nuno M. Morujão (vogal, relator).

 

 

Ana Rita do Livramento Chacim (vogal)

 



[1] Pese embora o acórdão do STA (proc. 010210, de 3-2-1977, relator: Almeida Simões), segundo o qual: “Não e susceptivel de recurso contencioso o despacho expresso de indeferimento depois de formado o indeferimento tacito nos termos do artigo 53 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo”.

 

[2] Cf. alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, ex vi do n.º 2 do artigo 3.º-A do RJAT. Na contagem dos prazos para entrega do pedido de constituição do tribunal arbitral não se inclui o dia em que ocorre o evento, a partir do qual o prazo começa a correr, de forma contínua, e caso termine a um domingo (como neste caso), transfere-se para o primeiro dia útil, cf. Trindade, C. C., Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 263.

[3] Ou seja, na prática, o prazo para reagir contenciosamente está suspenso enquanto não for proferida a decisão do procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), independentemente de a AT proferir e notificar essa decisão dentro do prazo legal (que é de 4 meses). 

[4] Uma referência ao facto de o STA (proc. 093/19, de 28/09/2023, relator: Joaquim Condesso) ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao decidido pelo TJUE.