Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 511/2014-T
Data da decisão: 2015-01-20  Selo  
Valor do pedido: € 36.465,10
Tema: IS – verba 28 da TGIS – Terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 511/2014 – T

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Setembro de 2014, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    “A”, Lda. (doravante designada por “Requerente”), Pessoa Colectiva nº …, com sede na Avenida …, nº…, …, em Oeiras, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 23 de Julho de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral “julgue a presente impugnação provada e procedente e, em consequência, sejam julgados nulos ou anulados os actos de liquidação impugnados, com as legais consequências, devendo a Autoridade Tributária e Aduaneira ser condenada ao reembolso das quantias pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo relativo aos prédios identificados, devolvendo à Requerente a quantia de EUR 36.465,10, acrescida de juros indemnizatórios”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 25 de Julho de 2014 e notificado à Requerida, em 28 de Julho de 2014.

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

1.5.    Em 12 de Setembro de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29 de Setembro de 2014, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

1.7.    Em 3 de Novembro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que:

 

1.7.1.     “(…) a previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) não consubstancia violação de qualquer comando constitucional”.

1.7.2.     A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel”.

1.7.3.     “Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”.

1.7.4.     “A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

1.7.5.     “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a
EUR 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.

1.7.6.     “Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”.

1.7.7.     “O que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00”.

1.7.8.     Por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da Constituição da República Portuguesa (CRP) ou do Código do Imposto do Selo, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.

 

1.8.       Nestes termos, conclui a Requerida pedindo que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

1.9.       Na mesma data, a Requerida apresentou também requerimento no sentido de solicitar a dispensa da primeira reunião arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT, o qual tendo sido notificado à Requerente, obteve a sua concordância em 7 de Novembro de 2014.

 

1.10.   Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 6 de Novembro de 2014, foi notificada a Requerente e a Requerida para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente”.

1.11.   Foi ainda designado, no despacho referido no ponto anterior, o dia 26 de Janeiro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a fazer com data de 23 de Janeiro de 2015).

1.12.   Em 18 de Novembro de 2014, a Requerente apresentou alegações escritas no sentido de reiterar “que a matéria de facto e de direito constantes dos autos evidenciam a razão que assiste à Requerente (…) confiando integralmente na prudente apreciação e julgamento do mérito da causa (…)”.

1.13.   Concluindo como no pedido de pronúncia arbitral no sentido de que “deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser julgando nulo ou anulado o ato de liquidação de Imposto de Selo verba 28, incidente sobre os artigos urbanos …, … e … (…) referente ao ano de 2013, no montante global de EUR 36.465.10, condenando-se a Administração Tributária a devolver à Impugnante a quantia acrescida de juros indemnizatórios".

1.14.   Na mesma data, foi proferido despacho arbitral para notificar a Requerida da apresentação de alegações pela Requerente, de modo a que aquela pudesse dar cumprimento do teor do despacho arbitral de 6 de Novembro de 2014 (vide ponto 1.10., supra).

1.15.   A Requerida não apresentou alegações, apesar de atempadamente notificada para o fazer (vide ponto 1.10. e 1.14., supra).

 

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    “A ora Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de bens imóveis, à realização de urbanizações, à construção de edifícios e compra para revenda de bens imóveis adquiridos para esse fim”.

 

2.2.    “A Requerente é proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos urbanos …, … e …, da União de freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias”.

 

2.3.    “Tais prédios urbanos são lotes de terreno para construção, (…) e correspondem aos Lotes nº 2, 3 e 4 criados pelo alvará de loteamento nº …, emitido em … de abril de 2004, pela Senhora Presidente da Camara Municipal de Oeiras”.

 

2.4.    “De acordo com o mesmo alvará de loteamento, as edificações previstas para os citados lotes de terreno implicariam a criação, entre outros, dos seguintes fogos (unidades prediais suscetíveis de utilização independente):

 

2.4.1.     Lote 2 - 27 fogos;

2.4.2.     Lote 3 - 26 fogos;

2.4.3.     Lote 4 - 23 fogos”.

 

2.5.    “Em 11 de outubro de 2004 e em 10 de março de 2005, o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra peticionou a declaração de nulidade da licença de loteamento titulada pelo citado alvará[1] (…) e dos licenciamentos de construção emitidos com base nesse alvará” tendo, “em resultado de tal facto, ficado suspensos, por determinação legal e judicial, todos os efeitos da licença de loteamento (…) impossibilitando a realização de quaisquer obras no prédio (…) durante os anos subsequentes, incluindo o ano de 2013”.

