Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 82/2019-A
Data da decisão: 2020-01-31  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 767,87
Tema: Promoção de trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado – Remuneração - juros de mora - Exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual.
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DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

 

I-Identificação das partes e objeto do litígio

 

1- A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... ..., titular de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado,  com a categoria de Escriturário Superior a exercer funções no B..., conservatória do C..., IP, (doravante designada, abreviadamente, Demandante) apresentou requerimento para constituição de Tribunal Arbitral, em 24/06/2019, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA)  no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para submeter a litígio a presente relação jurídica de emprego público,

Contra:

O C..., IP, com sede na Av. ..., ..., ...-... Lisboa, contribuinte fiscal n.º ... (doravante designado, abreviadamente, Demandado).

 

2-A Demandante apresentou a este tribunal arbitral “ (…) pedido de anulação de ato administrativo, proferido no âmbito da relação jurídica de emprego público que liga as partes” sendo que“ O objeto da presente impugnação é o despacho da Senhora Presidente do Conselho Diretivo do demandado de 16/05/2019, exarado sobre o Relatório do Responsável pela Direção do Procedimento que, sendo de [Concordo e indefiro como proposto] absorveu e fez seus os fundamentos do dito Relatório.”

Requer-se a este tribunal que “reconhecendo o direito da Demandante a juros de mora pelo atraso no pagamento das diferenças salariais mensais consequentes do atraso na sua colocação na categoria de escriturário superior, condene o Demandado no pagamento de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais devidas, cujo valor, em dezembro de 2013, se converteu em dívida de capital por força do n.º 1 do art.º 705.º do CC e, assim, o condene no pagamento da dívida de capital apurada e supra apontada mais juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.”

O incumprimento do Demandado, que consistiu na falta de pagamento de juros moratórios nos termos peticionados, conforme sustenta a Demandante, faz com que o ato padeça do vício de violação de lei “por contender com o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do DL n.º 131/91,  (…) com a norma que, conjugadamente, se extrai do disposto nos art.ºs  804.º n.ºs 1, e 2, 805.º n.º2, alíneas a) e b), e 806.º nºs 1 e 2, do Código Civil.”

 

Assim, o ato que a Demandante impugnou na sua Petição inicial (P.I.), foi o ato administrativo proferido através de Despacho de concordância, de 16/05/2019, do dirigente máximo do Demandado/Presidente do Conselho Diretivo que se encontra exarado sobre o Relatório final do Responsável pela Direção do procedimento administrativo.

A Demandante atribuiu à causa o valor de € 767, 87 (setecentos e sessenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos).

3-A Demandante entende que o seu direito tem sustentação na seguinte base factual e normativa:

A Demandante ingressou no quadro da ex- Direção-Geral ..., atualmente com a designação de C..., IP (C..., IP), tendo ficado posicionada no 1.º escalão, índice 150, conforme Despacho, de 31 de janeiro de 2000, publicado no diário da República, 2.ª Série, n.º 64, de 16 de março de 2000.

O Demandado através da Deliberação (extrato) n.º .../2013, de 29 de novembro de 2013, publicada no diário da República, 2.ª Série, de 18 de dezembro de 2013, procedeu à promoção da Demandante à categoria de escriturário superior, com efeitos retroativos, reportados a 17/07/2010, tendo sido colocada no respetivo 1.º escalão, índice 190.

Na sequência desta deliberação, foi abonada à Demandante a importância global de € 9 020, 32 (nove mil e vinte euros e trinta e dois cêntimos) a título de retroativos, após as reduções legalmente determinadas não tendo, contudo, sido pagas quaisquer quantias a título de juros de mora.

A Demandante apresentou requerimento, em 10/12/2018, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 104.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, por correio eletrónico, no qual, com interesse para os presentes autos, solicitou ao Demandado a liquidação dos juros de mora sobre as quantias que lhe tinham sido abonadas, tendo também alegado nos artigos 7.º e 8.º daquele requerimento que, até àquela data, não tinha sido notificada de nenhuma decisão sobre o seu requerimento apresentado, em 28/01/2014, com o mesmo pedido e fundamentos, situação que, no seu entendimento, configura uma violação do princípio da decisão, com consagração expressa no artigo 13.º do CPA, nas suas duas dimensões, a saber: a do dever de pronúncia e do dever de decisão.

No requerimento de 10/12/2018 solicitou, a final, e face ao estatuído no n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil que “a prestação ( isto é, os valores pagos) de dezembro de 2013 se presume feita por conta, sucessivamente, dos juros e do capital, o capital remanescente e todo o mais em dívida nos termos supra expostos continua vencer juros até efetivo e cabal cumprimento da lei” bem como, “ao abrigo do direito à informação procedimental ( art.ºs 82.º ss do CPA) se digne prestar informação e/ou passar certidão à requerente (…) por meio de fotocópia autenticada do documento sobre o qual tenha sido exarada, a decisão que haja recaído sobre o seus requerimento de 28/01/2014 (…) e caso não exista que seja passada certidão negativa.”

A Demandante sustentou no artigo 19.º da P.I. que não foi notificada da forma como foi dada execução à deliberação (extrato) n.º 2.../2013, de 18/12/2013, referindo, essencialmente, que as notas de abonos ou verbetes de vencimento não são meio idóneo de notificação do ato de processamento que lhes está subjacente dos quais não consta a data e autoria dos atos, faltando, por conseguinte, ao ato praticado pelo Demandado, em 16/05/2019, os elementos essenciais do ato administrativo.

Assim, a Demandante concluiu que, quando, em 10/12/2018, apresentou o seu pedido de pagamento de juros de mora, estava perfeitamente em tempo, sendo o mesmo tempestivo.

3.1. A P.I. veio acompanhada de onze documentos, um anexo, comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem e Procuração.

4-O Demandado foi regular e devidamente citado, tendo apresentado a sua Contestação, em 26/08/2019, na qual sustentou a total improcedência do pedido apresentado pela Demandante, tendo suscitado a questão prévia da recorribilidade deste conflito nos seguintes termos:

“(…) Desde 1 de outubro de 2009, que o C..., IP. se encontra vinculado à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) – cfr. art.º 1º da Portaria n.º 1120/2009, de 30/09.

