SUMÁRIO:
I. Nos termos do artigo 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IVA, a afectação de um bem imóvel a actividades sujeitas mas isentas de IVA (sem direito à dedução), em relação ao qual houve inicialmente lugar à dedução do imposto suportado com a aquisição de serviços de construção civil, obriga à regularização desse IVA anteriormente deduzido.
II. A regularização do IVA deve ser efectuada à mesma taxa aplicada no momento da dedução inicial do imposto, de modo a reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a dedução considerada indevida, não sendo admissível a aplicação a posteriori de uma taxa de imposto distinta.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (Presidente), Luís Menezes Leitão e Marisa Isabel Almeida Araújo (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... LDA., com número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., em ...(“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e artigos 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2024..., de juros compensatórios n.º 2024..., referentes ao período de 2022, no montante total de € 226.904,80, bem como da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aqueles actos proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 25 de Março de 2025 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 27 de Março de 2025.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação em 16 de Maio de 2025, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Junho de 2025.
6. Por despacho datado de dia 5 de Junho de 2025, foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo (doravante “PA”) e, querendo, solicitar a prova de produção adicional.
7. Em 9 de Julho de 2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o PA, tendo-se defendido por impugnação e pugnado pela sua absolvição do pedido.
8. Por despacho arbitral, de 16 de Julho de 2025, foi designado o dia 1 de Outubro de 2025, pelas 14 horas e 30 minutos, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, tendo a Requerente e a Requerida sido notificadas para indicarem, no prazo de 10 (dez) dias, de forma individualizada, quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que seriam objecto daquele tipo de prova.
9. Em 28 de Julho de 2025, a Requerente apresentou requerimento a indicar os concretos factos do pedido de pronúncia arbitral relativamente aos quais as testemunhas por si arroladas iriam prestar depoimento.
10. A reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, teve lugar no dia 1 de Outubro de 2025, pelas 14 horas e 30 minutos, para ouvir as testemunhas arroladas pela Requerente (i) B... e (ii) C....
11. Nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a facultar às partes o prazo de 20 (vinte) dias para as mesmas, querendo, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas.
12. Ambas as partes apresentaram as suas alegações escritas no dia 21 de Outubro de 2025.
II. POSIÇÕES DAS PARTES
§1 Posição da Requerente
13. A Requerente sustenta o pedido que formula, alegando, em síntese, o seguinte:
a. A questão em análise consiste em determinar se a Requerente, em face de IVA anteriormente liquidado e por si deduzido à taxa de 23%, ao regularizar esse imposto a favor do Estado, comprovou que essa regularização deveria ser realizada através da aplicação da taxa reduzida de 6%, por estar em causa uma operação urbanística que reveste a natureza de uma empreitada de reabilitação urbana;
b. A documentação carreada para os autos comprova que as obras realizadas pela Requerente preenchem os requisitos legais para aplicação da taxa reduzida de IVA de 6%, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, conjugado com a verba 2.23 da Lista I anexa a este código;
c. Essa norma abrange empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas em legislação específica, desde que realizadas em imóveis localizados em Áreas de Reabilitação Urbana (“ARU”), delimitadas nos termos legais;
d. São, portanto, exigidos dois requisitos cumulativos: (i) tratar-se de empreitada de reabilitação urbana, conforme definido no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”); e (ii) ser realizada em imóvel situado em ARU legalmente delimitada;
e. O conceito de “empreitada” consta do artigo 1207.º, do Código Civil, como contrato pelo qual uma parte se obriga a realizar determinada obra mediante um preço;
f. A Requerente juntou contratos de empreitada celebrados em 2017 e 2021, que cumprem esta definição;
g. O conceito de “reabilitação urbana” encontra-se no artigo 2.º, alínea j), do RJRU, abrangendo intervenções sobre o tecido urbano existente, incluindo construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de edifícios;
h. A prova documental, incluindo contratos e a aprovação camarária, comprova que a obra realizada constitui empreitada de reabilitação urbana nos termos da lei;
i. A certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa confirma expressamente que a obra realizada corresponde a uma empreitada de reabilitação urbana, integrada em operação de reabilitação urbana simples aprovada, em imóvel localizado em ARU;
j. A ARU aplicável foi delimitada pela autarquia e publicada no Diário da República em 2015;
k. Assim, ficam preenchidos os dois requisitos da verba 2.23 da Lista I anexa do Código do IVA: empreitada de reabilitação urbana e realização em imóvel situado em ARU;
l. A Requerida recusou reconhecer validade à certidão municipal, argumentando que o município não poderia certificar a natureza da intervenção;
m. A Requerente considera esse entendimento errado, por desconsiderar a força probatória plena dos documentos autênticos emitidos por autoridade competente;
n. Nos termos dos artigos 371.º e 372.º, ambos do Código Civil, documentos autênticos fazem prova plena dos factos neles atestados, só podendo ser afastados por falsidade;
o. Não existe, na redacção legal aplicável, exigência de apreciação prévia de pedido de licenciamento para aplicação da taxa reduzida de IVA;
p. O indeferimento da reclamação graciosa pela Requerida é ilegal, por desconsiderar prova autêntica;
q. A jurisprudência arbitral do CAAD tem reiterado que basta a verificação dos dois requisitos expressos na verba 2.23 da Lista I anexa do Código do IVA, não podendo a Requerida criar condições adicionais;
r. Diversos acórdãos do CAAD (2022, 2023 e 2024) confirmam que a taxa reduzida é aplicável quando comprovada a empreitada de reabilitação urbana e a localização em ARU;
s. Na regularização a favor do Estado, do IVA anteriormente deduzido, respeitante às referidas empreitadas de reabilitação urbana, deve a Requerente aplicar a taxa reduzida (6%) e não a taxa normal de IVA (23%); e
t. Assim não tendo sido entendido pela Requerida, a liquidação adicional de IVA aqui impugnada, enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de Direito, que constitui vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, e na verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA.
