Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 1307/2019-A
Data da decisão: 2020-03-17  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público – Regime de transição para a categoria de Professor – Adjunto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.                   Das Partes e do Pedido

A – A..., Assistente do ensino superior, com o NIF ... e n.º de Cartão de Cidadão ..., residente na Rua ..., ..., n.º..., ...-..., Porto,

Instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente acção contra,

B – B..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., Porto.

 

II.            Do objecto do processo

A Demandante exerce as funções de docente desde o dia 4/01/93, em regime de tempo integral e de exclusividade, na categoria de Assistente no B... .

A 15/06/12, a Autora transitou para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, na categoria de Assistente – conforme o teor da Declaração emitida pelos Serviços do Réu, com data de 22/11/19 e junta aos autos pela Autora, identificando-a como documento n.º 2.

Em 24 de Julho de 2018, a Autora obteve o grau de Doutor, tendo concluído o Curso de Doutoramento.

E por requerimento apresentado aos dias 27/07/18 (completado com a prova do registo do grau em Portugal realizada a 16/01/19), a Autora solicitou a transição para a categoria de Professor-Adjunto – conforme o teor dos documentos juntos com o requerimento inicial e melhor identificados com o n.º s 3 e 4.

Por seu lado, o Demandado alega que o legislador criou regimes distintos transitórios com vista à estabilização dos vínculos e do corpo docente e à obtenção do grau de Doutor.

E que a Autora ingressou nos quadros do Réu com contrato de trabalho por tempo indeterminado através da prestação de provas públicas, ficando, a partir do dia 15/06/12, sujeita às regras do regime geral do ECPDESP e à regra de acesso a novas categorias através da realização de concurso público.

Por isso, entende o Demandado que ao usufruir de um dos regimes para aceder aos seus quadros, a Autora não pode aceder, por esta via, à categoria de Professora Adjunta, porquanto já utilizou numa das vias possíveis para ingressar, em 2012, nos quadros do Réu, com contrato de trabalho por tempo indeterminado.

 

III.                Da competência do Tribunal

 

Apesar de inexistir uma convenção entre as partes, o Réu vinculou-se previamente à jurisdição deste Centro de Arbitragem, através do Despacho B.../P/.../2011, de 21/01/11, cujo objecto contende com os litígios emergentes de relações reguladas pelo Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico.

 Em 28 de Janeiro de 2020 fui nomeado como árbitro.

 No âmbito das relações de direito administrativo, pode ser atribuída ao Tribunal Arbitral a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro).

 Nos termos artigo 1.º, n.º 1, do Novo Regulamento de Arbitragem do CAAD, “o presente Regulamento aplica-se à arbitragem em matéria administrativa que decorre do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”)”.

 No caso, a Demandante é docente no B... desde 15/06/12, com um contrato em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, em regime de dedicação exclusiva; conforme documento junto aos autos no requerimento inicial e identificado com o n.º 2.

IV.             Da Legitimidade das Partes

 A Demandante tem personalidade e capacidade judiciárias, nos termos do artigo 8.º-A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do n.º 1 do artigo 9.º do CPTA.

 O Demandado tem igualmente legitimidade para esta acção, nos termos da norma do artigo 10.º do CPTA.

V.             Dos Factos

Conforme resulta do pedido, a Demandante conformou o objecto deste litígio essencialmente por referência às funções laborais desempenhadas junto do Demandado, que se passam a enunciar:

A Demandante exerce as funções de docente junto do Réu desde o dia 4/01/93, em regime de tempo integral e de exclusividade, na categoria de Assistente.

A 15/06/12, a Autora transitou para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, na categoria de Assistente – conforme o teor da Declaração emitida pelos Serviços do Réu, com data de 22/11/19 e junta aos autos pela Autor, identificando-a como documento n.º 2.

Em 24 de Julho de 2018, a Autora obteve o grau de Doutor, tendo concluído o Curso de Doutoramento.

E por requerimento apresentado aos dias 27/07/18 (completado com a prova do registo do grau em Portugal realizada a 16/01/19), a Autora requereu junto do Réu a transição para a categoria de Professor-Adjunto – conforme o teor dos documentos juntos com o requerimento inicial e melhor identificados com o n.º s 3 e 4.

Em 22/07/19, a Autora apresenta junto do B... um Parecer Jurídico acompanhado de uma reclamação.

Porque, até hoje, não obteve qualquer resposta, a Autora pretende, através dos presentes autos, que o Réu reconheça a transição da categoria de Professor Assistente para a de Professor Adjunto e respectivas diferenças salariais a contar desde a data em que se encontrariam reunidos os requisitos exigidos legalmente para a referida transição.

VI - Decidindo,

A – Da impropriedade do meio processual

Alega o Demandado que, na medida em que o pedido não opera oplegis, mas pressupõe a verificação, por parte da Administração, de um conjunto de requisitos prévios à tomada de decisão, está consubstanciado o exercício de um poder de autoridade que justificava a adopção de uma acção administrativa especial.

