Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 75/2017-A
Data da decisão: 2018-07-12  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

  1. O Demandante, A… (doravante, “o Demandante”), apresentou petição inicial de acção arbitral contra o Demandado, B… (doravante, “o Demandado”), a 14/11/2017.

 

  1. Nesse articulado, peticionou a condenação do Demandado ao deferimento da pretensão por si formulada em 7 de Novembro de 2016, reconhecendo-lhe o direito a passar à situação de disponibilidade fora de efectividade de serviço, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, e do artigo 39.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

  1. De acordo com o Demandante, o direito de passagem à situação de disponibilidade referida decorreria do seguinte quadro fáctico e legal:
  1. Do preenchimento dos pressupostos legais relevantes: idade e tempo de serviço, por um lado, e estado de saúde, por outro;
  2. Do argumento de que se estaria perante uma situação de redução da discricionariedade a zero (no que diz respeito ao preenchimento dos conceitos indeterminados relevantes presentes na previsão das normas acima citadas), por força da acção do princípio da igualdade: uma vez que, numa situação alegadamente idêntica à do Autor (a de C…), a Ministra da B… teria deferido pretensão semelhante, estaria agora vinculada a deferir também a pretensão do Autor.

 

 

  1. Devidamente citado, o Demandado veio a apresentar contestação em 07/12/2017, pugnando pela improcedência do pedido apresentado pelo Demandante com os seguintes argumentos:
  1. Defende que não resultaria clara e inequivocamente da documentação junta ao processo que a situação de saúde do Autor obstasse, de forma absoluta e permanente, ao exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira/categoria do interessado, como seria exigido pelo regime legal em vigor;
  2. Sustenta que não se estaria perante um caso de redução da discricionariedade a zero, uma vez que o caso que o Autor alega ser idêntico ao seu seria, na verdade, diferente e, nessa medida, não se estaria perante uma violação do princípio da igualdade;
  3. Entende, por fim, que, “tutelando o interesse público associado ao serviço e à gestão dos seus recursos humanos, não [poderia] deixar de ponderar, caso a caso, se as necessidades do serviço não [seriam] afetadas pela passagem do interessado à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço”.      

 

  1. Em novo articulado datado de 19/12/2017, veio o Demandante pronunciar-se sobre factos que alegou desconhecer e que constavam da contestação do Demandado, salientando, entre outros aspectos, que o regime legal não faria “qualquer referência às necessidades do serviço ou à impossibilidade de substituição do trabalhador”, ao contrário do que resultaria da argumentação do Réu.

 

  1. Nos termos do Regulamento de Arbitragem Administrativa, foi o signatário designado como Árbitro para o processo, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação pelo signatário, em 21/12/2017.

 

 

  1. Saneamento

 

  1. Após a apresentação dos articulados iniciais, o processo desenrolou-se de acordo com a súmula que se expõe de seguida:
  1. Em 02/01/2018, o Tribunal proferiu despacho no sentido de: (i) dispensar a realização de prova testemunhal, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa; e (ii) dispensar a realização de audiência de julgamento e a produção de alegações finais, nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, e 24.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa;
  2. Sem prejuízo desse entendimento, o Tribunal concedeu prazo de 10 dias às Partes para se pronunciarem sobre a dispensa de audiências para a produção de prova;
  3. Em 15/01/2018, pronunciou-se o Demandado no sentido de não se opor ao determinado pelo Tribunal;
  4. Em 16/01/2018, pronunciou-se o Demandante no mesmo sentido;
  5. Em 07/05/2018, foi o Demandante notificado, ao abrigo do artigo 95.º, nº. 6, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para apresentar, com a maior diligência possível e no prazo máximo de 20 dias, proposta fundamentada sobre o conteúdo do acto a cuja prática possa vir a ser condenado, devendo seguir-se pronúncia do Demandante com a maior diligência possível e com prazo idêntico de 20 dias;
  6. Em 14/05/2018, o Demandado apresentou requerimento em que, não tendo apresentado proposta fundamentada sobre o conteúdo do acto a cuja prática possa vir a ser condenado, alegou que o Tribunal não poderia decidir o caso sem ter conhecimento do teor da perícia médico-legal requerida ao D…;
  7. Em 21/05/2018, o Demandante pronunciou-se no sentido de dever ser dada procedência ao pedido, porque provado, e de eventualmente ser notificado o D… para juntar ao processo a correspondente perícia médico-legal;
  8. A 23/05/2018, ao abrigo do artigo 20.º, n.º 4, alínea c), do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, foi o Presidente do Conselho Directivo do D…, IP, notificado para, no prazo de 10 dias, remeter a este tribunal arbitral o relatório da perícia médico‑legal feita a 4 de Abril de 2018 ao demandante por requerimento da E… a solicitação do B…, demandado nos presentes autos;
  9. A 19/06/2018, foi recebido ofício da Vogal do Conselho Directivo do D…, IP, em que é afirmado que “o perito médico que efectuou o exame pericial em apreço entendeu solicitar exame complementar de psiquiatria forense, que foi efectuado a 09/05/2018. Uma vez recebido o relatório deste exame complementar, poderá o perito proceder à conclusão da perícia, de modo a ser enviada, com a maior brevidade”.