§2 Posição da Requerida
14. Por seu turno, a Requerida contestou a posição da Requerente na sua Resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
a. As correcções devem-se, por um lado, a situações de falta de liquidação de IVA e incorrecções de liquidação de IVA a taxa inferior à devida, e, por outro lado, a situações de incorrecções na regularização de IVA por dedução indevida, seja por regularização inferior à devida, seja por falta da regularização;
b. A discordância da Requerente não assenta no facto de ser devida a regularização por dedução indevida, mas tão somente quanto à taxa de IVA a aplicar na liquidação de imposto;
c. Perante essa realidade, não pode haver lugar a uma anulação total da liquidação, mas, quando muito, apenas parcial, porquanto a Requerente não discorda de ser devida a liquidação ou regularização de IVA;
d. O Imóvel, após as obras realizadas, não foi afecto à actividade tributável inicialmente invocada de alojamento local, mas sim a actividades isentas, no caso a transmissão e locação;
e. A Requerente é obrigada, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 24.º do Código do IVA, a proceder à regularização do IVA indevidamente deduzido;
f. A regularização do IVA, anteriormente deduzido, e deduzido indevidamente, tem de ser efectuada pelo mesmo montante;
g. A regularização do imposto é devida pelo montante de € 272.318,85 e não por € 71.937,61 como efectuado pela Requerente;
h. É devida a correcção de € 200.381,24 determinada pela Requerida em sede de inspecção tributária;
i. Acrescem ainda situações em que a Requerente não procedeu a qualquer regularização a favor do Estado do imposto indevidamente deduzido;
j. Os serviços de construção civil adquiridos apenas se enquadram na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA se cumprirem as seguintes condições:
i. Têm de ser prestados em regime de empreitada, de acordo com as disposições do Decreto-Lei 41/2015, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da actividade da construção;
ii. O imóvel objecto de intervenção tem de se localizar em ARU delimitada nos termos legais e com aprovação de operação de reabilitação urbana (“ORU”);
iii. A empreitada tem de ser qualificada como de reabilitação urbana;
k. A Requerente não logrou fazer prova do cumprimento de tais requisitos;
l. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, era sobre a Requerente que recaía o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca;
m. Os órgãos competentes da Câmara Municipal de Lisboa atestam que o Imóvel sobre o qual incidiram as obras se encontra localizado em ARU e que existe uma ORU simples aprovada;
n. O Município não tem capacidade para confirmar se, do ponto de vista material, as obras realizadas no Imóvel ocorreram nos termos da estratégia de reabilitação urbana, até porque não houve controlo prévio sobre as obras realizadas no Imóvel;
o. No Imóvel, que estava devoluto, foram realizadas obras de demolição, operações que, pela sua natureza, não se coadunam com obras de reabilitação;
p. A verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA apenas se aplica a imóveis que, não estando licenciados para outros fins, estejam efectivamente afectos à habitação (não bastando estarem licenciados para a habitação);
q. Estão afastados da aplicação desta verba as empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma actividade profissional, comercial, industrial ou de prestações de serviços;
r. A argumentação expendida pela Requerente é improcedente, pelo que os actos impugnados são legais, não padecendo de qualquer vício.
