Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2025-T
Data da decisão: 2025-11-12  Selo  
Valor do pedido: € 30.351,77
Tema: IS. Inimpugnabilidade de actos de autoliquidação por intempestividade do pedido de revisão oficiosa
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Sumário:

1.     O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de imposto do selo, nos termos do art. 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, independentemente de o pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido ter sido objecto de rejeição liminar por intempestividade.

2.     O invocado erro na autoliquidação apenas pode ser conhecido no pedido de revisão oficiosa, apresentado nos termos dos n.os 1 e 7 do art. 78.º da LGT, caso seja interposto no prazo de dois anos que se encontra previsto para a reclamação graciosa (art. 131.º, n.º 1, do CPPT).

 

DECISÃO ARBITRAL

            

            

I. Relatório

1. A..., S.A., titular do Número de Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC)..., e com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º e na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º e segs. do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1, que aprova o RJAT, conjugado com o disposto no art. 99.º e na alínea d) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT, aplicáveis ex vi alínea a) do n.º 1 do 10.º do aludido RJAT, apresentar, em 10/3/2025, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, “[t]endo por objeto a decisão final do pedido de revisão oficiosa proferido a 28 de novembro de 2024, no âmbito do procedimento tributário n.º ...2024..., cuja cópia ora se junta como Documento n.º 1”, por entender que “a Requerente goza do benefício fiscal estatuído pela norma isentiva do artigo 7.º, n.º 1, al. e), pelo que a repercussão do IS que sofreu na sua esfera patrimonial é absolutamente ilegal, devendo, por seu turno, ser restituído à Requerente o montante ilegalmente repercutido.”    

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19/5/2025.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

  

a)     «Atendendo a que o impacto económico decorrente das liquidações de Imposto do Selo sofridas entre maio de 2021 e abril de 2024 se verificou na esfera da Requerente, por um lado, e que o erro de que enfermam as liquidações de Imposto do Selo cuja legalidade ora se discute se equipara a um “erro imputável aos serviços” por violação do artigo 7.º, n.º 1, al. e), e n.º 7, do CIS, sem que tenham decorrido mais de quatro anos desde a data das respectivas liquidações e a presente data, nenhuma dúvida deverá subsistir quanto à adequação do meio de reação utilizado [pedido de revisão oficiosa], devendo o mesmo considerar-se tempestivamente apresentado.

 

b)    [A] AT só pode argumentar que inexiste erro imputável aos serviços (no caso, erro de direito), se tiver atentado, previamente, no mérito do pedido de revisão oficiosa, isto é, nos fundamentos – rectius, nas ilegalidades – que o subjazem. Logo, verifica-se uma contradição lógica quanto ao excerto textual transcrito da decisão da AT [‘Asseverou a AT, no páragrafo 69 da decisão final do procedimento de revisão oficiosa tributária, o seguinte: “(...) não estamos perante qualquer tipo de erro imputável aos serviços, pelo que não nos debruçamos sobre o mérito do pedido (...)”.’], na medida em que é (logicamente) impossível concluir que não lhe é imputável qualquer erro (de direito) sem que tenha, para o efeito, analisado os fundamentos materiais do pedido de revisão oficiosa.

 

c)     É absolutamente nítido que a AT teve de ter apreciado o mérito do pedido na decisão presentemente sindicada pela Requerente, pelo que esta decisão comporta a apreciação da legalidade dos atos de liquidação em crise e, por conseguinte, constitui um ato tributário stricto sensu conforme a jurisprudência supra citada.

 

d)    Quer para a Administração Tributária, quer para os Tribunais portugueses, a qualificação de OIC como “instituições financeiras” é absolutamente pacífica.

 

e)     Por força do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, a verba n.º 17 da TGIS consagra o aspeto material do elemento objetivo facto tributário em IS, que consiste em “operações financeiras”, densificando, no seu desenvolvimento, o conceito de “operações financeiras”, nomeadamente, em utilização de crédito concedido a qualquer título, juros, comissões por garantias prestadas e comissões por serviços prestados.

 

f)     In casu, considera a Requerente que as operações financeiras em causa cabem na previsão objetiva da norma, em razão de se tratarem, essencialmente, de operações de concessão de crédito, argumento reforçado pelo facto das entidades mutuantes se qualificarem como “instituições de crédito”, nos termos da Lei, e o OIC alternativo, na qualidade de mutuário, configurar como “instituição financeira”, nos termos previstos na legislação comunitária.

 

g)    Os encargos suportados com IS respeitam à utilização do crédito, à cobrança de juros e à cobrança de comissões, que se subsumem, respetivamente, nas verbas n.º 17.1.3, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS – tal como se pode constatar no Documento n.º 4. No mais, essas operações financeiras decorreram diretamente da concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições referidas anteriormente.