Ora, no que concerne a esta matéria da arbitragem voluntária, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 39.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12, supletivamente e, na falta de declaração expressa em sentido contrário–constante na

convenção de arbitragem ou das peças processuais apresentadas a Juízo pelas partes – a decisão arbitral que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, não é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente.

Sucede que, diz o Demandado, a jurisprudência mais recente dos Tribunais superiores da jurisdição administrativa “ (…) têm vindo a sufragar que exige-se, como condição da recorribilidade da decisão arbitral para o tribunal estadual competente, a existência duma expressa manifestação da vontade das partes quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional, manifestação essa que deve materializar-se na convenção de arbitragem celebrada ou, então nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes.”

E que, “sob pena de verificação de eventual ilegalidade do regulamento, impõe-se, numa interpretação conforme do quadro normativo em confronto [mormente, dos arts. 08.º, n.º 5, e 26.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» com o art. 29.º, n.º 4, da «LAV»], concluir, em consequência com exposto, no sentido de que se exige a existência na ação/processo arbitral junto do «CAAD» duma expressa e concordante manifestação de vontade das partes (…), declaração expressa essa cuja ausência, gerando a irrecorribilidade daquela decisão, não pode ser suprida por quaisquer inferências ou juízos implícitos ou tácitos a extrair ou assentar em atos ou comportamentos ainda que decorrentes ou estribados em previsões regulamentares genéricas e abstratas.”

Em conclusão, o Demandado refere que atendendo a esta linha de orientação da jurisprudência dos Tribunais superiores da jurisdição administrativa, sem embargo do NRAA do CAAD em vigor, prever e consagrar, no n.º 2 do seu artigo 27º, a regra da admissibilidade de recurso da decisão arbitral – “o demandado não prescinde de, caso se justifique, interpor recurso jurisdicional da decisão arbitral para o tribunal estadual competente.

Deste modo, concluiu no artigo 6.º da Contestação a sua posição sobre a matéria em apreço, declarando: “Pelo que, com esse intuito e acautelando que sobrevenha o entendimento atrás exposto, o demandado manifesta, expressamente e desde já, a sua vontade no sentido de admitir a interposição de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos” requerendo ao Tribunal Arbitral que proceda à notificação da Demandante para manifestar de forma expressa a sua posição quanto à possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional.”

O Demandado DEFENDEU-SE POR:

4.1. EXCEÇÃO

a)            Dilatória:

Deduzindo a exceção dilatória de intempestividade da instauração da presente ação, alega o Demandado no artigo 9.º do seu articulado “que não se descortina onde se inclui, em tal petitório, “ (…) o alegado pedido de anulação de ato administrativo enunciado no introito da petição inicial (p.i)” e que a Demandante declarou que “o objeto da presente impugnação é o despacho da Senhora Presidente do Conselho Diretivo do Demandado de 16/05/2019” proferido na sequência do requerimento que lhe foi dirigido pela Demandante em 10 de dezembro de 2018.

Entende o Demandado que “ é perfeitamente desprovido de sentido vir agora, a Demandante pretender vir agora impugnar o ato praticado em 16/05/2019” quando poderia-não o tendo, no entanto, feito, impugnado este ato em dezembro de 2013, nos termos e prazos legalmente estabelecidos, isto é, de acordo com o estatuído no n.º1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),

 

E que, só depois de decorridos mais de cinco anos da publicação oficial deste ato intentou a presente ação encontrando-se e encontrando-se “ultrapassado o prazo de que a demandante dispunha para reagir contenciosamente, é inequívoco que se verifica a intempestividade da instauração da presente ação” constitui uma exceção dilatória que determina absolvição da instância-cfr art.º 89.º, n.ºs 2 e 4, al. K) do CPTA”

b)           Perentória:

Invocando a exceção perentória da prescrição do direito ao pagamento de juros moratórios, diz o Demandado que o alegado direito ao pagamento dos juros moratórios já prescreveu, por força do disposto na al d) do art.º 310.º do Código Civil (CC) que estatui um prazo de prescrição de cinco anos, prazo esse prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido como preceitua o n.º1 do art.º306.º do CC.

E que a contagem deste prazo “(…) se iniciou a partir do momento em que a demandante pôde exigir o pagamento das diferenças remuneratórias devidas pela sua promoção (…) concluindo “que a contagem do prazo de prescrição ter-se-á iniciado a partir da data em que a obrigação seria exigível (…) ou seja, , desde 17/07/2010, pois-segundo afirma é desde esta data que integra a sua esfera jurídica o direito a juros vencidos e vincendos  dada a falta da sua tempestividade.”

 

Em conclusão, o Demandado sustentou que se verificou a exceção perentória de prescrição do direito ao pagamento de quaisquer juros moratórios, situação que que constitui uma exceção

perentória que é extintiva do pedido formulado pela Demandante determinando a improcedência total da pretensão apresentada a este tribunal arbitral.

4.2. Ainda, por IMPUGNAÇÃO referiu o Demandado, que a Demandante é oficial de registos do B... (B...) tendo sido promovida, através da Deliberação (extrato ) n.º .../2013, publicada no diário da República, 2.ª Série, de 29 /11/2013, juntamente com mais trabalhadores seus, com idêntica categoria de escriturários,  à categoria de escriturário superior, tendo a sua promoção produzido efeitos, a 17/07/10, ficando posicionada no respetivo escalão 1 do índice 190.

A Demandante através de e-mail, de 10/12/2018, apresentou requerimento ao Demandado no qual, com interesse para os presentes autos, solicitou a correção do processamento dos valores remuneratórios que lhe foram abonados a título de retroativos devidos pela promoção à categoria de escriturário superior e que, no requerimento de 10/12/2018 solicitou, a final, e face ao estatuído no n.º 1 do artigo 785.º do CC que “a prestação ( isto é, os valores pagos) de dezembro de 2013 se presume feita por conta, sucessivamente, dos juros e do capital, o capital remanescente e todo o mais em dívida nos termos supra expostos continua vencer juros até efetivo e cabal cumprimento da lei” bem como, “ao abrigo do direito à informação procedimental ( art.ºs 82.º ss do CPA) se digne prestar informação e/ou passar certidão à requerente (…) por meio de fotocópia autenticada do documento sobre o qual tenha sido exarada, a decisão que haja recaído sobre o seus requerimento de 28/01/2014 (…) e caso não exista que seja passada certidão negativa.

