Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 28/2016-A
Data da decisão: 2016-12-16  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 6.154,50
Tema: Relação Jurídica de emprego público – índice remuneratório
Versão em PDF

 

CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA

(CAAD)

TRIBUNAL ARBITRAL

 

Processo n.º 28/2016-A

Requerente: A…

Requerido: B…

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

  1. O Demandante, A…, casado, docente do ensino superior politécnico, cartão de cidadão … …, com validade até 20/06/2016, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua…, n.º…, ... Frente, …-…, … (doravante, “o Demandante”), apresentou petição inicial nos termos do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, Regulamento do CAAD) contra o Demandado, B…, pessoa colectiva de direito público (art. 1.º dos Estatutos publicados em anexo ao Despacho Normativo n.º …/2009, de … de Julho de 2009, despacho homologatório, publicado no DR, 2.ª série, nesta data), com sede na Rua…, n.º …, …-…, …. (doravante, “o Demandado”).

 

  1. Nesse articulado peticionou o Demandante a anulação dos actos impugnados praticados pelo Presidente do B…, pelo ofício B…-… -SP-…/2016, de 27/1/2016, com assunto epigrafado Reposição de verbas / correcção posicionamento remuneratório.

 

  1. Alega para o efeito, em síntese, o seguinte:

 

a.       O Demandante exerce ininterruptamente funções docentes no Demandado, desde 7/7/1991, no departamento de Engenharia Eletrotécnica;

b.      De 7/1/1991 até 30.09.2013, exerceu funções como Equiparado à categoria de assistente de 2.º triénio, em regime de prestação de serviço a tempo parcial (60%)

c.       De 1/10/2013 até 30/09/2013, está contratualmente vinculado com a categoria de Assistente Convidado, em regime de prestação de serviço a tempo parcial;

d.      O Demandante celebrou com o Demandado um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo – pessoal docente especialmente contratado, celebrado com data de 1 de Outubro de 2009, com um período de duração de contrato com validade até 30.09.2011, podendo ser objecto de renovação;

e.       O Demandante celebrou com o Demandado um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo – pessoal docente especialmente contratado, celebrado com data de 1/10/2013, com período de duração de contrato com validade até 30.09.2014, entretanto renovado, sucessivamente, por períodos de um ano, até 30.09.2016.

f.        O Demandante foi notificado de um ofício, subscrito pelo Presidente do B…, datado de 22.8.2013, sob o assunto Não renovação de CTFP Termo Resolutivo Certo (TRC), Equiparado a Assistente – Tempo parcial 60%, com o conteúdo serve o presente para informar V/Exa. de que o CTFP a TRC que detém, termina a 30.09.2013. O mesmo não será renovado por impossibilidade legal.

g.      Os dois contratos (e respectivas renovações) foram devidamente autorizados por despacho do Presidente do B… (respectivamente despachos de 15.09.2009 e 13.09.2013).

h.      Nos dois contratos, e nas respectivas e sucessivas renovações, a remuneração base mensal contratualizada e autorizada foi sempre a correspondente a 60% (até ao termo do contrato vigente entre 1.10.2011 e 30.09.2013) e a 50% (nos contratos seguintes) de 2/3 do índice 150, do escalão 3, conforme previsto no anexo n.º 2 do DL 408/89, de 18.11

i.        Em 11 de Janeiro de 2016, foi comunicado oralmente ao Demandante pelo Presidente do B… que, segundo o teor de um ofício recebido do Presidente do B… (entidade que tutela o B…), o Demandante deveria ser reposicionado no índice remuneratório do 1.º escalão da categoria para a qual foi contratado – Assistente Convidado, ou seja no índice 100 da estrutura retributiva, implicando duas consequências: (i) reposição das quantias remuneratórias indevidamente pagas desde a celebração do contrato como Assistente Convidado e (ii) correcção para o futuro com efeitos imediatos do índice remuneratório (de I150 para I100).

j.        No recibo de vencimento referente ao mês de Janeiro de 2016, foi já aplicado o I100, sendo reduzida a remuneração base de €818, 42 (I150) para 545,61 (I100)

k.      Após reclamação do Demandante, foi este notificado de ofício B…-… -SP-…/2016, de 27.1.2016, do Presidente do B… , com o assunto Reposição de Verbas / Correcção do posicionamento remuneratório, que informava da incorrecção da posição remuneratória em que se encontrava o Demandante, da necessidade da sua correcção com efeitos a 01.01.2016 (para o escalão 1, índice 100) e ao qual se anexava  a Guia de reposição n.º …/2016, referente à reposição de valores recebidos, durante o período de 1/10/2013 a 31/12/2015, e que foram considerados indevidos, tendo em conta a informação recebida do …, pelo ofício ref.ª …/… /…/2015, de 14.12.2015, anexada à guia de reposição.

l.        A referida Guia ordena a reposição da quantia global de €5.333,28 relativa às quantias pagas no período supra referido em k (vencimento, subsídio de férias e subsídio de Natal).

 

  1. O Demandante imputa os seguintes vícios aos actos impugnados:

 

a.                 Vício de falta de fundamentação e preterição de audiência prévia do interessado (artigo 151.º a 153.º, 12.º, 120.º e segs. do CPA).