 

h)    Demonstra-se, assim, que a Requerente goza do benefício fiscal estatuído pela norma isentiva do artigo 7.º, n.º 1, al. e), pelo que a repercussão do IS que sofreu na sua esfera patrimonial é absolutamente ilegal, devendo, por seu turno, ser restituído à Requerente o montante ilegalmente repercutido.»

 

3.1. A ora Requerente termina pedindo que «o presente Pedido de Pronúncia Arbitral se[ja] [julgado] procedente, determinando-se em consequência disso: a) [a] anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão dos atos de liquidação de IS sindicados, respeitantes ao montante pago a título de IS por referência ao período supra indicado, bem assim como a anulação dos atos de liquidação aqui em causa por serem considerados como ilegais; b) [o] reembolso à Requerente do valor total de IS indevidamente pago, no valor global de Euro 30.351,77, acrescido de juros indemnizatórios, devidos nos termos legais.»

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) invocou, na sua resposta, o seguinte:

 

a)     «Vem o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) deduzido contra a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024... por intempestividade (objeto imediato do pedido); bem como os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS) repercutido na Requerente, nos termos da Verba 17.1.3, 17.3.1 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativos à utilização de crédito, juros e comissões cobrados em resultado de dois contratos para a obtenção de financiamento bancário que a Requerente celebrou com o B... S.A. (doravante “B...”) e com o C..., S.A. (doravante “C...”), referentes aos períodos de maio de 2021 a abril de 2024, no valor de € 30.351,77.

 

b)    Peticionando a final que o tribunal determine: “a) A anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão dos atos de liquidação de IS sindicados, respeitantes ao montante pago a título de IS por referência ao período supra indicado, bem assim como a anulação dos atos de liquidação aqui em causa por serem considerados como ilegais; b) O reembolso à Requerente do valor total de IS indevidamente pago, no valor global de Euro 30.351,77, acrescido de juros indemnizatórios, devidos nos termos legais.”

 

c)     Para tanto, sustenta o petitório com os fundamentos vertidos no douto ppa, mormente insurge-se contra a argumentação vertida na decisão de rejeição liminar da revisão oficiosa, apresentada, e que aqui se dão para todos os efeitos legais por integralmente reproduzidos e para onde desde já se remete.

 

d)    Com efeito, resumidamente, a Requerente alega que a tributação em sede de IS das operações de crédito em apreço é ilegal, por considerar que se tratam de operações isentas nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do Código do Imposto do Selo (CIS), e, ainda, que as liquidações em causa se encontram enfermas por erro imputável aos serviços e que, consequentemente, lhes é aplicável o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

e)     Todavia, a Requerente carece, em absoluto, de razão. Com efeito, conforme demonstraremos, existem óbices de direito que votam a presente acção ao insucesso.

 

f)     Como ponto prévio, desde já se salienta que, para que o douto tribunal se pudesse pronunciar acerca do pedido da Requerente era condição sine qua non que tivesse havido uma decisão de indeferimento expresso, com análise do mérito da causa, ou um indeferimento expresso, o que indubitavelmente não sucedeu!

 

g)    Com efeito, como se pode verificar pela análise do Processo Administrativo estamos perante uma decisão de Rejeição Liminar e consequentemente Arquivamento do pedido de revisão oficiosa apresentada.

 

h)    Como decorre desde logo de forma expressa e clara da notificação da decisão final do pedido de revisão oficiosa comunicado à Requerente – cf. PA agora junto: [...]. Na mesma linha, note-se o igualmente o ofício de notificação da decisão final desse mesmo procedimento comunicado à Requerente – cf. PA agora junto: [...].

 

i)      Aliás, a própria Requerente faz menção desta mesma decisão de rejeição do pedido de revisão apresentado, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral.

 

j)      Pois bem, não estando em causa a apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação/ autoliquidação, a impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral não são os meios próprios de reação, contrariamente ao que defende a Requerente no seu ppa.

 

k)    Como aliás decorre de forma clara e expressa da notificação de decisão final do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, conforme demonstrado supra. Na ante mencionada notificação, em cumprimento dos ditames legais são referidos os meios de reação daquelas decisões ao dispor da ora Requerente, [a]í se referem – de forma corretíssima, saliente-se – como meios de reação o recurso hierárquico – cf. art.º 66.º n.º 1 e 2 do CPPT (meio de reação administrativo) e/ou a impugnação de atos administrativos – cf. art.º 50.º e 58.º do CPTA (meio de reação judicial).

 

l)      Pelo que, sem margem para dúvidas, quer da notificação efetuada à Requerente, quer, sobretudo, pelo conteúdo da decisão final do pedido de revisão oficiosa, estamos perante um ato de rejeição liminar, que não comportou a apreciação da legalidade das liquidações, como pretende a Requerente.

