Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 88/2017-A
Data da decisão: 2018-10-10  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual

 

É Demandante na presente ação arbitral A..., inspetor da B..., colocado na ... (...); e o Demandado é, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o C... .

 

A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa.

 

Não oferece qualquer dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.

 

Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o C..., que integra a B... (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”, regime que se aplica expressamente à carreira de investigação criminal da B..., desde que o litígio em causa não tenha por objeto avaliações de desempenho profissional, ingressos, acessos ou progressões na carreira, remunerações ou suplementos ou, ainda, questões de âmbito disciplinar.

 

Seja pelo valor da presente ação, seja pelo seu objeto, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do C... à jurisdição do CAAD.

 

Anote-se, desde já, que as Partes – tendo-o dito expressamente o C... no artigo 37.º da contestação – não renunciaram ao recurso da presente decisão arbitral, considerando o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD (disponível em www.caad.org.pt/); cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º-A do CPTA].

 

Este Tribunal Arbitral, constituído em 15 de fevereiro de 2018, é composto por um Árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem; e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa.

 

Devendo fazê-lo segundo o direito constituído [cfr. artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem; e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA].

 

No Despacho n.º 1, proferido em 2 de maio de 2018, o Tribunal logo saneou o presente processo, declarando-se competente, declarando que as Partes têm legitimidade e capacidade judiciárias e que estão regularmente representadas, declarando que não se verificam nulidades processuais, exceções dilatórias ou outras questões prévias  – nem as Partes as suscitaram – de que importe conhecer e fixando o valor da presente causa, que respeita a bens imateriais, considerando-se assim de valor indeterminável e, portanto, de valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), conforme o artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

 

 

II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes

 

II.1 – O Demandante termina a petição inicial, que deu entrada no CAAD em 19 de dezembro de 2017, formulando o pedido que de imediato se transcreve:

 

“NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência:

“Ser o Demandado condenado no deferimento da pretensão formulada pelo Demandante, reconhecendo-lhe o direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.”

 

Termina o Demandado a sua contestação – tempestivamente apresentada em 29 de janeiro de 2018 e juntando o processo administrativo – propugnando por que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, com a sua absolvição daquele pedido.

 

Em síntese, invoca o Demandante a sua idade, o seu tempo de serviço e razões de saúde para ter requerido, em 12 de dezembro de 2016 e novamente em 3 de maio de 2017, a sua passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço; tendo interposto a presente ação por não ter obtido entretanto qualquer decisão quanto a esse seu requerimento.

 

E mais alega a existência de duas situações concretas iguais à sua, decididas favoravelmente aos respetivos requerentes, para pedir, conforme visto, não apenas a condenação do C... à prática de um ato decisório, até então não praticado – no que considera ser uma omissão ilegal –, mas a condenação do C... ao deferimento da sua pretensão.

 

Em síntese, considera o Demandante: (i) que preenche todos os requisitos – de idade, tempo de serviço e saúde (já que comprovadamente “se encontra limitado de forma muito significativa no desempenho efetivo de funções”) – previstos no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e no artigo 39.º, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2016, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, para passar, conforme requerido, à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço; (ii) que tem, assim, o direito a que o que requereu seja decidido, conforme os artigos 13.º, n.º 1, e 128.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA); (iii) e que tem, ainda, o direito a uma decisão favorável, já que as necessidades de recursos humanos do serviço não constituem “critério legitimador” da recusa do pedido, por um lado, e, por outro lado, dadas as duas situações de igualdade por si invocadas, os espaços de valoração do decisor – inerentes ao conceito de “situações de saúde devidamente atestadas” ou à recondução da situação à disponibilidade na efetividade de serviço ou fora dela – se mostram reduzidos a zero, à luz do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 6.º do CPA. 

 

Defende-se o C... dizendo, no que mais releva, inexistir a igualdade invocada pelo Demandante entre a sua situação e as demais que concretamente refere e que só ainda não houve decisão do que ele requereu – decisão que envolve, aliás, juízos de conveniência e oportunidade – por se considerar necessário aguardar pelo resultado de uma perícia médico-legal, a realizar pelo D..., I.P., e marcada para o dia 4 de abril de 2018, como meio de comprovar a verificação da condição legal do requerido inerente a uma situação de saúde devidamente atestada.