 

b.                 Vício de violação de lei

 

(i)                 Erro sobre os pressupostos de direito – pressuposto de que o Demandante, a partir de 1/10/2013, por ter celebrado um novo contrato, teria que estar abrangido pelo índice remuneratório base, o I100, quando nem havia impossibilidade legal de renovação do contrato existente, nem a celebração do novo contrato era, do ponto de vista legal, necessária;

a.       O Demandante sustenta que o n.º 2 do artigo 6.º do decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 opera como norma de direito transitório material acautelando as expectativas dos docentes com contratos em vigor naquela data, por um determinado período temporal, permitindo que os docentes usufruam os direitos concedidos pelo Estatuto na sua redação anterior. 

b.      O Demandante sustenta que (i) a legitimidade da renovação não decorreria do artigo 8.º do actual ECPDESP, aplicável apenas aos novos (em sentido próprio) contratos, mas sim do n.º 2 do artigo 6.º do diploma de 2009, que o reviu e criou um regime transitório de protecção aos vínculos pré-existentes e que (ii) a celebração sucessiva de contratos estava sujeita ao regime fixado no artigo 96.º do RCTFP, Lei n.º 59/2008, de 11/9, pelo qual «a cessão, por motivo não imputável ao trabalhador, do contrato a termo impede uma nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações.»

c.       A violação do artigo 96.º supra referido, configura uma nulidade parcial (apenas do acto de celebração), devendo ser convertido em acto de renovação, mantendo-se as restantes cláusulas, porquanto o fim prosseguido pelas partes permite supor que estas teriam querido a renovação, se tivessem previsto que a celebração do novo contrato era ilegal (artigo 82.º do RCTFP e artigos 292.º e 293.º CC).

(ii)              Violação do princípio da irredutibilidade da retribuição base, princípio indeclinável e irrenunciável do direito do trabalho, plasmado nas normas dos regimes laborais do trabalho em funções públicas supra referenciadas porquanto, até ao fim da vigência do contrato (das suas renovações), deveria manter-se a condição essencial para contratar – a manutenção do índice remuneratório, não podendo haver alteração / redução do vencimento;

(iii)            Os actos do Presidente do B… de autorização do pagamento ao Demandante pelo I150 e os actos de processamento de vencimentos subsequentes foram actos de atribuição e reconhecimento de situação jurídica de vantagem remuneratória, os quais segundo o disposto no n.º 3 do artigo 167.º do CPA são actos constitutivos de direitos.

(iv)             A ordem de reposição de 27/1/2016, entendida como acto de anulação administrativa, é extemporânea, por ter prescrito o direito à reposição, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 168.º do CPA;

(v)               A reposição de verbas (com efeitos retroactivos) e a correcção /redução do índice remuneratório na pendência do vínculo contratual iniciado no âmbito do período transitório (até 1/9/2015), os actos impugnandos contrariam os normativos legais supra referenciados do artigo 168.º do CPA;

 

c.                   O pagamento indevido, que causa dano ao erário público, nos termos do artigo 59.º, n.º 4 da Lei Orgânica e de Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) integra-se na responsabilidade financeira reintegratória dos agentes responsáveis pelos pagamentos indevidos (artigo 61.º, n.º 1, da LOPTC), cabendo a estes a obrigação de reposição de tais verbas indevidamente pagas.

 

Em consequência, peticiona:

d.                 Devem considerar-se extintas a ordem de reposição (e respectiva guia n.º …/2006), e a ordem de correcção/redução do índice remuneratório processado a título de vencimento mensal;

e.                  Deve ser processado o valor mensal diferencial ilíquido de € 272, 81, relativo aos vencimentos dos meses de janeiro, fevereiro, março e subsequentes até ao final do contrato em vigor, correspondente ao diferencial entre o I150 e o I100, que importa nesta data no valor global vencido de €818, 43, a que acrescem juros de mora vencidos (€2,79) e vincendos, calculados à taxa de juro legal, até integral pagamento.

 

  1. Devidamente citado o Demandado, nos termos do artigo 16.º do Regulamento do CAAD, veio este informar em 26.04.2016 que “já na pendência dos presentes autos, o Réu procedeu à anulação administrativa «do conteúdo decisório constante dos ofícios de notificação, datados de 27 de Janeiro de 2016 referentes a reposição de verbas/correcção de posicionamento remuneratório”, nos quais se inclui o acto impugnado – cfr. doc. N.º 1” (doc. protestado juntar). Juntou, posteriormente, documento evidenciando isso mesmo (algo que o próprio Demandante aceita). Com este pressuposto, o Demandado requereu a extinção da lide, por inutilidade superveniente.

 

  1. Em 23.05.2016, veio o Demandante informar que “com data de 26 de Abril de 2016, por via do ofício B…-… -SP-…/2016, sob o assunto «Projecto de despacho-Reposição de dinheiros públicos», foi o demandante notificado de projecto de despacho com vista à emissão de decisão de reposições dos dinheiros públicos”.  Afirmou, em síntese, que o Demandado expurgou o acto do vício de preterição de audiência, e renovou o procedimento com vista à prática de acto de conteúdo semelhante ao administrativamente anulado. Invocou o Demandante o artigo 64.º, n.º 1, do CPTA (aplicável ex vi Regulamento do CAAD), norma essa que permite que “o Demandante requeira que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência (parcial que seja), das mesmas ilegalidades, sendo aproveitada a prova produzida e dispondo o autor da faculdade de oferecer novos meios de prova”. Concluiu pedindo a suspensão da instância até ser proferida nova decisão final sobre reposição de verbas e de correcção de posicionamento remuneratório, com ulterior prosseguimento dos autos nos termos previstos na lei.

 

  1. Por fim, em 07.06.2016, veio o Demandado manifestar a sua não oposição à suspensão da instância, na condição de lhe ser conferido prazo para, querendo, contestar e opor-se à suspensão (pugnando pela extinção da instância) no caso de não lhe ser conferido esse prazo.

 

  1. Nos termos do Regulamento do CAAD, foi o signatário designado como Árbitro para o processo, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação do referido árbitro, em 16.06.2016 (nos termos do e-mail do signatário da mesma data).

 

  1. Por despacho de 19.08.2016, foi suspensa a instância até à prática do acto final subsequente ao projecto de decisão notificado por ofício B…-… -SP-…/2016.