III. SANEAMENTO
15. O presente pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 alínea a), do RJAT.
16. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
17. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
18. Em tudo o que de mais possa relevar para a boa decisão da causa, o processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 Fundamentação da fixação da matéria de facto
19. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
21. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pela Requerente, o PA junto aos autos pela Requerida, e dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente (i) B..., e (ii) C..., feitos no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT. Tais depoimentos foram analisados e valorados pelo Tribunal Arbitral à luz dos critérios da experiência e da normalidade e em linha com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
22. Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
§2 Factos provados
23. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a. A Requerente é uma sociedade por quotas que iniciou a sua actividade económica em 02.04.2007, dedicando-se:
i. À exploração florestal;
ii. Compra e venda de bens imobiliários;
iii. Arredamento de bens imobiliários;
iv. Alojamento mobiliado para turistas;
b. A Requerente era proprietária de um bem imóvel, composto por rés-do-chão, quatro andares e quintal, sito na ..., n.º ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia das ..., concelho de Lisboa (“Imóvel”);
c. O Imóvel era composto por seis fracções autónomas, identificadas com as letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”;
d. O Imóvel encontrava-se devoluto e a Requerente pretendia afectá-lo à exploração da actividade de alojamento local;
e. No dia 24.09.2014, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu uma certidão acerca do estado de conservação do Imóvel, “antes do início das obras compreendidas na ação de reabilitação urbana previstas para o local”, tendo apurado a existência de anomalias das quais resultava um estado de conservação do mesmo “Mau” ou “Médio”;
f. A Requerente apresentou à Câmara Municipal de Lisboa uma comunicação prévia respeitante à realização de obras de ampliação do Imóvel;
g. Através de notificação datada de 02.05.2016, a Câmara Municipal de Lisboa notificou a Requerente acerca da aceitação da comunicação prévia de realização de obras no Imóvel apresentada por esta;
h. No dia 17.07.2017, foi celebrado um contrato de empreitada entre a Requerente e a sociedade anónima “D... S.A.”, tendo por objecto a “reabilitação, de forma total e completa” do Imóvel;
i. No dia 12.08.2021, foi celebrado um contrato de empreitada entre a Requerente e a sociedade por quotas “E..., Lda.”, com o objectivo de coordenação e execução de trabalhos de construção civil a realizar no Imóvel;
j. Entre os anos de 2017 e 2022, foram sendo emitidas facturas e notas de crédito à Requerente por diversos fornecedores relacionados com a prestação de serviços de construção civil efectuadas no Imóvel;
k. Ao abrigo da regra de inversão do sujeito passivo, a Requerente autoliquidou IVA à taxa normal de 23%, no montante total de € 272.318,85, sobre esses serviços de construção civil que lhe foram facturados pelos seus fornecedores;
l. Para a Requerente, era irrelevante estar a discutir com o empreiteiro a taxa de IVA aplicável àqueles fornecimentos de serviços de construção civil, uma vez que aquela deduzia o IVA que autoliquidava;
m. A Requerente registou contabilisticamente todas as facturas relacionadas com a prestação de serviços de construção civil efectuadas no Imóvel na rubrica 24322132311 – Im – Tx. Nm – MN-TT/Dedutível;
n. Essas facturas e notas de crédito foram ainda contabilizadas na conta 4531 – Act. tang. em curso, entre o período de 2017 a 2022;
o. A Requerente deduziu o IVA que havia autoliquidado, à taxa de 23%, alusivo a esses serviços de construção civil que lhe foram facturados pelos seus fornecedores;
p. No dia 26.04.2021, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu uma declaração, de que o Imóvel se encontrava em ARU;
q. As obras realizadas pela Requerente no Imóvel ficaram concluídas no ano de 2022;
r. A Câmara Municipal de Lisboa emitiu, em 24.05.2022, o Alvará de Autorização de Utilização Total n.º e-REG/AAUT/2022/..., do Imóvel;
s. Após a conclusão das obras, a Requerente procedeu à transferência dos gastos suportados com as mesmas da conta 4531 – Act. tang. em curso para a conta 432112 – Edifícios e Outras Construções – Ed. ...;
t. Após a conclusão das obras, a Requerente procedeu à venda das fracções autónomas pertencentes ao Imóvel designadas pelas letras “B”, “D” e “E” e ao arrendamento das fracções pertencentes ao Imóvel designadas pelas letras “A”, “C” e “F”;
u. Uma vez que a venda e o arrendamento de bens imóveis são operações isentas em sede de IVA que não conferem o direito à dedução de imposto, a Requerente procedeu à regularização do IVA anteriormente deduzido, no montante de € 71.937,61, através da liquidação de IVA, à taxa de 6%, em relação às facturas alusivas às prestações de serviços de construção civil efectuadas no Imóvel;
v. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023..., de 30.11.2023, a Requerida realizou uma acção inspectiva externa de âmbito geral ao período de tributação de 2022;
w. A Requerida notificou a 26.05.2024 a Requerente do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, datado de 15.05.2024, nos termos do qual propunha a realização das seguintes correcções aritméticas em sede de IVA:

x. Uma das correcções propostas pela Requerida no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária dizia respeito à “Regularização de IVA a Favor do Estado em Falta”, focando-se em “Faturas emitidas por prestadores de serviços ao abrigo da regra da inversão, cujo IVA apenas foi parcialmente regularizado a favor do Estado pelo sujeito passivo”;
y. Para fundamentar essa correcção proposta, a Requerida arguiu no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, o seguinte:
“V. Descrição dos factos e fundamentos das correcções/irregularidades
1.1.2
Regularização de IVA a Favor do Estado em Falta
A) Faturas emitidas por prestadores de serviços ao abrigo da regra da inversão, cujo IVA apenas foi parcialmente regularizado a favor do Estado pelo sujeito passivo
No decurso do procedimento inspetivo verificou-se que valor da base tributável declarada pelo sujeito passivo A... no campo 1 da declaração periódica do período 202212T ascendeu a € 1 198 960,15, tendo ainda declarado no campo 2, da mesma declaração, IVA liquidado à taxa de 6% no valor de € 71 937,61.