 

Acrescenta que, inexistindo ainda a portaria definidora do regime de prestação de serviço na disponibilidade, prevista no artigo 147.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, tem sido entendimento que as decisões das situações como a sub judice sejam precedidas de pronúncia da B..., visando aferir, nomeadamente, se a situação de saúde concretamente verificada obsta ou não, de forma absoluta e permanente, ao exercício das funções respetivas; algo que, por não resultar inequívoco in casu, determinou a necessidade de tal perícia médico-legal, “por forma a habilitar a uma tomada de decisão justa e inequívoca”.

 

E não pode – acrescenta o Demandado – considerar-se, sem mais, a igualdade entre a situação de saúde do Demandante e as situações de saúde verificadas naquelas outras duas situações por ele invocadas, pois, à luz do conteúdo dos relatórios médicos em causa, conclui-se que não se trata de realidades comparáveis.

 

Para além de que o Demandado – diz ele ainda –, “tutelando o interesse público associado ao serviço e à gestão dos seus recursos humanos, não pode deixar de ponderar, caso a caso, se as necessidades do serviço não são afetadas pela passagem do interessado à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, com a consequente cessação de funções a curto prazo”.

 

Para terminar, tece ainda o Demandado considerações sobre os limites dos tribunais em matérias que envolvam juízos sobre a conveniência e oportunidade da atuação das entidades públicas; sendo que a falta de decisão sub judice “não padece de erro patente ou critério inadequado”, já que advém da necessidade de “diligências complementares para se decidir de forma justa e adequada”.           

 

Assim sendo, face a estas posições das Partes, o objeto da presente ação é a condenação do Demandado à decisão do que o Demandante requereu e a condenação a uma decisão favorável; está, pois, em causa uma ação prevista nos artigos 37.º, n.º 1, alínea b), e 66.º e seguintes [maxime 67.º, n.º 1, alínea a)] do CPTA, interposta tempestivamente [cfr. artigo 69.º, n.º 1.º, do mesmo Código e artigos 128.º, n.º 1, e 129.º do CPA].

 

II.2 – Face ao teor da contestação e do processo administrativo junto com a mesma, veio o Demandante, em 8 de fevereiro de 2018, em síntese:

  1. Dizer que preenche os critérios da B... de avaliação dos pedidos de passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço;
  2. Pronunciar-se sobre a posição do Demandado relativamente à situação clínica daqueles casos que considerou iguais ao seu;
  3. Contestar – juntando neste caso dois documentos – que aquela perícia médico-legal, a cargo do D..., I.P., tenha “qualquer influência no decurso dos presentes autos”; “sendo certo que, caso seja proferida, ainda na pendência dos presentes autos, decisão final desfavorável no âmbito do procedimento administrativo, o Demandante não deixará de requerer a ampliação do objeto do litígio à impugnação de tal ato”. 

 

Reagiu o Demandado, em 15 de fevereiro de 2018, requerendo o desentranhamento dos autos de tal requerimento processual do Demandante e, caso assim se não entenda, contestando as novas alegações que no mesmo se contêm quanto aos critérios da decisão administrativa sub judice.

 

Logo no seu referido Despacho n.º 1, o Tribunal decidiu este incidente emergente daquela resposta à contestação com que o Demandante surpreendeu: tendo presente que tal resposta corresponde claramente à prática de um ato que as normas processuais não admitem [cfr., maxime, artigo 12.º do Regulamento da Arbitragem e artigo 85.º-A do CPTA], produzindo nulidade, dado tratar-se de irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa, e mais tendo presente aquela reclamação do Demandado, considerou-se não escrita a referida resposta à contestação apresentada pelo Demandante (incluindo nos dois documentos que lhe vêm juntos) [cfr. artigos 195.º e 197.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA].

 

II.3 – Na sequência da promoção constante ainda do Despacho n.º 1, pronunciaram-se as Partes dizendo, entre o mais, o seguinte:

  1. O Demandante, depois de confirmar a suficiência da prova documental, acrescentou não se “opor a que seja dispensada a apresentação de alegações finais por ambas as partes”, requerendo, a assim não ocorrer, a produção de alegações simultâneas e por escrito;
  2. O Demandado, embora não se tenha expressado diretamente sobre a possibilidade de condução do processo arbitral com base na prova documental (mas insistindo na necessidade de se aguardar pelo resultado da já então realizada perícia médica ao estado de saúde do Demandante), concluiu que “não se opõe a que as alegações finais sejam apresentadas por escrito e em prazo simultâneo”.  

