Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 132/2018-A
Data da decisão: 2019-04-08  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito à realização de provas públicas de avaliação para a categoria de Professor Coordenador – Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico – Competência do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. - Relatório:

A. - Das partes e do objeto da ação arbitral:

 

A..., casado, docente do ensino superior, portador do número de identificação fiscal ..., residente na Rua..., n.º..., ..., ...-..., no ..., intentou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), contra o B... (adiante designada apenas pelo acrónimo “B...”), com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., no ..., esta ação para reconhecimento de direito e condenação da entidade demandada, peticionando, em suma, o seguinte: “a) Reconhecimento do direito do Demandante à realização – por via de interpretação extensiva ou integração, ao abrigo do regime resultante do disposto no n.º5, do art.º 8º-A, do DL n.º207/2009, na redação da Lei n.º7/2000, no preâmbulo do DL n.º45/2016 (regras de legística) e do art.º 6º deste diploma – de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador prevista no Estatuto de Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º185/81, de 1/7, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º207/2009, de 31/08, e pela Lei n.º7/2010, de 13/05; b) A entidade demandada (B...) condenada à pratica (i) dos atos jurídicos (máxime o ato de admissão do Demandante às provas) e (ii) das operações materiais, exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica, para transitar para a categoria de Professor Coordenador.”.

 

Esta é a transcrição integral do pedido formulado pelo demandante a petição inicial pese embora, na definição do objeto da demanda, o demandante refira que integra tal objeto, para além daqueles pedidos, “a) A Anulação do ato de indeferimento consubstanciado no despacho de 8 de Junho de 2017 (doc. n.º 5), por vícios de forma e de violação de lei.”.

Conjugando os princípios enunciados no artigo 5.º do Regulamento da Arbitragem Administrativa, designadamente o da “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis”, e o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, enunciado no artigo 2.º do CPTA, determino que este Tribunal considere que o pedido do demandante é composto por três pedidos, os dois que se encontram enunciados no “Pedido” e, ainda, o da anulação do ato de indeferimento mencionado no “Do objeto da demanda” da petição inicial.

 

O demandante fundamentou as suas pretensões alegando, para o efeito e em síntese, o seguinte:

 

a)            Em 28-12-2016 requerente ao Presidente da ESTH a prestação de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para a categoria de Professor Coordenador, nos termos enunciados no requerimento junto à petição inicial como documento n.º3.

b)           Tal pedido foi objeto do parecer jurídico junto à referida petição como documento n.º5.

c)            Do referido parecer jurídico resulta, em suma, que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17/08, não é aplicável à pretensão do demandante porquanto a sua norma só é aplicável aos assistentes e equiparados a assistente, a professor adjunto e a professor coordenador, não sendo aplicável aos restantes.

d)           Seguiu-se o ato administrativo de indeferimento da pretensão do requerente que lhe foi notificado a 08-06-217 (cfr. documento n.º5 junto à petição inicial);

e)           O demandante impugna este ato administrativo cumulado com o reconhecimento do direito a prestar provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador e, ainda, a condenação da entidade demandada à prática dos atos necessários para o efeito;

f)            Invoca que a nova redação do Decreto-Lei n.º45/2016, de 17/08, permite aos professores com 20 (vinte) anos de serviço em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva que solicitem, até 31-12-2016, a prestação de provas públicas, ao abrigo do regime previsto n.º artigo 8.º-A/5, do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/08, na redação resultante da Lei n.º7/2010, de 13/05.

g)            Invoca, igualmente, o teor do acórdão do TCA Norte de 17-01-0214 e a sentença do TAF de Beja proferida em 21-06-2016.

