Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 19/2015-A
Data da decisão: 2015-09-25  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento da existência do vínculo de contrato de trabalho em funções públicas
Versão em PDF

Sentença Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Administrativa

Processo n.º 19/2015-A

           

1.      Relatório

 

A..., com o cartão do cidadão nº ..., e contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., 35, 1º Dto, ... instaurou, nos termos dos artigos 2º e 15º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, ação para a resolução de litígio emergente de relação jurídica de emprego público, contra a Junta ..., contribuinte fiscal n.º ..., com sede no Largo do ...., ... Lisboa.

A Demandante e a Demandada aceitaram a convenção arbitral celebrado em 26 de março de 2015, conforme documento junto ao processo.

Prosseguindo o processo com a citação da Demandada, não foi por esta apresentada contestação, nem foi junto processo administrativo ou quaisquer documentos respeitantes à matéria do processo (como se prevê nos n.ºs 1 e 4 do artº artigo 12.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).

A Demandante pretende que seja reconhecida a existência do vínculo de contrato de trabalho em funções públicas da junto da Demandada, com as devidas consequências legais desse reconhecimento, nomeadamente, em matéria de mapa de pessoal, remunerações e proteção social.

Como fundamento da sua pretensão a Demandante alega, em suma, que celebrou com a Demandada um contrato de prestação de serviços pelo prazo de seis meses, renovável, em 06.02.2008, para o exercício de funções inerentes à categoria de assistente operacional.

Que, entretanto celebrou, sucessivamente, novos contratos do mesmo teor, respetivamente, em 6.08.2008, por um período de 12 meses, em 23.12.2009, idêntico ao anterior e em 05.01.2011, também do mesmo teor este com um aditamento em 22.09.2014.

Que, durante a vigência destes contratos teve sempre um horário parcial, apenas ficando com um horário completo a partir de 22 de setembro de 2014, ou seja, após o aditamento atrás referido.

Alega ainda que este último contrato não passa de um verdadeiro contrato de trabalho para o exercício de funções de assistente operacional, porquanto o demandante se encontra hierarquicamente dependente da Senhora Presidente da Demandada e do Chefe dos Serviços Operacionais, que detém a categoria profissional de encarregado operacional.

Em síntese, segundo a argumentação apresentada pela Demandante, a mesma exerce uma atividade a que corresponde uma necessidade permanente da Demandada, encontra-se sujeita a horário de trabalho, tem integrado os mapas de férias e aufere atualmente €700,00 mensais (cfr. artº 9º da PI), devendo, por isso, corresponder-lhe um contrato de trabalho em funções públicas que pretende ver reconhecido.

 

*

 

Da parte da Demandada, como já se referiu, não foi apresentada qualquer contestação.

 Assim sendo, prossigamos:

O artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de “litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”, pelo que, alegando a Demandante existir uma relação deste tipo, não há obstáculo derivado desta norma ao recurso à arbitragem.

Por outro lado, o CAAD inclui no seu objeto a resolução de litígios emergentes de relações jurídicas de direito público (artigo 2.º do Regulamento de Arbitragem) e foi obtido compromisso arbitral já referido e datado de 28.01.15, cuja cópia foi junta ao processo.

O signatário foi designado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD para apreciação do presente processo, tendo aceitado a designação.

O Local da Arbitragem é a sede do CAAD em Lisboa.

Não há nulidades, exceções ou qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

*

2. Matéria de facto

 

Apesar de não ter sido apresentada contestação, nem qualquer processo administrativo, nos termos do artigo 12.º, nºs 6 e 7, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, a falta de contestação não implica aceitação das alegações da Demandante.

Por outro lado, em face do pedido e da suficiência da prova documental, o Tribunal Arbitral prescinde da prova testemunhal apresentada pela Demandante.