 

À luz do artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem e atentando nas pronúncias das Partes acabadas de referir, determinou-se no Despacho n.º 2, proferido em 28 de agosto de 2018, por se considerar isso suficiente para a apreciação e decisão do mérito da causa, a condução do presente processo arbitral exclusivamente com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao mesmo.

 

Dado que no Despacho n.º 1 o Tribunal havia mandado trazer ao processo a informação disponível relativa à realização e ao resultado da já referida perícia médico-legal, no Despacho n.º 2 admitiu a junção aos autos do documento apresentado pelo Demandado nesta sua pronúncia, documento que confirma a realização, em 4 de abril de 2018, da perícia médica ao Demandante pelo D..., I.P.; sem que, contudo, se conhecesse ainda o resultado final de tal perícia.

 

E, considerando o artigo 24.º do Regulamento da Arbitragem e mais tendo presente a pronúncia concordante das Partes em matéria de alegações, determinou-se a sua notificação para apresentarem alegações finais escritas em prazo simultâneo, o que ambas fizeram tempestivamente.

 

II.4 – Para além de identificar a matéria de facto que entende dever considera-se assente, o Demandante, nas suas alegações em matéria de direito, reafirmou a sua posição inicial no sentido de estarem reunidas todas as condições legalmente previstas para lhe ser reconhecido o direito a passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, (i) reforçada com o sublinhado de que o “legislador não conferiu à administração o poder de negar a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço por necessidade do serviço, impossibilidade ou dificuldade de substituição do trabalhador”, (ii) complementada com as afirmações de que não é legalmente “exigível que a situação de saúde seja atestada por perícia médico-legal” e de que a ausência da regulamentação da prestação de serviço na disponibilidade não contende com a sua pretensão e (iii) apoiada nas Decisões Arbitrais do CAAD no Processo n.º 75/2017-A e no Processo n.º 82/2017-A (decisões estas que este Árbitro – diga-se desde já – não ignora).

 

Por seu turno, para além de alegar, com comprovação documental, a matéria de facto que irá identificar-se no 9.º facto considerado assente, o Demandado reafirmou também nas suas alegações a sua posição inicial, reforçando que, estando a decisão final sobre a passagem do Demandante à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço dependente ainda da conclusão de necessárias diligências complementares (dado que não é clara e inequívoca a sua situação de saúde), não deverá ser condenado ao deferimento do requerimento sub judice.

 

 

Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.

 

 

III – Da fundamentação de facto

 

Tratando-se de factos documentalmente provados e/ou confessados, que são inequívocos e aceites sem reservas pelas Partes, o Tribunal considera assentes os seguintes factos com relevância para a presente ação, inexistindo outros factos não provados relevantes:

 

1.º - Em 12 de dezembro de 2016, então com 56 anos de idade e 38 anos de serviço, o Demandante requereu à C... a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 39.º, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2016, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, juntando “Relatório Médico” (datado de 6 de dezembro de 2016 e subscrito por médico “consultor hospitalar de ortopedia”) referindo sobre o Demandante, em síntese, “patologia osteoarticular de caráter degenerativo com principal repercussão a nível da coluna lombar e dos joelhos” e concluindo que a “evolução crónica e progressivamente invalidante serão definitivamente condicionadoras da sua atividade laboral sendo que, no momento atual, se recomenda a atribuição de serviços moderados considerando mesmo a hipótese de se recorrer à situação de aposentação se o quadro clínico e funcional se agravarem, como expetável, dado o caráter evolutivo da patologia descrita”.

 

2.º - Por ofício de 15 de dezembro de 2016, o Diretor da ... enviou tal requerimento ao Diretor Nacional da B..., informando que, face à “enorme carência de meios humanos” da ... “e o facto de o relatório médico apresentado recomendar a atribuição de serviços moderados”, se opunha “à saída do referido funcionário, uma vez que a atual conjuntura vivenciada por esta ... e que é de enorme exigência não aconselha ou admite a saída de mais funcionários”.

