Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 83/2019-A
Data da decisão: 2020-02-06  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 930,76
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público – Promoção de Trabalhador – Juros de Mora - Impugnação de Ato Administrativo – Exceção Dilatória (Intempestividade da prática de ato processual) - Absolvição da Instância.
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DECISÃO ARBITRAL

I. - Relatório:

A. - Das partes e do objeto da ação arbitral:

 

A..., trabalhador da carreira dos  ... com a categoria de escriturário superior a exercer funções no C..., conservatória do B..., I.P., portador do número de identificação fiscal ..., residente na ..., ..., ..., ... ..., em Lisboa, intentou, em 27-06-2019, neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), contra o B... (adiante designado apenas pelo acrónimo “B...”), com sede na Avenida ..., ..., ...-..., em Lisboa, esta ação de impugnação de ato administração e condenação no pagamento de quantia certa, peticionando, em suma, o seguinte: “Termos em que, julgando o presente pedido procedente por provado, se requer a V.Exa., Mmo. Juiz-Árbitro, que, reconhecendo o direito do Demandante a juros de mora pelo atraso no pagamento das diferenças salariais mensais consequentes do atraso na sua colocação na categoria de escriturário superior, condene o demandando no pagamento de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais devidas, cujo valor, em Dezembro de 2013, se converteu em dívida de capital por força do n.º1 do art.º 705.º do CC, e, assim, o condene no pagamento da dívida de capital apurada e supra apontada mais juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento”.

 

Esta é a transcrição integral do pedido formulado pelo demandante na parte final da sua petição inicial, pese embora, no intróito daquele articulado, o demandante refira, expressamente, que “…vem apresentar pedido de anulação de acto administrativo, proferido no âmbito da relação jurídica de emprego público que liga as partes, e de condenação do Demandado…”.

 

Conjugando os princípios enunciados no artigo 5.º, do RCAAD, designadamente o da “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis”, e o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, enunciado no artigo 2.º, do CPTA, este tribunal considera, assim, que o pedido do demandante é composto por dois pedidos, o de reconhecimento de direito e condenação no pagamento de quantia certa, que se encontram enunciados no “Pedido” e, ainda, o da anulação de ato administrativo mencionado no intróito da petição inicial.

 

Notificado para contestar o demandado contestou a ação arbitral, por exceção, tendo arguido as exceções dilatória de intempestividade da impugnação e perentória de prescrição do direito ao recebimento de juros de mora, e por impugnação, requerendo que a ação fosse julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, a sua absolvição de todos os pedidos

 

O demandante respondeu às exceções deduzidas pelo demandado na sua contestação pugnando, em suma, pela sua improcedência.

 

B. – A Convenção de Arbitragem e a Constituição do Tribunal Arbitral:

O “B...” vinculou-se à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º1120/2009, de 30/09, do Ministério Justiça, publicada no diário da república, 1.ª série, n.º 190, de 30-09-2009.

 

Foi aceite por ambas as partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, apreciar e decidir o litígio.

 

Este Tribunal foi constituído, com a aceitação do encargo pelo signatário, em 05-09-2019.

Este tribunal arbitral é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território, por força do disposto no artigo 1.º/1/alínea j), da portaria acima citada.

 

C. – Despacho Inicial (artigo 18.º do RCAAD):

Decorrente do “Despacho Inicial” proferido ao abrigo do disposto no artigo 18.º, do RCAAD, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 (dez), dias, acerca da intenção deste tribunal em julgar, em sede de despacho saneador, totalmente procedente, por provada, a exceção dilatória de intempestividade da impugnação da deliberação do Conselho

Diretivo do demandado de 29-11-2013, com fundamento na caducidade do direito do demandante à propositura da presenta ação arbitral, e, consequentemente, determinar a absolvição do demandado da presente instância arbitral, com fundamento naquela exceção dilatória, ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento do mérito da causa, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 8.º e 26.º, do RCAAD, 44.º/1, da LAV, e 88.º, 89.º/2/4-alínea i), do CPTA.

 

II. – Saneamento:

Em sede de “Despacho Inicial” o tribunal concluiu, desde logo, que as partes litigantes tem personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias, estão regularmente representadas, o processo é o próprio e válido, tendo em conta a causa de pedir e os pedidos, e está isento de quaisquer nulidades que tenham de ser apreciadas, subsistindo, contudo, como se dará conta infra, que existe uma questão que obsta a que este tribunal conheça do mérito da causa.

 

Quanto ao valor da causa dispõe o artigo 306.º/1, do Código do Processo Civil, que “…compete ao juiz fixar o valor da causa”, sendo o mesmo “…fixado no despacho saneador.”.

 

Dispõe, ainda, o artigo 31.º/1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.”.

 

Na petição inicial o demandante atribuiu o valor de €930,76 à presente demanda arbitral.

 

O demandado não contestou o valor atribuído à ação tendo, inclusivamente, pago os encargos processuais de acordo com o valor da ação.

 

Considerando que o objeto da presente causa consiste na condenação do demandado no pagamento ao demandante daquela quantia será de aplicar o critério que se encontra consagrado no artigo 32.º/1, do CPTA, que dispõe que “Quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa é esse o valor da causa.”.