O Demandado prestou as informações solicitadas tendo informado a requerente que “ (…) não tinha sido localizada a entrada do referido documento de 28/01/2014 ( que alegadamente teria sido apresentado junto dos serviços do demandado mas que  a mesma trabalhadora não logrou demonstrar.”

 

O Demandado entendeu, a final, que as pretensões da Demandante, por carecerem de fundamento de facto e de direito, devem ser desatendidas pelo tribunal, defendendo serem procedentes, pelas razões supra enunciadas, a:

-Exceção Dilatória de intempestividade da prática de ato processual, com a consequente absolvição da instância;

-Exceção Perentória de prescrição do direito ao pagamento dos juros de mora com a absolvição dos pedidos formulados pela Demandante;

Por fim, ainda que assim se não entenda, e por Impugnação, ser julgada improcedente esta ação arbitral sendo o Demandado absolvido de todos os pedidos contra si apresentados.

4.3. A Contestação veio acompanhada de Despacho de Designação da signatária deste articulado, comprovativo da liquidação da taxa de arbitragem, 3 documentos, bem como o Processo Administrativo (PA) constituído por 59 fls.

5-A Demandante apresentou a sua RESPOSTA ÀS EXCEÇÕES, através de RÉPLICA, de acordo com o disposto no artigo 85.º-A do CPTA, tendo também manifestado a sua posição respeitante à proposta de convenção de recurso que lhe foi proposta pelo Demandado, da decisão arbitral que vier a ser proferida nestes autos, do seguinte modo:

A Demandante declarou no que diz respeito à proposta de possibilidade de interposição de recurso jurisdicional-feita pelo Demandado-que se torna desnecessário e inútil fazer convenção de recurso, na medida em que, de um lado, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do NRAA “ Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância”

Por outro lado, a presente lide não tem valor para tanto, considerando as regras sobre admissibilidade de recurso dos tribunais estaduais de 1.ª instância que só o permite, em regra, nas suas decisões que tenham valor superior à alçada do tribunal de que se recorre- o que alegou, não se verifica no caso presente- e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

A Demandante declarou que “Embora não renuncie à possibilidade de recurso, entende que não há lugar à celebração de convenção de recurso, quer por desnecessidade, quer por inutilidade.”

Alegou que não se se verifica a exceção dilatória de intempestividade da instauração da presente ação pelos motivos já indicados e constantes dos artigos 17.º a 30.º e 37.º e seguintes da P.I. que neste articulado reitera e que aqui e dão por integralmente reproduzidos, declarando reiterando que o Demandado não fez a prova da matéria de facto que o onerava, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 342.º do Civil C e, que de acordo com o já afirmou no artigo 21.º da P.I. “porque lhe faltam os elementos essenciais do ato administrativo a Nota de Abonos e Descontos  aquele ato não constituiu “meio idóneo de notificação (…) não é oponível à Demandante ( tal como resulta da jurisprudência supracitada e, atualmente, do disposto no art.º 160.ºdo CPA” 

Entende a Demandante que também não se verifica a exceção perentória da prescrição dos juros de mora, por que, refere no artigo 19.º deste articulado “ Os juros de mora devidos à data em que a prestação foi posta à disposição da Demandante -dezembro de 2013.consideram-se de jure e de facto pagos. Assim, estando pagos, mostra-se descabido falar em prescrição”

E que “Em suma, transmutada, em dezembro de 2013, a dívida de juros de capital, neste momento só são devidos:  i) esse capital; ii) juros sobre esse capital remanescente, contados desde dezembro de 2013 para cá.”

Por fim, referiu que o Demandado não impugnou os juros de mora peticionados, não tendo posto em causa os seus montantes, entendendo que existiu uma confissão prevista no artigo 46.º do Código do Processo Civil tendo pugnado pela improcedência das exceções apresentadas pelo Demandado.

 

II-Constituição de Tribunal Arbitral singular

Findos os articulados apresentados pelas partes, o signatário foi notificado da sua designação como árbitro do tribunal arbitral singular, pelo Ex.mo Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, através de e-mail, de 6/09/ 2019, tendo-lhe comunicado a aceitação do referido encargo, pelo mesmo modo, em 10/09/2019.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 11/09/2019.

 

III-Saneamento do Processo

Este tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, em razão da nacionalidade, matéria e da hierarquia, atento o disposto na Portaria n.º 1120/2009, de 30/09.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e encontram-se regularmente representadas.

Não existem nulidades.

O presente arbitral depois de concluso ao Árbitro signatário teve o seguinte desenvolvimento:

Foi proferido o Despacho n.º 1, em 2/10/2019, tendo sido notificando a Demandante para, em dez dias, querendo, vir informar o tribunal se pretende admitir interposição de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente da decisão arbitral que vier a ser proferida nos presentes autos de arbitragem voluntária.

O Demandado já tinha manifestado esta vontade, de modo expresso, no artigo 6.º in fine da Contestação na qual declarou que “(…) o demandado manifesta, expressamente e desde já, a sua vontade no sentido de admitir a interposição de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos.”

A Demandante veio responder ao Despacho supra referido, em 04/10/2019, declarando que “(…) admite, em abstrato, para si, e para a parte contrária, a interposição de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente da decisão arbitral que venha a ser proferida.”

 

O Tribunal pôde constatar com a clareza requerida, qual é a posição das partes em litígio, sobre esta matéria, visto que, ambas manifestaram expressamente no sentido de admitir a interposição de recurso jurisdicional para o tribunal competente da decisão que este tribunal arbitral vier a proferir, verificação essa que se tornava necessária na medida em que a jurisprudência recente dos tribunais superiores da jurisdição administrativa, perfilha o entendimento de que como condição da recorribilidade da decisão arbitral para o tribunal estadual competente, deve haver uma expressa explícita e clara  manifestação da vontade das partes quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional, manifestação essa que deve ser feita na convenção de arbitragem celebrada ou, então nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes.