Notificado para responder o B... veio contestar requerendo que a ação fosse julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, a sua absolvição de todos os pedidos, alegando, em suma, o seguinte:

 

a)            A audiência prévia do interessado se reveste de uma mera formalidade não essencial na medida em que o ato administrativo praticado só poderia ter a fundamentação e o sentido que teve.

b)           A decisão de indeferimento não padece do vício de fundamentação porquanto o ato em causa se apresenta devidamente fundamentado na medida em que são compreensíveis os motivos que sustentam a decisão proferida, porque a legislação invocada pelo demandante nunca permitiria a prática de um ato administrativo diferente do que foi praticado;

c)            A decisão de indeferimento não padece, também, do vício de violação de lei, em virtude de não se verificarem, contrariamente ao que é alegado pelo demandante, os pressupostos/requisitos, de facto e direito, da Lei n.º 7/2010, de 13/05, e do Decreto-Lei n.º45/2016, de 17/08.

d)           Conclui alegando, ainda, que não é admissível a interpretação extensiva da lei formulada pelo demandante nos pontos 107 a 129 da petição inicial.

 

B. – A Convenção de Arbitragem e a Constituição do Tribunal Arbitral:

 

O B... vinculou-se à jurisdição do CAAD através do Despacho n.º8839/2011, publicado no diário da república, 2.ª séria, n.º 126, de 04-07-2011, que consubstancia o “Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B... .

 

Foi aceite por ambas as partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, apreciar e decidir o litígio.

 

Este Tribunal foi constituído, com a aceitação do encargo pelo signatário, em 11-10-2018.

 

C. – Despacho Inicial (artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa):

 

Decorrente do meu despacho inicial (artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa), de 30-10-2018, foi o B... notificado para juntar aos autos cópias do despacho n.º8839/2011, publicado no diário da república, 2.ª séria, n.º 126, e do regulamento de resolução alternativa de litígios do mesmo B..., assim como para informar se a declaração junta à petição inicial como documento n.º1 fora precedida de alteração do regulamento acima mencionado.

 

Por requerimento datado de 08-11-2018 o B... juntou aos autos cópias do despacho e do regulamento acima referidos e informou estre Tribunal Arbitral que a declaração junta à petição inicial como documento n.º1 não foi precedida de alteração do regulamento de resolução alternativa de litígios do B... anexo ao Despacho n.º8839/2011.

 

Ainda em sede de despacho inicial (artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa), determinei, em 19-11-2018, a notificação do B... para informar se seria sua intenção promover, num prazo razoável, nunca superior a 30 (trinta) dias, a alteração e publicação em Diário da República do seu regulamento de resolução alternativa de litígios nos termos que permitam assegurar a competência deste tribunal para dirimir o litígio objeto desta ação arbitral, sob pena de este tribunal se julgar incompetente e, consequentemente, determinar a absolvição da entidade demanda da presente instância arbitral, com fundamento naquele exceção dilatória, ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento do mérito da causa.

 

Determinei, igualmente, a notificação do demandante para se pronunciar acerca de tal despacho.

Ambas as partes pronunciaram-se pela competência deste Tribunal Arbitral para dirimir o litígio que as opõe, com os fundamentos que analisarei de seguida em sede de saneamento do processo.

 

II. – Saneamento:

 

Tal como referi em sede de Despacho Inicial a fixação do valor da causa revela-se determinante para o tribunal decidir quanto à sua competência, à semelhança do que se verificou no processo arbitral anterior (Processo n.º49/2017-A).

 

Como seu deu conta supra as partes acordaram atribuir ao litígio o valor de trinta mil euros e um cêntimo e o demandante confirmou esse valor na petição inicial ao atribuí-lo à causa.

 

Por se concordar com o critério adotado, na decisão arbitral proferida no processo n.º49/2017-A, para a fixação do valor da causa, fixa-se o valor da presente causa em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), por se considerar que se trata de uma causa de valor indeterminável à luz do disposto no artigo 34.º/1/2, do CPTA, por remissão do disposto no artigo 26.º do RCAAD.