 

m)   A ser como é, atenta a referida rejeição liminar, o Tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar a decisão que considerou intempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado, bem como, e em consequência a legalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo referentes aos períodos de maio de 2021 a abril de 2024, pois que, quanto a estas autoliquidações considera-se precludido o direito da sua contestação na presente ação arbitral, pois foi rejeitada a apreciação da legalidade daqueles atos tributários de liquidação postos em crise com fundamento em intempestividade.

 

n)    Pelo que, não se pode deixar de considerar que, uma vez que foi rejeitada a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IS, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

o)    E assim o sendo, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele.

 

p)    [A] jurisprudência é clara, pois, ao considerar que a jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os atos suscetíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de atos elencados no referido artigo 2.º do RJAT.

 

q)    Como referido, o processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objeto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual «deve constituir um meio processual alternativo» – cf. n.os 1, 2 e 4, alínea a), do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

 

r)     Assim, não restam, pois, dúvidas que a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT.

 

s)     Apenas se podendo concluir que, relativamente às liquidações de IS que a decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado decidiu rejeitar liminarmente com fundamento em intempestividade do meio processual utilizado, a impugnação dessas mesmas liquidações deve ser efetuada através de ação administrativa. Pelo que, nessa medida, nessa parte, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral.

t)      Consubstanciando, portanto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência do tribunal quanto às liquidações de IS aqui em questão, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição, nessa parte, da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

u)    [A] ação administrativa é o meio contencioso adequado para contestar os atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade de atos de liquidação, de acordo com o disposto com a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, o que é o caso da decisão de rejeição liminar proferida em sede de revisão oficiosa.

 

v)    Do [...] exposto resulta que, o presente meio não consubstancia o meio processual adequado com vista à apreciação da legalidade do ato de Rejeição Liminar do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, verificando-se impropriedade do meio processual utilizado.

 

w)   Ora, a impropriedade do meio processual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 577.º e 278.º/1 ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.

 

x)    [N]o caso vertente [...] o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente indeferido, não tendo o CAAD competência para analisar da legalidade dos fundamentos invocados pela AT na decisão de indeferimento liminar. No caso dos presentes autos, tal como no exemplo da reclamação graciosa intempestiva, não se tem por verificado o ónus de reclamação necessária, o que torna os atos de autoliquidação em dissídio inimpugnáveis, retirando-os outrossim do âmbito de competências do Tribunal Arbitral, por via do artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março.

 

y)    [A] existir um qualquer erro nestas autoliquidações de Imposto do Selo, este seria imputável aos sujeitos passivos e, como tal, a AT só teria o poder/dever de promover a sua eventual revisão, se a Requerente tivesse tomado a iniciativa nesse sentido “no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade”, em conformidade com a primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT. Uma vez ultrapassado o prazo mencionado, a AT está impedida de promover a revisão oficiosa da autoliquidação a favor do contribuinte.

 

z)     Em conclusão, não se encontrando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de um qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – a tempestividade –, deve, portanto, o presente PPA ser rejeitado por manifesta intempestividade da revisão oficiosa, o que determina a inimpugnabilidade das autoliquidações contestadas, no valor de € 30.351,77, impedindo relativamente às mesmas o conhecimento do mérito da causa.

 

aa)  Nestes termos, tendo os atos de liquidação de imposto de selo se consolidado na ordem jurídica, verifica-se a exceção de inimpugnabilidade dos mesmos, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 

bb) [Sem conceder, quanto às questões prévias invocadas, ainda assim, e por mera cautela,] [Da defesa por impugnação] a Requerente alega que as operações de utilização de crédito, cobrança de juros e cobrança de comissões em apreço, realizadas no âmbito dos contratos de financiamento supramencionados, referentes aos períodos de maio de 2021 a abril de 2024, correspondem a operações isentas nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS. Ora, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, apenas estão isentas de IS, as seguintes operações: utilização do crédito concedido; garantia prestada na concessão do crédito; e comissões cobradas diretamente destinadas à concessão do crédito.

 

cc)  Todavia, as faturas disponibilizadas pela Requerente incluem menções a comissões que não se encontram previstas no referido contrato de financiamento, nomeadamente, as seguintes: “Comissão Serviços de Avaliação” (páginas 9 e 28 do documento n.º 4), “COMISSÃO TRF” (páginas 10, 11 e 13 do mesmo documento) e “Comissão Alteração Contratual” (páginas 20 e 26 do documento mencionado). Assim, não é possível estabelecer uma conexão clara entre estas comissões cobradas pelo B..., refletidas nas faturas disponibilizadas, e o contrato de financiamento n.º..., sendo que o valor global do IS alegadamente liquidado, no âmbito destas faturas, é de € 271.

 

dd) Ademais, das faturas apresentadas pela Requerente, não consta qualquer menção ao referido contrato de financiamento, sendo que, nas páginas 14 a 18, 21 a 23, 25, 27, 29 a 38 e 40 a 44 do documento n.º 4 anexado ao PPA pela Requerente, existe referência a juros no âmbito de um contrato com o n.º ... – número este que não coincide com o número do contrato apresentado no documento n.º 2.