 

2.6.    “Em Março de 2014, a Requerente foi notificada:

 

2.6.1.     (…) através do Ofício 2014.., datado de 18.03.2014, da liquidação de Imposto do Selo (verba nº 28) relativa ao ano de 2013, respeitante ao” artigo matricial urbano nº …, no montante de
EUR 12.221,51;

2.6.2.     “(…) através do Ofício 2014…, datado de 18.03.2014, da liquidação de Imposto do Selo (verba nº 28) relativa ao ano de 2013, respeitante ao” artigo matricial urbano nº …, no montante de
EUR 13.026,21;

 

2.6.3.     “(…) através do Ofício 2014…, datado de 18.03.2014, da liquidação de Imposto do Selo (verba nº 28) relativa ao ano de 2013, respeitante ao” artigo matricial urbano nº …, no montante de
EUR 11.217,26;

 

2.7.    A Requerente pagou os montantes relativos às primeiras prestações do imposto liquidado dentro do prazo (ou seja, a 29 de Abril de 2014).

 

2.8.    Contudo, entende a Requerente que “as liquidações de Imposto do Selo em crise são manifestamente ilegais (…)” dado que “o prédio da ora Requerente não se encontra sujeito ao imposto de selo previsto na verba 28 da Tabela Geral do CIS, já que os lotes de terreno afetos a construção não se encontram abrangidos na base de incidência da nova verba do IS (…)”.

 

2.9.    Com efeito, segundo a Requerente, “um terreno para construção não é, claramente, um prédio urbano com uma afetação habitacional, desde logo, pelo simples e evidente facto de que não se mostra habitável, não sendo apto para qualquer outra afetação que não seja a construção”.

 

2.10.  Na verdade, prossegue a Requerente, “o artigo 6º do Código do IMI, no seu nº 1, enuncia as espécies de prédios urbanos existentes, dividindo-os em (i) habitacionais, (ii) comerciais, industriais ou para serviços, (iii) terrenos para construção e (iv) outros”.

 

2.11.  “Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo determina que os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins, distinguindo-os assim muito claramente dos terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou construção” (sublinhado nosso).

 

2.12.  “De acordo com o Código do IMI, os prédios urbanos são classificados quanto à espécie por referência ao critérios da sua utilização”, não existindo “razões para crer que o legislador pretendesse desconsiderar a distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção operada para efeitos de IMI, tanto mais que o regime previsto para este novo imposto sobre o património é instituído à imagem e semelhança do IMI e exige especifica e explicitamente a afetação habitacional" (sublinhado nosso).

 

2.13.  Com efeito, “o legislador pretendeu, consciente e deliberadamente, instituir uma base de incidência apenas e só para prédios habitacionais, como o confirma o elemento histórico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada”.

 

2.14.  Segundo a Requerente, “no caso presente, não existe garantia alguma de que os terrenos em causa se venham a destinar à construção de edifícios com as características urbanísticas que o alvará de loteamento em causa titula (…) (sublinhado nosso).

 

2.15.  E, “mesmo que se devesse atender (…) à área máxima de habitação que é possível construir (…), sempre haveria de considerar-se que (…) quando e se vier a concretizar-se a afectação habitacional o que existirá então não será já um prédio urbano com valor patrimonial superior a EUR 1.000.000,00, mas sim uma pluralidade de prédios urbanos de valor patrimonial tributário inferior a
EUR 1.000.000,00
, pois cada um dos fogos gerará um matriz predial
” (sublinhado nosso)

 

2.16.  “Em qualquer caso, cabe notar que (…) o lote de construção em apreço prevê igualmente ocupação de comércio, serviços e estacionamentos, áreas essas que em caso algum poderiam ser computadas para apurar a afectação habitacional para efeitos do imposto em referência”.

 

2.17.  Não obstante, “a Lei do Orçamento do Estado para 2014 procedeu a uma alteração à TGIS, concretamente à verba 28.1, introduzindo expressamente na redação da norma a previsão dos terrenos para construção destinados à habitação” (…) o que evidencia que até tal alteração não havia efetivamente norma de incidência que permitisse a sua cobrança” (sublinhado nosso).

