Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2025-T
Data da decisão: 2025-11-14  IMT  
Valor do pedido: € 95.557,49
Tema: IMT – Isenção - caducidade; Liquidação de Imposto;
Correção de Áreas.
Versão em PDF

 

            

            SUMÁRIO:

 

            i - o sujeito passivo que beneficia da isenção prevista no artigo 7.º do cimt não perde o direito a tal benefício pelo simples facto de executar os procedimentos necessários a estabelecer a conformidade, em termos de áreas, entre a realidade física do imóvel e o constante quer na câmara municipal, quer nos registos predial e matricial, quando tal não implique qualquer alteração, modificação ou construção.  

            ii – um tal procedimento de mera regularização das áreas do prédio, visando a legalização da realidade física já existente, com vista à revenda, não corresponde a dar ao prédio um destino diferente, à luz do preceituado no n.º 5 do artigo 11.º do cimt.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. António Alberto Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-05-2025, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

 

            A..., LDA., titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada Requerente), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro de 2011, bem como,  nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária para pronúncia com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), notificado através do Ofício n.º..., de 12 de novembro de 2024, no montante correspondente a € 95.557,49, sendo € 74.731,07 relativos a imposto e € 20.826,42 a juros compensatórios.

            Pede que seja declarado ilegal e anulado o ato de liquidação de IMT e Juros Compensatórios aqui impugnado, no montante de € 95.557,49 (sendo € 74.731,07 relativos a imposto e € 20.826,42 a juros compensatórios) e, em consequência, ser a AT condenada na restituição à Requerente da prestação tributária indevidamente liquidada e paga, em 14 de janeiro de 2025, no montante de € 95.557,49, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, desde a data do pagamento até à data da elaboração da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 100.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT e, por fim, ser ressarcida do montante correspondente aos juros de mora e às custas processuais por si suportadas no âmbito do processo de execução fiscal.

 

            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

 

            Em 17-03-2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.

            Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alíneas a), 6.º, n.º 2, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros deste Tribunal Arbitral Colectivo que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

            As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) a c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

            O Tribunal Arbitral ficou constituído em 2025-05-27. 

 

            A Requerida apresentou Resposta, em 02-07-2025, na qual se defende por impugnação, concluindo pela improcedência do pedido arbitral. Na mesma data, juntou o Processo Administrativo (PA).

            Em 25-09-2025, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual se ouviram as testemunhas indicadas pela Requerente.

            A final, facultou-se às partes a apresentação de alegações escritas. 

            Usando dessa faculdade, em 10-10-2025, a Requerente apresentou alegações, com as quais juntou um documento, a saber o Relatório de Avaliação do imóvel visado nestes autos, elaborado pela Engª B... (testemunha inquirida na sobredita reunião) e aproveitou os depoimentos gravados das testemunhas para com eles densificar a sua argumentação, concluindo que a prova produzida deve conduzir à procedência do PPA. 

            A Requerida prescindiu de alegações, dando por reproduzida a sua posição já expandida na Resposta, como se vê do seu requerimento de 28-10-2025.

 

            II. SANEAMENTO        

 

            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das pretensões aqui formuladas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alíneas a) e b), 6.º, n.º 2, e 11.º, n.º 1, alínea a), b) e c) todos do RJAT.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). 

 

            III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

            

            1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.      A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, encontrando-se registada sob o Código de Atividade Económica (“CAE”) 68100 - (não controvertido).

 

B.      No âmbito da sua atividade de compra e venda, a Requerente adquiriu, por escritura pública outorgada em 15 de dezembro de 2016, ao Banco C..., S.A., um conjunto de imóveis, pelo valor global de 712.594,00 € (setecentos e doze mil quinhentos e noventa e quatro euros) – (Doc. n.º 4, junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido, e não controvertido). 

 

C.      A Requerente adquiriu esse conjunto de imóveis tendo em vista a sua posterior revenda, motivo pelo qual beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT  - (Docs. n.ºs 1, 2 juntos com o PPA, que aqui se dão por reproduzidos, cit.  Doc. n.º 4 e depoimento da testemunha D...).

 

D.      No conjunto de imóveis adquiridos pela Requerente ao Banco C... constava o prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ... e ... (anterior Rua ..., nº ...) -..., freguesia ..., concelho de Ourém, descrito na competente Conservatória de Registo Predial sob o número..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário de 1.149.708,82€, o qual foi adquirido pelo preço de € 227.590,00 (duzentos e vinte e sete mil quinhentos e noventa euros) – (cit. Doc. n.º 4, fls. 18 e não controvertido).