 

ee)  Desta forma, também não é possível estabelecer qualquer conexão entre os juros referidos cobrados pelo B... e constantes das faturas mencionadas e o contrato de financiamento n.º..., sendo que o valor global do IS alegadamente liquidado, no âmbito destas faturas, é de € 7.242,67.

 

ff)   Assim, da análise dos documentos trazidos ao processo pela Requerente, não é possível concluir se as operações financeiras antes referidas, que se encontram refletidas nas faturas mencionadas, dizem respeito ao contrato de financiamento por esta apresentado, celebrado com o B..., podendo tais cobranças e respetivo imposto advir de quaisquer outros contratos de concessão de crédito ou serviços bancários prestados pela instituição financeira mencionada.

 

gg) Tendo em conta que a Requerente não logrou apresentar elementos de prova que corroborassem as alegações vertidas no seu pedido de pronúncia, ónus que sobre si impendia, ao abrigo do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, tal facto necessariamente terá de ser valorado contra si, em obediência aliás ao art.º 414.º do Cód. Proc. Civil, nos termos do qual “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.

 

hh) Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT.»

 

4.1. A Requerida conclui pedindo que: a) se[ja] julgada procedente a exceção da inidoneidade do meio processual com a consequente absolvição da AT da instância; b) caso assim não se entenda, subsidiariamente, [...] o Tribunal Arbitral julg[ue] procedente a inimpugnabilidade dos atos tributários e a consequente caducidade do direito de ação, absolvendo a AT da instância; c) por fim, caso assim não se entenda, [...] a presente ação se[ja] julgada improcedente por não provada e, em consequência, se[ja] a Requerida absolvida do pedido.»

 

5. Tendo sido invocadas excepções pela Requerida, a Requerente foi convidada, por despacho de 30/10/2025, a pronunciar-se sobre as mesmas. Após a referida pronúncia (a qual ocorreu a 5/11/2025), e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal arbitral, através de despacho de 5/11/2025, prescindiu da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Na mesma data, foi, também, fixado o dia 12/11/2025 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente (vd. artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT, e art. 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT[1].)

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3).

 

8. Atendendo às (demais) questões prévias (excepções) suscitadas pela Requerida, a análise das mesmas será realizada infra, no ponto IV.

 

III. Matéria de Facto

 

III.1. Factos Provados

 

9. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A Requerente é um organismo de investimento coletivo alternativo imobiliário (vd. art. 5.º, n.º 1, al. b), e art. 208.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28/4, que aprova o Regime de Gestão de Ativos [RGA]), que assume a forma societária de sociedade de investimento coletivo ou ‘SIC’ (vd. art. 3.º, al. a), e art. 8.º, n.º 2, do RGA).

B. No âmbito da atividade que desenvolve, a Requerente celebrou com o B... S.A. (‘B...’) e com o C..., S.A. (‘C...), dois contratos para a obtenção de financiamento bancário (vd. Docs. n.º 2 e n.º 3, apensos aos autos).

C. Segundo alegação da Requerente, as instituições de crédito supra referidas liquidaram e pagaram IS, na qualidade de sujeitos passivos, nos termos das verbas 17.1.3, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, relativos à utilização de crédito, juros e comissões, no âmbito desses contratos de financiamento, referentes aos períodos de Maio de 2021 a Abril de 2024, no valor impugnado de € 30.351,77 – o qual terá sido repercutido sobre a Requerente, enquanto utilizadora desses créditos e devedora dos juros e comissões cobrados.

D. No âmbito de uma revisão interna relativamente aos procedimentos adoptados, por referência aos períodos de tributação de 2021 a 2024, a ora Requerente afirma ter-se apercebido de que lhe foi repercutido o pagamento do IS que, na verdade, não era devido por conta da isenção estatuída pela norma do art. 7.º, n.º 1, al. e), e n.º 7, do CIS. 

E. Consequentemente, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa em 22/10/2024, na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao qual foi atribuída a entrada n.º ...-E/DJT/2024, de 23/10/2024 (vd. § 26.º da Informação n.º ...-ISCPS1/2024, a fl. 180 do PA apenso aos autos). 

F. Os mencionados actos tributários de liquidação de IS suportados pela Requerente, e ora contestados, dizem respeito “a atos tributários de liquidação de IS praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016” (vd. § 26.º e § 45.º da Informação n.º ...-ISCPS1/2024, a fls. 180 e 183 do PA apenso aos autos, respectivamente). 

G. O referido pedido de revisão foi rejeitado liminarmente por intempestividade e a decisão foi comunicada à Requerente através da Informação n.º ...-SCPS1/2024, a 28/12/2024 (vd. fl. 174 do PA apenso aos autos).