O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, n.º 4/18.7BCLSB, de 24/05/2018, com o tema “, no seu Sumário sustentou o entendimento de que “ (…) Face ao regime decorrente do art.º 39º, n.º4, da Lei 63/2011, de 14-12, o recurso para o tribunal estadual competente, no caso, para o Tribunal Central Administrativo, só é possível se as partes tiverem consignado de forma expressa, designadamente na convenção de arbitragem convencionada ou nos articulados produzidos em processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, a sua vontade quanto a essa possibilidade, ou à admissibilidade desse recurso jurisdicional.” Este Acórdão in fine considerou que “No indicado processo as partes não fizeram prova de que previram-na convenção de arbitragem, em termos expressos- a possibilidade de recurso, conforme impões o n.º4 do artigo 39.º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (cf. Também o art.º 61.º dessa Lei. (…) Portanto, o presente recurso terá de ser rejeitado.”

No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 12659/15, de 04/10/2017, com o título “ARBITRAGEM CAAD RECURSO JURISDICIONAL.”

Por fim, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0113/17.OBCLSB0296/18, de 04/04/2019, com o tema “RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL, TRIBUNAIS ADMINSTRATIVOS, RECORRIBILIDADE” deliberou que “No âmbito específico da arbitragem administrativa, e tendo em conta o atual quadro normativo que lhe é aplicável, é possível recorrer-se das decisões

arbitrais para os tribunais estaduais na medida em que as partes não tenham renunciado a essa possibilidade”

Por tudo o supra exposto, decide o Árbitro signatário que a Decisão Arbitral que vier a proferir nestes autos, será recorrível se, para tal estiverem reunidos os requisitos necessários previstos no n.º 2 do artigo 27.º do NRAA.

O tribunal prolatou o Despacho n.º 2, de 08/10/2019, notificando a Demandante “para, querendo, no prazo de dez dias, juntar aos presentes autos, o requerimento de 28/ 01/2014 e respetivo comprovativo de entrega junto da Entidade Demandada, a que alude nos art.ºs 7.º e 8.º do seu requerimento apresentado àquela Entidade, em 10 de dezembro de 2018.”

O tribunal proferiu este Despacho, fundando-se no disposto na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA,  que estatui que “Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a: Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias (…)”e, na primeira parte da alínea a) do n.º1 do artigo 18.º do NRAA segundo a qual “ Uma vez constituído, o tribunal profere despacho tendo em vista, designadamente: a) A junção de documentos (…)”

Foi também considerado o disposto no n.º1 do artigo  21.º “Prova documental” do NRAA que estabelece que “Os documentos destinadas a fazer prova são apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”

A Demandante nada veio comunicar aos autos, não tendo juntado o documento solicitado pelo tribunal no seu Despacho n.º 2, de 8/10/2019, nem requerido qualquer diligência ao tribunal.

O tribunal proferiu o Despacho n.º 3, de 23/10/2019, notificando as partes para, querendo, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º do NRAA se pronunciarem sobre a intenção do tribunal conduzir este processo com base na prova documental apresentada e restantes elementos que constituem o processo.

Este despacho fundamentou-se no facto de toda a prova relevante para a prolação da presente decisão arbitral ser documental e, consequentemente, o processo poder ser conduzido com base nos elementos de prova juntos aos autos, dispensando-se a realização de Audiência, bem como de produção de alegações finais pelas partes isto por que, incumbe ao julgador no exercício do poder/dever que sobre ele recai, assegurar o andamento célere do processo.

Assim, foi tido em conta o princípio da celeridade e da flexibilidade processual que, entre outros, rege a arbitragem, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do NRAA, bem como o disposto no n.º 1 do art.º 7.º-A “Dever de gestão processual” do CPTA que comete ao juiz o dever de dirigir ativamente o processo adotando mecanismos de simplificação e agilização processual.

A Demandante nada veio comunicar aos autos, tendo o Demandado vindo informar por requerimento de 31/10/2019,” (…) que não se opõe a que o presente processo arbitral seja conduzido com base na prova documental apresentada.”

O tribunal arbitral decidiu conduzir este processo com dispensa de audiência de julgamento e a produção de alegações finais conduzir este processo com base na prova documental apresentada

 

IV- Questão a decidir neste litígio: saber se a Demandante tem direito ao peticionado na petição inicial.

 

V-ALEGAÇÃO DE EXCEÇÃO DILATÓRIA pelo Demandado.

Cumpre, antes de mais, considerar que foi alegada pelo Demandado a exceção dilatória de “Intempestividade da prática de ato processual” prevista no n.º1 e na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, que sendo de conhecimento oficioso, implica que o Árbitro sempre teria que dela conhecer, sob pena de omissão de pronúncia.

Esta exceção dilatória, se vier a ser considerada procedente, obstará a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, de acordo com o n.º 2 do artigo 89.º do CPTA.

Compete, por conseguinte, a este tribunal arbitral, antes de mais, apreciar e decidir esta questão:

1-O pedido formulado pela Demandante, relembra-se, consistiu em pedir a condenação do Demandado ao pagamento de “ (…)  juros de mora pelo atraso no pagamento das diferenças salariais mensais consequentes do atraso na sua colocação na categoria de escriturário

superior, condene o Demandado no pagamento de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais devidas, cujo valor, em dezembro de 2013, se converteu em dívida de capital por força do n.º 1 do art.º 705.º do CC e, assim, o condene no pagamento da dívida de capital apurada e supra apontada mais juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento

2-Encontrando-se definido qual é o pedido da Demandante cumpre apreciar como o mesmo foi apresentado junto do Demandado e o seu posterior desenvolvimento:

O Demandado alegou que o ato administrativo   suscetível de ser impugnado pela Demandante foi aquele que foi proferido em 2013, e que “esta teve perfeito conhecimento do teor de tal ato, logo, em dezembro de 2013: pois o referido ato foi devida e regularmente publicitado no Diário da República e, ademais, é a própria quem declara, de modo expresso, que reagiu contra ele em sede administrativa ( cfr fls  1 a 24 do Processo Administrativo.) (…) o que, todavia, não logrou comprovar”,

O Demandado entende que foi aquele ato administrativo praticado através da Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29/11/2013, publicada em diário da República, em 18/12/2013, que determinou a sua promoção a escriturário superior, bem como de outros trabalhadores do aqui Demandado, nas mesmas circunstâncias, que poderia ter também ordenado-situação que, todavia, não ocorreu- o pagamento dos juros de mora nos termos supra explicitados; e não-sustentou o Demandado- o ato que se pretende agora vir impugnar, de 16/05/2019, de indeferimento do requerimento de 11/12/2018.