 

  1. Por despacho de 14.09.2016, foi admitida a junção aos autos da decisão final do novo procedimento administrativo iniciado após a anulação administrativa (Despacho – Reposição de dinheiros públicos –B…-… _.../2016, de 8/7/2016) requerida por requerimento do Demandante de 26.07.2016, considerando-se, portanto, reaberta a instância suspensa por anterior despacho de 19.08.2016.

 

  1. Admitiu-se, também, como requerido pelo Demandante, que o processo prosseguisse contra o novo acto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e ss. do artigo 64.º do CPTA – tendo o Demandante reiterado os fundamentos de ilegalidade alegados nos artigos 29.º a 69.º da sua Petição inicial, bem como os pedidos formulados nas alíneas b), d) e e) da sua petição. Por requerimento de 05.09.2016, informou o Demandante que repôs a verba cuja reposição se determina no acto impugnado, juntamente com declaração – para evitar aplicação do artigo 56.º do CPTA – expressando que o pagamento não significava a aceitação da legalidade do acto de reposição, “reservando-se o direito de manter em aberto o processo dos presentes autos acautelares para apreciar e decidir sobre a legalidade do mesmo”. Por esse motivo ampliou o pedido formulado no requerimento inicial – ampliação admitida por despacho de 14.09.2016 –, acrescentando-se como alínea e) ao petitório, a seguinte:

 

“deve a entidade demandada ser condenada a devolver ao demandante a quantia de € 5.333,27 (valor da guia de reposição n.º …/2016), reposta a 19/07/2016, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de juro legal, até integral pagamento”.

 

  1. Em 12.09.2016, o Demandado deduziu a sua contestação, nos termos da qual, em síntese, aceitou “por verdadeira, toda a matéria alegada pelo Demandante na sua Petição inicial, com excepção do referido nos artigos seguintes e demais factos que estejam em manifesta contradição com a presente contestação”, mais explicitando que “a posição defendida pelo aqui Demandado prende-se, tão só, com as obrigações decorrentes da fiscalização operada pelo Tribunal de Contas, junto das Instituições do Ensino Superior, em sede de gestão de recursos públicos”.

 

  1. Em síntese, alegou:

 

a.       Não tem razão o Demandante quando invoca o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto para contrapor ao entendimento da impossibilidade legal de renovar o seu CTFP a TRC com terminus em 30.09.2013.

b.      A verificação do termo resolutivo constitui causa de caducidade do CT, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 289.º da LTFP.

c.       Existem dois contratos distintos, independentes e autónomos (o contrato celebrado a partir de 1.10.2009) e o contrato celebrado em 1.10.2013, sendo tal entendimento resultante da própria letra do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 207/2009, de 31 de Agosto.

d.      A cláusula que determina a remuneração devida no âmbito do CTFP a TRC, celebrado em 1.10.2013, é nula por violação do n.º 3 do artigo 117.º da Lei 12-A/2008 (“os contratos de trabalho são celebrados para as carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso, previstas na lei, em regulamento ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em vigor”).

e.       Com apoio no entendimento do TdC, não será admissível considerar que o trabalho celebrado em 2013, consubstanciou numa renovação do contrato de trabalho celebrado anteriormente (para a categoria de assistente do 2.º triénio), e que essa renovação determinaria a manutenção da situação contratual anteriormente estabelecida, dado que, na referida data, a categoria de assistente de 2.º triénio já havia sido substituída pela categoria de assistente convidado, tendo sido esta última a categoria contratada no presente caso. 

f.        O índice remuneratório não se encontra na disponibilidade das partes, sob pena de violação do princípio da legalidade (n.º 6 do artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, na redação da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril).

g.      Ambas as partes, Demandante e Demandado, incorreram no erro sobre a putativa legalidade.

h.      Não pode ser invocado, face a um acto de conteúdo vinculado, a hipotética natureza de acto constitutivo de direitos.

i.        Nos termos dos artigos 36.º ss. do DL n.º 155/92, as quantias indevidamente prestadas pela Administração devem reentrar nos cofres do Estado, seja por via de compensação, dedução ou emissão de guias para pagamento.

j.        Não se verificou o prazo de prescrição de 5 anos estabelecido no sobredito DL.

k.      Pelo exposto, deve improceder, igualmente, o pedido de ampliação do pedido efectuado pelo Demandante em 5.09.2016.

 

  1. Por requerimento de 15.09.2016, após despacho nesse sentido, veio o Demandado proceder à junção do processo administrativo.
  2. Em 26.09.2016, em cumprimento do despacho de 14.09.2016, veio o Demandante pronunciar-se sobre o novo acto (na sequência da anulação supra descrita). Mantendo, no essencial, o alegado na petição inicial, afirmou o seguinte:

 

a.       A imposição legal decorrente do n.º 3 do artigo 117.º da LVCR, bem como a jurisprudência do Tribunal de Contas nessa matéria, reporta-se à celebração válida de novos contratos, o que não é o caso, dado que não ocorreu descontinuidade na prestação de serviço docente (antes, sim, uma imediata celebração de novo contrato com efeitos de vigência logo no dia seguinte ao da cessação do anterior).

b.      A sucessividade de contratos estava sujeita ao regime fixado no artigo 96.º do RCTFP, o que determina a nulidade da «celebração do contrato» (cfr. artigo 47.º da p.i.)

c.       Ambas as partes quiseram e o n.º 2 do artigo 6.º do DL 207/2009, de 31/8 permite a renovação de contrato, devendo o acto de celebração ser convertido em acto de renovação “como predisposto no regime transitório”).

d.      Caindo o fundamento legal para reposicionamento remuneratório, a redução de vencimento consubstancia uma ilegal diminuição da retribuição, por não haver suporte legal para tal redução (artigo 72.º d) da LGTFP).

e.       A anulação dos actos constitutivos de direitos (processamento de vencimentos) que conduziu à nova ordem de reposição é apresentada ao abrigo do artigo 168.º, n.º 4, c) do CPA, devendo, todavia, ser enquadrada na alínea b) do n.º 4 do artigo 168.º.

f.        O Demandante socorre-se de jurisprudência do TCA Sul para afirmar que a confiança depositada pelo Demandante [na legalidade do acto de celebração do contrato] deve ser tutelada “se o beneficiário consumiu as prestações concedidas ou se delas celebrou um negócio dispositivo, negócio que já não pode anular ou apenas o pode fazer em condições demasiado gravosas”, motivo pelo qual – enquadrando-se a anulação na alínea b) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA, a anulação apenas deve ter efeitos para o futuro, sendo ilegal a ordem de reposição por via da sua retroactividade. 