H. Na mencionada Informação não ocorre a apreciação da legalidade de quaisquer actos de liquidação, apenas se esclarecendo, e exclusivamente para efeitos de demonstração da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, que não se descortinava erro imputável aos serviços que pudesse, por essa via, autorizar a concessão de prazo mais dilatado (vd. §§ 64.º a 72.º da Informação n.º ...-SCPS1/2024, a fls. 188 e 189 do PA apenso aos autos).

I. Inconformada, a Requerente interpôs, a 10/3/2025, a presente acção arbitral.

 

III.2. Factos não provados 

 

10. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

 

12. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

13. A convicção do Tribunal arbitral fundou-se na livre apreciação das posições que foram assumidas pelas Partes bem como dos documentos que foram juntos aos presentes autos, não contestados.

 

IV. Questões prévias

 

14. Várias questões prévias foram suscitadas pela Requerida na sua resposta (vd. supra4.1.), as quais exigem a devida apreciação antes da eventual avaliação do mérito do pedido.

 

15. Nomeadamente, alega a Requerida, na sua Resposta, que: i) “o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) [vem] deduzido contra a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024... por intempestividade (objeto imediato do pedido)”; ii) “como se pode verificar pela análise do Processo Administrativo estamos perante uma decisão de Rejeição Liminar e consequentemente Arquivamento do pedido de revisão oficiosa apresentada”; iii) “quer da notificação efetuada à Requerente, quer, sobretudo, pelo conteúdo da decisão final do pedido de revisão oficiosa, estamos perante um ato de rejeição liminar, que não comportou a apreciação da legalidade das liquidações, como pretende a Requerente”; iv) “não estando em causa a apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação/ autoliquidação, a impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral não são os meios próprios de reação, contrariamente ao que defende a Requerente”; v) “atenta a referida rejeição liminar, o Tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar a decisão que considerou intempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado, bem como, e em consequência a legalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo referentes aos períodos de maio de 2021 a abril de 2024, pois que, quanto a estas autoliquidações considera-se precludido o direito da sua contestação na presente ação arbitral, pois foi rejeitada a apreciação da legalidade daqueles atos tributários de liquidação postos em crise com fundamento em intempestividade”.

 

16. Para além da invocação da excepção dilatória por inidoneidade do meio processual usado, a Requerida acrescenta, ainda, quanto à impugnabilidade dos actos de liquidação, que: “não se encontrando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de um qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – a tempestividade –, deve [...] o presente PPA ser rejeitado por manifesta intempestividade da revisão oficiosa, o que determina a inimpugnabilidade das autoliquidações contestadas, no valor de € 30.351,77, impedindo relativamente às mesmas o conhecimento do mérito da causa”, pelo que, “[n]estes termos, tendo os atos de liquidação de imposto de selo se consolidado na ordem jurídica, verifica-se a exceção de inimpugnabilidade dos mesmos, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.”

 

17. No seu requerimento de 5/11/2025, a ora Requerente alega, em síntese, o seguinte quanto à questão relativa à competência material do Tribunal e idoneidade do meio processual: i) “Na sua resposta, a AT alega, desde logo, que há incompetência em razão da matéria por parte do presente tribunal arbitral no que concerne ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Exponente. A respeito desta posição, e com o devido respeito, não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância.”; ii) “No âmbito da análise ao pedido de revisão oficiosa de ato tributário, a inteleção da existência/inexistência de ‘erro imputável aos serviços’ – no caso, na modalidade de erro de direito –, sustenta-se com base na análise dos fundamentos em particular, das ilegalidades alegadas pelo contribuinte. Neste sentido, cumpre salientar a contradição lógica da posição da AT: é logicamente impossível concluir que não há erro (de direito) que lhe seja imputável sem que tenha, para o efeito, analisado os fundamentos materiais do pedido de revisão oficiosa ou seja, a (i)legalidade dos atos de liquidação presentemente sindicados. O mesmo é dizer: a AT tem de promover uma análise prévia ao mérito do pedido, à questão tributária em apreço para concluir se existe ou inexiste algum erro que lhe seja imputável.”; iii) “A rejeição liminar em apreço caracteriza-se por ser um ato administrativo em matéria tributária que comporta a apreciação da legalidade o que o torna sindicável no presente tribunal arbitral à luz do disposto do artigo 2.º do RJAT, do artigo 98.º, n.º 1, alínea p), e n.º 2 do CPPT, e demais legislação aplicável.” A Requerente, acrescenta, ainda, em abono das suas alegações, o entendimento do STA vertido no processo n.º 01958/13, de 14/5/2015, e das decisões arbitrais do CAAD nos processos n.º 457/2022-T, de 19/1/2023, e n.º 896/2023-T, de 3/6/2024; e conclui, em síntese, que “a invocada exceção da incompetência do tribunal arbitral, bem com a exceção da inidoneidade do meio processual, invocadas pela AT na sua resposta quanto aos atos de liquidação de Imposto do Selo ilegalmente suportados pela Exponente, mostram-se clarividentemente improcedentes. Consequentemente, carecem de fundamento as demais exceções também invocadas pela AT, de intempestividade direta para a impugnação direta dos referidos atos de liquidação de Imposto do Selo e, antecipando os desenvolvimentos imediatamente posteriores, também carece de fundamento a exceção de inimpugnabilidade desta parte dos actos de liquidação de Imposto do Selo”. 