Apurou-se que o valor declarado, pelo sujeito passivo, respeita ao facto do mesmo ter efetuado liquidação de IVA, à taxa de 6%, sobre o valor total das faturas deduzido do valor total das notas de crédito (€ 1 198 960,15), cujo as cópias se anexam (Anexo IV) ao presente relatório.
Verificou-se que as faturas atrás mencionadas foram emitidas à A..., entre os anos de 2017 e 2022, por diversos prestadores de serviços e respeitam a prestações de serviços de construção civil efetuadas no prédio urbano da A... sito na avenida ..., n.º ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial da das ... (...), concelho de Lisboa, sob o artigo ... (teve origem no artigo ...), composto por 6 frações, identificadas com as letras A, B, C, D, E e F, tendo sido contabilizadas na conta 4531 - Act.tang.em curso - mercado nacional.
Importa referir que a A... ao liquidar IVA à taxa de 6%, sobre o valor total das faturas deduzido do valor total das notas de crédito, pretendia proceder à regularização do IVA deduzido aquando da contabilização das referidas faturas.
Esta pretensão da A... proceder à regularização do IVA deve-se ao facto de a mesma ter deduzido IVA sobre o valor das faturas e das notas de crédito constantes no anexo IV, por considerar que esse IVA era dedutível dado que os serviços titulados por esses documentos foram efetuados no prédio sito na ..., n.° ..., o qual, segundo a gerência, seria afeto, após conclusão das obras de recuperação, a uma atividade sujeita a IVA, nomeadamente por se destinar a alojamento local (atividade sujeita a IVA), o que não se veio a verificar pois o sujeito passivo no ano de 2022, ano de conclusão das obras de recuperação, procedeu à venda das frações identificadas com as letras B, D e E e ao arrendamento das frações identificadas com as letras A, C e F, sendo que quer a venda quer o arrendamento de imóveis são atividades isentas de IVA nos termos dos n.ºs 29) e 30) do artigo 9.° do Código do IVA.
Contudo, verificou-se que o IVA anteriormente deduzido pelo sujeito passivo, no decorrer dos anos de 2017 a 2022, relativo às faturas e notas de crédito constantes no anexo IV, era IVA à taxa normal (23%) que foi contabilizado na conta 24322132311- Im- TX. Nm- MN-TT/Dedutivel, cujo montante total ascendeu a € 272 318,85, conforme abaixo se demonstra através da listagem dos respetivos registos contabilísticos:




Assim, tendo o sujeito passivo procedido à venda de três frações e ao arrendamento de outras três, atividades ambas isentas de IVA, devia o mesmo ter procedido à regularização, de uma só vez, do montante do IVA deduzido proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano em que iniciou a ocupação do imóvel (após as obras estarem concluídas, seguida de ocupação imediata), conforme previsto no n.°5 (Transmissão) ou n.º 6 (Locação) do artigo 24.º do CIVA.
Este IVA a ter em conta para efeitos de regularização será o liquidado por fornecedores e prestadores e deduzido pela empresa, e também o autoliquidado pela mesma em situações em que foi aplicada a regra de inversão do sujeito passivo nas prestações de construção civil, situação verificada relativamente às faturas identificadas no anexo IV.
Contudo o sujeito passivo não procedeu à regularização do IVA em conformidade com o disposto no artigo 24 do Código do IVA, optando, sem qualquer suporte legal, por proceder à regularização do IVA deduzido através da liquidação do IVA à taxa de 6% sobre as faturas e as notas de crédito relativas aos serviços prestados no prédio sito na ... e contabilizadas na conta 4531 - Act.tang. em curso, entre o exercício de 2017 e o exercício de 2022.