  1. Em 29.09.2016, veio o Demandado exercer o seu contraditório. Mantendo, no essencial, o alegado na contestação, afirmou o seguinte:
  2. A celebração do contrato de trabalho a termo certo datado de 01.10.2013 era permitida nos termos do artigo 12.º do regime transitório do ECPDESP, nos termos do qual “o termo dos prazos contratuais estabelecidos nos artigos 6.º e 7.º não prejudica a celebração de um novo contrato entre o mesmo docente e a mesma instituição de ensino superior, nos termos do Estatuto, na redação dada pelo presente decreto-lei”.
  3. Dado se tratar (o ECPDESP) de um regime especial (face ao RCTFP), prevalece o disposto no ECPDESP até porque se o legislador permitiu que após o terminus do prazo do regime transitório (seis anos) que as instituições de ensino celebrassem um novo contrato com o mesmo docente, por maioria de razão também o permitiu no período transitório.
  4. Para a categoria em questão – Assistente Convidado – o Índice remuneratório aplicado deveria ter sido 100, do 1.º escalão e não 150, nos termos do n.º 3 do artigo 117.º da Lei 12-A/2008, segundo a qual “os contratos de trabalho são celebrados para as carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso, previstas na lei, em regulamento ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em vigor” e, bem assim, nos termos do entendimento do Tribunal de Contas (“estamos perante um contrato novo, celebrado para uma categoria, igualmente nova, que é única – assistente convidado”).
  5. Ao contrário do sustentado pelo Demandante, a qualificar-se o acto como constitutivo de direitos, nunca se poderia enquadrar na alínea b) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA dado que a retribuição de um docente corresponde – também pela aplicabilidade do disposto nos artigos 36.º e ss. do DL 155/92 – ao conceito de “acto constitutivo de direitos cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objecto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas”.
  6. Em 13.12.2016, na sequência de despacho do Tribunal, o Demandante veio apresentar alegações escritas (facultativas). O Demandado não apresentou alegações escritas.

 

 

II.               Saneamento do Processo

 

O Tribunal é competente. O Demandado vinculou-se previamente ao CAAD por despacho proferido pelo seu Presidente, de 21 de Janeiro de 2011 (Despacho B…/… /…/2011). As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades.

 

Ambas as partes, devidamente notificadas para o efeito por despacho de 19.08.2016, aceitaram a dispensa de audiências para a produção de prova.

 

III. Dos factos

 

Analisados os articulados, bem como os documentos juntos e demais elementos probatórios do processo, é convicção deste Tribunal Arbitral deverem ser considerados provados e não provados, com interesse para o processo (i.e., como prima facie relevantes para a aplicação definitiva, ou não, das respectivas normas jurídicas).

 

(i) Factos dados como provados

 

- Os factos alegados nos artigos 3.º a 18.º da petição inicial.

 

(ii) Factos dados como não provados

 

- Não se consideraram factos dados como não provados, pese o Demandado afirme a irrelevância dos factos ínsitos nos artigos 3.º e 4.º da petição inicial para o desfecho da presente lide.

 

(iia) Fundamentação

 

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos pelas partes e em afirmações do Demandante que não são impugnadas pelo Demandado.

 

IV. Do Direito

 

Da análise jurídica da causa

 

A temática em disputa, já acima descrita, assenta fundamentalmente em saber se o Demandante, a partir de 1/10/2013, por ter celebrado um novo contrato, teria que estar abrangido pelo índice remuneratório base, o I100 (e não pelo I150), quando nem havia impossibilidade legal de renovação do contrato existente, nem a celebração do novo contrato era, do ponto de vista legal, necessária. Importa, para o efeito, também saber se a celebração deste último contrato é inválida (e se tal invalidade o subtrai à imposição legal decorrente do n.º 3 do artigo 117.º da LVCR, bem como a jurisprudência do Tribunal de Contas nessa matéria), nomeadamente por não ter ocorrido descontinuidade na prestação de serviço docente (antes, sim, uma imediata celebração de novo contrato com efeitos de vigência logo no dia seguinte ao da cessação do anterior).

 

Seguir-se-á a ordem dos vícios assacados pelo Demandante ao acto impugnado (i.e., os vícios formais, de fundamentação e preterição de audiência prévia, conforme admitido pelo Demandante, caíram em virtude da renovação do acto). 

 

 

(i)                 Erro sobre os pressupostos de direito – pressuposto de que o Demandante, a partir de 1/10/2013, por ter celebrado um novo contrato, teria que estar abrangido pelo índice remuneratório base, o I100, quando nem havia impossibilidade legal de renovação do contrato existente, nem a celebração do novo contrato era, do ponto de vista legal, necessária;

 

Não restam dúvidas que o Demandante celebrou dois contratos, distintos e autónomos, com o Demandado, melhor identificados na petição inicial: (i) um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, celebrado a 1.10.2009, com período de duração até 30.09.2011, podendo ser objecto de renovação; (ii) um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, celebrado a 1.10.2013, com período de duração de contrato com validade até 30.09.2014, entretanto renovado, sucessivamente, por períodos de um ano, até 30.09.2016. Ambos os contratos foram autorizados pelo Presidente do Demandado. 