 

18. Relativamente à questão da impugnabilidade dos actos de liquidação, alega a Requerente, no referido requerimento de 5/11/2025, que “a AT alega que as autoliquidações de Imposto do Selo repercutidas na esfera da Exponente não foram submetidas à apreciação administrativa prévia necessária, tal como o exige o artigo 2.º, n.º 1, al. a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, e o 131.º do CPPT [...]. Todavia, a AT carece, uma vez mais, de razão neste ponto.” A Requerente defende e conclui, a este respeito, que “a Exponente não pode sair prejudicada pelo facto de ter recorrido à revisão oficiosa do ato tributário, em vez da reclamação graciosa, para reagir contra os atos de liquidação de Imposto do Selo ilegais suportou. Seria, portanto, juridicamente inadmissível que a Exponente, na qualidade de contribuinte, saísse prejudicada, no sentido de não poder [...] lançar mão do pedido de revisão oficiosa de ato tributário, pela circunstância de a AT ter recorrido a entidades particulares para efetivar os atos de liquidação sindicados. Em boa verdade, é essa a consequência prática da adoção do entendimento da AT: ao pretender que se obvie o exercício tempestivo de uma garantia administrativa do contribuinte a revisão oficiosa do ato tributário, a adoção da posição da AT constituiria uma nítida e irremediável violação do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT e nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) – em especial, do princípio da tutela jurisdicional efetiva –, porquanto a Exponente ficaria ‘condenada’ a suportar repercussões de liquidações claramente ilegais sem ter a possibilidade de reagir judicialmente.”

 

19. Vejamos, então. 

 

20. Como se refere na Informação n.º ...-ISCPS1/2024 (vd. fl. 178 do PA apenso aos autos), para a qual a AT remete o fundamento da decisão de rejeição liminar e arquivamento do pedido de revisão oficiosa em causa, “resulta [...] do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, que a revisão dos atos tributários pode operar por iniciativa do sujeito passivo ou da Administração Fiscal; no primeiro caso o pedido deve ser interposto no prazo de reclamação administrativa e o fundamento pode ser qualquer ilegalidade; no segundo caso o prazo para interposição do pedido é de 4 anos, e o fundamento tem de ser, necessariamente, o erro imputável aos serviços.”

 

21. Ora, como salienta a referida Informação (vd. fl. 180 do PA apenso), no presente caso, “[a] Requerente apresentou a revisão oficiosa em 22-10-2024, na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao qual foi atribuída a entrada n.º ...-E/DJT/2024 de 23.10.2024, e dado que os atos tributários de Imposto do Selo, referentes à verba 17.1.3, 17.3.1 e 17.3.4. da TGIS, ora contestados, foram emitidos entre maio de 2021 a abril de 2024, [pelo que] verifica-se que o pedido é intempestivo, atendendo a que se refere a atos tributários de liquidação de IS praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, situação que não preenche os pressupostos contidos na 2.ª parte e 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.”

 

22. Nesse sentido, reafirma-se e conclui-se, na citada Informação (vd. fl. 182 do PA apenso aos autos), que “o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido de revisão oficiosa dos atos tributários contestados é, com efeito, intempestivo, dado ter sido apresentado em 22.10.2024, em consonância com o estabelecido no mencionado art. 78.º da LGT vigente, conjugado com o artigo 131.º do CPPT, pelo que resulta que a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo de 2 anos de que dispunha para o efeito” – razão pela qual a “conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar por intempestividade do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o pedido se encontra insindicável por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78.º da LGT para o efeito.”

 

23. Com efeito, tendo presente que – como se refere, supra, no ponto F. da factualidade provada –, os actos tributários de liquidação de IS suportados pela Requerente, e ora contestados, dizem respeito “a atos tributários de liquidação de IS praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016” (vd. § 26.º e § 45.º da Informação n.º ...-ISCPS1/2024, fls. 180 e 183 do PA apenso aos autos, respectivamente), o pedido de revisão, para efeitos de tempestividade, deveria ter sido apresentado dentro do prazo da Reclamação Administrativa (dois anos após apresentação da declaração, conforme dispõe o art. 131.º, n.º 1, do CPPT). 