Todavia, a distinção entre acção administrativa comum e especial caiu com a reforma da lei processual administrativa de 2015, existindo apenas uma forma comum (não urgente), com previsão no art.º 37.º do CPTA.

Por outro lado, entende o Réu que a Autora devia ter intentado uma acção de condenação à prática de acto administrativo, conforme o teor do art.º 37.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.

Contudo, a Autora, confirmando-o na resposta à contestação e em sintonia com o pedido, sustenta que se está perante o reconhecimento de um direito, pelo que a solução passa pela adopção de uma acção administrativa, nos termos do art.º 37.º, alínea f).

Na verdade, a Autora apresentou um primeiro requerimento com data de 27/07/18, pelo qual solicita a sua transição para a categoria de Professor-Adjunto e complementa-o em 16/01/19, com a junção do comprovativo do registo do grau de doutoramento.

E como a mesma refere a art.º s 23.º e 27.º do seu requerimento inicial, “(…) o B... não apresentou qualquer resposta (…).

O que aliás é confirmado pelo Réu a art.º 51.º da sua contestação.

Destarte, e face à inércia da Administração, parece ajustado que o pedido devia assentar na condenação da Administração à prática de um acto que lhe é devido, nos termos da alínea b) do art.º 37.º do CPTA.

Ora, o poder de condenar a Administração à emissão de actos administrativos ilegalmente omitidos é uma das concretizações do princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos que o CPTA veio, em definitivo, consagrar, conferindo-lhes todos os poderes que são próprios e naturais da função jurisdicional – aqui extensíveis à função arbitral. 

 

Na esteira de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a consagração desta possibilidade retrata uma evolução que começou pela subordinação da Administração Pública a regras jurídicas e à fiscalização dessas regras por órgãos judiciais, chegando-se finalmente ao momento de conferir aos tribunais administrativos os poderes de plena jurisdição.

 

Pelo que, no cumprimento do art.º 51.º, n.º 4 do CPTA, “Se contra um acto de indeferimento ou de recusa de apreciação de requerimento não tiver sido deduzido o adequado pedido de condenação à prática de acto devido, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de deduzir o referido pedido”.

 

Acontece que este convite ordenado pelo presente Tribunal, a justificar-se, seria absolutamente redundante, na medida em que, através do seu Ilustre Mandatário, o Réu já trouxe aos autos a sua posição fundamentada.

 

Pelo que, e na perspectiva de que o recurso à arbitragem pressupõe maior celeridade e uma fuga ao “formalismo rígido” dos tribunais judiciais, a convidar-se a Autora ao aperfeiçoamento, teríamos de aguardar por um novo requerimento; dar oportunidade ao Réu de se pronunciar; eventualmente condenar o Réu na prática do acto para que este, a final, viesse reproduzir a argumentação que já consta na contestação!

 

Pelo que se decide pela inexistência da impropriedade do meio processual, prescinde-se da faculdade de convite ao aperfeiçoamento consagrado no referido art.º 51.º n.º 4 do CPTA e aceita-se que a acção foi interposta ao abrigo do art.º 37.º do CPTA, sob a forma de acção administrativa comum.

 

B – Da caducidade do direito de acção

Para MANUEL ANDRADE, se a prescrição tem por fundamento a inércia do respectivo titular, circunstância que o torna indigno de protecção, já “o fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo”  .

No mesmo sentido, VAZ SERRA, para o qual ”a caducidade é estabelecida como o fim de dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica”  .

Pois bem, nos termos do art.º 41.º do CPTA, a acção administrativa pode ser interposta a todo a tempo.

 

E mesmo na hipótese de considerarmos a acção de condenação à prática de acto devido, atento o disposto no art.º 69.º do CPTA, em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.

 

Ora, contando o prazo de um ano desde a interposição do requerimento com data de 16/01/19, acrescido do prazo correspondente ao dever de decidir imposto à Administração (art.º s 13.º e 128.º do CPA), conclui-se que a também neste caso a presente acção seria tempestiva, improcedendo assim a excepção da caducidade do direito de acção.

 

Pelo exposto, a contrario do disposto no art.º 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, não estamos face a uma excepção dilatória que obste ao conhecimento do mérito da causa, não havendo assim lugar à absolvição da instância.

 

C – Do enquadramento legal

 

O Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico foi inicialmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1/07 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/08.

 

No Preâmbulo deste Diploma consagrava-se o seguinte: “Com a revisão dos estatutos das carreiras docente do ensino universitário, de investigação e docente do ensino superior politécnico, completa-se a profunda reforma do ensino superior português inscrita no Programa do Governo, visando a sua modernização e o reforço do seu indispensável contributo para o desenvolvimento do País”.