 

3.º - Por ofício de 27 de dezembro de 2016, o Diretor Nacional Adjunto da B... enviou ao Gabinete da C... o referido requerimento, acrescentando que o ora Demandante reúne os requisitos legais de idade e tempo de serviço previstos no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, mas que, “considerando que a situação clínica do requerente apenas recomenda a atribuição de serviços moderados, somos de parecer que o seu pedido deverá ser indeferido”.

 

4.º - Em 3 de maio de 2017, o Demandante renova à C... o pedido formulado em 12 de dezembro de 2016, agora “em conformidade com o relatório médico que junto anexa, face ao resultado insuficiente do plano de tratamento conservador para controlar a sintomatologia dolorosa e o compromisso funcional associado”; juntando “Relatório Médico (Aditamento)” (datado de 28 de abril de 2018 e subscrito pelo mesmo médico subscritor daquele relatório inicial de 6 de dezembro de 2016), no qual, entre o mais, se conclui o seguinte:

“O plano de tratamento conservador em AINEs e Fisioterapia em curso, tem-se revelado insuficiente para controlar a sintomatologia dolorosa e o compromisso funcional associado resultado da sua atividade laboral.

“A evolução crónica e progressivamente invalidante serão definitivamente condicionadoras e determinantes da sua atividade laboral sendo que, no quadro atual, se recomenda a passagem à disponibilidade sem efetividade de funções considerando mesmo a hipótese de se recorrer à situação de aposentação se o quadro clínico e funcional se agravarem, como expetável, dado o caráter evolutivo da patologia descrita.”

 

5.º - Por ofício de 2 de junho de 2017, a ... enviou este novo requerimento do ora Demandante ao Diretor Nacional Adjunto da B..., dando a conhecer o “panorama” da ... em termos de recursos humanos afetos à investigação e informando que “os meios humanos nesta Unidade são excessivamente deficitários”.

 

6.º - Por ofício de 9 de junho de 2017, o Diretor Nacional Adjunto da B... enviou ao Gabinete da C... este novo requerimento, reafirmando que o ora Demandante reúne os requisitos legais de idade e tempo de serviço previstos no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e alertando para o primeiro requerimento já antes remetido por aquele ofício de 27 de dezembro de 2016.

 

7.º - Em 26 de maio de 2017, a Secretaria-Geral do C... produz uma informação em que, dando nota de que nove outros pedidos de passagem à disponibilidade por razões de saúde obtiveram parecer favorável, esclarece estarem ainda pendentes seis situações do mesmo tipo – entre as quais a do ora Demandante – relativamente às quais a B...“emite parecer no sentido de que as limitações de saúde não são completamente impeditivas da realização das tarefas”, razão por que “considera-se prudente que tal avaliação seja concretizada por entidade externa e com conhecimentos científicos”, sugerindo como alternativa o D..., I.P..

 

8.º - Na sequência de tal posição, o Gabinete da Ministra da C... envia ofício à B..., em 18 de dezembro de 2017, no sentido de ser feita perícia médica ao ora Demandante pelo D..., I.P.; a qual foi realizada em 4 de abril de 2018.

 

9.º - O relatório, datado de 16 de maio de 2018, desta perícia médica realizada pelo D..., I.P. solicita a realização de um exame complementar de medicina do trabalho (destinado a permitir aferir se, face aos “antecedentes patológicos” em causa, o Demandante se encontra ou não apto para o exercício da profissão/função, com ou sem condicionalismos), exame este que a B..., em 21 de setembro de 2018, pediu à Ordem dos Médicos que fosse agendado.    

 

10.º - Nenhum dos dois referidos requerimentos do Demandante foi ainda objeto de decisão da C... .

 

11.º - Em 18 de agosto de 2015, a C..., a requerimento do interessado, autorizou a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 86.º, n.º 2, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2015, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, de E..., inspetor da B..., colocado na ..., considerando ser este “portador de doença crónica de caráter incapacitante”, atestada em relatório médico, que lhe “condiciona de forma negativa o desempenho profissional”, encontrando-se por isso “limitado de forma significativa ou muito significativa no desempenho efetivo de funções”, tendo o Diretor daquela Unidade não obstaculizado tal pedido face aos motivos de saúde invocados, ao suporte legal do mesmo e aos “antecedentes favoráveis nesta matéria”, com o Diretor Nacional Adjunto da B... a emitir parecer no sentido do provimento do mesmo.