24. Tal, contudo, não sucedeu, uma vez que, como se disse, o pedido de revisão foi apresentado a 22/10/2024 (vd. § 26.º da Informação n.º ...-ISCPS1/2024, a fl. 180 do PA apenso aos autos).

 

25. A este respeito, alega a Requerente, no seu Requerimento de 5/11/2025, que “a Exponente não pode sair prejudicada pelo facto de ter recorrido à revisão oficiosa do ato tributário, em vez da reclamação graciosa, para reagir contra os atos de liquidação de Imposto do Selo ilegais suportou.” E alega, ainda, que seria “juridicamente inadmissível que a Exponente, na qualidade de contribuinte, saísse prejudicada, no sentido de não poder [...] lançar mão do pedido de revisão oficiosa de ato tributário, pela circunstância de a AT ter recorrido a entidades particulares para efetivar os atos de liquidação sindicados. Em boa verdade, é essa a consequência prática da adoção do entendimento da AT: ao pretender que se obvie o exercício tempestivo de uma garantia administrativa do contribuinte a revisão oficiosa do ato tributário, a adoção da posição da AT constituiria uma nítida e irremediável violação do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT e nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (‘CRP’) – em especial, do princípio da tutela jurisdicional efetiva –, porquanto a Exponente ficaria ‘condenada’ a suportar repercussões de liquidações claramente ilegais sem ter a possibilidade de reagir judicialmente. A este respeito, as garantias dos contribuintes (entre as quais, as garantias procedimentais) constituem um dos elementos essenciais do direito fiscal, pelo que a interpretação veiculada pela AT afrontaria o princípio da legalidade fiscal (sancionado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP)”. 

 

26. Note-se, contudo, que, como bem refere o Acórdão do STA de 2/10/2024 (proferido no proc. 01917/21.4BELRS), “A circunstância de o contribuinte poder, no caso sob julgamento, em que lidamos com uma autoliquidação, ter o prazo de dois anos para solicitar a revisão com fundamento em ilegalidade, não constitui uma qualquer privação de garantia ou desigualdade de armas, pois a possibilidade adicional que lhe é dada de questionar o ato de liquidação num quadro em que conserva a faculdade de recorrer a outros mecanismos impugnatórios, quer de índole administrativa quer índole jurisdicional (com ela cumuláveis, portanto), constituirá, quando muito, uma multiplicação de garantias e jamais o contrário. Já para não referir que, no quadro do artigo 78.º da LGT, está, neste momento, consolidada a possibilidade de o sujeito passivo poder, ainda, solicitar a revisão num período de 4 anos quando se verifique um erro imputável aos serviços. [‘o conceito de «erro imputável aos serviços» para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, concretamente, para efeitos de apresentação de pedido de revisão oficiosa de autoliquidação pelo contribuinte, no prazo de quatro anos, apenas contempla as situações em que foram emitidas orientações ou informações pela administração tributária’]. [...]. Conclui-se, portanto, de tudo o que se expôs, [...] no sentido de que, do âmbito do regime da revisão do ato de autoliquidação que acabámos de abordar e das diferenças a nível das prerrogativas que assistem à AT e ao sujeito passivo, não advém qualquer colisão com os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva que até aparece como reforçado, precisamente pelas possibilidades adicionais que surgem em termos de reação jurisdicional no seguimento de um indeferimento do pedido de revisão.” (Sublinhados nossos).    

 

27. Acresce salientar que inferir, como o faz a Requerente no seu requerimento de 5/11/2025 – apoiada em argumentos expostos na Decisão arbitral do proc. 457/2022-T, de 19/1/2023 (que também foram reproduzidos e acompanhados na Decisão arbitral do proc. 896/2023-T, de 3/6/2024) – que houve um “indeferimento por ‘intempestividade’ mas que, na realidade, [tal] constitui um indeferimento por inadmissibilidade legal do pedido, o que ocorre sempre que a AT considera que o pedido não é admissível face à inexistência de um erro imputável aos serviços (o que envolve uma apreciação dos fundamentos que suportam o pedido de revisão) e que, por consequência, é inaplicável o prazo fixado na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT – sindicada através de impugnação judicial”, é um juízo que, no caso destes autos, não encontra apoio ou respaldo nos fundamentos que constam da Informação que está na base da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa (vd. Informação n.º ...-ISCPS1/2024).

 

28. Com efeito, na referida Informação não houve apreciação da legalidade de quaisquer actos de liquidação, apenas se esclarecendo, e exclusivamente para efeitos de demonstração da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, que não se descortinava erro imputável aos serviços que pudesse, por essa via, autorizar a concessão de prazo mais dilatado (vd. artigo 78.º da LGT e §§ 64.º a 72.º da Informação n.º ...-ISCPS1/2024).