Importa ainda referir que as obras efetuadas no prédio urbano sito na ..., n.º ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia ... (...), concelho de Lisboa, sob o artigo ..., foram concluídas no ano de 2022, pelo que contabilisticamente o sujeito passivo procedeu à transferência dos gastos suportados com o mesmo e contabilizados na conta 4531 - Act.tang. em curso para a conta 432112 - Edificios e Outras Construções - Ed. ..., conforme abaixo exposto, sendo, por este motivo, o ano de 2022 que releva para efeitos de regularização do IVA deduzido pelo sujeito passivo.

Face ao exposto procedeu-se ao apuramento do IVA regularizado a favor do Estado em falta conforme abaixo se demonstra:




Importa ainda referir que para efeitos de coerência declarativa e tendo em conta que as divergências detetadas respeitam a regularizações a favor do Estado a efetuar em conformidade com o artigo 24.º do Código do IVA, o valor da correção (€ 200 381,24) será acrescido no campo 41 da declaração periódica de 202212T, conforme o disposto no n.º 8 do artigo 24.º do Código do IVA, em conjunto com o valor (€ 71 937,61) declarado pelo sujeito passivo no campo 2, o qual será retirado deste campo. Também o valor da base tributável declarada pelo sujeito passivo no campo 1 da referida declaração periódica será retirado da referida declaração periódica.
z. Após ter sido notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente exerceu por escrito o seu direito de audição, tendo o mesmo sido enviado à Requerida no dia 05.06.2024;
aa. A Requerida notificou a Requerente do Relatório de Inspecção Tributária, datado de 28.06.2024, nos termos do qual manteve as correcções aritméticas em sede de IVA anteriormente propostas;
bb. Em relação à correcção incidente sobre a “Regularização de IVA a Favor do Estado em Falta”, a Requerida enunciou ainda no Relatório de Inspecção Tributária, o seguinte:
“Refere o sujeito passivo que aplicou corretamente a taxa de IVA de 6% da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA na regularização do IVA a favor do Estado, contudo, conforme ficou demonstrado no ponto 1.1.2.A) do capitulo V do presente relatório o valor do IVA "regularizado" pelo sujeito passivo (6%) foi inferior ao valor das deduções de IVA por ele anteriormente efetuadas (23%).
De facto, na recuperação do prédio sito na ..., n.°..., em Lisboa, o sujeito passivo suportou gastos, entre os anos de 2017 e 2022, com serviços de construção civil titulados pelas faturas identificadas em anexo (Anexo IV), as quais contabilizou na conta 4531 - Act. Tang. em curso, tendo ainda, por se tratarem de faturas emitidas ao abrigo da regra de inversão, procedido à liquidação do IVA, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea j) do CIVA, bem como à sua dedução, em conformidade com artigo 19.º n.º 1 alínea c) do CIVA, o que fez à taxa de 23%, tendo o IVA deduzido pelo sujeito passivo relativo a estas faturas ascendido a € 272318,85, o qual foi contabilizado na conta 24322132311 Im-Tx. Nm - MN -TT/Dedutivel e declarado/deduzido nas respetivas declarações periódicas de IVA.
Salienta-se que em duas faturas emitidas pelo fornecedor F..., abrangidas pela "regularização", não foi aplicada a regra da inversão tendo o fornecedor liquidado nas Faturas IVA á taxa normal (23%) e o sujeito passivo efetuado as respetivas deduções de IVA á taxa de 23%.
No entanto, devido ao facto do fim dado ao prédio sito na avenida ..., n.º ..., relativamente ao qual houve inicialmente lugar à dedução de IVA, ter sido alterado, dado que as frações que o constituem foram vendidas ou arrendadas (atividades isentas de IVA), devia o sujeito passivo ter procedido à regularização do IVA anteriormente deduzido em conformidade com o artigo 24.º nºs 5, 6 e 8 do Código do IVA, onde está previsto que:
"5 - Nos casos de transmissões de bens do activo imobilizado durante o período de regularização, esta é efectuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afectos a uma actividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.ºs 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, devendo no primeiro caso efectuar-se a regularização respectiva."
"6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:
a. O sujeito passivo, devido a alteração da actividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;
b. O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.ºs 3 e 4 do artigo 55.º;
c. O imóvel passe a ser objecto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º"
"8 - As regularizações previstas nos números anteriores deve constar da declaração do último período do ano a que respeita."
Contudo, o sujeito passivo não procedeu à regularização da totalidade do IVA efetivamente deduzido, no valor total de € 272 318,85, tendo procedido à liquidação (regularização) de IVA no valor total de € 71 937,61, a taxa de 6%, considerando, de uma forma incorreta, que com esta liquidação estava a regularizar o IVA deduzido, à taxa de 23%, entre o ano de 2017 e o ano de 2022, relativo às faturas constantes no anexo IV.
