Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 82/2017-A
Data da decisão: 2018-05-30  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.001,00
Tema: Reconhecimento do direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
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Decisão Arbitral

 

I) RELATÓRIO

 

 1. Constituição do Tribunal Arbitral

 

O E... vinculou-se à jurisdição do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa através do da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, abrangendo a vinculação, além do mais, a composição de litígios relativos a questões emergentes de relações jurídicas de emprego público.

 O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem daquele Centro.

 

2. O pedido e a sua fundamentação

 

A... instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente ação contra o E..., pedindo que este seja condenado na prática de ato administrativo que reconheça o direito de passar à situação de disponibilidade fora de serviço.

 

Contestou o demandado defendendo, em síntese, que não assiste razão ao demandante, porquanto entende que não se encontra em condições de decidir uma vez que estão em falta exames médicos complementares, para que seja ou não reconhecido o direito ao demandante à passagem de situação de disponibilidade forma de serviço.

 

II) Saneamento do Processo

 

 Depois do Tribunal Arbitral constituído, as partes foram notificadas da intenção do tribunal de decidir o processo com base na prova documental junta, de renunciar à audiência ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 18.º e do artigo 24.º, do Regulamento do CAAD, remetendo-se a fase de saneamento para a fase final do julgamento, consubstanciada esta numa decisão única e final, nos termos do n.º 4 do artigo 18.º do citado Regulamento, o que faz, dado que não se vislumbrou necessidade de realizar tal audiência.

 

3. Factos Provados

  Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O demandante, Inspetor da B..., afeto à Unidade ... (...), requereu, em 18 de novembro de 2016, a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, e da alínea a) do artigo 39.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com fundamento no facto de se mostrarem reunidas as condições legais para o efeito, motivadas, no caso, quer pela idade e tempo de serviço detido, quer pela situação de saúde, atestada pelos documentos clínicos que anexou ao pedido, cfr. fls. 1 a 11 do p.a.
  2. Em 24 de novembro de 2016 o Senhor Diretor Nacional Adjunto da B... remeteu o pedido formulado à Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da B..., cfr. fls 12 do p.a.
  3. Em 5 de dezembro de 2016, a Senhora Diretora da Unidade ... ouvida acerca do pedido apresentado pelo Demandante, proferiu despacho no sentido de saber se a saúde do demandante o impede de realizar diligências no exterior, nomeadamente participar em operações policiais que envolvam buscas e detenções (fls. 14 do p.a.).
  4. Em 9 de dezembro de 2016 foi elaborada a informação de serviço n.º .../... /... /2016, levando ao conhecimento do Senhor Diretor Nacional Adjunto da B... o aludido despacho da Senhora Diretora da Unidade ... (fls.15 a 18 do p.a.).
  5. Em 16 de dezembro de 2016 foi elaborado o ofício n.º..., subscrito pelo Senhor Diretor Nacional Adjunto da B..., endereçado ao Gabinete de Sua Excelência a Ministra da ..., onde foi rececionado a 19 de dezembro de 2016, com a seguinte informação: “Informa-se Vossa Excelência que o Senhor Inspetor, A..., reúne os requisitos legais, nomeadamente a idade e o tempo de serviço, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro. Mais se informa Vossa Excelência que, considerando que a situação clínica do demandante apenas o impede de realizar diligências no exterior, somos de parecer que o seu pedido deverá ser indeferido.” (fls. 19 do p.a.).
  6. Pelo ofício n.º..., de 21 de dezembro de 2016, o Gabinete de Sua Excelência a Ministra da ... remeteu o processo em causa à Secretaria-Geral do Ministério da E..., (fls. 20 do p.a.).
  7. Em 9 de maio de 2017 foi apresentada reclamação pelo aqui Demandante, dirigida a Sua Excelência a Ministra da ..., argumentando que pelo facto de já terem decorrido mais de 90 dias desde a data do envio, pela B... ao Gabinete de Sua Excelência a Ministra da ..., do seu pedido de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, devia considerar-se tal pedido deferido tacitamente, nos termos do disposto nos artigos 128.º a 130.º do Código do Procedimento Administrativo (fls. 21 a 26 do p.a.).
  8. Sobre a aludida reclamação foi elaborada a informação n.º ... /2017/..., de 26 de maio de 2017, da Divisão de Recursos Humanos da Secretaria-Geral do Ministério da ..., onde se concluiu não haver lugar ao deferimento tácito, dado que o diploma regulador da matéria em causa (Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, com as alterações sucessivamente introduzidas) o não prevê, sendo que o deferimento tácito só se produz quando a lei ou regulamento o determine (n.º 1 do artigo 130.º do CPA), (fls. 28 a 29 do p.a.).
  9. Pelo ofício n.º ...-... /2017/..., de 26 de maio de 2017, foi remetida ao Gabinete de Sua Excelência a Ministra da ... a informação n.º I-... /2017/..., da mesma data, elaborada pela Senhora Diretora de Serviços dos Recursos Humanos, Planeamento e Organização, da Secretaria-Geral do Ministério da ..., informação que, não obstante incidir sobre um conjunto de pedidos de disponibilidade, entre eles o do aqui Demandante, deixa antever a necessidade de em alguns dos pedidos analisados se mostrar necessário e prudente proceder-se à avaliação das condições de saúde físicas dos trabalhadores, por entidade externa com conhecimentos específicos na matéria, seja através do médico do trabalho ou através de perícia a realizar pelo C..., IP. 
  10. O objetivo de tal avaliação tende em vista apurar se o demandante tem ou não condicionalismos físicos que o impeçam de levar a cabo as funções para as quais se encontra nomeado (fls.30 a 34 do p.a.).
  11. Pelo ofício n.º 2149, de 6 de dezembro de 2017, do Gabinete de Sua Excelência a Ministra da ..., foi solicitado à B... que, com a maior brevidade possível, diligenciasse junto do C..., I.P., para que procedesse à realização da perícia médico-legal da qual resulte inequívoca a situação de saúde do demandante para o exercício das funções que lhe estão atribuídas, mais se solicitando que, face à conclusão médico-legal que venha a ser alcançada, a B... emita parecer relativo ao deferimento ou indeferimento do pedido (fls. 35 do p.a.).
  12. Por e-mail de 11 de dezembro de 2017, os serviços respetivos da B... solicitaram ao C..., I.P., a realização dos necessários exames médico-legais para um grupo de trabalhadores/demandantes da passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, entre os quais o Demandante, por forma a aferir das condições desses trabalhadores para o exercício das respetivas funções, por referência aos motivos de saúde invocados e documentados (fls. 36 a 39 do p.a.).
  13. Até à data não foi o demandante submetido a tal exame médico.