Vejamos:

3-A Demandante apresentou requerimento inicial ao Demandado nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 104.º do CPA, em 10/12/2018, isto é, através de correio eletrónico, (conforme Documentos 5 e 6, juntos com a P.I.) “contendo pretensão dirigida à reparação de erróneo processamento de retroativos aquando da promoção a escriturário Superior” declarando “Junta: requerimento, dois anexos e procuração” tendo alegado que,  na sequência da sua promoção à categoria de escriturário superior, ficou posicionada no 1.º escalão, índice 190, tendo-lhe sido abonada, pelo Demandado, a importância de € 9020,00 euros, a título de retroativos, após reduções legais, através de Deliberação (extrato) n. 2359/2013, de 29 de novembro de 2013 publicada em DR, 2.ª Série, n.º 245, de 18 de dezembro de 2013, com efeitos a 17/07/2010, mas, não lhe tinham sido pagas quaisquer quantias a título de juros de mora.

Com efeito, o Demandado através da Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, publicou no diário da República, 2.ª série, n.º 245, de 18 de dezembro de 2019, uma lista de trabalhadores seus , todos com a categoria de escriturário, que foram através da prática daquele ato promovidos à categoria de escriturário superior, com a produção retroativa de efeitos em momentos distintos, Conforme (Documento 1 da Petição inicial e Documento 1 da Contestação)

A Demandante viu os efeitos da sua promoção, nos termos desta publicação oficial, retroagirem a 17/07/2010.

A Demandante alegou no seu requerimento de 10/12/2018, que, inconformada, com a liquidação de retroativos que lhe foi feita, supra já referenciada, no montante de € 9020,00 euros, já tinha reagido através de requerimento em 28/01/2014, cumprindo referir que não indicou a forma como apresentou esse requerimento.

Esta matéria encontra-se regulada no n.º 1 do artigo 104.º do CPA, epigrafado “Forma de apresentação dos requerimentos” que refere os modos de apresentação dos requerimentos dos particulares/interessados no procedimento administrativo regulado no CPA.

O Demandante veio dizer que no requerimento de 28/01/2014, tinha peticionado, para o que releva nestes autos, o pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, sobre as diferenças salariais que entendia serem devidas desde a data de vencimento de cada uma das retribuições mensais,

ou seja, após a produção de efeitos da sua promoção à categoria de Escriturário Superior mas, que até à presente data não tinha sido notificada de nenhuma decisão sobre aquele requerimento apresentado logo em 2014, em reação à falta de liquidação dos juros moratórios que entendia serem devidos.

Como já se referiu supra, este tribunal arbitral proferiu o seu segundo Despacho, de 08/10/2019, convidando a Demandante para, querendo, no prazo de dez, juntar aos presentes autos, o requerimento de 28/ 01/2014, bem como respetivo comprovativo de entrega junto do Demandado.

A Demandante nada veio dizer aos autos, nem requereu a junção aos mesmos de qualquer documento.

4- Cumpre mencionar que, em relação ao requerimento, de 28/01/2014, que a Demandante alegou ter dirigido ao Demandado, o órgão competente Responsável pela Direção deste Procedimento   do Demandado, exarou o seu despacho de concordância sobre a Informação n.º .../... /2019, de 11/03/2019, (fls 51 e 52 do Processo Administrativo apresentado junto com a Contestação) Informação/Parecer jurídico esse, que considerou que “ (…) 4. Começa a requerente por dar como assente que foi apresentado, neste Instituto, requerimento- no qual supostamente solicitava, de entre o mais, o pagamento das diferenças retributivas (…) bem como pagamento dos juros de mora sobre as diferenças salariais devidas desde a data de

vencimento de cada uma das remunerações mensais após a produção de efeitos da promoção em questão –sendo que até à presente data, a requerente não foi notificado de nenhuma decisão (…)

5- O que, aduz configura uma violação ao disposto no art.º 13.º do CPA na sua dupla dimensão: o dever de pronúncia e o dever de decisão.

6.Todavia, e conforme já foi comunicado através do n/ofício n.º .../... /2019 de 14/01/2019, facto é que não foi possível identificar a entrada do dito requerimento; não tendo, até ao momento, a requerente comprovado a sua entrega neste Instituto.

7. Donde, não vemos como se possa ter verificado, quanto a esta matéria, algum incumprimento por parte do C..., I.P.”

A responsável pela direção do procedimento que se encontra devidamente identificada, no rosto fl 51 do Processo Administrativo, como determina o n.º 5 do artigo 55.º do CPA, concordou com o teor desta Informação, conforme explicitado supra, tendo determinado a realização de Audiência Prévia da Demandante, nos termos do disposto nos artigos 121.º e 122.º do CPA.

A Demandante não exerceu o seu direito de audiência prévia tendo a Responsável pela Direção do procedimento elaborado o seu Relatório, ...-... /AJ, de 17/04/2018, dirigido ao Conselho Diretivo/órgão máximo do serviço  do Demandado com o seguinte teor: “ (…) Nesta conformidade –e sem  embargo da validade de tudo quanto  se expendeu a pretexto do mérito das pretensões deduzidas pela requerente  na citada Informação n.º .../.../2019-afigura-se-nos claro que quando, em 10.12.2018, é apresentado neste Instituto o requerimento aqui em apreciação, há muito que havia decorrido o prazo de que aquela dispunha para impugnar a forma como foi dada execução à deliberação do Conselho Diretivo do C..., IP, de 29.12.2013 (ainda que- o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite- tal ato de execução padecesse de vícios próprios (…) se mostrava ultrapassado o prazo para impugnação do próprio ato exequendo.