 

12.º - Relativamente a esta situação de E..., foi atestado medicamente que o estado de saúde deste se caracterizava por “persistência de diarreia com muco e sangue, acompanhada de emagrecimento significativo”, fruto de confirmada “colite ulcerosa total, em fase ativa”, a qual, apesar da medicação, mantém “persistência de sintomatologia com diarreia, múltiplas dejeções diárias e vontades imperiosas, situação que lhe condiciona de forma negativa o desempenho profissional”, acrescentando-se que esta doença inflamatória intestinal, “não tendo cura, pode ter evoluções muito dispares, sendo que o Sr. E..., com a colite ulcerosa em atividade, mantém os sintomas descritos, que em muito lhe condicionam a sua vida de relação e profissional”.

 

13.º - Em 16 de agosto de 2016, a C..., a requerimento do interessado, autorizou a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 39.º, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2016, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, de F..., inspetor da B..., colocado na ..., considerando a sua situação de saúde, atestada por relatórios médicos, tendo a responsável por aquela Unidade alertado para que a mesma se encontra no “limite mínimo” de recursos humanos, com o Diretor Nacional Adjunto da B... a emitir parecer no sentido do deferimento do pedido.

 

14.º - Relativamente a esta situação de F..., foi atestado medicamente, estando disponíveis vários relatórios, que este “apresenta problemas de diabetes, com manifestos problemas ao nível dos membros inferiores, tem problemas na coluna lombar com várias hérnias discais e artroses, que provocam dor permanente, foi submetido nos últimos anos a duas cirurgias, sendo uma relacionada com uma hipertrofia benigna da próstata, que deixou marcas físicas e psicológicas, e outra com uma situação de hérnia inguinal, que passado um ano após a realização da mesma se encontra ainda a causar problemas por complicações pós operatórias”, acrescentando-se que “sofre de dores lombares crónicas, por vezes incapacitantes, devidas a problemas de tipo degenerativo como hérnias discais e artroses”, efetuando “tratamentos de vários tipos com resultados transitórios” e encontrando-se “em fisioterapia e a cumprir programa de exercícios físicos”, sendo que, porque “a situação é crónica e por vezes incapacitante, recomenda-se serviços moderados”, podendo ser necessário, “se a situação se deteriorar”, “encarar uma situação de reforma”.

 

 

IV – Da fundamentação de direito

 

Como se sublinhou antes, cabe analisar e decidir na presenta ação se o Demandante tem direito a uma decisão sobre o seu pedido de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço e se tem direito a que tal decisão seja de deferimento desse pedido.

 

Importa, contudo, antes do mais, fazer uma clarificação suscitada pelas referidas considerações tecidas pelo Demandado sobre os limites da decisão judicial em matérias que envolvam juízos sobre a conveniência e oportunidade da atuação das entidades públicas.

 

Não pode nesta matéria deixar de sublinhar-se que no contencioso administrativo atual deixou de estar-se perante uma mera jurisdição de cassação (invalidação). Nalguns casos, como no contencioso eleitoral, fala-se até em plena jurisdição [cfr. artigo 98.º, n.º 1, do CPTA]. Mas isto não significa uma dupla administração, não significa que não seja preciso preservar espaços autónomos próprios da Administração, não significa que tenha deixado de importar salvaguardar a margem de livre apreciação e decisão da Administração. Um tal judicial restraint advém aliás do artigo 3.º, n.º 1, do CPTA: “No respeito pelo princípio da separação e interdependência de poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.”

 

Sem prejuízo desta inequívoca perspetiva, não pode o Tribunal deixar de relembrar ao Demandado que, embora naturalmente se reconheça a este espaços de atuação não estritamente vinculada em matéria de gestão de pessoal, englobando margens de livre apreciação e decisão, e embora esteja aquele sujeito a um julgamento de conformidade normativa e aos limites do que é pedido, não pode ele deixar de decidir todas as questões suscitadas, o que, in casu, implica fazer uso dos poderes de pronúncia previstos no artigo 71.º do CPTA, pois estamos perante uma ação destinada a obter a condenação à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido [cfr. artigos 66.º, n.º 1, e 67.º, n.º 1, alínea a), do CPTA].