 

Também em sede de Despacho Inicial conclui, desde logo, que as partes litigantes têm personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias, estão regularmente representadas, o processo é o próprio tendo em conta a causa de pedir e os pedidos, e está isento de quaisquer nulidades que tenham de ser apreciadas ou questão que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

A. Questão a decidir (Competência do Tribunal Arbitral):

 

Todavia e porque se trata de matéria que é de conhecimento oficioso foi necessário averiguar, então, se este tribunal é competente para dirimir este litígio em função do seu objeto e do valor atribuído à causa pelas partes na declaração subscrita conjuntamente (documento n.º1 junto à petição inicial), e reiterado, posteriormente, pelo demandante na petição inicial.

 

Foi precisamente na averiguação da competência do tribunal que surgiram dúvidas que procurei esclarecer, desde logo, através do meu despacho de 30-10-2018, notificado às partes para se pronunciarem.

 

Tratou-se, assim, do primeiro despacho inicial deste tribunal arbitral que visou a obtenção de documentos e informações adicionais de modo a poder decidir, afinal, se o tribunal é competente à luz do Regulamento de Arbitragem Administrativa e do Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B... .

 

Em cumprimento do despacho arbitral inicial de 30-10-2018 a entidade demanda junto aos presentes autos cópias do despacho n.º8839/2011, e do Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B... .

Mais informou os autos que a declaração junta à petição inicial, como documento n.º1 não foi precedida de alteração do referido regulamento do B... .

 

A declaração em causa, subscrita pelo demandante e demandada, consubstancia a vontade mútua de submeterem ao CAAD a decisão do presente litígio com o valor de trinta mil euros e um cêntimo.

 

O demandante atribuiu à presente ação arbitral o valor de trinta mil euros e um cêntimo.

 

De acordo com o que dito nas “Questões Prévias” da petição inicial o demandante atribuiu este valor em função da decisão arbitral proferida na primeira ação arbitral proposta pelo mesmo contra a demandada e da qual resultou a absolvição desta da instância em virtude de o tribunal ter fixado o valor da causa em trinta mil euros e um cêntimos por ter considerado que se tratava de uma causa de valor indeterminável.

 

De acordo com aquele regulamento a entidade demandada vinculou-se ao CAAD para dirimir os litígios emergentes das relações reguladas pelo ECPDESP de valor não superior a trinta mil euros.

 

A competência do tribunal pressupõe, desde logo, que objeto do litígio seja suscetível de ser dirimido no âmbito da arbitragem, que tenha sido celebrada, por escrito, uma convenção de arbitragem, ou um compromisso arbitral, válida e eficaz entre as partes e que aquele tribunal tenha sido regularmente constituído à luz do RCAAD.

 

Para que este tribunal se possa declarar competente para dirimir este litígio teriam de verificar-se, cumulativamente, três pressupostos prévios.

 

O objeto do litígio foi definido pelo demandante nos termos enunciados no “Relatório” supra.

 

Confrontando o objeto do litígio com o disposto no artigo 180.º/1-alínea d), do CPTA, e o Despacho do Secretário de Estado da Justiça n.º5097/2009, de 12/02, e a demais legislação aplicável ao CAAD, conclui, através do meu despacho de 19-11-2018, que o litígio em questão é suscetível de ser dirimido no âmbito da arbitragem, e assim estava a assegurada a verificação do primeiro pressuposto.

 

A verificação do segundo pressuposto passava pela confirmação que a convenção de arbitragem é válida, eficaz e que abrange o objeto deste litígio arbitral.

 

O B... vinculou-se ao CAAD para dirimir os litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP nos termos do artigo 3.º do Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B..., aprovado pelo Despacho n.º8839/2011, desde que o valor da causa não exceda os trinta mil euros.

 

Também aqui conclui, com certeza, que a convenção de arbitragem é válida, porque tomou a forma de regulamento administrativo reduzido a escrito, é eficaz, porque foi publicada em Diário da República, e abrange o objeto deste litígio, porque está em causa um litígio emergente de uma relação regulada pelo ECPDESP, tal como previsto no artigo 3.º/1 do referido regulamento do B... .

 

Coloca-se, por fim, a questão do valor da causa, uma vez que o artigo 3.º/3 do regulamento do B... limita a competência do CAAD aos litígios de valor não superior a trinta mil euros, e as partes atribuíram à causa o valor de trinta mil euros e um cêntimo.