PROPOSTA DE DECISÃO: “Propõe-se que, nos termos do disposto no artigo 109.º n.º 1 alínea d) do CPA, em conjugação com o disposto nos artigos 51.º e 53.º n.º3 e 58.º n.º1 do Código de processo nos Tribunais Administrativos, sejam liminarmente indeferidos os pedidos deduzidos pela requerente, por extemporaneidade dos mesmos.”

O Relatório do responsável pelo procedimento em apreço cumpre os requisitos constantes do artigo 126.º do CPA, na medida em que formula uma proposta de decisão que se encontra fundamentada e que contém uma síntese das razões de facto e direito que a justificam.

Sobre este Relatório elaborado pela Responsável pelo procedimento foi exarada a decisão final do dirigente máximo do Demandado, isto é, da Presidente do Conselho Diretivo do demandado de 16/05/2019, de [Concordo e indefiro como proposto] concluiu indeferindo o pedido da Demandante e concluindo o procedimento administrativo.

O Demandado já em momento anterior e inicial, através do ofício n.º .../.../2019, de 14/01/2019, (fls. 47 do Processo Administrativo), tinha referido no segundo parágrafo  em reposta ao requerimento da Demandante, de 10/12/2018, que “ (…) No que concerne ao mencionado requerimento de 28/01/2014, informa-se ainda, que, pelas buscas efetuadas às bases de dados, desde o início de 2014 até à presente data, não foi localizada a entrada do referido requerimento neste Sector, pelo que solicita o envio do comprovativo da entrega de tal requerimento, a fim de podermos diligenciar pela sua eventual localização noutro Setor ou Departamento deste organismo.”

Cumpre apreciar a prova produzida pelas partes:

4.1.. O artigo 115.º com a epígrafe, “Factos sujeitos a prova”, do CPA determina que:

1-O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.

2-(…)

3-O responsável pela direção do procedimento deve fazer constar do procedimento os factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.”

Estatui o artigo 116.º “ Prova pelos interessados ”do CPA:

“1-Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao responsável pela direção do procedimento nos termos do n.º 1 do artigo anterior. (sublinhado nosso)

2-Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da Administração, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito desde que o interessado proceda à sua correta identificação junto do responsável pela direção do procedimento. (sublinhado nosso)

3-Os interessados podem juntar documentos e pareceres ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão.”

4-(…)

5-(…)

O Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n. 442/91, de 15 de novembro, “Código velho” que foi revogado Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, contemplava, essencialmente, no seu artigo 88.º “Ónus da prova” o mesmo regime jurídico do atual CPA.

“1-Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do nº1 do artigo anterior.

2-Os interessados podem juntar documentos e pareceres ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão.”

O “Código do Procedimento Administrativo Comentado” ainda, no âmbito do “Código velho” 2.ª ed. Maio/2001 de Mário Esteves de Oliveira et allia na pág., 422 e 423, com pertinência para a situação em apreço, refere que “ (…) Temperando o princípio do inquisitório ou da oficialidade em matéria de prova o CPA estabelece neste preceito a regra de que quem alega deve provar” , fazendo recair sobre os interessados o ónus da prova dos factos que interessam à sustentação da sua posição- seja qual for a pessoa que os haja trazido ao procedimento.

O que quer dizer que, a haver aqui um ónus de prova dos factos, ele recai sobre o interessado a quem aproveitam, (não sobre quem os tenha alegado)como aliás, acontece no processo judicial”.

Deste modo, o responsável pela direção do procedimento uma postura procedimental ativa, na medida em que lhe incumbe “procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa.”

Pode consultar-se a Dissertação de Mestrado “Da Distribuição do ónus da Prova no Direito Processual Civil Português-Contributo para o Estudo da Possibilidade de Flexibilização

através de uma Distribuição Dinâmica” de Joana Moreira Beirão FDL da UL 2017, que na pág. 22, ponto 2.2

“ (…) O artigo 342.º  do CC não se refere à figura do autor ou à do réu, apenas utiliza as expressões “àquele que invocar um direito” e “àquele contra quem a invocação é feita.(…) O Código Civil e, por consequente esta norma é aplicável subsidiariamente a outros ramos do direito, pelo que, a redação em de observar a potencialidade de ser aplicável às mais distintas figuras processuais ( autor/réu, demandante/demandado, requerente /requerido, etc.” (negrito nosso)

4.1.2- Sobre a matéria em apreciação, afigura-se-nos também relevante o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º 0978/09, de 27/01/2010, elaborado no âmbito do CPA “velho” mas cuja jurisprudência mantem relevo e atualidade e que considerou que em face do regime do ónus da prova previsto no n.º 1 do art.88.º do CPA apenas cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado sendo, consequentemente sobre a

Administração que recai o ónus da prova de factos que possam constituir obstáculos à satisfação das suas pretensões, bem como dos pressupostos da sua atuação.

II-Embora especialmente previsto para o procedimento administrativo, este regime sobre a repartição do ónus da prova deve ser aplicado também nos processos contenciosos de impugnação de atos administrativos, uma vez que vale nos processos judiciais a ponderação de equilíbrio subjacente àquele art.º 88.º e não seria uma solução razoável valorar de formas diferentes as dúvidas sobre a matéria de facto quando está em causa a apreciação da mesma situação jurídica substantiva.” (sublinhado nosso)

III-A sintonia entre as regras sobre o ónus da prova no procedimento administrativo e no processo judicial é imposta pela coerência valorativa e axiológica reclamada pelo princípio

da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica ( art.º 9.º n.º1 do Código Civil.

v-Por isso, impõe-se a aplicação analógica ao contencioso administrativo daquele regime de repartição do ónus da prova no procedimento administrativo.” (sublinhado nosso)

Aplicando-se ao presente processo arbitral, o regime de repartição do ónus da prova nos termos explicitados neste Acórdão do STA, a que este tribunal adere, é entendimento do mesmo tribunal que o ónus da prova é da Demandante que não logrou fazer a sua inversão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 116.º do CPA, porquanto não ficou demonstrado que o alegado requerimento, de 28/01/2014, estivesse em poder da Administração, conforme dispõe a primeira parte do n.º 2 do artigo 116.º do CPA;

Assim, é convicção do tribunal de que, caso a Demandante tivesse logrado demonstrar que o aludido requerimento de 28/01/2014, estava em poder do Demandado- o que, não sucedeu- bastar-lhe-ia apenas e só identificar corretamente este requerimento junto do responsável pela direção do procedimento, para se poder considerar provado a entrega/entrada daquele requerimento, com todas as consequências que daí adviriam.