 

O último dos contratos compreende, na cláusula sexta, uma disposição sobre remuneração, aplicando-se a remuneração base mensal (…) correspondente a 50% de 2/3 do índice 150-2/3-50, escalão 3, conforme previsto no anexo no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 408/89, de 18.11 (…).

 

O último dos contratos não compreende qualquer prorrogação do contrato anterior – nem a título de remuneração, nem a qualquer outro título –, nem a lei o permite, dado que o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, ao qual o caso do Demandado se subsume, é cristalina (recordando-se que a letra é o fundamento e o limite da interpretação, também a teleologia do preceito assim o impõe):

 

1 — Os actuais equiparados a professor coordenador, a professor adjunto e a assistente transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo ficando sujeitos às seguintes regras:

a) A duração do novo contrato e o regime de prestação de serviço correspondem aos termos fixados no contrato administrativo de provimento que actualmente detêm;

(…)

 

Também o n.º 2 prescreve: “Até ao fim de um período transitório de seis anos contado a partir da data de entrada em vigor do presente decreto -lei, podem ainda ser renovados, para além do fim do contrato estabelecido de acordo com o número anterior, e nos termos do Estatuto na redacção anterior à do presente decreto-lei, os contratos dos docentes a que se refere o n.º 1.”

 

O facto de não ter ocorrido interrupção da prestação de serviço docente não é impeditiva da qualificação legal do segundo contrato como “novo contrato”. Acresce também que a categoria do Demandante à luz dos anteriores contratos (“Assistente de 2.º triénio”) já fora, àquela data, substituída pela categoria legal de Assistente Convidado, tendo plena aplicação o entendimento do Tribunal de Contas, nos termos do qual “estamos perante um contrato novo, celebrado para uma categoria, igualmente nova, que é única – assistente convidado”. Aliás, tratando-se o primeiro de um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, afigura-se isento de dúvidas que a ocorrência do termo é causa de caducidade (artigo 291.º, a) e 289.º, n.º 1, a) da LTFP), só lhe podendo sobrevir um novo contrato. Não se compreende, portanto (artigo 37.º da p.i.) a referência a “invocada uma alegada impossibilidade legal fez-se cessar, com efeitos a 30.09.2013, uma relação contratual que decorria ininterruptamente desde 7.01.1991, como equiparado a Assistente para logo de imediato entrar em vigor um novo contrato, ainda vigente, com início de produção de efeitos a 1.10.2013, agora com a categoria de Assistente convidado”. Alcançado o termo resolutivo certo – precisamente o instrumento limitativo das expectativas das partes contratantes – o contrato caduca independentemente da longevidade da relação contratual pretérita (e cuja tutela jurídica de expectativas é precisamente limitada pelo próprio termo).

 

O Demandante sustenta que o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 (“até ao fim de um período transitório de seis anos contado a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei, podem ainda ser renovados, para além do fim do contrato estabelecido de acordo com o número anterior, e nos termos do Estatuto na redação anterior à do presente decreto-lei, os contratos dos docentes a que se refere o n.º 1”) opera como norma de direito transitório material acautelando as expectativas dos docentes com contratos em vigor naquela data, por um determinado período temporal, permitindo que os docentes usufruam os direitos concedidos pelo Estatuto na sua redação anterior.  Para tal alega que “deve ser lido como faculdade legal de renovar os contratos vigentes a 1/9/2009 na sua integralidade das condições contratuais pré-existentes, portanto, é uma norma especial de regime transitório, que prevaleceria, no sentido da renovação manter o regime de prestação de serviço ou a fortiori a percentagem já estabelecida.”

 

O Demandante sustenta que, devido ao não exercício da posição jurídica prevista no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8, a celebração do novo contrato compreende uma nulidade parcial (apenas do acto de celebração) devendo ser convertida em renovação dado que (i) a legitimidade da renovação não decorreria do artigo 8.º do actual ECPDESP, aplicável apenas aos novos (em sentido próprio) contratos, mas sim do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 e que (ii) a celebração sucessiva de contratos estava sujeita ao regime fixado no artigo 96.º do RCTFP, Lei n.º 59/2008, de 11/9, pelo qual, “a cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, do contrato a termo impede uma nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações”.

 

Dois obstáculos se opõem ao raciocínio do Demandante. Por um lado, se o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209 compreende uma “faculdade” – i.e., a título de norma permissiva, destinada à entidade empregadora – de renovação do contrato, aplicando-se depois, consoante os casos, o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do referido artigo. Sucede, porém, que tal faculdade não foi exercida pelo Demandado, não podendo o Demandante fazê-la equivaler a um dever, nem cabendo a este Tribunal fazê-lo.

 

De outro lado,  e como refere o Demandante, a aplicabilidade do disposto no artigo 96.º RCTFP, Lei n.º 59/2008, de 11/9 recua perante a aplicação de norma especial (lex specialis generali derogat), a saber o disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8, nos termos do qual “O termo dos prazos contratuais estabelecidos nos artigos 6.º e 7.º não prejudica a celebração de um novo contrato entre o mesmo docente e a mesma instituição de ensino superior, nos termos do Estatuto, na redacção dada pelo presente decreto-lei.

 

Do ponto de vista da teoria do conflito de normas, não faria sentido interpretar-se um diploma cujo regime é excepcionalidade ratione materiae – o Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 – à luz do disposto no regime geral, ou seja: a excepcionalidade deste último regime obsta à interpretação do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 no sentido de permitir a celebração de um novo contrato mas apenas “decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações”.

 

Consequentemente, o n.º 3 do artigo 92.º do RCTFP, Lei n.º 59/2008, de 11/9 deve ser lido como “a celebração ou a renovação de contratos a termo resolutivo com violação do disposto no presente Regime [– quando aplicável –] implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado.”