 

2.18.  Tendo em consideração o facto desta alteração ter entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2014, “só podendo aplicar-se aos impostos devidos a partir de tal data (…) o ato de liquidação e cobrança em referência, (…) referente ao ano de 2013 (…) é manifestamente ilegal (…) pelo que deverá ser declarado nulo ou anulado com as legais consequências”.

 

2.19.  Assim, conclui a Requerente, “tendo durante o ano de 2014 pago (…) a quantia global de EUR 36.465,10 a coberto dos citados atos de liquidação ilegais, deve tal Autoridade ser condenada a restituir tais quantias à Requerente (…) havendo lugar a juros indemnizatórios (…) desde a data dos respectivos pagamentos até ao integral reembolso dos montantes pagos (…)” (sublinhado nosso).

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e invocando os seguintes argumentos:

 

3.2.    “É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai cada uma das liquidações impugnadas, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por consubstanciarem correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12” (sublinhado nosso).

 

3.3.    Com efeito, segundo a Requerida, “a Lei nº 55-A/2012, de 29/10/2012 veio (…) aditar à TGIS a verba 28 e, com esta alteração legislativa, o Imposto do Selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.4.    “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional (…) há que recorrer ao Código do IMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a Imposto do Selo (…)” aplicando-se “(…) subsidiariamente o disposto no Código do IMI”.

 

3.5.    “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

 

3.6.    Ainda segundo a Requerida, “o legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1, alínea a) do Código do IMI”.

 

3.7.    Por outro lado, entende a Requerida que “os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…)” pelo que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

 

3.8.    “Relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a CRP, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante” pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” (sublinhado nosso).

 

3.9.    Na verdade, segundo a Requerida, “a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes (…), encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”.

 

 

3.10.  Assim, conclui a Requerida que “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do Código do Imposto do Selo, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.2.1.     A Requerente é proprietária dos seguintes prédios urbanos:

 

5.2.1.1.       Terreno para construção, inscrito na matriz sob o nº … da União de freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, cujo Valor Patrimonial Tributável (VPT) ascende a EUR 1.222.153,49 (conforme documento nº 1 anexado com o pedido);

5.2.1.2.       Terreno para construção, inscrito na matriz sob o nº … da União de freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, cujo VPT ascende a EUR 1.302.630,66 (conforme documento nº 2 anexado com o pedido);

5.2.1.3.       Terreno para construção, inscrito na matriz sob o nº … da União de freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, cujo VPT ascende a EUR 1.121.726,05 (conforme documento nº 3 anexado com o pedido).

 

5.2.2.     A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de Imposto do Selo, datadas de 18 de Março de 2014, cuja data limite do pagamento era “Abril/2013” (1ª prestação):

 

Nº LIQUIDAÇAO

ARTIGO MATRICIAL

VPT

COLECTA

1ª PRESTAÇÃO

DOC. ANEXOS AO PEDIDO

2014 …

1.222.153,49

12.221,53

4.073,85

1

2014…

1.302.630,66

13.026,31

4.343,11

2

2014…

1.121.726,05

11.217,26

3.739,10

3

 

 

5.2.3.     A Requerente efectuou o pagamento das primeiras prestações relativas ao imposto acima evidenciado em 29 de Abril de 2014 (conforme documentos nº 1, 2 e 3 anexados com o pedido).

 

5.2.4.     Não foi obtida evidência de cópia dos Ofícios relativos às liquidações do Imposto do Selo objecto do pedido (artigo 10º, 11º e 12º do pedido), sem que este facto tenha qualquer impacto para o conhecimento do mérito da causa, tendo em consideração as cópias que foram anexadas ao pedido, relativas ao pagamento das primeiras prestações do imposto (documentos nº 1, 2 e 3).

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não foi obtida evidência das Cadernetas Prediais relativas aos imóveis objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral, nem do Alvará de Loteamento nº …, de … de Abril (que é referido nos artigo 4º e 5º do pedido), nem foi obtida evidência dos factos alegados pela Requerente nos artigos 6º e 7º do Pedido, relativamente à “declaração de nulidade da licença de loteamento titulada pelo citado Alvará”.

 

5.6.    Não foi obtida evidência se a Requerente efectuou o pagamento das segunda e terceira prestações respeitantes às liquidações de Imposto do Selo objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral e, caso o tenha feito, se esse pagamento foi efectuado dentro do prazo, tendo em consideração que é requerida, na conclusão daquele pedido, a anulação dos “(…) actos de liquidação impugnados, com as legais consequências”, devendo “a Autoridade Tributária ser condenada ao reembolso das quantias pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo (…) acrescida de juros indemnizatórios”.