 

E.       A Requerente solicitou a avaliação do imóvel identificado no Facto D) e, em resultado de tal avaliação, relevaram-se diversas incongruências entre a realidade física do imóvel e aquela que constava, por um lado, do projeto de licenciamento que havia sido aprovado pela Câmara Municipal de Ourém e, por outro, da Certidão Permanente e da Caderneta Predial– (Doc. n.º 1, junto com as Alegações do SP, que aqui se dá por reproduzido, e depoimentos das testemunhas D... e B..., sendo esta a autora do Relatório de Avaliação do dito imóvel).

 

F.       Após a aquisição do referido prédio, e por forma a viabilizar a posterior revenda, a Requerente deu início aos procedimentos necessários para a legalização da realidade física do imóvel junto da Câmara Municipal de Ourém, tendo, para o efeito, procedido à regularização dos respetivos documentos prediais – (Doc. n.º 1, junto com as Alegações, e depoimentos de ambas as testemunhas).

 

G.      A Requerente procedeu à apresentação prévia de pedido de loteamento junto da Câmara Municipal de Ourém, de molde a que, após a emissão do alvará de loteamento, fosse possível a legalização do edifício existente, no que se referia à implantação, volumetrias e áreas de construção – (depoimento da testemunha B...).

 

H.      A Requerente apresentou, em 02.10.2017, a declaração Modelo 1 de IMI n.º..., a qual teve como única finalidade a correcção das áreas do prédio que constavam anteriormente na matriz, de molde a compatibilizá-las com as que existiam na realidade, não resultando tal declaração a referência a qualquer obra de edificação, demolição ou qualquer outra efetuada pela Requerente no imóvel – (Doc. n.º 7 junto com o PPA, que aqui de dá por reproduzido, e depoimento da testemunha B...). 

 

I.        Em 03.07.2018, a Requerente revendeu aquele imóvel, nas exactas condições físicas e estruturais em que o mesmo se encontrava à data da sua aquisição, à “E... S.A.” – (Doc. n.º 8 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido, cit. Doc. n.º 1, junto as alegações e depoimentos de ambas as testemunhas).

 

J.        Pelo Ofício n.º ...*, de 18.10.2024, a Requerente foi notificada para, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de audição relativamente ao projeto de decisão da AT de declarar a caducidade da isenção de IMT, de que a Requerente havia beneficiado aquando da aquisição do imóvel, e à concomitante proposta de liquidação de IMT – (não controvertido e cit. Doc. n.º 2).

 

K.      No dia 6.11.2024, a Requerente exerceu o seu direito de audição contrariando o projeto de decisão e a consequente liquidação de IMT, argumentando que nenhuma alteração havia sido feita ao imóvel, limitando-se todas as diligências incorridas pela Requerente à legalização do mesmo – (Doc. n.º 3 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido).

 

L.       Pelo Ofício n.º ... (*), de 12.11.2024, a AT manteve a decisão de liquidação de IMT por caducidade da isenção do artigo 7.º do Código do IMT, com fundamento na afetação do prédio a destino diferente da revenda – (cit. Doc. n.º 1). 

 

M.    No dia 14.01.2025, já no âmbito do processo executivo, a Requerente procedeu ao pagamento da dívida exequenda, incluindo a liquidação de IMT e correspondentes juros compensatórios, sendo € 74.731,07 relativos a imposto e € 20.826,42 a juros compensatórios, no montante total de € 95.977,02 – (Doc. n.º 10 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido, e não controvertido).

 

N.      O presente PPA foi apresentado em em 13.03.2025 (SGP do CAAD).

 

            2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

            Apesar do constante da Mod. 1 de IMI, apresentada pela Requerente, em 02-10-2017, com o nº de registo ...  (cit. Doc. 7 junto com o PPA), não há evidência de que o prédio em causa tenha sido “Melhorado/Modificado/Reconstruído”.

 

            3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

 

            Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

            A convicção do Tribunal fundou-se na análise do Processo Administrativo (PA), nos documentos juntos pelas Partes e nos depoimentos das testemunhas, conforme está refectido em relação a cada facto considerado provado. As testemunhas depuseram com evidente isenção e profundo conhecimento de causa, pelo que mereceram o crédito do Tribunal quando à veracidade dos respectivos depoimentos.