 

Mas repare-se que, ainda que assim não fosse, o desiderato da conversão, almejado pelo Demandante, não podia ser logrado. Na realidade, como o Demandante refere para sustentar a conversão da celebração do contrato em renovação, é necessário que “o fim prosseguido pelas partes permit[a] supor que estas teriam querido a renovação, se tivessem previsto que a celebração do novo contrato era ilegal (art. 82.º do RCTFP e art. 292.º e 293.º do CC”.

 

Desde logo, o artigo 82.º do RCTFP apenas se reporta (tal como o artigo 292.º do CC) à redução, dispondo-se que “A nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o contrato, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”

 

Aquilo que o Demandante pretende, como o próprio refere (“trata-se assim de uma nulidade parcial, apenas do ato de celebração, o qual deve ser convertido em ato de renovação, mantendo-se todas as restantes cláusulas, porquanto o fim prosseguido pelas partes permite supor que estas teriam querido a renovação, se tivessem previsto que a celebração do novo contrato era ilegal”) é uma “conversão” da celebração de contrato em renovação de contrato anterior (mantendo-se o posicionamento remuneratório).

 

A este respeito, dispõe o artigo 293.º do CC que “O negócio nulo (…) pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.” Desde logo, não se preenche um dos pressupostos para a renovação, i.e., a nulidade do contrato tal como invocada pelo Demandante (i.e., por violação do disposto no artigo 96.º do RCTFP, Lei n.º 59/2008, de 11/9), dado que a celebração do contrato, nos termos em que foi celebrado, tem perfeito cabimento legal à luz do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 207/209, de 31/8 – à excepção da questão do posicionamento remuneratório, cuja reposição se discute. Mas a questão pode surgir de outro modo: se a cláusula que prevê o posicionamento remuneratório é nula, por violar a disposição legal (art. 117.º, n.º 3, da Lei 12-A/2008) que prevê que os contratos de trabalho são celebrados para as carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso, poderá essa nulidade gerar uma conversão da celebração do contrato em renovação à luz do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209? A resposta terá de ser negativa. Como referido supra, o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/209 compreende uma “faculdade” de renovação do contrato, aplicando-se depois, consoante os casos, o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do referido artigo.

 

Não existem elementos sólidos que permitam sustentar uma redução da discricionariedade a zero e uma intervenção substitutiva deste Tribunal ao juízo discricionário da Administração, no sentido de entender que, representando o Demandado como legalmente possível a renovação do contrato, tê-lo-ia renovado (dado que a renovação de um contrato de trabalho a termo resolutivo certo é, também ela, um juízo discricionário). Não tem, pois, razão o Demandante quando refere que irrefutavelmente as partes quiseram a continuação do vínculo; o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/8 (…) permitia da aplicação ao contrato do regime transitório do ECPDESP, permitindo a renovação do contrato, ao abrigo das normas do regime de carreira anterior. Era este o caminho que deveria ter sido seguido, o do renovação, em vez da ilegal celebração de novo contrato com vigência no dia imediato a seguir ao da caducidade do contrato anterior”.  A tal não obsta o argumento do Demandante, segundo o qual “a celebração do novo contrato em 1/10/2013 (…) teve como pressuposto uma alegada impossibilidade legal de renovação do contrato celebrado em 1/10/2011; ora, nunca tal impossibilidade legal foi demonstrada ou explicada” (cfr. doc. 13 da p.i.). Na realidade, a representação pela Administração como sendo legalmente permitida a renovação contratual significa precisamente isso: a renovação contratual, sendo permitida, consubstancia uma «faculdade» do Demandado. E não são os contratos anteriores, cujo termo se alcançou, que permitem extrapolar uma vontade declarada do Demandado no sentido de renovar o contrato. Qualquer outra decisão deste Tribunal implicaria uma violação da separação de poderes constitucionalmente prevista no artigo 111.º e igualmente consagrada no artigo 3.º, n.º 1 e 95.º, n.º 5 do CPTA.

 

O artigo 117.º, n.º 3, da Lei 12-A/2008 prescreve que “os contratos de trabalho são celebrados para as carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso, previstas na lei, em regulamento ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em vigor.“ A posição remuneratória de ingresso, no que respeita ao Demandante – as partes acordam neste ponto –, é a do Índice 100.

 

Tem pertinência, a este respeito, o referido pelo Tribunal de Contas (cfr. doc. 19 junto com a p.i., pp. 42 ss.), a respeito de uma hipotética especialidade do regime de contratação dos assistentes convidados no ensino superior, face ao regime geral de recrutamento e vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas: “em matéria remuneratória, nada de especial está consagrado na pertinente normação, quanto aos contratos de que se trata. Por isso, neste particular, é-lhes aplicável, sem nenhuma diferenciação, o regime geral” (o que é uma mera decorrência do tecido normativo subsidiário, quando não opera lex specialis generali derogat). Não existe, portanto, qualquer ambiguidade no disposto no artigo 117.º, n.º 3, da Lei 12-A/2008, pelo facto de “o texto legal não fala[r] em índices ou escalões iniciais, mas unicamente em carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso”, mas sim generalidade. Se não fosse já claro que escalão corresponde a posição remuneratória, bem anota o Tribunal de Contas que o próprio Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do ESP, alterado e objecto de republicação em anexo ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, já utiliza a expressão posicionamento remuneratório (vide artigo 35.º-B, n.º 2 e 35.º-C).

 

O posicionamento remuneratório, em matéria de função pública, sabe-se, não é susceptível de negociação, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (aplicável ex vi n.º 2 do artigo 39.º) quando restringe a negociação a recrutamento através de procedimento concursal (excluindo-se o convite, fora de um contexto de concorrência, realizado a um único sujeito).  Nos termos do princípio da legalidade, a negociação, em contexto de contrato de trabalho a termo resolutivo certo, encontra-se arredada. Como refere P. VEIGA E MOURA, “a obediência devida ao princípio da legalidade impede a Administração Pública de abonar aos seus funcionários ou agentes, qualquer remuneração que exceda os montantes a que tenham direito à luz do sistema retributivo vigente” (Cfr. Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes – 1.º Vol., 2.ª ed., Coimbra, 2001, p. 384).