Ora, se o sujeito passivo, relativamente as faturas identificadas no anexo IV, deduziu o IVA liquidado pelos fornecedores á taxa de 23% e nos casos em que se aplicou a regra de inversão, aquando da contabilização, tendo procedido assim á dedução de IVA à taxa de 23%, terá de efetuar a regularização do IVA em conformidade com as deduções anteriormente efetuadas pelo mesmo montante.
Deste modo, a correção efetuada por estes serviços e relatada no ponto 1.1.2.A) do capitulo V respeita à não regularização por parte do sujeito passivo da totalidade do IVA efetivamente deduzido no valor de € 272 318,85, e não ao facto do mesmo ter liquidado IVA à taxa de 6%, no valor de € 71 937,61, ainda que para efeitos de correção, no sentido de não prejudicar o sujeito passivo, este valor tenha por nós sido considerado como parte da regularização a efetuar, pelo que o valor do IVA regularizado a favor do Estado considerado em falta foi de apenas € 200 381,21 (€ 272 318,85 - € 71937,61).
Ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao verificar que o sujeito passivo por sua iniciativa liquidou IVA por duas vezes, na primeira à taxa de 23% aquando da contabilização das faturas (entre 2017 e 2021) e a segunda, no final do ano de 2022, à taxa de 6%, considerou que esta segunda liquidação efetuada à taxa de 6%, a qual não se mostrava devida (nestes termos), tinha como objetivo regularizar, em conformidade com o artigo 24.° do CIVA, o IVA deduzido pela A... entre 2017 e 2021, ainda que esta não tenha considerado estar a efetuar uma regularização.
De referir ainda que se a Autoridade Tributária e Aduaneira não estivesse de boa fé, podia ter considerado que o IVA liquidado pelo sujeito passivo à taxa de 6% no final do ano de 2022, ainda que tenha sido indevidamente liquidado, pois relativamente a estas operações já tinha sido liquidado IVA à taxa de 23% entre os anos de 2017 e 2021, o mesmo, teria de ser entregue nos cofres do Estado em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA que prevê que são sujeitos passivos de imposto "as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura, mencionem indevidamente IVA", conjugado com artigo 27.° n.º 2 do CIVA segundo o qual "as pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as que pratiquem uma só operação tributável nas condições referidas na alínea a) da mesma disposição, devem entregar nos locais de cobrança legalmente autorizados o correspondente imposto nos prazos de, respetivamente, 20 dias a contar da emissão da fatura e até ao final do mês seguinte ao da conclusão da operação", e procedia apenas à correção da regularização em falta do IVA deduzido, á taxa de 23%, pelo A..., entre os anos de 2017 e 2021, no montante total de € 272 318,85.
Salienta-se que apesar do referido enquadramento legal, no sentido de não prejudicar o sujeito passivo, foi no apuramento da regularização em falta de IVA considerado este IVA, agora liquidado à taxa de 6%, no valor de € 71 937,61, pelo que se efetuou a correção pela diferença entre o IVA que o sujeito passivo deduziu inicialmente á taxa de 23%, quando o destino do imóvel seria o alojamento local, e o IVA que o sujeito passivo por sua iniciativa liquidou em duplicado no final do ano de 2022, relativo ás mesmas operações, agora á taxa de 6%.
Salienta-se que quer nos registos contabilísticos quer na petição do direito de audição em momento algum o sujeito passivo reconhece que efetuou ou pretendia efetuar uma regularização de IVA a 6% relativamente a operações que antes tinham sido sujeitas a IVA á taxa de 23%.
Em face do exposto, conclui-se não terem sido apresentados, no direito de audição, elementos suscetíveis de alterar a correção proposta.
Importa ainda referir, relativamente as operações subjacentes á regularização de IVA, em face do enquadramento legal já exposto, que mesmo que não se tratasse de uma "regularização" de IVA, ainda assim para que as mesmas beneficiassem da aplicação da verba 2.23 da Lista I do CIVA, não bastaria ao sujeito passivo demonstrar que o imóvel estava situado numa "área de reabilitação urbana", recorrendo a uma declaração emitida á posteriori, mostrava-se ainda necessário demonstrar a existência de uma empreitada realizada no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada.
cc. Posteriormente, a Requerente foi notificada dos seguintes actos de liquidação, no montante total de € 226.904,80, assim discriminados:
i. Liquidação adicional de IVA n.º 2024... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2024..., de 09.07.2024, no montante de € 215.430,90;
ii. Liquidação de juros compensatórios n.º 2024 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2024..., de 09.07.2024, no montante de € 11.473,90;
dd. Em 25.07.2024, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu uma certidão que consta que “o referido imóvel se localiza em Área de Reabilitação Urbana com Operação de Reabilitação Urbana Simples em vigor’’ e que “a reabilitação (…) integra-se numa Operação de Reabilitação Urbana Simples aprovada através da Estratégia De Reabilitação Urbana 2011-2024”;
ee. No dia 26.11.2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios acima identificados;
ff. Através de Ofício n.º..., de 12.12.2024, a Requerida notificou a Requerente da proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa que esta havia apresentado, para que esta querendo, exercesse o seu direito de audição prévia;
gg. A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, no dia 06.01.2025; e
hh. Através de Ofício n.º..., de 15.01.2025, a Requerida notificou a Requerente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que esta havia apresentado.