Consideram-se, assim provados os seguintes factos com relevo para a decisão do litígio:

a) A Demandada sucedeu nos direitos e obrigações da Junta de Freguesia da ..., aquando da reorganização legal das Freguesias do concelho de Lisboa;

 

b) A Demandante celebrou vários contratos de prestação de serviços, com durações diversas, mas sempre renováveis, respetivamente, em: 06.02.2008, 06.08.2008; 23.09.2009; 05.01.2011, este último com aditamento em 22.09.2014, conforme documentos junto ao processo;

 

c) Com base nesses contratos de prestação de serviços, a Demandante comprometia-se a, designadamente, exercer funções de assistente operacional…”

 

d) A Demandada tem prorrogado sucessivamente esses contratos, conforme consta da alegação da Demandante e das folhas de remuneração juntas ao processo;

 

f) A Demandante desempenhou as suas funções, primeiro com horários parciais e, depois do citado aditamento, em horário de trabalho integral e permanente, de segunda a sexta-feira, conforme horário de trabalho dos funcionários da administração pública,

 

g) A Demandante gozou férias remuneradas conforme os mapas de férias do quadro de funcionários da Demandada juntos ao processo;

 

h) Nos recibos de remunerações da Demandante não constam quaisquer descontos, nos termos contrato de trabalho em funções públicas, conforme documentos juntos ao processo.

i) A Demandante aufere, atualmente, uma remuneração no valor mensal de € 400,00, conforme documentos juntos processo e não €700,00, conforme é alegado por esta na PI.

*

A convicção formada, relativamente aos fatos dados como provados, resulta da força probatória dos documentos juntos ao processo.

 

*

3. Fundamentação de direito

 

De harmonia com o disposto no artigo 5.º, nº 1. al. f) do Regulamento de Arbitragem, constitui um dos Princípios do CAAD “o julgamento de acordo com o direito constituído”

A Demandante pretende que seja “desconsiderado” o contrato de prestações de serviços que celebrou com a Demandada, com consequente reconhecimento da existência do vínculo de trabalho em funções públicas do junto da mesma e a sua respetiva “reintegração no mapa de pessoal desta, na categoria de assistente técnica prevista para o regime geral da função pública”.

No entanto, constata-se, como resulta da matéria de facto fixada, que apenas está em vigor entre a Demandante e a Demandada, um contrato de prestação de serviço, na modalidade de avença, e não qualquer contrato de trabalho em funções públicas.

 Aliás, esse contrato trabalho em funções públicas, a existir, estaria sempre à forma escrita, sob pena de nulidade conforme estabelece o artigo 40º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada Lei 35/2014 de 20 de junho, conjugado com o 61º, nº2, al) g do novo Código do Procedimento Administrativo).

Por isso, o único contrato aqui celebrado e válido será o de prestação de serviços, conforme atrás se deu como provado.

Para além disso, vigoram no ano de 2015, as regras sobre o recrutamento de trabalhadores para autarquias locais que constam do artigo 65.º, nºs 5 e 7 da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) que estabelecem o seguinte:

5 — São nulas as contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores, sendo aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 47.º

7 — O disposto no presente artigo tem caráter excecional e prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

Ou seja, também por esta razão, o recrutamento da Demandante, para integrar o quadro da Demandada, por conversão do contrato de prestação de serviços até agora existente é inadmissível à face do regime previsto neste artigo e no mais da Lei do OE para 2015.

Por outro lado, este novo regime da Lei Geral do Trabalho Funções Públicas, contido na Lei nº 35/2014 de 20 de junho também é claro quanto à não possibilidade de conversão desta forma de vínculo naquela objeto do pedido do ora Demandante.

Com efeito, diz o:

Artigo 10º

Prestação de serviço

1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.

2 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades:

a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;

b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.

3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.

4 - A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.”

Aliás, ainda que no domínio de legislação anterior, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar contra a hipótese de conversão, por entender que esta violaria o princípio da igualdade no acesso à função pública pr

evisto no artº 47º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (Ac. TC nº 683/99, publicado na 1º série do DR de 03.02.2000)[1].

 

Em suma e pelo exposto na presente fundamentação, a ação deve ser julgada improcedente.

*

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, julga-se a ação improcedente e absolve-se a Demandada do pedido.

*

 

5. Valor da ação

 

Fixa-se à ação o valor de € 30.000,01, que é o adequado a uma causa de valor indeterminável, com é o caso desta (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, na redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, na Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

*

Custas pela Demandante

Notifique-se

Lisboa, 25 de setembro de 2015

O Árbitro único

 

José Conde Rodrigues

 



[1] Corroborando este entendimento, embora propondo a sua alteração em sede legislativa ou a sua eventual inconstitucionalidade, pode ver-se o recente Comentário à Lei do Trabalho em Funções Públicas, Vol. 1, de Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 126 e ss.