29. Veja-se, nomeadamente, o que se diz, respectivamente, nos §§ 65.º, 66.º e 72.º da referida Informação: “[...] no que se refere aos atos tributários de autoliquidação de imposto do selo, a situação não preenche os pressupostos contidos na 1.ª e 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nem os pressupostos do n.º 4 do art. 78.º da LGT; aliás, é o próprio Requerente que afirma que ‘Tal cobrança deveu-se a um lapso do recenseamento da Requerente nos sistemas da entidade concedente do crédito (D..., S.A. Sucursal em Portugal).’.”; “uma vez que a questão objeto da presente revisão prende-se sobre os juros, utilização do crédito e comissões cobrados no âmbito do financiamento da sua atividade junto do B..., SA [...] e C..., SA [...], por referência aos períodos compreendidos entre 05.2021 a 04.2024, no valor global de € 30.351,77, não se vislumbra aqui qualquer erro imputável aos serviços.”; “Não se verifica que as liquidações ora contestadas enfermem de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, que possibilite o prazo de quatro anos para ser efetuada a sua revisão oficiosa, pelo que a falta do pressuposto processual da tempestividade do pedido, propõe-se a sua rejeição liminar por intempestividade, e consequente arquivamento do mesmo.” (Sublinhado nosso).  

 

30. Também a este respeito, é de notar que, com a revogação, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30/3 (revogação que entrou em vigor a 31/3/2016), do n.º 2 do artigo 78.º da LGT (segundo o qual se considerava, sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, ser imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação), a AT só teria o poder/dever de promover a eventual revisão das autoliquidações se a ora Requerente tivesse, como dispõe a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, tomado iniciativa nesse sentido dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade. Tendo a ora Requerente deixado passar esse prazo, a AT está impedida de promover a revisão oficiosa da autoliquidação a favor do contribuinte. 

 

31. No mesmo sentido, vd., por ex., o Acórdão do TCASul de 7/12/2021 (proferido no proc. 2220/16.7BELRS): “A falta de reclamação graciosa prévia necessária, contra a autoliquidação, determina a inimpugnabilidade do acto tributário de liquidação, que constitui excepção dilatória que impede o conhecimento do mérito da acção independentemente da qualificação do vício que o afecte.”; ou a Decisão arbitral de 2/5/2024, proferida no proc. n.º 778/2023-T: “O erro na autoliquidação apenas pode ser conhecido no pedido de revisão oficiosa, apresentado nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, caso seja interposto no prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos, que se encontra previsto para a reclamação graciosa (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT).”

 

32. Acresce, ainda, notar que, mesmo que, como bem salienta a Decisão arbitral de 2/5/2024, proferida no proc. n.º 778/2023-T, “[n]ão se p[onha] em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme à unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 131.º, n.º 1, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos actos de autoliquidação. Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação paralela do artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial. [Razão pela qual] [p]rocede, por conseguinte, a excepção de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação que constituem objecto do pedido arbitral.” (Sublinhados nossos).

 

33. Conclui-se aqui, igualmente, pelo acima exposto, que procede, no presente caso, a excepção de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação derivada da intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os actos tributários impugnados – a qual constitui excepção dilatória, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, al. i), do CPTA, bem como dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.

34. Atendendo à procedência da referida excepção, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão da Requerente.  

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar improcedente a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.

- Julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação de IS em causa por intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

- Absolver a Requerida da instância.

- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 30.351,77 (trinta mil trezentos e cinquenta e um euros e setenta e sete cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de Novembro de 2025.

 

O Árbitro

 

 

 (Miguel Patrício)

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1]  Como bem se refere na Decisão arbitral de 2/5/2024 (proc. n.º 778/2023-T), em termos que aqui se acompanham, o “efeito útil e relevante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica dos actos tributários de liquidação, pelo que é esse mesmo indeferimento que torna justificável e necessário o recurso à jurisdição arbitral visto não ter sido possível obter a anulação administrativa ainda na fase pré-judicial. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui, neste contexto, o objecto mediato do pedido e tem em vista assegurar a eliminação da ordem jurídica dessa decisão caso se venha a concluir pela ilegalidade dos actos tributários de liquidação. Ainda que assim se não entendesse, não pode deixar de reconhecer-se – tal como se decidiu, em situação similar, no acórdão do STA de 14 de Maio de 2015 (Processo n.º 01958/13) – que a decisão de indeferimento, tendo manifestado concordância com a proposta formulada pelos serviços, assenta em dois diferentes fundamentos: por um lado, considerou-se que o pedido de revisão é extemporâneo por não ter sido apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa; por outro lado, entendeu-se não se ter verificado a ilegalidade do acto tributário por erro imputável aos serviços para efeito de poder ser admitida a revisão oficiosa no prazo mais amplo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por efeito de um dos fundamentos invocados, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação e cabe no âmbito de aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.” Razão pela qual a invocada excepção da incompetência material do tribunal arbitral é considerada, aqui e desde já, improcedente.