 

Numa análise preliminar poderia concluir-se que a limitação da competência do CAAD decorrente do artigo 3.º/3 daquele regulamento estaria ultrapassada por força da declaração conjunta subscrita pelas partes (documento n.º1 junto à petição inicial), em que acordaram atribuir à causa o valor de trinta mil euros e um cêntimo.

 

Todavia, confrontando o regulamento do B..., a declaração subscrita pelas partes (Doc.1 junto à PI), e o RCAAD, a resposta não poderia ser afirmativa, ou seja, a questão da incompetência do CAAD, resultante do artigo 3.º/3 do regulamento do B..., não poderia considerar-se ultrapassada com aquela declaração pelas razões seguintes:

 

O regulamento do B... tem por objeto o regime de resolução alternativa de litígios emergentes das relações reguladas pelo ECPDESP de valor não superior a trinta mil euros (artigos 1.º, 2 e 3.º).

 

Do artigo 3.º do regulamento resulta, em suma, que o B... só se vinculou ao CAAD para a resolução de litígios até àquele valor.

 

Dada a natureza do B... (instituto público) (1), este regulamento tem natureza administrativa (2) externa, em virtude de vincular quem o criou (B...) e os particulares, o que significa que a sua criação, modificação e extinção está sujeita aos princípios e às normas previstas no Código do Procedimento Administrativo.

 

Um desses princípios é o da inderrogabilidade singular dos regulamentos, que determina que “…à Administração não é permitir fazer, nos que toca a regulamentos externos, é derrogá-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor para todo os restantes casos.”. (3)

“Se é certo que a Administração pode, por via regulamentar (quer dizer, por via geral e abstracta), modificar, suspender e até revogar um regulamento anterior, está-lhe, no entanto, vedado fazê-lo para casos concretos. Essa insusceptibilidade de derrogação concreta ou singular explica-se pelo facto de os regulamentos vincularem não apenas os particulares, mas também a própria Administração que os elaborou: tu patere legem quam ipse fecisti (Afonso Queiró). É predicativo do poder executivo – afirmava OTTO Mayer – estar obrigado pelas regras de direito com que se depara, incluindo as da sua lavra. Se bem virmos, ao editar os regulamentos, a Administração como que se sub-roga ao legislador, criando vínculos para si mesma, justamente em ordem a impedir uma sua actuação casuística, fortuita e individualizada, que esteja nos antípodas do interesse da certeza e da segurança jurídicas. Significa isto, pois, que os regulamentos deixariam de ter sentido útil e se os órgãos administrativos, incluindo aquele que os adoptou, pudessem livremente deixar de os cumprir em determinadas situações concretas, à guisa de uma espécie de dispensing power – prerrogativa do Rei, antes do advento do Estado de Direito. Vinculada que está ao princípio da legalidade, a Administração tem de agir ««…nos termos previstos na lei geral e naqueles que ela mesma fixe, segundo habilitação legal, em termos genéricos» (Afonso Queiró). Daí que se, por hipótese, um regulamento derrogar outro para uma situação individual e concreta, sem que para tal se descortine justificação material bastante, tratar-se-á, em bom rigor, de um acto administrativo; mas de um acto administrativo ilegal por violação de regulamento preexistente (idbidem).

 

 

(…) Por último, escusado será dizer que apenas para os regulamentos externos faz sentido falar-se de inderrogabilidade singular. Com feito, não deve, v.g., um superior hierárquico, no exercício do seu poder de direção, considerar-se inibido de, perante um caso concreto, emitir uma ordem de serviço que divirja de instruções ou circulares previamente por si adoptadas (Garcia de Enterria).”.(4)

 

Daqui resulta que ao B... está vedada, por força deste princípio legal, a possibilidade de num determinado caso concreto e individual derrogar o regime previsto no regulamento.

 

A declaração conjunta subscrita pelas partes (documento junto à petição inicial), consubstancia um ato administrativo, no que ao B... diz respeito, que nesta situação concreta e individual determinou o afastamento da regra prevista no artigo 3.º do regulamento acima citado.