            O Engº D... disse ser funcionário da “F...” e ter trabalhado com a Requerente, entre 2016 e 2018. Explicitou que a “F...” tinha carteiras de imóveis compradas ao Banco C..., que já vinham da última crise financeira, encontrando-se penhorados e que, por isso, o Banco não conseguia vender directamente, também porque tinham problemas de licenciamento de áreas, eram, na expressão da testemunha, “lixo imobiliário”. Por isso, os Bancos agrupavam-nos em conjuntos de 30, 40 ou até de 100 imóveis que eram vendidos a preços muito tentadores. Depois era tratar de arranjar um investidor imobiliário, como foi o caso da “A...”, que compravam um daqueles grupos de imóveis, entre os quais poderia haver dez bons imóveis, prontos para a revenda imediata, e outros com muitos problemas de legalização, como foi o caso do imóvel aqui discutido. Neste caso, o imóvel estava construído, havia uma licença, mas o prédio não estava construído conforme o que constava da Câmara. Havia diferenças de áreas e estava como prédio único mas, na verdade, eram apartamentos e lojas em baixo. A legalização iria permitir a revenda do prédio com maior margem de ganho. O processo foi entregue à Engª B... para fazer a legalização, o que não implicou quaisquer obras, qualquer construção. Apenas as áreas foram corrigidas em termos registais, mas na realidade física nada foi mexido, foi vendido no estado em que foi adquirido – assim esclareceu o Tribunal a Testemunha D... .   

            Por seu turno, a Engª B... identificou-se profissionalmente como Técnica de Avaliações e de Projecto, prestando serviços à Requerente, nesse âmbito. Esta testemunha é a autora do Relatório de Avaliação que foi junto com as Alegações como Doc. n.º 1, cuja leitura já permite aquilatar do seu aprofundado conhecimento da situação. Em síntese, disse que conheceu o imóvel em 2015 com a intenção de o avaliar para a “F...”. Disse que havia muita coisa ilegal, desde logo porque tinha licença para moradia, mas o que lá estava era um imóvel em propriedade horizontal, com vários apartamentos e fracções utilizáveis e até tinha um vídeo-porteiro com botões de chamada para cada fracção. A realidade física nada tinha que ver com o que constava na Câmara, a começar pelas áreas, incluindo a área do terreno, a área coberta e a área bruta de construção. Dado que as áreas ultrapassavam o PDM da Câmara, não havia como legalizar. Depois de várias reuniões na Câmara, encontrou-se como única saída criar um lote, um loteamento “fictício” [assim lhe chamou], com um bocadinho terreno só para o público, para dar capacidade de construção ao terreno e aí já conseguimos legalizar tudo. Na verdade, tentou dar-se a ideia de um parcelamento do terreno, mas não foi o que aconteceu porque o imóvel já lá estava. O aumento das áreas foi, na realidade, apenas uma actualização das áreas, era obrigatório. Nós não conseguiamos por tudo bem na Câmara, se não actualizássemos primeiro tudo nos documentos prediais. Mas não houve qualquer aumento de áreas, não houve alteração da disposição lá dentro, não houve construção nenhuma adicional. Não houve alteração nenhuma por parte da “A...”, houve sim e apenas a legalização da realidade física já existente. A legalização com a constituição da PH [propriedade horizontal] terminou já na posse de outro adquirente. A “A...” vendeu o que tinha comprado – estes os esclarecimentos fornecidos pela Engª B... .       

 

            IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 

 

            1. QUESTÃO A DECIDIR

 

            O objeto do litígio é o acto de Liquidação de IMT n.º ..., no montante de €74.731,07, acrescido de juros compensatórios no montante de €20.826,42, num valor global de €95.557,49, cuja anulação a Requerente pede, juntamente com a condenação da AT a restituir as quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

            A questão de fundo a decidir é, em suma, saber se ocorreu a caducidade da isenção de IMT nos termos do nº 5 do artigo 11º do CIMT, tendo-se verificado que ao prédio foi dado destino diferente, conforme conclui a AT, em face da modelo 1 de IMI nº ..., apresentada em 02-10-2017.

 

            2. POSIÇÕES DAS PARTES

 

            A AT sustenta a sua posição com os fundamentos constantes da informação que precedeu e originou a referida liquidação oficiosa de IMT, notificada à Requerente por intermédio do Ofício n.º ...(*), de 12 de novembro de 2024, donde resulta sucintamente:

            “5.5 - Ora, como se pode constatar há uma diferença significativa de áreas e frações, entre a primeira e a terceira modelo 1 de IMI, quer tenha sido por erro ou omissões e que foram refletidas em ambas as cadernetas prediais, dando origem a realidades distintas, motivo esse, pelo qual a última modelo 1 de IMI teve que ser apresentada como prédio “Melhorado/Modificado/Reconstruído e não com base em um outro motivo.