 

  1. O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades e não foram alegadas nem se verificam excepções dilatórias.

 

 

III. Dos factos

 

  1. Analisados os articulados, bem como os documentos juntos, é convicção deste Tribunal Arbitral deverem ser considerados provados e com interesse para o processo os factos alegados nos artigos 3.º a 26.º da petição inicial e os factos alegados nos artigos 4.º a 15.º da contestação, que não são impugnados pelo Demandado nem pelo Demandante (respectivamente).

 

 

IV. Do direito

 

  1. O litígio decidendo tem, como questão central, a interpretação das normas relativas à passagem à disponibilidade e a sua aplicação ao caso concreto.

 

  1. O artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que aprovou a Lei orgânica da E…, determina que “[o] pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade: […] [p]or despacho do Ministro da B…, a requerimento do funcionário, quando tenha completado 55 anos de idade e 36 anos de serviço”. Decorre deste artigo um direito subjectivo potestativo do funcionário à passagem à disponibilidade, dependente de requerimento e do preenchimento de dois pressupostos de facto cumulativos (idade e anos de serviço). O mesmo é dizer que, uma vez requerida a passagem à disponibilidade e verificados os referidos pressupostos de facto, a Ministra da B… não tem discricionariedade quanto ao sentido do seu despacho, estando vinculado a deferi-la.

 

  1. Sucede, contudo, que o artigo 39.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou a Lei do orçamento de Estado de 2016, e é aplicável à situação do Autor ratione temporis, passou a determinar que, “[c]omo medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de […] disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, […] da E… […] apenas podem ocorrer nas seguintes circunstâncias: […] [s]ituações de saúde devidamente atestadas”. Significa isto que, a partir da entrada em vigor da referida norma, o funcionário deixou de ter um direito subjectivo potestativo à passagem à disponibilidade, ficando o mesmo condicionado à existência de uma “situação de saúde devidamente atestada”. Extrai-se esta conclusão não só da inclusão do advérbio “apenas”, que acrescenta uma condição à vontade do funcionário, mas também da explicação de que se trata de uma “medida de equilíbrio orçamental” – o que determina que se pretende reduzir o número de funcionários que passam à disponibilidade.

 

  1. O Demandado considera que aos requisitos assinalados acresce um pressuposto adicional: o de a passagem à disponibilidade não trazer inconveniente para o serviço. Atente-se na seguinte passagem: “no âmbito dos pedidos desta natureza, e sem prejuízo da documentação clínica apresentada pelos interessados, a Entidade Demandada, tutelando o interesse público associado ao serviço e à gestão dos seus recursos humanos, não pode deixar de ponderar, caso a caso, se as necessidades do serviço não são afetadas pela passagem do interessado à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, com a consequente cessação de funções a curto prazo” (cfr. artigo 27.º da contestação). Ainda que se compreenda a natureza das preocupações em causa – em especial em tempos de contenção orçamental e de dificuldade em substituir trabalhadores –, bem como o facto de as mesmas se estribarem no princípio constitucional da prossecução do interesse público, não lhe assiste, contudo, razão. O Demandado está, em primeira linha, sujeito ao princípio da legalidade, o que determina que os pressupostos dos actos administrativos que pratica são, por imposição constitucional, definidos por lei. E, cotejadas as disposições legais relevantes, não se encontra referência, explícita ou implícita, ao pressuposto relativo ao inconveniente para o serviço.

 

  1. O Demandado defende ainda estar o presente tribunal arbitral impedido de tomar qualquer decisão por estarem “em curso as diligências complementares consideradas necessárias à prolação” do acto decisório do procedimento em causa (cfr. artigo 17.º da contestação), por ser “notório que o resultado dessa perícia deverá ser tido como determinante para a decisão a tomar” e por ser “incontestável que uma decisão que não tenha em conta este resultado careceria de fundamentação, já que descuraria o conhecimento das verdadeiras limitações do Demandante para o exercício de funções” (cfr. parágrafos 7.º e 8.º do requerimento apresentado pelo Demandante a 14/05/2018). Ora, desde logo, cumpre esclarecer que a lei não determina que seja necessária uma perícia médico-legal de um perito do D…, IP. Ou sequer uma perícia médico-legal ou a avaliação de uma junta médica. Note-se que não se trata de procedimentos desconhecidos do legislador. No âmbito da aposentação por incapacidade, é obrigatória a avaliação de uma junta médica, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, alínea a), e dos artigos 89.º a 92.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção actual. Note-se que mesmo em casos de aposentação urgente é necessária a intervenção médica – cfr. o regime dos processos de aposentação por incapacidade urgentes, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho. Da mesma forma, nos casos de pensão por invalidez, a segurança social exige uma avaliação de uma comissão de verificação da incapacidade permanente, nos termos dos artigos 18.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 360/97, de 17 de Dezembro, na versão actualmente em vigor. No caso decidendo, contudo, o legislador optou por não recorrer a qualquer desses procedimentos.