 

5.7.    Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro, nomeadamente, saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional, de modo a determinar se as liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral enfermam de vício de violação daquela verba nº 28.1., por erro sobre os pressupostos de direito, o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

6.2.    Por outro lado, tendo em consideração o disposto na Lei do Orçamento do Estado para 2014, em matéria de alterações introduzidas em sede da verba 28.1. da TGIS (com a introdução expressa na redação da norma da previsão “terrenos para construção destinados à habitação”), é necessário analisar se tais alterações ao texto da lei serão de aplicar às liquidações de Imposto do Selo objecto destes autos.

 

6.3.    A resposta a estas questões impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP.

 

Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)

 

6.4.    A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 – (…)".

 

6.5.    Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).

 

6.6.    Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.7.    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.8.    Ainda de acordo com o nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.9.    Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

 

6.10.  Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção[nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).

 

6.11.  Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

 

6.12.  Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.

 

6.13.  Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional” com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”

 

6.14.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).

 

6.15.  Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [2].

 

6.16.  Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso).

 

6.17.  “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim[3].

 

6.18.  A entender-se que a expressão “prédio com afectação habitacional” coincide com o de “prédios habitacionais”, é manifesto que as liquidações em análise enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo, ao abrigo da referida verba n.º 28.1., são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção exigidos para se preencher aquele conceito de “prédios habitacionais” (sublinhado nosso).

 

6.19.  Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão, de facto, ilegais, por não haver, em qualquer dos terrenos, qualquer edifício ou construção.

 

6.20.  No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

6.21.  Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[4]

 

6.22.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[5], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.23.  Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).

 

6.24.  Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:

 

6.24.1.   “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental
”.

6.24.2.   “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.

6.24.3.   “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

6.24.4.   “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).

6.25.  Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).

 

6.26.  Por ser demasiado ampla, esta enunciação dos motivos subjacente à adopção das medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.

 

6.27.  E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[6], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[7]

 

6.28.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.29.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção”.

 

6.30.  Na verdade, a titularidade de imóveis por uma sociedade imobiliária que detém na sua esfera terrenos para construção que se destinam a realizar o seu objecto social e a desenvolver, nomeadamente, a actividade de promoção imobiliária, não representarão um património de luxo e muito menos uma capacidade contributiva excepcional, sendo que esses terrenos não são considerados bens de luxo mas antes bens de investimento afectos às operações de promoção imobiliária desenvolvida pela sociedade.

 

6.31.  Deste modo, a titularidade destes imóveis não evidenciará, por si só, uma capacidade contributiva superior à média, de modo a legitimar um “imposto solidário” como é o caso do Imposto do Selo da verba 28.1. da TGIS, conforme acima já foi amplamente referido.

 

6.32.  Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.

 

6.33.  Assim, face ao acima exposto, e em resposta à primeira das questões acima colocadas (vide ponto 6.1.), conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS na redacção prevista pela Lei nº 55-A/2012 sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente.

 

Da alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014

 

6.34.  Como acima já foi analisado, o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

6.35.  Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[8] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI [9].

 

6.36.  Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013)”, como é o caso das liquidações respeitantes ao ano de 2013 que estão em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [10].

 

6.37.  Ora, quanto a estas liquidações, não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014) (sublinhado nosso).

 

6.38.  Neste âmbito, da letra da lei não decorre nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).

 

6.39.  E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.

 

6.40.  Tal esclarecimento terá, porém, surgido aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros[11].

 

6.41.  Assim, do disposto no ponto anterior pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades.

 

6.42.  Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.

 

6.43.  Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.

 

6.44.  Pode assim concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [12].

 

Princípio da não retroactividade da lei fiscal

 

6.45.  No que diz respeito à questão da aplicabilidade às liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2013, das alterações introduzidas em sede de verba 28.1. pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (com a introdução expressa na redação da norma da previsão “terrenos para construção destinados à habitação”) será necessário analisar a questão do princípio da não retroactividade da lei fiscal, constitucionalmente previsto.

 

6.46.  De acordo com o disposto no artigo 103º da CRP:

 

6.46.1.   “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

6.46.2.   Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

6.46.3.   Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei” (sublinhado nosso).

 

6.47.  Consagrando o artigo 103º, nº 3, da CRP a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal (abrangendo os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga), não é possível permitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a liquidações de Imposto do Selo que digam respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior, verificando-se assim uma situação de retroatividade autêntica proibida pelo artigo 103º, nº 3 da Constituição (sublinhado nosso)[13].