            5.6. – Consultados os documentos físicos existentes neste serviço de finanças e que se encontram junto de cada uma das modelos 1 de IMI, nomeadamente os projetos de arquitetura verifica-se que os mesmos não são iguais.”

            Assim, no entendimento da AT, a Modelo 1 de IMI, apresentada em 02-10-2017, que exibe como motivo prédio "Melhorado/Modificado/Reconstruído”, ao qual foi atribuído o artigo urbano n° P-... da freguesia de ... (com proveniência do U-...), justifica a caducidade do benefício fiscal sobre prédios para revenda, à luz do artigo 7.º do CIMT, por lhe ter sido dado destino diferente.

 

            Por seu turno, a Requerente pugna pelo entendimento contrário, asseverando que, por forma a viabilizar a posterior revenda, adotou somente os procedimentos necessários para a legalização da realidade física do imóvel junto da Câmara Municipal de Ourém, tendo, para o efeito, procedido à regularização dos respetivos documentos prediais.

            A declaração Modelo 1 de IMI n.º ..., apresentada a 02-10-2017, teve como única finalidade a correcção das áreas do prédio que constavam anteriormente na matriz, para que passassem a estar concordantes com as que existiam na realidade, não resultando essa alteração de qualquer obra de edificação, demolição ou qualquer outra efetuada pela Requerente no imóvel.

            Em suma, a Requerente revendeu o imóvel nas exatas condições físicas e estruturais em que o mesmo se encontrava à data da sua aquisição, de modo algum lhe tendo dado destino diferente.

                        

            3 – APRECIAÇÃO

 

            Convocam-se para decidir, essencialmente, as seguintes normas do CIMT (na redacção vigente à data dos factos):

 

Artigo 2.º

Incidência objectiva e territorial

            1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

(...)      

Artigo 7.º

Isenção pela aquisição de prédios para revenda

            1. São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda...

            2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda. 

(...)

Artigo 11.º

Caducidade das isenções

            (...)

            5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixa de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.

            (...).

 

            Enquanto tal, olhando ao estabelecido na Lei, a transmissão a título oneroso pela qual a Requerente adquiriu o imóvel em causa seria, em princípio, sujeita ao IMT, só não o tendo sido porque a adquirente demonstrou exercer habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda. A partir daí, o benefício da isenção de imposto de que usufruiu a Requerente só poderia ser-lhe retirado desde que se provasse que deu ao prédio um destino diferente da revenda, ou que o não revendeu dentro do prazo de três anos ou o que foi novamente para revenda.    

            Excluídas da discussão as duas últimas hipóteses da previsão legal, resta averiguar se a Requerente, tendo adquirido o prédio para revenda, lhe deu afinal um destino diferente.

            Há que escrutinar a prova recolhida nos autos para chegar ao resultado.

            Vejamos:

            - No conjunto de imóveis adquiridos pela Requerente ao Banco C... constava o prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ... e ... (anterior Rua ..., nº ...) - ..., freguesia de ..., concelho de Ourém, descrito na competente Conservatória de Registo Predial sob o número..., da freguesia de F ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 1.149.708,82€, o qual foi adquirido pelo preço de € 227.590,00 (Facto D).

            - A Requerente solicitou a avaliação desse imóvel e em resultado de tal avaliação revelaram-se diversas incongruências entre a realidade física do imóvel e aquela que constava, por um lado, do projeto de licenciamento que havia sido aprovado pela Câmara Municipal de Ourém e, por outro, da Certidão Permanente e da Caderneta Predial do imóvel (Facto E).

            - Após a aquisição do referido prédio, e por forma a viabilizar a posterior revenda, a Requerente deu início aos procedimentos necessários para a legalização da realidade física do imóvel junto da Câmara Municipal de Ourém, tendo, para o efeito, procedido à regularização dos respetivos documentos prediais (Facto F).

            - A Requerente procedeu à apresentação prévia de pedido de loteamento junto da Câmara Municipal de Ourém, de molde a que, após a emissão do Alvará de loteamento, fosse possível a legalização do edifício existente, no que se referia à alteração da implantação, volumetrias e áreas de construção (Facto G).

            - A Requerente apresentou, em 02.10.2017, a declaração Modelo 1 de IMI n.º ..., a qual teve como única finalidade a correcção das áreas do prédio que constavam anteriormente na matriz, de molde a compatibilizá-las com as que existiam na realidade, não resultando tal declaração de correcção de qualquer obra de edificação, demolição ou qualquer outra efetuada pela Requerente no imóvel ( Facto H).