 

  1. De todo o modo, porque ambas as partes concordaram, o tribunal arbitral notificou o D…, IP, para juntar ao processo a sua perícia médico-legal resultante do exame que teve lugar a 4 de Abril (e do exame de psiquiatria forense que teve lugar a 5 de Maio) de 2018. O D…, IP – malgrado terem passado já mais de 3 meses do primeiro exame e 2 meses do segundo – não o fez nem se comprometeu com data em que o fizesse. Ora, este tribunal está vinculado a proferir decisão arbitral no prazo de 6 meses, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, prazo esse que termina hoje.

 

  1. Note-se, contudo, caso o D…, IP, viesse eventualmente a juntar a sua perícia médico-legal, a mesma constituiria, no presente processo (e apesar da existência do regime aprovado pela Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto), mera prova documental. Caso o Demandado pretendesse que se produzisse prova pericial, deveria tê-la solicitado, nos termos e ao abrigo do artigo 20.º, n.º 3, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa.

 

  1. Por outro lado, é também necessário notar que a lei não exige que se trate de uma incapacidade para o exercício de funções “de forma absoluta e permanente” (cfr. artigos 8.º e 19.º da contestação), como se exige nos casos de aposentação ou reforma por invalidez (cfr. os regimes citados no parágrafo 14). O regime de passagem à disponibilidade, ainda que baseado em razões de saúde, tem outros fundamentos. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 20 de Dezembro, que alterou o regime de aposentação e de disponibilidade do pessoal de investigação criminal e de apoio da E… e deu origem ao artigo em causa, “ao pessoal de investigação criminal está cometida, nos termos plasmados no regime da organização da investigação criminal, aprovado pela Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, a realização das diligências de investigação da criminalidade socialmente mais grave e de maior dificuldade investigatória, o que significa que estes funcionários estão ao longo da sua carreira sujeitos a permanente desgaste físico, emocional e mental. De igual modo, algum pessoal de apoio à investigação criminal desempenha frequentemente funções muito próximas das dos investigadores, acompanhando-os à cena do crime, sem limite de horas, contactando com criminosos, contactando e manipulando objectos e substâncias prejudiciais à sua saúde; o mesmo é dizer-se, estando exposto aos mesmos perigos. / São estas as razões que justificam a existência de um regime de disponibilidade para o pessoal de investigação criminal aos 55 anos de idade e de aposentação aos 60”. Isto mesmo, aliás, é compreensível a partir da caracterização da situação funcional do funcionário em situação de disponibilidade, a quem é ainda exigida a prestação de “serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respectivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, não lhe podendo ser cometido o exercício de funções de chefia”, como decorre do artigo 147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que aprovou a Lei orgânica da E… . O funcionário nessa situação mantém a sua remuneração, sendo que, caso se trate de “funcionário fora da efectividade de serviço”, aufere a “remuneração de base média do último ano, acrescida dos suplementos a que porventura tenha direito”, enquanto se estiver em “efectividade de serviço”, tem a mesma remuneração “que teria direito se estivesse no activo”, como decorre dos n.os 3 e 4 do mesmo artigo. Ao mesmo tempo, saliente-se que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março – a que acrescentou o requisito de que “[c]omo medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de […] disponibilidade […] apenas [pudessem] ocorrer [no caso de] [s]ituações de saúde devidamente atestadas” – deixou intocada a caracterização da situação funcional dos funcionários em regime de disponibilidade. Em suma, e citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo – Sul no Proc. n.º 02266/07, de 28/01/2010, “[a] situação de disponibilidade prevista no citado normativo constitui uma situação funcional intermédia, situada entre a situação no activo e a da aposentação”.

 

  1. Assim, tendo em conta o contexto normativo acabado de descrever, se percebe que a lei se refira singelamente a “situações de saúde devidamente atestadas”. Ora, o Demandante instruiu o seu requerimento de 7 de Novembro de 2016, bem como a sua petição inicial no presente processo, com quatro atestados médicos de diferentes especialidades médicas. Não tendo o conteúdo dos referidos atestados sido impugnado pelo Demandado, nem tendo este suscitado incidente de falsidade sobre os mesmos, considera-se que o mesmo corresponde à realidade.