Não o tendo feito, cabia-lhe o ónus de demonstrar e provar a entrega do requerimento de 28/01/2014, junto do Demandado, o que não logrou fazer.

Para concluir, e sobre o tratamento dos requerimentos apresentados pelos particulares e interessados no âmbito de procedimentos administrativos que se regem pela disciplina jurídica do CPA, cumpre considerar o disposto nos:

Artigo 105.º “Registo de apresentação de requerimentos” :do CPA que estatui:

1-A apresentação de requerimentos, qualquer que seja o modo por que se efetue, é sempre objeto de registo, que menciona o respetivo número de ordem, a data, o objeto do requerimento, o número de documentos juntos e o nome do requerente.

2-(…)

3-O registo é anotado nos requerimentos, mediante a menção do respetivo número e data.

3-Os serviços que disponibilizem meios eletrónicos de comunicação, o registo da apresentação dos requerimentos deve fazer-se por via eletrónica.”;

E no disposto nos artigos 104.º e 106.º do CPA ocupam-se, respetivamente, da “Forma de apresentação dos requerimentos” e do “Recibo de entrega de requerimentos pelos interessados” aos órgãos da Administração.

A formação da convicção do Árbitro/julgador, ponderados todos os elementos de prova constantes dos presentes autos e, tendo em vista o disposto no n.º4 do artigo 94.º do CPTA, que determina que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)” consistiu na decisão de não considerar provado que a aqui Demandante, conforme alegou,  tenha entregue qualquer requerimento ao aqui Demandado em 28/01/2014, inexistindo, consequentemente,  a violação do dever e de pronúncia consagrado no artigo 13.º do CPA bem como incumprimento do dever de decisão por parte do aqui Demandado, também nos termos do disposto no artigo 129.º do CPA.

Assim sendo, e dando como provada a inexistência de entrega do requerimento de 28/01/2014, cuja apresentação a Demandante não provou, como lhe competia, não é possível estabelecer qualquer relação com o requerimento que a Demandante apresentou em 10/12/2018-objeto de ponderação que vai ser feita de seguida- no sentido de apurar se o requerimento de 2018, revestiu a natureza de ato confirmativo ou meramente confirmativo do alegado requerimento de 2014, cuja entrega não foi demonstrada.

Assim, o Tribunal arbitral considerou que foi apenas com o requerimento apresentado pela Demandante ao Demandado, em 10/12/2018, nos termos do disposto no artigo 102.º do CPA, que, pela primeira vez, a Demandante solicitou através de pedido/requerimento que fosse reconhecido “ (…) o direito da Demandante a juros de mora pelo atraso no pagamento das diferenças salariais mensais consequentes do atraso na sua colocação na categoria de escriturário superior, condene o Demandado no pagamento de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais devidas, cujo valor, em dezembro de 2013, se converteu em dívida de capital por força do n.º 1 do art.º 705.º do CC e, assim, o condene no pagamento da dívida de capital apurada e supra apontada mais juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.”

4.1.2.3. Retomando agora o requerimento da Demandante referido supra, ponto 4, apresentado através de correio eletrónico, em 10/12/2018 , isto é, através de e-mail, (conforme Documentos 5 e 6, juntos com a Petição inicial) “contendo pretensão dirigida à reparação de erróneo processamento de retroativos aquando da promoção a escriturário Superior” cumpre referir o seguinte:

A Demandante alegou no artigo 18.º da Contestação “ que não foi notificada da forma como foi dada execução à deliberação do Conselho Diretivo do C..., IP de 29.12.2013 porquanto há muito se encontra assente em jurisprudência  que as notas de abonos o verbetes de vencimento não são meio idóneo de notificação do ato de processamento que lhes está subjacente.(…)

Faltam os elementos essências do ato administrativo (...) tal como resulta da jurisprudência supra citada e, atualmente do disposto no art.º 160.º do CPA.”

Como se referiu supra, foi tomada a decisão final expressa pelo dirigente máximo do serviço do aqui Demandado em 16/05/2019, que se encontra fundamentada- o seu despacho de concordância exarado sobre e Relatório do Responsável pelo procedimento, absorveu e fez seus

os fundamentos e a decisão) faz e que indeferiu o pedido que lhe foi formulado pela Demandante pondo-se, assim, fim a este procedimento.

Foram resolvidas por este ato administrativo de 16/05/2019, todas as questões que importava resolver, que corresponderam, em suma, à expressão da vontade decisória da instância administrativa competente, que compreendeu os seguintes momentos do procedimento: a fase inicial /arranque, instrução, (a Demandante não quis exercer o direito de audiência prévia) e a decisão final.

Foi este ato de 16/05/2019, que foi objeto da presente ação arbitral que, desde já este tribunal arbitral o declara, não é apto e não pode produzir o propósito pretendido pela Demandante, e isto por que:

O ato que efetivamente definiu a situação jus-laboral da Demandante foi o ato administrativo praticado através da Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29 de novembro de 2013,

publicada no diário da República, 2.ª Série, de 18 de dezembro de 2013, e que procedeu à promoção da Demandante à categoria de escriturário superior, com efeitos retroativos, reportados a 17/07/2010, tendo sido colocada no respetivo 1.º escalão, índice 190, deliberação essa que, por poder ser potencialmente lesiva, poderia ter sido impugnada em tribunal estadual ou arbitral, no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Como referimos supra, este tribunal considerou não provada a reclamação graciosa do Demandado apresentada no aludido requerimento de 28/01/2014.