            - Em 03.07.2028, a Requerente revendeu aquele imóvel, nas exactas condições físicas e estruturais em que o mesmo se encontrava à data da sua aquisição, à “E... S.A.” (Facto I).

            Assim, a prova obtida é incontornável quanto à conclusão de que, ao contrário do pretendido pela AT, a Requerente não destinou o imóvel em causa a outro fim que não o da revenda. O que se verificou foi que, após a aquisição do imóvel, a Requerente constatou que a realidade existente não coincidia com o que constava da Câmara Municipal, desde logo pelas áreas, que estavam todas desconformes, a saber a área do terreno, a área coberta e a área bruta de construção. Além do mais, como esclareceu a Engª B... (acima identificada), o prédio tinha licença para moradia, mas o que lá estava era um imóvel em propriedade horizontal, com vários apartamentos e fracções utilizáveis e até tinha um vídeo-porteiro com botões de chamada para cada fracção. Enquanto tal, impôs-se adoptar todos os procedimentos necessários para que fosse viável a revenda do edifício, o que abrangeu criar a aparência de um parcelamento do terreno, com a criação de um único lote - porque o imóvel já existia no local - a fim de permitir a legalização do que já estava construído. Assim se percebe facilmente que não houve quaisquer aumentos reais de áreas, mas, tão-só, todo um processo de compatibilização da realidade física do prédio com a que constava quer do processo camarário, quer do registo e da matriz prediais. 

            Ora, em face dos complexos procedimentos acabados de descrever é perfeitamente normal que cada Mod. 1 apresentada esteja acompanhada de um projeto de arquitetura diferente, pois, doutro modo, não seria viabilizada a legalização camarária, não fazendo sentido este argumento da AT. 

            Acresce não ser relevante, no caso concreto, que da declaração Modelo 1 de IMI n.º..., apresentada em 02.10.2017, conste como motivo prédio "Melhorado /Modificado /Reconstruído”, apesar de nenhum melhoramento, modificação ou reconstrução ter ocorrido, correspondendo tal menção ao mero formalismo de preenchimento da declaração Modelo 1 de IMI, cujo formulário não apresenta melhor alternativa, como muito bem evidencia a Requerente.

            De toda a prova, ressalta notória a evidência de que o caso tratado nestes autos consubstancia um processo meramente burocrático, sem qualquer alteração da realidade material do imóvel, ou seja, sem implicar qualquer modificação real de áreas, disposição de divisões, demolição ou construção do que quer que fosse. Em suma, a prova é inequívoca quanto à conclusão de que a Requerente vendeu, tal e qual, aquilo que tinha comprado, sem lhe alterar o destino. 

 

Em conclusão, procede o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

            

            

            V. DEVOLUÇÃO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE COBRADO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS 

 

            Na sequência da anulação da impugnada liquidação de imposto, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas e não reembolsadas, consoante o supra exposto, o que é consequência da anulação. 

            Atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito

            De harmonia com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que nos remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

            Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

            O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que a actuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA, de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). Assim, tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de facto e de Direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos da citada norma.

            Em total sintonia, o artigo 100.º da LGT estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

            Tem, portanto, a Requerente o direito a ser reembolsada da quantia de 95.557,49€ e ainda a ser indemnizada, através de juros indemnizatórios calculados sobre aquela quantia, computados desde a data do pagamento, 14-01-2025, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

            A Requerente pede para ser ressarcida do montante correspondente aos juros de mora e às custas processuais por si suportadas já no processo de execução fiscal, porém tais questões não cabem no âmbito da impugnação judicial, pelo que deverão ser objecto de apreciação em sede de execução do julgado.

 

 

            VI. Decisão

 

            Em face do exposto, o Tribunal julga procedente o pedido arbitral, decidindo:

 

a)    Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IMT e juros compensatórios aqui impugnado, no montante de € 95.557,49;

b)    Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do montante de € 95.557,49, indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre esse montante, nos termos acima expostos;

c)     Condenar a Requerida nas custas do processo.

             

            VI. Valor da Causa 

 

            Fixa-se o valor da causa em € 95.557,49 (noventa e cinco mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

            VII. Custas

 

            Custas no montante de 2.754,00 (dois mil setececentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

            

Notifique-se.

 

14 de Novembro de 2025.

 

Os Árbitros,

 

(Rui Duarte Morais)

 

(A. Sérgio de Matos)

 

(António Alberto Franco)