 

Ora, os poderes de pronúncia do Tribunal previstos no artigo 71.º do CPTA reclamam deste uma decisão sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido, devendo explicitar as vinculações a observar na emissão desse ato, quando este envolva valorações próprias da função administrativa e não possa concretamente identificar-se apenas uma solução como legalmente possível ou não possa concretamente determinar-se o conteúdo do ato a emitir [cfr. também artigo 95.º, n.º 5, do CPTA], e devendo ainda, conforme os artigos 95.º, n.º 4, e 179.º, n.º 1, do CPTA, fixar um prazo razoável para a prática de tal ato.

 

Dito isto, tomemos boa nota do enquadramento normativo da pretensão do Demandante.

 

O artigo 58.º da atual Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto (Orgânica da B...), manteve em vigor o regime da “disponibilidade” previsto no Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro.

 

Estatuía o artigo 146.º (sob a epígrafe “Passagem à situação de disponibilidade”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro:

1 – O pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade:

  1. Obrigatoriamente, quando atinge 60 anos de idade;
  2. Por despacho do Ministro da Justiça, ouvido o diretor nacional, a requerimento do funcionário, quando tenha completado 55 anos de idade, independentemente do tempo de serviço, ou 36 anos de serviço, independentemente da idade.   

2 – Os funcionários nas condições previstas na alínea a) do número anterior podem renunciar expressamente à passagem à disponibilidade, passando à situação de aposentação.

3 – As remunerações do pessoal na situação de disponibilidade é igual à 36.ª parte da remuneração do nível e escalão da categoria em que os funcionários se encontravam na data da passagem àquela situação, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação, o qual não pode ser superior a 36.

 

E o artigo 147.º (sob a epígrafe “Estatuto de disponibilidade”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, estatuía:

1 – Na situação de disponibilidade o funcionário conserva os direitos e regalias respetivos e continua vinculado aos deveres e incompatibilidades, com exceção:

  1. Do direito de ocupação de lugar no quadro de pessoal;
  2. Do direito de acesso e progressão.

2 – Na situação de disponibilidade o funcionário pode excecionalmente ser chamado a prestar serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, salvo o exercício de funções de chefia.

3 – Sempre que chamado a prestar serviço nos termos do número anterior, o funcionário usufrui remuneração igual àquela a que teria direito se estivesse no ativo.

4 – O tempo de serviço prestado na situação a que se referem os números anteriores é levado em conta, no fim de cada ano, para efeitos de melhoria da remuneração até ao limite de 36 anos e contado para efeitos de aposentação.

 

Como se disse, este regime foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, tendo o artigo 146.º (sob a mesma epígrafe “Passagem à situação de disponibilidade”) passado a estatuir:

1 – O pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade:

  1. Obrigatoriamente, quando atinge 60 anos de idade;
  2. Por despacho do Ministro da Justiça, a requerimento do funcionário, quando tenha completado 55 anos de idade e 36 anos de serviço.   

2 – Os funcionários nas condições previstas na alínea a) do número anterior podem renunciar expressamente à passagem à disponibilidade, passando à situação de aposentação.

 

E o artigo 147.º (sob a mesma epígrafe “Estatuto de disponibilidade”) passou a estatuir:

1 – Na situação de disponibilidade, o funcionário conserva os direitos e regalias respetivos e continua vinculado aos deveres e incompatibilidades, com exceção:

  1. Do direito de ocupação de lugar no quadro de pessoal;
  2. Do direito de promoção.

2 – Na situação de disponibilidade, o funcionário presta serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, não lhe podendo ser cometido o exercício de funções de chefia.

3 – A remuneração do funcionário na situação de disponibilidade em efetividade de serviço é igual àquela a que teria direito se estivesse no ativo.

4 – A remuneração do funcionário na situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço é igual à remuneração de base média do último ano, acrescida dos suplementos a que porventura tenha direito.

5 – O regime de prestação de serviço na disponibilidade é definido por portaria do Ministro da Justiça.

 

O Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, aditou ainda o artigo 147.º-A (sob a epígrafe “Contingente em efetividade de serviço”), estatuindo o seguinte:

1 – É fixado anualmente, por despacho do Ministro da Justiça, o contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço.