E mais: “Mantém-se, naturalmente, o princípio actual de duas carreiras distintas: a carreira docente universitária e a carreira docente do ensino superior politécnico no respeito pelo disposto na lei de Bases do Sistema Educativo. (…) Destacam -se na revisão da carreira docente politécnica operada pelo presente decreto-lei: O doutoramento ou o título de especialista como exigência de qualificação para a entrada na carreira e a abolição da categoria de assistente; (…) O reforço da especialização dos institutos politécnicos, exigindo -se o título de especialista ou, em alternativa, o grau de doutor (…)

 

Pois bem, para a implementação destas medidas, previu-se um regime transitório que permitisse aos docentes a adaptação às novas exigências legais, ingressando na carreira docente, sem necessidade de submissão a concurso público.

 

Este regime de transição vem mencionado no art.º 5.º do referido Diploma, para os Professores Coordenadores e Adjuntos e no art.º 6.º para os equiparados a Professores Coordenadores, Adjuntos e Especialistas.

 

Volvido menos de um ano, foi publicada a Lei n.º 7/2010, de 13/05, que veio criar um regime transitório excepcional“bipartido”.

 

Desde logo, no seu art.º 8.º - A n.º 1: “Aos actuais assistentes e equiparados a assistentes, equiparados a professor-adjunto ou a professor-coordenador que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 10 anos, ainda que não se encontrem inscritos a 15 de Novembro de 2009 em instituição de ensino superior para a obtenção do grau de doutor, em programa de doutoramento validado através de um processo de avaliação externa, aplica -se o disposto no n.º 7 do artigo 6.º para renovações de contratos”.

E no n.º 3 dessa norma estipulou-se que “Após conclusão do doutoramento por parte dos docentes referidos no n.º 1 e dentro dos prazos referidos nos n.os 1 e 2, estes transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na categoria de professor -adjunto ou, tratando -se de equiparados a professor -coordenador, de professor -coordenador, com um período experimental de cinco anos, findo o qual se aplica o procedimento previsto no artigo 10.º -B ou no artigo 10.º do Estatuto, conforme se trate de professor- -adjunto ou de professor -coordenador.”

 

E, numa segunda via, é ainda possibilitada a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado aos docentes que, exercendo funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 15 anos, se submetam, com aproveitamento, a provas públicas de avaliação da competência pedagógica e técnico-científica, (art.º 6.º, n.º 9 e art.º 8.º - A, n.º 5 da citada Lei n.º 7/2010).

 

Pois bem, porque em 2009 não estava inscrita em nenhum programa de Doutoramento, a Autora não aproveitou desde logo a possibilidade legal da transição, permanecendo como Assistente com um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo.

 

E só em 15/06/12 é que a Autora, tendo obtido a aprovação nas provas públicas, transitou para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de Assistente.

 

Aqui chegados, a Autora entende que, uma vez que em 24/07/18veio a obter o Grau de Doutor, pode ainda socorrer-se do regime transitório, passando da categoria de Assistente para a de Professor Adjunto.

 

Por seu lado, o Réu sustenta o entendimento pelo qual, ao prestar as provas públicas, a Autora optou por uma das formas legais de ingresso nos quadros do Réu, cumprindo-se assim o propósito do estatuído no regime transitório; não podendo agora socorrer-se de uma outra via que não é cumulativa, mas alternativa.

 

E parece que uma correcta interpretação da Lei confere razão ao Demandado.

 

Desde logo, através da interpretação teleológica, um dos propósitos do legislador foi o de garantir a estabilidade e o combate à precariedade laboral dos docentes, prevendo para cumprimento deste objectivo, diferentes regimes que determinassem quais os requisitos legais exigíveis para concretizar essa estabilidade laboral.

 

E porque pretendia que este regime fosse o mais abrangente possível, foi “abrindo” os critérios de admissibilidade.

 

Ora, através de uma interpretação literal, “transitório” significa: que “serve de passagem”, que “dura pouco”, “passageiro” ou “breve”. Ou seja, entende-se como um regime provisório, precário.

 

Em consequência, o regime transitório previsto na Lei n.º 7/2010, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 45/2016, nomeadamente os art.º s 2.º e 5.º, só aproveitavam aos docentes que não optaram pela via de ingresso através da prestação das provas públicas. Porque era passageiro, transitório…

 

Se atentarmos ao disposto no art.º 5.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 45/2016, conclui-se que se refere à possibilidade de transição, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado…… ora, este vínculo já o tinha a Autora.

Destarte, ao ingressar na carreira por via da prestação das provas públicas, esgotou-se nesse momento o regime transitório.

Em suma, a partir da prestação das referidas provas, a Autora passou a submeter-se às regras de acesso a novas categorias através da realização de concurso público, de acordo com o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico; estando vedada a possibilidade da transição, por esta via, para a categoria de Professor – Adjunto.

 

VII.                Decisão

Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela absolvição da Demandada.

 

VIII.             Valor da Causa

Fixa-se o valor da acção nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo); cfr. n.º 1 do artigo 33.º do CPTA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.

Custas pela Demandante.

Notifiquem-se as partes, com cópia e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.             

                                                                                                                 

Porto, 17 de Março de 2020,

 

O Árbitro,

Durval Tiago Ferreira