 

4. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

5. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados.

 

 III. Do Direito

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se i) se encontra ou não verificado o decurso do prazo que venha permitir que este Tribunal condene o E... à prática de ato administrativo legalmente devido e ii) se esse ato há-de ser de conteúdo que determine a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.

Apreciemos:

i)A condenação à prática de ato devido vem regulada nos artigos 66.º a 71.º do CPTA. Este pedido insere-se, em termos da dualidade de meios processuais adotada pelo CPTA, no âmbito da ação administrativa especial, constante dos artigos 46.º e seguintes do Código, que abrange ainda a impugnação de atos administrativos (que corresponde ao anterior recurso de anulação de atos) e a impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão. Nestas espécies de pedidos que podem ser formulados estamos perante a atuação da Administração com poderes de ius imperium, isto é, na sua veste de autoridade.

Um dos tipos de situações em que pode ser deduzido o pedido de condenação à prática de ato administrativo é a que se encontra prevista no art.º 67.º, n.º 1 CPTA, ou seja, sempre que o interessado tenha dirigido pedido formal através de requerimento à administração.

Ora, no caso este pressuposto encontra-se preenchido.

Sucede que o artigo 67,º n,º1, al. a) CPTA prevê ainda que para que a administração possa ser condenada à prática de ato administrativo devido deve ter decorrido o prazo legal estabelecido para a decisão, sem que a mesma se tenha pronunciado.

Ora, no caso, dispõe o artigo 128º do CPA de que o procedimento administrativo de iniciativa do particular deve ser decidido no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo não decorrer da lei, podendo o prazo, em circunstâncias excecionais ser prorrogado pelo responsável pela direção do procedimento, por um ou mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias.

No caso em concreto, nada foi dito ao demandante acerca da prorrogação do prazo para conclusão do procedimento. Ainda assim e mesmo que se entendesse que, com o pedido de realização de exames médicos, o procedimento tenha sido prorrogado por mais 90 dias, há muito que se encontra ultrapassado o prazo de 180 dias, pelo que se verifica também este pressuposto preenchido.

 

ii) O Decreto-Lei 272-A/2000, alterado pelo Decreto-Lei 235/2005, de 30 de dezembro, conjugado com o artigo 39º da LOE consagra que o pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargo dirigente – que é o caso do requerente – passa a disponibilidade i) por despacho do E..., a requerimento do funcionário quando tenha completado 55 anos de idade e 36 de serviço e ii) e ocorra uma situação de saúde devidamente atestada.

Ora, nos presentes autos, encontram-se verificados ambos os requisitos – a idade e os anos de serviço e situação de saúde devidamente atestada.

Se não vejamos:

O demandante foi submetido a exames, nomeadamente a junta médica levada a cabo pela D..., tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente de 15%, cfr. fls 4 e 5 do p.a.

Para além de tais elementos, o p.a. tem ainda diversos relatórios clínicos que atestam os problemas de saúde do demandante, cfr. fls. 5 a 10 do mesmo, que atestam inclusivamente que o mesmo padece de lesão crónica e que tal patologia origina situações de elevado absentismo.

Ora, tais elementos clínicos são suficientes para permitirem ao E... tomar uma decisão sobre o assunto.

Tenha-se em atenção que o referido D.L. 272-A/2000 prevê no nº 5, que o E... defina, em Portaria, a emanar pelo próprio Ministério, o regime de prestação de serviço na disponibilidade. Sucede que essa Portaria nunca foi emanada, e nessa sequência, vem o próprio E... invocar a falta de regulamentação para legitimar o procedimento instituído de ouvir antes a B..., antes de decidir porque tal tem sido o seu entendimento. E adota tal conduta, precisamente por não existir regulamentação.

Ora, a regulamentação não existe por inércia do próprio demandado, pelo que invocar a falta da mesma, faz com que este incorra em situação manifesta de abuso de direito.

Não restam dúvidas de que assiste razão ao demandante, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos legais, pelo que deve o E... emanar ato administrativo tendente a reconhecer o direito do demandante de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.

 

IV. Decisão

 

Em razão do supra exposto, julga-se a ação totalmente procedente e determina-se, atento o disposto no artigo 66.º, n.º1 do CPTA, que seja a entidade demanda condenada a emitir ato administrativo tendente a reconhecer o direito do demandante de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.

 

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Fixa-se o valor da causa em € 30 001,00 (trinta mil euros e um cêntimo).

*

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 3 do RCAAD.

 

 Porto, 30 de maio de 2018

 

(O Árbitro)

Jorge Barros Mendes