 

Analisando o pedido e a causa de pedir à luz das regras previstas no CPC e no CPTA para a verificação do valor da causa fixa-se o valor da causa em €930,76 (novecentos e trinta euros e setenta e seis cêntimos), recorrendo ao critério previsto no artigo 32.º/1, do CPTA, por remissão do disposto no artigo 26.º do RCAAD, em virtude de ser o valor que o demandante reclama do demandado e que este pretende, por sua vez, ser absolvido do seu pagamento.

 

A. Questão a decidir (Exceção Dilatória da Intempestividade da Impugnação):

Cumprido o contraditório, em sede de “articulados” e “Despacho Inicial”, este Tribunal Arbitral está, por isso, em condições de conhecer a exceção dilatória da intempestividade da impugnação invocada pelo demandado na sua contestação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º/1/alínea b), do RCAAD.

 

As posições das partes relativamente à exceção em causa encontram-se suficientemente enunciadas nos seus articulados que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

 

Notificadas do “Despacho Inicial” o demandante reproduziu os argumentos apresentados nos articulados anteriores, designadamente na “Resposta” às exceções deduzidas pelo demandado na sua “Contestação”, e o demandado limitou-se a reforçar o entendimento já manifestado na referida “Contestação” apresentado, para o efeito, uma sentença arbitral proferida nos autos do processo n.º82/2019-A, cujo objeto e pedido são idênticos aos da presente ação arbitral, nos termos da qual o demandado “B...” foi absolvido nos termos e com os fundamentos invocados no “Despacho Inicial” proferido nos presentes autos.

 

Das pronúncias das partes não resultou, contudo, nenhum argumento novo, por comparação com os articulados, que careça de ser apreciado criticamente pelo tribunal.

 

Com relevância para conhecer da exceção dilatória da intempestividade da propositura da ação de impugnação resultaram, então, com interesse para a presente causa arbitral, provados os factos seguintes:

 

a)            Por deliberação do Conselho Diretivo do B... de 29-11-2013 foi sancionada a promoção do demandante à categoria de escriturário superior com efeitos a partir de 30-03-2010, tendo sido posicionado no primeiro escalão do índice cento e noventa;

 

b)           Esta deliberação foi publicada na 2.ª série do Diário da República n.º245, de 18-12-2013;

 

c)            Em dezembro de 2013 o demandado pagou ao demandante a quantia de €9.982,20 a título de retroativos;

 

d)           Em dezembro de 2013 o demandado não pagou, ao demandante, juros de mora por conta daqueles retroativos;

 

e)           Em março de 2015 o demandado pagou ao demandante os retroativos dos emolumentos pessoais;

 

f)            Em Março de 2015 o demandado não pagou, ao demandante, juros de mora sobre os retroativos dos emolumentos pessoais;

g)            Em 09-12-2018 o demandante requereu, por escrito, ao demandado, o pagamento dos juros de mora sobre os retroativos processados em 2013 e 2015;

 

h)           Em 17-05-2019 o demandante foi notificado da decisão final da Presidente do Conselho Diretivo do demandado que indeferiu o seu pedido de pagamento dos juros de mora sobre os retroativos processados em 2013 e 2015;

 

i)             Esta ação arbitral foi proposta em 27-06-2019.

 

Não há factos não provados que se revelem relevantes para o conhecimento e decisão desta exceção dilatória.

 

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto dada como provada formou-se após a análise da prova documental que consta dos autos e que se consubstancia no processo administrativo juntos autos pelo demandado e nos documentos juntos pelo demandante.

 

A exceção em causa é, assim, a intempestividade da propositura da ação de impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do demandado de 29-11-2013, publicada em diário da república em 18-12-2013, que para o tribunal constitui o objeto da ação arbitral de impugnação proposta pelo demandante.

 

No introito da sua petição inicial o demandante refere, expressamente, que “vem apresentar pedido de anulação de acto administrativo (…) e de condenação do Demandado (…)”.

 

Está, assim, em causa, uma ação arbitral que cumula dois pedidos: impugnação de ato administrativo e condenação do demandado no pagamento de uma quantia.

 

Pese embora o demandante refira que o ato impugnado é o despacho da Presidente do Conselho Diretivo do demandado de 16-05-2019, resultou, suficientemente, para este tribunal arbitral, a partir da análise da causa de pedir e do processo administrativo, que o ato cuja impugnação é pretendida e que fundamenta, por sua vez, o pedido de condenação no pagamento da quantia indicada na petição inicial, é a deliberação do Conselho Diretivo do demandado de 29-11-2013.

 

O ato administrativo em causa foi proferido em 29-11-2013, publicado em 18-12-2013 e produziu efeitos na esfera jurídica do demandante, ou seja, tornou-se eficaz, também em 18-12-2013, tal como resulta suficientemente do processo administrativo junto aos autos e dos documentos juntos com a petição inicial desta ação arbitral.

 

Neste sentido, o tribunal acompanha a tese do demandando quando afirma que o demandante “…almeja, verdadeiramente, é pôr em causa o mencionado ato administrativo…”, referindo-se, expressamente, àquela deliberação do Conselho Diretivo.

