Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 15/2015-A
Data da decisão: 2015-09-07  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento da existência do vínculo de contrato de trabalho em funções públicas
Versão em PDF

Sentença Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Administrativa

Processo n.º 15/2015-A

 

 

F..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., nº ..., ..., ... Lisboa, instaurou nos termos dos arts. 2º e 15º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, ação para a resolução de litígio emergente de relação jurídica de emprego público, contra a F..., contribuinte fiscal n.º ..., com sede no ... 1, ... Lisboa.

A Demandante e Demandada aceitaram o compromisso arbitral celebrado em 26 de março de 2015, conforme documento junto ao processo.

Prosseguindo o processo com citação da Demandada, não foi por esta apresentada contestação, nem foi junto processo administrativo ou quaisquer documentos respeitantes à matéria do processo (como se prevê nos n.ºs 1 e 4 do artº artigo 12.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).

A Demandante pretende que seja reconhecida a existência do vínculo de contrato de trabalho em funções públicas da junto da Demandada, com as devidas consequências legais desse reconhecimento, nomeadamente, em matéria de mapa de pessoal, remunerações e proteção social.

Como fundamento da sua pretensão a Demandante alega, em suma, que o seu contrato de prestação de serviços visa apenas camuflar o real contrato de trabalho existente, porquanto está sujeita a horário de trabalho semanal, utiliza os equipamentos e instalações da demandante, inclusive com correio eletrónico profissional em seu nome.

Assim, segundo a tese apresentada pelo Demandante, existirá um contrato de trabalho em funções públicas que pretende ver reconhecido.

O artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de “litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”, pelo que, alegando a Demandante existir uma relação deste tipo, não há obstáculo derivado desta norma ao recurso à arbitragem.

Por outro lado, o CAAD inclui no seu objecto a resolução de litígios emergentes de relações jurídicas de direito público (artigo 2.º do Regulamento de Arbitragem) e foi obtido compromisso arbitral já referido e datado de 26.03.15 cuja cópia foi junta aos autos.

O signatário foi designado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD para apreciação do presente processo, tendo aceitado a designação.

Não há nulidades, excepções ou qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

Apesar de não ter sido apresentada contestação nem qualquer processo administrativo, nos termos do artigo 12.º, nºs 6 e 7, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, a falta de contestação não implica aceitação das alegações da Demandante.

Em face do pedido e da suficiência da prova documental, o Tribunal prescindiu da prova testemunhal apresentada pela Demandada.

Consideram-se, assim, provados os seguintes factos:

a) A Demandada sucedeu nos direitos e obrigações da Junta de Freguesia da ..., aquando da reorganização legal das Freguesias do concelho de Lisboa;

b) A Demandante celebrou um contrato de prestação de serviços em 01.08.2010 para exercer “as funções técnico-pedagógicas, na área da psicologia e afins, relacionadas com o projeto Intervir, como a ..., entre outros programas da Demandada”;

c) A Demandante exerceu a sua atividade ao longo dos últimos anos, tendo, inclusive participada em diversas reuniões em representação da Demandada.

d) A Demandante desempenhou as suas funções em horário de trabalho integral e permanente, de segunda a sexta-feira, no horário de trabalho dos funcionários da administração pública.

e) A Demandante gozou férias remuneradas conforme os mapas de férias do quadro de funcionários da Demandada;

f) Nos recibos de remunerações a Demandada sempre considerou a Demandante como avençada e não com contrato de trabalho em funções públicas.

A convicção relativamente aos fatos dados como provados resulta da força probatória dos documentos juntos ao processo.

 

3. Fundamentação de direito

 

De harmonia com o disposto no artigo 5.º, nº 1. al. f) do Regulamento de Arbitragem, constitui um dos Princípios do CAAD “o julgamento de acordo com o direito constituído”

A Demandante pretende que seja “desconsiderado” o contrato de prestações de serviços que celebrou com a Demandada, com consequente reconhecimento da existência do vínculo de trabalho em funções públicas do junto da mesma e a sua respetiva reintegração no mapa de pessoal desta.

No entanto, constata-se, como resulta da matéria de facto fixada e reconhece a própria Demandante, que não foi celebrado com a Demandada qualquer contrato de trabalho em funções públicas mas sim um contrato de prestação de serviços.

Aliás, este contrato trabalho em funções públicas estaria sempre à forma escrita, sob pena de nulidade conforme estabelece o artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, em vigor à data da celebração do respetivo contrato (hoje Lei 35/2014 de 20 de junho), conjugado com o artº 141º do CPA (hoje 161º, nº2, al) g do novo CPA).

Por isso, o único contrato aqui celebrado e válido será o de prestação de serviços, conforme atrás se deu como provado.

Para além disso, vigoram no ano de 2015, as regras sobre o recrutamento de trabalhadores para autarquias locais que constam do artigo 65.º, nºs 5 e 7 da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) que estabelecem o seguinte:

5 — São nulas as contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores, sendo aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 47.º

7 — O disposto no presente artigo tem caráter excecional e prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

Ou seja, também por esta razão, o recrutamento da Demandante para integrar o quadro da demandada por conversão do contrato de prestação de serviços até agora em vigor é inadmissível à face do regime previsto neste artigo e no mais da Lei do OE para 2015.

Por outro lado, o novo regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas contido na Lei nº 35/2014 de 20 de junho também é claro quanto à não possibilidade de conversão desta forma de vínculo naquela objeto do pedido da ora Demandada, ainda que o respetivo contrato fosse nulo, nomeadamente, face à eventual prova de subordinação jurídica perante a Demandada ou seus respetivos dirigentes.

Com efeito diz o

 

Artigo 10º

Prestação de serviço

 

1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.

2 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades:

a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;

b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.

3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.

4 - A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.

Em suma e pelo exposto na presente fundamentação, a ação tem de ser julgada improcedente.

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, julga-se a ação improcedente e absolve-se a Demandada do pedido.

 

5. Valor da ação

 

Fixa-se à ação o valor de € 30.000,01, que é o adequado a uma causa de valor indeterminável, com é o caso desta (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, na Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

 

Lisboa, 07-09-2015

 

O Árbitro único

José Conde Rodrigues