 

 

(ii)              Violação do princípio da irredutibilidade da retribuição base, princípio indeclinável e irrenunciável do direito do trabalho, plasmado nas normas dos regimes laborais do trabalho em funções públicas supra referenciadas porquanto, até ao fim da vigência do contrato (das suas renovações), deveria manter-se a condição essencial para contratar – a manutenção do índice remuneratório, não podendo haver alteração / redução do vencimento;

 

Por consequência, e de tudo o que foi dito no ponto anterior, o posicionamento remuneratório não era, no caso vertente, sujeito a negociação, sujeito que está ao princípio da legalidade. Dada a sua dimensão vinculada, não carece de fundamentação adicional a alegada violação do princípio da irredutibilidade da retribuição base, irredutibilidade que assenta o seu pressuposto na negociabilidade e no pacta sunt servanda, aqui destituídos de aplicabilidade face à vinculação legal.

 

 

(iii)            Os actos do Presidente do B… de autorização do pagamento ao Demandante pelo I150 e os actos de processamento de vencimentos subsequentes foram actos de atribuição e reconhecimento de situação jurídica de vantagem remuneratória, os quais segundo o disposto no n.º 3 do artigo 167.º do CPA são actos constitutivos de direitos. A ordem de reposição de 27/1/2016, entendida como acto de anulação administrativa, é extemporânea, por ter prescrito o direito à reposição, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 168.º do CPA; a reposição de verbas (com efeitos retroactivos) e a correcção /redução do índice remuneratório na pendência do vínculo contratual iniciado no âmbito do período transitório (até 1/9/2015), os actos impugnandos contrariam os normativos legais supra referenciados do artigo 168.º do CPA;

 

Através do RAFE (Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, na redacção conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), o Governo definiu o regime da administração financeira do Estado, optando por ali incluir uma secção dedicada à reposição de dinheiros públicos. No artigo 36.º do RAFE, dispõe-se o seguinte:

 

“Artigo 36.º

Formas de reposição

1 – A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode

efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de

guia.

2 – As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que

devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono

seguinte de idêntica natureza.

3 – Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução,

será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia.”

 

No caso de impossibilidade de reposição pelos demais mecanismos, opera a reposição

por meio de guia. Nesta hipótese alternativa, rege o disposto no artigo 41.º do mesmo

diploma, com o seguinte teor:

 

“Artigo 41.º

Emissão de guias

As guias de reposição serão emitidas pelos serviços e organismos no prazo de 30 dias a

contar da data em que houve conhecimento oficial da obrigatoriedade da reposição.”

 

O Decreto-Lei n.º 155/92 compreendia, na sua versão originária, um regime específico

para a reposição de montantes indevidos, a saber:

“Artigo 40.º

Prescrição

1 — A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco

anos após o seu recebimento.

2 — O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se

por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”

 

O artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2005, deu nova redacção a este preceito, introduzindo-lhe um n.º 3, de natureza interpretativa, nos seguintes termos:

“Artigo 77.º

Regime da administração financeira do Estado

O artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, passa a ter a seguinte

redacção, tendo o n.º 3 ora introduzido natureza interpretativa:

«Artigo 40.º

(...)

3 — O disposto no n.º 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro.»”

 

Note-se que, como se sabe, o disposto no artigo 141.º do CPA anterior (revogabilidade de actos inválidos) tem paralelo no actual (mais complexo) regime do artigo 168.º do Novo CPA. Transcreve-se a jurisprudência relevante, do Supremo Tribunal Administrativo: “Conforme já se entendeu no acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 4/2009 – Processo n.º 1212/06 – Pleno da 1.ª Secção: “[a] este n.º 3 foi atribuída, pela própria lei que o introduziu, «natureza interpretativa», tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado. Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (artigo 13.º, n.º 1, do C. Civil), (...). E não se vê que outro alcance ou sentido normativo possa ter este n.º 3, introduzido pela Lei n.º 55 -B/2004, a não ser o de que a previsão legal do n.º 1 — de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve cinco anos após o seu recebimento — não é prejudicada ou condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no artigo 141.º do CPA (neste sentido, pode ver–se o Acórdão da 2.ª Subsecção do STA de 30 de Outubro de 2007 — recurso n.º 86/07).”

 

Ao passo que a restituição de montantes indevidamente recebidos pelo Estado (artigo 35.º,

n.º 3 do RAFE) se encontra sujeita a prescrição “no prazo de cinco anos a contar da data em que deram entrada nos cofres do Estado as quantias a restituir, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto”, a reposição de dinheiros públicos (artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho) apenas vê essa obrigatoriedade prescrever “decorridos cinco anos após o seu recebimento”, i.e. sem qualquer menção a prazo mais curto. Assim, se o regime de restituição engloba na esfera de protecção o particular (ou os particulares) a quem são devidos montantes pelo Estado, o regime da reposição é desenhado para proteger o erário público e, por conseguinte, todos os contribuintes, assim se justificando a uniformização do prazo prescricional e a não previsão de prazos prescricionais mais curtos. Já se sustentou, em acórdão do TCA Sul, de 03-10-2013 (processo n.º 06942/13) que ao disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho subjaz “um claro propósito do legislador, com intuitos de segurança e certeza jurídicas, de uniformizar o prazo de prescrição, quer para as quantias que o Estado tem que devolver, quer para aquelas que tem de reembolsar”.