 

Temos, assim, uma decisão do Presidente do B... que para esta ação arbitral em concreto decidiu derrogar a regra estabelecida no artigo 3.º do regulamento.

 

Foi através desta decisão, que violando aquele princípio legal, o B... criou, neste caso concreto e individual, as condições para atribuir ao CAAD a competência para dirimir este litígio.

 

A atribuição da competência ao CAAD tem, por isso, origem num ato administrativo ilegal, que é anulável nos termos do artigo 163.º do CPA, que contaminou, por força do princípio da invalidade derivada, o “…compromisso arbitral/convenção de arbitragem…” assumido pelas partes na declaração (Doc.1 junto à PI), através do qual atribuem a competência ao CAAD.

 

Considerando que a incompetência do tribunal é um exceção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, este tribunal está obrigado a conhecer oficiosamente da questão da sua competência por força do disposto nos artigos 8.º e 26.º do RCAAD, 18.º da LAV e 89.º/2/4-alínea a), do CPTA.

 

Sem prejuízo de considerar, desde já, que os demais pressupostos legais estão assegurados, designadamente que as partes têm capacidade e estão representadas, e que a natureza e objeto do litígio são arbitráveis, não está, contudo, assegurada a competência deste tribunal em virtude da ilegalidade praticada, a montante, pela demandada, consubstanciada na derrogação singular de um regulamento administrativo.

 

Isto não significaria, contudo, que a demandada deveria ser, desde já, absolvida da instância, com fundamento na existência da exceção dilatória da incompetência do tribunal, prejudicando, assim, a apreciação do mérito da causa.

 

O princípio da tutela jurisdicional efetiva enunciado no artigo 20.º/4 da CRP, concretizado no artigo 2.º do CPTA, os princípios enunciados no artigo 5.º do RCAAD e o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º/2, do CPC determinam que este tribunal tem o dever de promover todas as diligências com vista a assegurar que possa conhecer do mérito da causa, designadamente conferir às partes a oportunidade de suprir as faltas e sanar as irregularidades (artigo 278.º do CPC) que obstam a isso mesmo.

 

A competência deste tribunal poderia, por isso, ser assegurada caso o B... promovesse, querendo, uma alteração do seu regulamento, com efeitos retroativos e publicação em Diário da República, que atribuísse ao CAAD competência para dirimir litígios de valor igual ou superior ao valor atribuído a esta causa, ou seja, trinta mil euros e um cêntimo, bem como a prática dos demais atos que se revelem necessários, sanando, desse modo, a ilegalidade praticada.

 

Constituía um ónus da demandada fazê-lo para sanar a ilegalidade vigente e assegurar, assim, que este tribunal seria competente para conhecer do mérito da causa.

 

Caso contrário este tribunal seria forçado a reconhecer a sua incompetência, abster-se de conhecer o mérito da causa e absolver a demandada da presente instância arbitral com fundamento na exceção dilatória da incompetência, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 8.º e 26.º do RCAAD, 18.º da LAV e 89.º/2/4-alínea a), do CPTA.

 

Por isso, através do meu despacho de 19-11-2018, as partes foram informadas, desde logo, da minha intenção em julgar incompetente este tribunal para conhecer do mérito da causa, nos termos e com os fundamentos acima expostos, caso não fosse sanada a ilegalidade praticada a montante na atribuição da competência ao CAAD para dirimir este litígio.

As partes pronunciaram-se no prazo fixado para o efeito e ambas reafirmaram a competência deste tribunal para dirimir o litígio objeto da ação arbitral tendo, por isso, pugnado pela improcedência da exceção de incompetência do tribunal.

 

Este não é, porém, o entendimento deste tribunal, que considera não estarem reunidos os pressupostos para se considerar competente para dirimir este litígio, como infra se dará conta.

 

Importará, por isso, que o tribunal se pronuncie acerca dos argumentos apresentados pelas partes nas suas pronúncias em resposta ao despacho acima referido.