2 – Quando o número de funcionários em situação de disponibilidade exceder o contingente definido pelo despacho do Ministro da Justiça, são colocados fora da efetividade de serviço, na quantidade excedente, os funcionários que o requeiram.

3 – As regras de prioridade no deferimento dos requerimentos são estabelecidas, tendo em conta a idade e o tempo de serviço prestado pelos funcionários, por despacho do Ministro da Justiça.

 

Não pode, no entanto, esquecer-se que o artigo 39.º (sob a epígrafe “Suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade”) da Lei do Orçamento do Estado para 2016 (a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), estatui, como medida de equilíbrio orçamental, que, entre o mais, a passagem à situação de disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, do pessoal com funções policiais da B... apenas pode ocorrer por situações de saúde devidamente atestadas (entre outras circunstâncias que não relevam in casu).

 

Sendo que esta norma teve equivalente no artigo 86.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro); e teve e tem continuidade, seja no artigo 55.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017 (a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), seja no artigo 64.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (a Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

 

Não restam dúvidas de que, em termos temporais, a pretensão do Demandante deve ser apreciada e decidida à luz das citadas normas do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, conjugadas com a referida medida de equilíbrio orçamental, presente em todas as Leis do Orçamento do Estado desde 2016, inclusive, até hoje.

 

Poderá colocar-se a questão de saber se a passagem à situação de disponibilidade conforme previsto no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, constitui um direito do interessado exclusivamente dependente da verificação dos pressupostos de idade e tempo de serviço aí previstos ou se, diferentemente, pode depender de outras avaliações por parte do Ministro da C..., nomeadamente inerentes à gestão do pessoal.

 

A nossa posição vai no sentido da primeira alternativa. Isso resulta, em termos jurídico-hermenêuticos, do elemento literal da atual norma, do confronto desta com a sua anterior redação [que pressupunha, diferentemente do que hoje ocorre, uma audição prévia do diretor nacional da B..., cuja razão de ser teria certamente a ver com questões de gestão de pessoal] e, determinantemente, de resultar expressamente da lei que o atual regime-regra da disponibilidade é (quando antes isso era algo excecional) o de prestação de serviço compatível com o estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços [cfr. artigo 147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro].

 

Pode, portanto, dizer-se que, nos termos da lei, o funcionário na situação de disponibilidade só não prestaria serviço – e serviço conforme com os respetivos conhecimentos, experiência e condições de saúde não inibitórias de tal prestação – se a sua saúde o não permitisse de todo ou se houvesse excesso de funcionários na situação de disponibilidade na efetividade de serviço e requeresse então ser colocado fora da efetividade de serviço, tudo conforme os artigos 147.º, n.ºs 2 e 5, e 147.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro.

 

Acontece que continua a inexistir, seja a definição do regime de prestação de serviço na disponibilidade [reclamada por aquele artigo 147.º, n.º 5], seja a fixação anual do contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço [reclamada por aquele artigo 147.º-A, n.º 1], seja, ainda, o estabelecimento das regras de prioridade no deferimento daqueles requerimentos para colocação fora da efetividade de serviço [reclamado por aquele artigo 147.º-A, n.ºs 2 e 3].

 

Tais lacunas regulamentares não têm impedido – como a prática, comprovada aliás por factos dados como assentes na presente ação, demonstra à saciedade – o requerimento e o deferimento de passagens à situação de disponibilidade por razões de saúde; e serão certamente tais lacunas regulamentares a causa de esses requerimentos e deferimentos ocorrerem relativamente a passagens à situação de disponibilidade fora da afetividade de serviço, embora a lei só preveja que se requeira a passagem à disponibilidade (não a passagem à disponibilidade na efetividade de serviço ou fora dela). 

 

Acontece que tal prática não é contraditória, inconciliável ou, sequer, incoerente com o regime em vigor da disponibilidade no seio da investigação da B... .

 

Entendamo-nos neste preciso ponto.

 

Porque o n.º 2 daquele artigo 147.º pressupõe que a prestação de serviço aí prevista só ocorra existindo as adequadas condições de saúde e porque aquela medida de equilíbrio orçamental pressupõe que a disponibilidade apenas possa ocorrer por situações de saúde devidamente atestadas, é de aceitar sem estranhezas a prática instituída de requerimento e deferimento de passagens à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço naqueles casos em que se verifiquem situações de saúde, devidamente atestadas/comprovadas, que contendam – de acordo com critérios razoáveis, estáveis e genéricos (não arbitrários, portanto) – com a continuação da efetiva prestação do serviço que vinha ocorrendo.