Esta Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29/11/2013, publicada em diário da República em 18/12/2013, consistiu na prática de um ato administrativo, tal como se encontra definido no artigo 148.º do CPA, que se revela eficaz, de acordo com o disposto no artigo 155.º deste diploma legal, não lhe faltando qualquer elemento, como pretende a Demandante, e que identificou claramente o seu autor o aqui Demandado, o(s) destinatário(s) a Demandante, e outros trabalhadores do Demandado- tratando-se da prática de um ato administrativo plural- como se referiu supra, bem como o objeto a que se refere o seu conteúdo.

A este ato administrativo foi atribuído, pelo seu autor, efeito retroativo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 156.º do CPA, fazendo retroagir os seus efeitos a 17/07/2010 e

que, mais não fez, diga-se, do que acatar, como lhe compete o Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, que estabelece as escalas indiciárias relativas aos vencimentos dos conservadores, dos notários e dos oficiais dos registos e do notariado e que dispõe no artigo 6.º “Escriturários”.

1-(…)

2-(…)

3 - O acesso a escriturário superior fica condicionado à permanência de, pelo menos, 10 anos na categoria anterior e à classificação de serviço não inferior a Bom, segundo a ordem de graduação estabelecida pelo Conselho Técnico dos C... .

4-O acesso a que se refere o número anterior produz efeitos independentemente de quaisquer formalidades, excepto publicação no Diário da República, e retroage à data em que o funcionário adquiriu direito à categoria superior” (negrito nosso.)

Estatui o artigo 158.º “ Publicação obrigatória” do CPA:

“1-A publicação dos atos administrativos só é obrigatória quando exigida por lei.

2-A falta de publicação do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia.”

Deste modo, foi só com a prática do ato administrativo pelo Demandado consubstanciado na sua Deliberação (extrato) n.º.../2013, de 18/12/2013, publicada em diário da República,

como legalmente exigido, que o acesso à categoria superior da Demandante ganhou eficácia, ainda que com efeito retroativo (mais favorável) produzido a 17/07/2010.

4.1.2.4-Houve constrangimentos de ordem orçamental que impediram, que o Demandado, fundamentadamente, não tivesse efetuado a promoção da Demandante a Escriturário Superior praticando o necessário ato administrativo logo na data em que a mesma adquiriu o direito àquela promoção em 17/07/2010.

Consultando o processo n.º 149/2018-A do CAAD pág 45, de Dr. José Poças Falcão, último parágrafo afirma-se que “(…) Reconhece-se, na verdade, como facto público e notório, que em 2010/2011 se geraram diversas dúvidas na Administração Pública sobre as restrições e

condicionamentos na progressão das carreiras, designadamente derivadas da Lei do Orçamento de Estado para 2011-art.º 24.º n.º 4- para além das dificuldades orçamentais, que tornam justificáveis os cuidados ou cautelas tomados, no caso dos autos, pelo Conselho Diretivo de B, IP, na concretização do direito dos trabalhadores mencionados”

Na verdade, o Aqui Demandado encontra-se integrado na Administração Estadual Indireta nos termos dos seus Estatutos, sujeito ao poder de tutela e superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da justiça sujeito às orientações e diretrizes traçadas pelo Governo, enquanto “órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”, de acordo com o disposto no artigo 182.º da Constituição da República Portuguesa.

Alegou o Demandado no artigo 80.º e seguintes do seu articulado que “ Na verdade, importa tentar que o demandado só não procedeu à publicação da promoção daqueles trabalhadores à categoria de escriturário superior em Diário da República em 2010, por que “ (…) Com efeito, o art.º 24.º, n.º 4 da LOE para 2011 veio estatuir que [ São vedadas as promoções, independentemente da respetiva modalidade, ainda que os interessados já reúnam as condições

exigíveis para o efeito à data da entrada em vigor da presente lei exceto se nos termos legais aplicáveis àquela data, tais promoções devessem obrigatoriamente ter ocorrido em data anterior àquela] (…).”

Esta matéria foi objeto de esclarecimento pela Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) que entendeu que a restrição orçamental aprovada pela Lei do Orçamento do Estado (LOE) para 2011, e que foi mantida, de resto, nas LOE subsequentes de 2012 e 2013, não era aplicável às situações em que os requisitos exigidos para aquela promoção estivessem cumpridos antes da entrada em vigor da LOE 2011, isto é, antes de 01/01/2011.

Este entendimento da DGAEP mereceu a concordância do Despacho do Secretário de Estado da Administração Pública de 24/08/2012, tendo o Demandado desencadeado os necessários mecanismos subsequentes- incluindo junto da Tutela-que culminaram com a prática do ato administrativo que consistiu na Deliberação (extrato) n.º .../2013, de 18/12/2013, que nesta data, produziu plena eficácia, consistindo na prática de ato administrativo potencialmente lesivo da esfera jurídica da Demandante que, contra o mesmo poderia ter reagido, fazendo uso, nos prazos legalmente estabelecidos, dos meios de impugnação judicial/arbitral ou graciosa que entendesse utilizar.

 

VI-DECISÃO

Por todo o exposto, absolve-se o Demandado da instância por se verificar ser procedente a exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual prevista na alínea k) do n.º 4 e n.º 2 do artigo 89.º do CPTA conjugado com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA que estabelece o prazo de três meses para instaurar a presente ação arbitral.

 

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicação da decisão arbitral, n.º 3 do artigo 5.º do NRAA.

Em relação às custas processuais cumpra-se o disposto no n.º 5 do artigo 29.º do NRAA.

Valor da causa: valor de € 767, 87 (setecentos e sessenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos).

 

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2020

 

O Árbitro

 

Eduardo Brandão

 

A presente Decisão Arbitral foi elaborada de acordo com o Novo Acordo Ortográfico de 1990, exceto quanto à transcrição de obras e/ou diplomas legais que utilizaram a ortografia que anteriormente vigorava-