 

O demandante começa por referir que o documento denominado por “compromisso arbitral/convenção de arbitragem” não é um ato administrativo.

 

Alega, para o efeito, que “…aqui está verdadeiramente em causa, são duas manifestações de declaração de vontade, outorgadas pelas partes no presente processo …”.

 

Alega, inclusivamente, que a “…própria palavra “compromisso” não é, nem pode ser, por definição, um ato administrativo!”.

 

Refere, ainda, que “Coisa diferente seria, se o Presidente do B..., no exercício de poderes jurídico-administrativos, por despacho, viesse definir que a partir de determinada data “o CAAD, para determinada ação arbitral em concreto, poderá dirimir litígios de valor não superior a €30.000,01 euros.”.

 

Continua dizendo que em “…14 processos decididos no CAAD (…), apresentando o mesmo compromisso arbitral/convenção das partes em litígio, para os mesmos efeitos, esta questão nunca foi levantada por um juiz árbitro!”.

 

Conclui dizendo que “A arbitragem, objetiva e subjetiva, constitui um tema que ultrapassa os limites de uma convenção de arbitragem, esta é, por definição, fonte da vontade de duas ou mais partes.”.

 

Por sua vez a entidade demandada começou por alegar que “…embora tenha recebido a designação de Regulamento configura, tão só, um ato de adesão cuja desvinculação pode ocorrer mediante revogação pela entidade que o proferiu, a qualquer momento.”.

 

Depois refere que “…não se poderá considerar que o compromisso arbitral agora em análise, é uma derrogação da convenção arbitral, designada, “Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B... (B...)”, mas tão só um complemento (…)”.

 

Continua dizendo, à semelhança do demandante, que “…os vários compromissos arbitrais (…) não têm sido, até ao momento, questionáveis pelos Senhores Árbitros do CAAD sobre os efeitos de tais compromissos.”.

Alega, também, que o “…compromisso arbitral em análise é uma convenção de arbitragem, nos termos do disposto no Regulamento de Arbitragem do CAAD, válida e para a produção de efeitos mencionados em 4 supra.”.

Conclui referindo que “…se de um regulamento tratasse, seria inviável proceder-se à alteração, num prazo inferior a 30 (trinta) dias…” à luz do Código do Procedimento Administrativo.

 

Este tribunal começa por esclarecer, desde logo, que não retira, de modo algum, a natureza de negócio jurídico ao “compromisso arbitral/convenção de arbitragem” celebrado entre as partes e que reconhece, obviamente, que estão em causa declarações de vontade.

 

O que as partes não podem desconhecer, todavia, é que uma delas é uma pessoa coletiva de direito público sujeita às regras do CPA, no caso o “B...”, por um lado, e que a vontade deste tipo de pessoas se manifesta através de órgãos singulares e/ou coletivos, por outro.

 

Acresce que os termos e condições de manifestação de tal vontade estão previstos no CPA, desde logo, e nos demais diplomas através dos quais foram criadas, sem prejuízo da existência de legislação especial aplicável a cada uma delas.

 

Por isso qualquer “negócio jurídico” que o “B...” pretenda celebrar, como foi o caso deste “compromisso arbitral/convenção de arbitragem”, pressupõe sempre, de acordo com as competências previstas no seu “Estatuto”, que seja tomada uma decisão prévia por um órgão.

O que se acaba de afirmar vale para qualquer pessoa coletiva de direito público, ou seja, a concretização da sua vontade implicará sempre a existência de uma decisão de um órgão singular e/ou coletivo.

 

No caso em concreto a vontade do “B...” foi manifestada através do seu Presidente.

 

Tratando-se de um órgão singular o Presidente do “B...” decidiu celebrar este “negócio jurídico” e é precisamente esta decisão que consubstancia um ato administrativo, cujo conteúdo material é, como se referiu supra, autorizar a celebração do “compromisso arbitral/convenção de arbitragem”.

Por isso e contrariamente ao que é dito pelas partes o tribunal não qualificou como ato administrativo o “compromisso arbitral/convenção de arbitragem”.