 

E na apreciação destas situações de acordo com tais critérios não pode o decisor deixar de avaliar cada uma das situações, na especificidade de cada uma delas, tendo o óbvio direito-dever funcional de, por si, lançar mão dos atos instrutórios que entenda adequados para conhecer bem a concreta situação de saúde com que se depara, condição necessária de uma correta e ajustada decisão.

 

E nem se diga que uma tal atuação é contrária àquele inciso normativo situações de saúde devidamente atestadas; pois um tal devido atestamento não se refere – não pode logicamente referir-se – a um mero formalismo a preencher através de um atestado médico apresentado pelo interessado, referindo-se antes a uma exigência probatória substancial de aferição, por parte de quem tem de decidir, das reais condições de saúde do interessado e da adequação concreta destas ao serviço efetivo a desempenhar ou não em função das mesmas.

 

Razão por que não pode considerar-se inadequada, errada ou ilegal a realização dos exames médicos complementares de que o Demandado lançou mão na situação sub judice.

 

Por outro lado, não pode acompanhar-se o Demandante quando este concebe uma redução a zero da margem de apreciação e decisão do seu caso em função das duas referidas situações já decididas que considera iguais à sua.

 

Pois, de facto, notoriamente, não o são, nem quanto às funções desempenhadas em causa, nem quanto às concretas patologias e seus efeitos profissionais atestados.

 

Veja-se, aliás, como claro indício de ausência de arbítrio, que o Demandado promoveu a realização de exames médicos complementares num conjunto de situações – nas quais se compreende a do Demandante – em que entendeu necessitar de informação adicional para o habilitar a uma decisão plenamente instruída e fundamentada.

 

Não quer isto dizer – de todo – que o Demandante não tenha direito a uma decisão sobre o que requereu e a uma decisão bem fundamentada naqueles critérios razoáveis, estáveis e genéricos, com garantia de igualdade e sem discriminação ou arbítrio.

 

A decisão a proferir deve, pois, ter concretamente presente o sentido rigoroso que se extrai da proclamação constitucional do princípio da igualdade, comportando um sentido positivo de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes, respetivamente, e de tratamento desigual de situações substancial e objetivamente desiguais, com verificação por um processo de comparação (tertium comparationis), justificando-se tratamento diferenciado apenas em função e na medida da diversidade das situações.

 

E uma tal decisão já devia ter acontecido, estando o Demandado em falta com ela, não podendo justificar-se com o atraso dos exames complementares de que necessitou ou necessita, pois – essa sim é a questão – deveria ter providenciado por obtê-los dentro dos prazos que a lei lhe proporciona para uma decisão.

 

Conforme o artigo 13.º, n.º 1, do CPA, existe um dever de pronúncia dos órgãos da Administração Pública sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados, como ocorre na presente situação sob julgamento.

 

E, conforme o artigo 128.º do CPA, o pedido do Demandante deveria ter sido decidido em 90 dias, contados desde a entrada do mesmo [sem prejuízo de eventual prorrogação excecional por mais 90 dias, no máximo, a qual se não verificou in casu]; sendo que na situação sub judice a lei não prevê prazo para formalidades especiais preparatórias da decisão, cujo termo coincidisse com o início da contagem daquele prazo de 90 dias.

 

O Demandado não pode, pois, deixar de ser condenado a decidir a pretensão do Demandante; e a decidi-la num prazo razoável; e a decidi-la com fundamentação que deve respeitar a vinculação a critérios inerentes à situação de saúde do Demandante devidamente atestada que garantam o respeito pelo princípio constitucional da igualdade.

 

 

V – Da Decisão Arbitral

 

À luz dos fundamentos expostos, condeno o Demandado a, por ato da Ministra da C..., emitir, no prazo de 60 (sessenta) dias, decisão, fundamentada em critérios inerentes à situação de saúde do Demandante devidamente atestada e conforme com as exigências de igualdade constitucionalmente consagradas, sobre o requerimento deste de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.

 

 

Registe e notifique.

 

10 de outubro de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

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Abílio de Almeida Morgado