§3 Factos não provados
24. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.
V. MATÉRIA DE DIREITO
25. Passando-se à apreciação do mérito da causa a analisar nestes autos, a matéria controvertida que foi sujeita à apreciação deste Tribunal respeita à apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios promovidas pela Requerida no período de tributação de 2022.
26. Mais concretamente, tendo presente os moldes como a Requerente configurou a causa de pedir e o pedido no seu pedido de pronúncia arbitral, apenas cumprirá ao Tribunal apreciar se a Requerente “ao regularizar a favor do Estado, o IVA anteriormente deduzido (…) deveria ter sido aplicada a taxa normal de 23% e não a taxa reduzida de 6%, aplicada pelo contribuinte” (cfr. pág. 2 do pedido de pronúncia arbitral).
27. A este respeito, sublinha o Tribunal, desde já, que ambas as partes concordam – não sendo, por isso, matéria controvertida – que a Requerente tinha a obrigação de regularizar o IVA que anteriormente havia sido por si autoliquidado e deduzido, à taxa de 23%, em face da alteração da finalidade dada ao Imóvel e às fracções autónomas que o integram.
28. Pelo que o dissídio, nestes autos, resume-se, assim, a analisar em que moldes é que tal regularização de imposto a favor do Estado deveria ter sido efectuada:
i. Na opinião da Requerente, à taxa reduzida de IVA (6%), por estar em causa uma empreitada de reabilitação urbana; ou
ii. Na opinião da Requerida, à taxa normal (23%) de IVA, pelo montante integral inicialmente deduzido, por isso decorrer do disposto no artigo 24.º, do Código do IVA.
§1 Normas legais relevantes
29. Passando-se, agora, à apreciação da questão a analisar nos presentes autos, crê-se que importa fixar a base legal relevante, tendo por referência o que se encontrava consagrado na legislação, à data dos factos tributários aqui em causa:
a. Artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA:
“1 - São sujeitos passivos do imposto:
(…)
j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.
b. Artigo 9.º, n.ºs 29 e 30, do Código do IVA:
“Estão isentas do imposto:
29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:
a) As prestações de serviços de alojamento, efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;
b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;
c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;
d) A locação de cofres-fortes;
e) A locação de espaços para exposições ou publicidade;
30) As operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;”
c. Artigo 18.º, n.º 1, do Código do IVA:
“1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%”.
d. Artigo 19.º, n.ºs 1, alínea a), e 8, do Código do IVA:
“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
(...)
8 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”.
e. Artigo 24.º, n.ºs 5, 6 e 8, do Código do IVA:
“5 - Nos casos de transmissões de bens do activo imobilizado durante o período de regularização, esta é efectuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afectos a uma actividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.ºs 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, devendo no primeiro caso efectuar-se a regularização respectiva.
6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:
a) O sujeito passivo, devido a alteração da actividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;
b) O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.os 3 e 5 do artigo 55.º
c) O imóvel passe a ser objecto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º
(...)
8 - As regularizações previstas nos números anteriores devem constar da declaração do último período do ano a que respeita”.
f. Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA:
“As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.
g. Verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA:
“As empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação, com excepção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares”.
h. Artigo 2.º, n.º 1, alíneas b), h) e j), do RJRU:
i. “b) «Área de reabilitação urbana» a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana”;
ii. “h) «Operação de reabilitação urbana» o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área”;
iii. “j) «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”;
i. Artigo 7.º, n.º 1, do RJRU:
“1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana”.
§2 Da taxa a aplicar nos casos de regularização a favor do Estado de IVA indevidamente deduzido
30. A Requerente arguiu, em síntese, que à regularização que efectuou a favor do Estado, do IVA anteriormente por si deduzido à taxa normal, deverá ser aplicada à taxa reduzida, por respeitar à aquisição de serviços de empreitada de reabilitação urbana.
31. Não tendo sido esse o entendimento da Requerida, tal conduz a que, para a Requerente, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, bem como a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aquelas liquidações, enfermem de ilegalidade por erro dos pressupostos de facto e de Direito, estando em violação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, e na verba 2.23 da Lista I, anexa a este Código.
32. Já a Requerida enuncia que, sendo a Requerente obrigada a proceder à regularização do IVA indevidamente deduzido, nos termos do artigo 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IVA, tal regularização deverá ser efectuada pelo mesmo montante, tendo em conta a taxa normal de IVA.