 

O que o tribunal disse foi que a declaração do “B...” manifestada na declaração conjunta está consubstanciada num ato administrativo.

 

Para que não subsistam dúvidas reproduz-se o que é dito no despacho de 19-11-2018: “A declaração conjunta subscrita pelas partes (Doc.1 junto à PI), consubstancia um ato administrativo, no que ao B... diz respeito, que nesta situação concreta e individual determinou o afastamento da regra prevista no artigo 3.º do regulamento acima citado.”.

 

Por outro lado, não colhe, de modo algum, o argumento da entidade demandada, que não estamos perante um regulamento administrativo, mas apenas um ato de adesão cuja desvinculação pode ocorrer, a qualquer momento, mediante revogação pela entidade que o proferiu.

 

Nos termos do CPA os regulamentos podem ser criados, modificados e extintos pelos órgãos competentes para o efeito (artigo 146.º do CPA).

 

Isto significa que um órgão singular poderá criar, modificar e extinguir um regulamento nos termos do CPA e das eventuais regras específicas que resultem do estatuto da pessoa coletiva de direito público que o mesmo integra.

 

Do estatuto do “B...” parece resultar que o seu Presidente tem competência para aprovar regulamentos.

 

Temos, assim, um órgão singular com poder para aprovar, modificar e extinguir regulamentos.

As decisões dos órgãos singulares exteriorizam-se através de “despachos”.

 

Conjugando o que se acaba de dizer temos, então, que um órgão singular com competência para aprovar um regulamento terá, necessariamente, de fazê-lo através de uma decisão que ganha a forma de despacho.

 

Foi precisamente o que aconteceu com o “Despacho B...-2011”, datado de 21-06-2011, da autoria do Presidente do B..., através do qual é aprovado o “Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B...”, publicado em diário da república através do Despacho n.º8839/2011.

 

Afirmar o contrário, como o faz o B... no ponto 1 do seu último requerimento, não é admissível à luz do direito aplicável, designadamente dos princípios e das regras previstas no CPA para a criação, modificação e extinção dos regulamentos administrativos.

 

Para “ilustrar” o que acaba de referir o tribunal basta-se com a reprodução, parcial, do Despacho n.º8839/2011”:

 

“Ouvidos (…) e promovida a consulta pública do anteprojecto de regulamento, de acordo com o previsto no artigo 110.º, n.º3, do RJIES, aprovo através do Despacho B...-2011, o Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B..., o qual consta do anexo ao presente despacho.”.

 

O despacho em causa invoca, expressamente, o artigo 110.º/3, do RJIES, que consagra a “Autonomia administrativa”, de que gozam as instituições de ensino superior públicas, e ao abrigo da qual podem “Emitir regulamentos nos casos previstos na lei e nos seus estatutos.”.

 

O anexo em causa tem a epígrafe seguinte: “Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B...”.

A letra do artigo 1.º do regulamento inicia-se do modo seguinte: “O presente Regulamento…”, o mesmo sucede com a letra do artigo 2.º: “O presente regulamento…”, e, também, com o artigo 4.º: “O presente regulamento…”.

 

Por isso não é aceitável que o B..., “pai” do regulamento, venha agora dizer que afinal não se trata de um regulamento, mas de um “…ato de adesão…”.

 

É convicção deste tribunal que está em causa um regulamento administrativo, cujos destinatários estão definidos no “âmbito”, previsto no seu artigo 2.º, que foi alterado por um ato administrativo no âmbito de um caso concreto e individual.

 

Relativamente ao argumento comum invocado pelo B... que “…os vários compromissos arbitrais subscritos por docentes do Ensino Superior Politécnico e o B..., não têm sido, até ao momento, questionáveis pelos Senhores Árbitros do CAAD sobre os efeitos de tais compromissos.”, não corresponde integralmente verdade.

 

Veja-se que no processo arbitral anterior o Ex.mo Senhor Árbitro julgou incompetente o tribunal arbitral em virtude de o regulamento do B... não permitir que o CAAD dirimisse litígios de valor superior a trinta mil euros.