 

  1. Assim sendo, note-se que os quatro documentos referidos juntos pelo Demandante – cfr. fls. 4 a 7 do Documento n.º 1 anexado pelo Demandante à sua petição inicial – atestam que padece, designadamente, das seguintes patologias:
  1. omalgia à esquerda com impotência funcional e lombociatalgia com episódios que o obrigam a interromper as sua[s] actividades da vida diária”;
  2. limitação da mobilidade global [do ombro esquerdo] com maior intensidade no movimento de elevação (essencial à sua actividade profissional)”;
  3. lombociatalgia bilateral com diminuição do reflexo rotuliano e da força dos membros inferiores”;
  4. diabetes tipo II, insulinodependente”;
  5. retinopatia diabética não proliferativa com edema macular bilateral, [o que consubstancia] […] doença [crónica] e progressiva com prognóstico visual reservado”;
  6. tem risco vascular muito aumentado”;
  7. tem limitação funcional significativa – classe III NYHA”;
  8. situações de stress emocional / profissional agravam claramente a sua situação e hipertensão arterial
  9. quadro depressivo crónico exacerbado por perturbação de ansiedade”;
  10. “[as] recomendações [médicas são] difíceis de compatibilizar com horários irregulares”.

 

  1. Do conjunto das patologias acabadas de citar e das observações médicas a elas associadas conclui-se meridianamente que as mesmas consubstanciam uma situação de saúde, no mínimo, parcialmente impeditiva da realização de tarefas que correspondem ao conteúdo funcional da categoria do Demandante. Considera-se, assim, estar preenchido o pressuposto aditado pelo artigo 39.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

  1. Tendo o Demandado apresentado o seu requerimento de passagem à disponibilidade a 7 de Novembro de 2016, considerando que os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias (úteis), por força do artigo 128.º, nº. 1, do Código do Procedimento Administrativo, e que passaram mais de 20 meses sobre aquela data, está preenchido o pressuposto para a procedência do seu pedido de passagem à disponibilidade.

 

  1. Sucede, todavia, que, de acordo com a lei, a decisão sobre se o funcionário fica em efectividade de serviço ou fora da efectividade de serviço depende, designadamente, de saber se o número de funcionários em situação de disponibilidade excede, ou não, o contingente anualmente fixado por despacho do Ministro da B…, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de Dezembro, que alterou a Lei orgânica da E… . Inexiste, contudo, qualquer despacho com esse objecto. Sendo assim, essa decisão foi deixada pela lei na margem de livre decisão da administração. Esse juízo implica a “formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível”, como resulta do artigo 95.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Seria precisamente neste ponto que considerações relativas às necessidades do serviço ou à impossibilidade de substituição do trabalhador poderiam ser relevantes.

 

  1. Resta saber, então, se essa margem de livre decisão não foi, no caso concreto, comprimida por acção dos princípios constitucionais da actividade administrativa e dos direitos fundamentais do Demandante. O Demandante alega, em particular, que o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição assim o determinaria, visto que o ex-inspetor da E… C… estaria numa situação idêntica à sua e teria passado à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço. Trata-se de juízo, contudo, que este tribunal não está em condições de sufragar. Efectivamente, dos atestados médicos juntos pelo ex-inspetor da E… C… consta que “porque a situação é crónica e por vezes incapacitante, recomendo serviços moderados. Se a situação se deteriorar poderá ser necessário encarar uma situação de reforma” – o que também foi assinalado pelo Demandado no artigo 24.º da sua contestação. Não é claro que assim seja no caso do Demandante. Trata-se, por isso, de um juízo cuja formulação compete ao Demandado.

 

 

V. Decisão

 

Em razão do supra exposto:

  1. Condena-se o Demandado a deferir parcialmente a pretensão do Demandante, nos termos dos artigos 67.º, n.º 1, alínea a), e 95.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, determinando a sua passagem à disponibilidade no prazo de 30 (trinta) dias;
  2. Nos termos do artigo 95.º, n.º 5, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, determina-se ainda que, na decisão sobre se a passagem do Demandante à disponibilidade é em efectividade de serviço ou fora da efectividade de serviço, deve o Demandado, em particular, determinar se as situações de saúde do ex‑inspector C… e dos demais inspectores que tenham passado à disponibilidade fora da efectividade do serviço são, ou não, idênticas em termos médicos à do Demandante, à luz do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição, no mesmo prazo determinado na alínea anterior.

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão (artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento de Arbitragem Administrativa).

 

Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 30.000,01 por aplicação subsidiária do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

 

Encargos processuais na importância de € 150,00 por cada sujeito processual, nos termos da tabela aplicável.

 

Lisboa, CAAD, 12 de Julho de 2018

 

 

O árbitro,

Tiago de Freitas