 

Pese a qualificação, em abstracto, como prestação patrimonial, regular e periódica, no âmbito de uma relação laborar jurídico-pública – prima facie integrável no disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 168.º do CPA –, torna-se evidente, à luz do acima exposto, que a anulação do acto atributivo da prestação em causa se subsume no regime da alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA: “salvo se a lei ou o Direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respectiva emissão, nas seguintes circunstâncias:

c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável [ – precisamente o regime supra aludido do RAFE –], possa ser objecto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.”

 

Uma vez mais, está em causa a aplicação de lex specialis generali derogat, na relação normativa entre a alínea b) e c) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA, tendo sido desenhado o regime como excepcionando a categoria de prestações da alínea c) – com específico regime legal especial (RAFE) de restituição – às prestações referidas na alínea b) – nomeadamente pensões de segurança social.

 

O Demandante parece invocar – sem o referir expressamente – o princípio da tutela da confiança, com assento constitucional no artio 266.º, n.º 2 da Constituição e assento legal no artigo 10.º, n.º 2 do CPA, quando, invocando jurisprudência do TCA Sula (Ac. de 19.12.2013, proc. 9849/13, apela ao artigo 48 § 2 da VwVfG, nos termos do qual “em regra a confiança é digna de protecção se o beneficiário consumiu as prestações concedidas ou se delas celebrou um negócio dispositivo, negócio que já não pode anular ou apenas o pode fazer em condições demasiado gravosas”. Como é sabido – e aparte a complexa questão da operatividade de princípios gerais no contexto de regras vinculadas – a tutela da confiança pressupõe, como requisitos, a razoabilidade da confiança, pressuposto de aplicabilidade dúbia aquando da celebração do contrato ex novo pelo particular cujo posicionamento remuneratório é, nos termos da lei, o do ingresso. Ademais, ainda que operando numa lógica de peso ponderatório – por vezes referido como sistema móvel – a operatividade da tutela da confiança pressupõe um requisito do investimento da confiança, ligado à durabilidade e solidez dessa confiança e à criação de factos consumados que, pela sua própria natureza, rigidifiquem situações jurídicas e impossibilitem a restituição de montantes indevidamente recebidos numa situação de boa fé. Sucede, porém, que, para além de não demandar o Demandado em acção de responsabilidade civil, por violação da tutela da confiança, o Demandante não invoca quaisquer factos demonstrativos desse investimento da confiança, antes se apela ao “senso comum e às regras da experiência”. Não há presunção judicial que permita considerar que as prestações recebidas – à conta de um posicionamento remuneratório distinto do posicionamento de ingresso legalmente devido – tenham sido, efectivamente, consumidas ou se encontrem inapelavelmente vinculadas a um negócio previamente celebrado pelo Demandante, no pressuposto da legalidade do posicionamento remuneratório I150. Também o lapso de tempo transcorrido não é suficiente para configurar uma inércia prolongada tal para – de modo semelhante à suppressio e à surrectio – solidificar na esfera do Demandante a confiança suscitada. Até porque, como se viu, aos princípios gerais preferem as regras de prescrição (in casu, de 5 anos, nos termos do artigo 40.º da RAFE).

 

Face ao exposto, carece de razão o Demandante no vício invocado.

 

(iv)             O pagamento indevido, que causa dano ao erário público, nos termos do artigo 59.º, n.º 4 da Lei Orgânica e de Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) integra-se na responsabilidade financeira reintegratória dos agentes responsáveis pelos pagamentos indevidos (artigo 61.º, n.º 1, da LOPTC), cabendo a estes a obrigação de reposição de tais verbas indevidamente pagas.

 

Por fim o Demandante invoca o disposto no artigo 59.º, n.º 4 e 61.º, n.º 1 da LOPTC para imputar a ilegalidade ao Demandado, alegando que o Demandado desconhecia em absoluto, nem tinha que conhecer, a ilegalidade dos vencimentos processados ao abrigo dos contratos com cláusulas de posicionamento remuneratório superiores às legalmente previstas. Se é certo que existe uma especial responsabilidade imputável à Administração, a título de órgão de aplicação oficial do direito, não existe, à luz do direito vigente – vide o regime do RAFE supra referido – uma obrigação de omnisciência e omnipotência da Administração Pública. “São ínumeros os abonos remuneratórios mensalmente efectuados pelo Estado aos seus funcionários e agentes, assistindo-se a verdadeiros actos-massa, nos quais é muito difícil, se não impossível, que a entidade processadora possa fazer, em curto espaço, um controlo rigoroso e fiável da exactidão dos quantitativos processados e pagos. (…) Através do DL 155/92, de 28 de Julho, o Governo definiu o novo regime da administração financeira do Estado, optando por ali incluir uma secção dedicada à reposição de dinheiros públicos(P. VEIGA E MOURA, Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes – 1.º Vol., 2.ª ed., Coimbra, 2001, p. 384).

 

A questão assenta, uma vez mais, numa questão de aplicabilidade de regimes. O regime de responsabilidade financeira reintegratória nunca seria um regime que prejudicaria o regime da RAFE, aqui aplicável. A título de consequência, e por directa aplicação deste último regime, cabe ao funcionário abonado em excesso, por referência ao posicionamento remuneratório legalmente previsto, proceder à referida restituição. Não procede, portanto, o vício invocado pelo Demandante. 

 

 

V. Decisão

 

Em razão do supra exposto, julgam-se improcedentes todos os pedidos deduzidos pelo Demandante, absolvendo-se o Demandado.

 

- Notifique-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão;

- Fixa-se o valor da causa no valor do acto impugnado (€ 6.154,50, por aplicação do artigo 33.º, d) do CPTA, ex vi Regulamento do CAAD).

- Encargos processuais na importância de € 75 por cada sujeito processual, nos termos da tabela aplicável.

 

Lisboa, CAAD, 16 de Dezembro de 2016,

 

O árbitro,

Pedro Moniz Lopes