 

Não acompanha, contudo, a tese do demandante, enunciada no seu requerimento que versa sobre o “Despacho Inicial”, que vai no sentido de considerar que aquela deliberação do Conselho Diretivo consubstancia um acto administrativo favorável e que por isso “…não existia o mínimo fundamento para a sua eventual impugnação.”.

 

Contrariamente ao que é alegado pelo demandante este tribunal arbitral considera que aquela deliberação não é um acto administrativo que lhe é totalmente favorável na medida em que não salvaguardou, desde logo, que as correções por conta dos retroativos incluíssem, igualmente, os juros de mora vencidos.

 

Aliás, é o próprio demandante que confessa, sem reservas, no artigo 4.º, da petição inicial desta ação arbitral, que foi “Na sequência e em consequência daquela Deliberação…” que foram pagos os retroativos ao demandante pelo demandado em dezembro de 2013.

 

Deste modo, o ato administrativo que produziu efeitos positivos e negativos na esfera jurídica do demandante é, precisamente, aquela deliberação do Conselho Diretivo do demandado.

 

Acresce, que os atos praticados em consequência de tal deliberação revelam-se meros atos administrativos de execução daquela deliberação prévia e que só seriam impugnáveis nos termos do artigo 53.º/3, do CPTA.

 

Sucede, porém, que mesmo esses atos não foram objeto de impugnação nos termos, condições e prazo previstos para o efeito no CPTA, pese embora a sua impugnabilidade só seria admissível por vícios próprios, o que nada relevaria para o litígio objeto dos presentes autos.

 

Confrontando a deliberação do Conselho Diretivo do demandando com o rol de atos nulos previstos no artigo 161.º, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), este tribunal considera que ainda se porventura o mesmo se revelasse ilegal não seria sancionado com nenhuma das nulidades previstas naquela norma, na medida em que não resulta dos autos, ainda que indiretamente, que o ato em causa padeça de pelo menos uma das ilegalidades previstas naquela norma e que são sancionadas com a nulidade.

 

Este tribunal entende, por isso, que a eventual ilegalidade de tal ato sempre seria sancionada com a anulabilidade, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 163.º, do CPA.

 

Aliás, é o próprio demandante que refere no intróito da petição que menciona, expressamente, “anulação” de ato administrativo.

 

Sendo hipoteticamente anulável o demandante tinha o ónus de impugná-lo no prazo previsto no artigo 58.º/1-alínea b), do CPTA, que à data em que foi praticado, como hoje, era de 3 (três) meses.

 

Dos autos resulta, inequivocamente, que o demandante não impugnou tal ato naquele prazo, o que significa que com o decurso daquele prazo caducou, assim, o direito do demandante à sua impugnação nos termos e com os efeitos previstos no CPTA.

 

A caducidade do direito à impugnação de ato administrativo constitui, por isso, uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância conforme dispõe o artigo 89.º/1/2/4-alínea k) - (cfr. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª edição, página 712, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

 

O prazo de impugnação de atos administrativos é um prazo de propositura de ação e, como tal, tem natureza substantiva, razão pela qual se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil, conforme dispõe o artigo 58.º/2, do CPTA (cfr. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª edição, páginas 397 e 398, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

 

Neste sentido este tribunal arbitral considera que estamos perante a exceção dilatória consagrada no artigo 89.º/4-alínea k), do CPTA.

 

Em suma: atento os fundamentos, supra explanados, tendo a ação arbitral sido proposta intempestivamente a instância não pode prosseguir, por inexistência de um pressuposto processual que afeta a regularidade da instância, obstando, por isso, ao conhecimento do mérito da causa, e dando lugar à absolvição do demandado da instância, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 89.º/2/4-alínea k), do CPTA.

 

Obstando a procedência desta exceção dilatória à apreciação do mérito da causa fica, assim, prejudicado o conhecimento e decisão das demais questões suscitadas pelo demandante, pelo que este Tribunal Arbitral não se pronunciará sobre as mesmas.

 

III. – Decisão:

Assim, pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a exceção dilatória de intempestividade da impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do demandado de 29-11-2013, com fundamento na caducidade do direito do demandante à propositura da presente ação arbitral, e, consequentemente, determino a absolvição do demandado da presente instância arbitral, ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento do mérito da causa, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 8.º e 26.º, do RCAAD, 44.º/1, da LAV, e 88.º, 89.º/2/4-alínea k), do CPTA.

 

IV. – Encargos processuais e Depósito da decisão arbitral:

O valor da causa fixou-se em €930,76 (novecentos e trinta euros e setenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 32.º/1, do CPTA, por remissão do artigo 26.º do RCAAD.

 

Os encargos processuais serão liquidados de acordo com a tabela prevista para a arbitragem administrativa e suportados pelas partes nos termos do artigo 29.º/1 e 5 do RCAAD.

 

Notifiquem-se as partes com cópia desta decisão e deposite-se o seu original no CAAD (artigo 15.º/2 do RCAAD).

 

Braga, 06-02-2020.

 

O Árbitro,

 Alexandre Maciel