 

Acresce que o argumento invocado pelo B... não pode deixar de nos transportar para a teoria, que não tendo uma raiz jurídica, não deixa de ser perfeitamente enquadrável neste âmbito, e que diz respeito à “Lógica do Cisne Negro”.

 

Não é por só termos observado cisnes brancos que poderemos extrair a conclusão geral que todos os cisnes do mundo são brancos porquanto também existem cisnes negros.

 

Pese embora não seja da competência deste tribunal emitir juízos de valor acerca do “B...”, na prossecução das suas atribuições e da conduta dos seus órgãos no exercício das suas competências, este tribunal não pode deixar de manifestar preocupação e reserva relativamente à desqualificação jurídica operada relativamente ao “Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B...” no ponto 1 do último requerimento apresentado pelo “B...”.

Afirmar o contrário, como o fez o “B...” no âmbito deste processo, pôs em causa, desde logo, a possibilidade de ser apreciado o mérito da causa, o que no caso do demandante é ainda mais preocupante, na medida em que já é a segunda vez que recorre ao foro arbitral para resolução do litígio que o opõe ao B... e das duas vezes tal foro não chega sequer a conhecer do mérito da causa que o mesmo apresentou.

 

A questão torna-se ainda mais relevante na medida em que se este tribunal pudesse conhecer do mérito da causa com base no estado atual dos autos a ação arbitral seria julgada totalmente procedente pois a sua convicção é que sempre assistiria razão ao demandante nos pedidos formulados.

 

Tal não foi possível porque o B... não se disponibilizou a alterar o regulamento nos termos legalmente previstos.

 

Por isso não colhe o argumento apresentado pelo B... no ponto 10 do seu último requerimento quando refere que seria inviável proceder à alteração do regulamento no prazo de 30 (trinta) dias “…atendendo aos procedimentos obrigatórios a adotar, nos termos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo…”.

 

Caso houvesse vontade para o efeito o B... teria informado este tribunal que precisaria de mais tempo e este acréscimo nunca seria superior ao prazo que o tribunal tem para proferir a sua decisão.

 

Todavia, a força dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 1.º do CPTA, dos princípios enunciados no artigo 5.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, e do dever de gestão processual previsto no artigo 6.º/2, do CPC, não é suficiente para ultrapassar a questão da incompetência deste tribunal, pelas razões acima expostas, e permitir-lhe conhecer do mérito da causa.

 

III. – Decisão:

 

Assim, em face do exposto, julgo totalmente procedente a exceção dilatória da incompetência deste tribunal arbitral para dirimir o litígio objeto desta ação e, consequentemente, determino a absolvição da entidade demandada da presente instância arbitral, ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento do mérito da causa, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 8.º e 26.º do RCAAD, 18.º da LAV e 89.º/2/4-alínea a), do CPTA.

 

IV. – Encargos processuais e Depósito da decisão arbitral:

 

O valor da causa fixou-se em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do artigo 33.º/1, do CPTA, por remissão do artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa.

Os encargos serão liquidados de acordo com a tabela prevista para a arbitragem administrativa e suportados pelas partes nos termos do artigo 29.º/1 e 5 do Regulamento de Arbitragem Administrativa.

Notifiquem-se as partes com cópia desta decisão e deposite-se o seu original no CAAD.

 

Braga, 08-04-2019.

 

O Árbitro,

Alexandre Maciel

 

 

 (1) “O Instituto é uma pessoa coletiva de direito público dotada de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar.” – artigo 3.º/1, do Despacho Normativo n.º5/2009, publicado em Diário da República, II série, n.º22, de 2/02.

(2) “As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo. Para efeitos do disposto no presente Código, integram a Administração Pública: (…) d) Os institutos públicos e as associações públicas.” – artigo 1.º/1/4-alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

(3) cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, 2011, página 225.

(4) cfr. Francisco António de M.L. Ferreira de Almeida, Direito Administrativo, 1.ª Edição, 2018, páginas 159/160.