 

6.48.  Ora, de acordo com o disposto no regime previsto para a liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1., refere o artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, na redacção que deu ao artigo 23º, nº 7 do Código do Imposto do Selo, que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI”.

 

 

6.49.  Ou seja, “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” sendo esta liquidação “efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte[14].

 

6.50.  Nestes termos, facilmente se compreende que a redação da verba 28.1. da TGIS, em vigor de 1 de Janeiro de 2014, não pode ser aplicável a liquidações efectuadas com respeito ao ano de 2013, porquanto, face ao acima exposto, o facto tributário que ocorre a 31 de Dezembro de 2013 é anterior à entrada em vigor dessa nova redacção.

 

6.51.  Nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos” (sublinhado nosso).

 

6.52.  Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadamente nos Acórdãos (AC) nº 128/2009, de 12 de Março e nº 85/2010, de 3 de Março, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103º, nº 3, CRP é somente a autêntica.

 

6.53.  Com efeito, de acordo com o defendido no AC TC nº 128/2009, “decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável[15] (sublinhado nosso).

 

6.54.  Nestes termos, face ao acima exposto, quer quanto ao facto de os “terrenos para construção” não poderem ser considerados como “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (vide ponto 6.14 a ponto 6.33, supra), quer quanto á impossibilidade de a redação da verba 28.1. da TGIS, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2014, não poder ser aplicável a liquidações efectuadas com respeito ao ano de 2013, dado que o facto tributário ocorre a 31 de Dezembro de 2013 (sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção daquela verba 28.1. da TGIS) (vide ponto 6.34 a ponto 6.53, supra), conclui-se pela ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto destes autos.

 

Do pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

 

6.55.  Por último, e quanto ao pedido apresentado pela Requerente de “reembolso das quantias pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo relativo aos prédios identificados (…), devolvendo a quantia de EUR 36.465,10, acrescida de juros indemnizatórios”, calculados “(…) desde a data dos respectivos pagamentos até ao integral reembolso dos montantes pagos”, é importante referir que, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito[16] (sublinhado nosso).

 

6.56.  Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

 

6.57.  Na situação em análise, e na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados terá de haver lugar, por força das normas anteriormente referidas, ao reembolso dos montantes eventualmente já pagos pela Requerente, a título do imposto suportado, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.58.  Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, afigura-se que, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente às liquidações de Imposto do Selo datadas de 18 de Março de 2014 (e referentes ao ano de 2013), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT (acima já referido), ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.    Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for [artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].

 

7.3.    No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.

 

7.4.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, datadas de 18 de Março de 2014 (respeitantes ao ano de 2013), e identificadas neste processo,
anulando-se, em consequência, os respectivos actos tributários;

7.4.2.     Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.4.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 36.465,10.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

Notifique-se-

 

Lisboa, 26 de Janeiro de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] De acordo com a informação prestada pela Requerente na petição, cfr. Procs nº …/04, OBESNT e …/05.11BESNT.

[2] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.

[3] Vide CAAD Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[4] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[5] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[6] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[7] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).

[8] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

[9] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.

[10] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.

[11] Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32).

[12] Vide AC STA 048/14, de 9 de Abril, AC STA 0272/14, de 23 de Abril, AC STA 0505/14, de 29 de Outubro e AC STA 0740/14, de 10 de Setembro.

[13] Vide AC TC 128/2009, de 12 de Março, referido no AC STA 01375/12, de 14 de Fevereiro de 2013.

[14] Conforme disposto no artigo 113º, nº 1 e 2 do Código do IMI.

[15] Na doutrina, e defendendo a retroactividade autêntica e não a imprópria ou "inautêntica" veja-se V. Casalta Nabais, Direito Fiscal, p. 147; Rui Guerra da Fonseca, Comentário à Constituição Portuguesa, II volume, coordenação de Paulo Otero, pp. 872 e segs., Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, p. 145 e segs.).

Em sentido contrário, veja-se V. Paz Ferreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo II, Coimbra, 2006, p. 223, seguindo a posição de Diogo e Mónica Leite de Campos e Jorge Bacelar Gouveia.

[16] Neste sentido, vide Decisão Arbitral 27/2013-T, de 10 de Setembro, a propósito do “reembolso do montante total pago e juros indemnizatórios”.