33. Pelo que aqueles actos impugnados pela Requerente deverão manter-se, nos mesmos termos, na ordem jurídica.
Vejamos,
34. É matéria assente nos autos que a Requerente contratualizou a realização de obras no Imóvel, tendo o propósito inicial de o afectar à actividade de alojamento local, enquadrável como operação tributável e não isenta em sede de IVA.
35. Tendo em consideração esse intuito, aos serviços de construção civil que foram sendo prestados à Requerente, em regime de empreitada, pelos diferentes fornecedores, esta procedia à respectiva autoliquidação do IVA – nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA – e dedução deste imposto – nos termos do artigo 19.º, n.ºs 1, alínea a), e 8, do Código do IVA.
36. Constitui matéria igualmente assente nestes autos que essa autoliquidação e dedução de imposto foi efectuada pela Requerente à taxa normal de IVA – 23% – prevista no artigo 18.º, n.º 1, do Código do IVA.
37. Também decorre do probatório que, por ocasião da aquisição daqueles serviços de construção civil, a Requerente considerou que – uma vez que deduzia o IVA que autoliquidava – não era relevante estar a discutir – designadamente com o empreiteiro – a taxa de IVA que deveria incidir e ser liquidada sobre aquelas aquisições.
38. Pelo que, poder-se-á concluir que a Requerente se conformou com a taxa de IVA que incidia sobre os serviços de construção civil que foi adquirindo ao longo do período temporal ora em análise.
39. Decorre, porém, dos factos dados como provados que a Requerente não veio a, efectivamente, afectar o Imóvel e as fracções autónomas que dele fazem parte integrante à actividade de alojamento local (prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta) …
40. …tendo antes optar por vender uma parte dessas fracções autónomas e arrendar as restantes.
41. Quer a venda (onerosa) de bens imóveis (sujeita a Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis), quer o arrendamento destes activos, são operações que, nos termos do artigo 9.º, n.ºs 29 e 30, do Código do IVA, estão sujeitas a este imposto embora dele isentas.
42. As isenções de IVA incidentes sobre ambas as operações são tidas como incompletas, na medida em que este imposto não é liquidado pelo sujeito passivo (a Requerente, no caso) nas operações que realiza a jusante (na venda e arrendamento de bens imóveis, no caso), mas impede-o de deduzir o IVA suportado a montante (nos serviços de construção civil, no caso).
43. Nesse sentido e ao abrigo do artigo 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IVA, há efectivamente lugar à regularização, a favor do Estado, do IVA indevidamente liquidado pela Requerente.
44. Ora, tendo presente que a Requerente, numa fase inicial, procedeu à autoliquidação e dedução do IVA suportado com os serviços de construção civil relativos às obras realizadas no Imóvel, o mecanismo legal de regularização do imposto deduzido indevidamente visa repor a situação fiscal que existiria se não tivesse ocorrido a circunstância que fundamentou tal dedução tida por excessiva.
45. Daí que, tendo a Requerente procedido à dedução do IVA (auto)liquidado à taxa de 23% e confessadamente acomodando-se à aplicação desta taxa aos serviços de construção civil por si adquiridos…
46. … a subsequente regularização deste imposto a favor do Estado – cuja obrigatoriedade é reconhecida por ambas as partes – apenas se tem por validamente realizada quando efectuada à mesma taxa que suportou a dedução originária.
47. Isto é, à taxa de 23%, nos termos do artigo 24.º, n.º 5 e 6, do Código do IVA.
48. Conforme bem expressa a decisão arbitral datada de 10.07.2025, no processo n.º 1397/2024-T, “[a] taxa de IVA da regularização é a da operação concreta corrigida e não a da origem contratual do crédito subjacente à regularização”, sendo este um entendimento que se acompanha por se entender, face ao exposto, ser o que resulta da correcta interpretação das normas em causa.
49. Termos em que se julga, sem mais, improcedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, bem como à decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os mesmos, contestados no presente processo, mantendo-se tais actos na ordem jurídica.
50. Em face do exposto, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento e a apreciação das demais questões suscitadas por aquela no processo, nomeadamente a verificação, no caso concreto, dos requisitos associados à aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas de reabilitação urbana, nos termos em que os mesmos se encontram previstos na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.
VI. DECISÃO
51. Termos em que se decide neste Tribunal Colectivo:
a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, e, em consequência, absolver a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, e
b. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.
VII. VALOR DO PROCESSO
52. De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 226.904,80 (duzentos e vinte e seis mil, novecentos e quatro euros e oitenta cêntimos) por ter sido esse o valor económico dado à presente acção arbitral e não contestado.
VIII. CUSTAS
53. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), a suportar pela Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Novembro de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora)
Luís Menezes Leitão
Marisa Isabel Almeida Araújo