Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 99/2018-A
Data da decisão: 2018-10-09  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito à progressão e condenação na obrigação de contagem do tempo de serviço e nos pagamentos resultantes da pretendida progressão.
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Decisão Arbitral

 

 

 

RELATÓRIO

 

A A... (A...), com sede na Rua..., ..., ...–... Lisboa, (doravante designado como

“Demandante”), veio propor a presente acção em nome dos seus associados (doravante designados, em conjunto, como “Demandantes”):

 

a)    B...;

b)    C...;

c)    D...;

d)    E...;

e)    F...;

f)    G...;

g)    H...;

h)    I...;

i)     J...;

j)     K...;

l)     L...;

m)   M...;

n)    N...;

o)    O...;

p)    P...;

q)    Q...;

r)     R...;         

s)    S...;

t)     T...;

u)    W...;

v)    X...;

w)   Y...;

x)    Z...;

y)    AA...;

z)    BB...;

aa)  CC...;

bb)  DD...;

cc)  EE...;

dd) FF...;

 

A Demandante pede que sejam julgados inválidos os actos de processamento salarial pelos quais foram pagos os acréscimos decorrentes das progressões, ordenando-se o seu recálculo e pagamento considerando as progressões salariais ocorridas entre 01.01.2011 e 31.12.2017.

Para tanto, a Demandante invoca em suma que:

 

  1. Os seus associados são funcionários do quadro de pessoal da GG... (GG...) estando providos em lugares das carreiras de Especialista Superior, Especialista Adjunto e Especialista Auxiliar, carreiras essas insertas no grupo de apoio à investigação criminal cf artigo 620, nº 5, do DL nº 275-A/2000, de 9 de Novembro.

 

  1. Nos termos do artigo 103º, nº 2, do DL nº 275-A/2000, de 9 de Novembro "A mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efectivo serviço no escalão em que funcionário se encontra posicionado, vencendo-se o direito à remuneração no 1º dia do mês imediato".

 

  1. Em 31.12.2010, todos os associados da Demandante acima indicados contavam mais do que três anos de serviço no escalão em que se encontravam.

 

  1. Em 01.01.2011, entrou em vigor a Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), cujo artigo 24º, nºs 1 e 2, dispunha que “1 - É vedada a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no nº 9 do artigo 19º. 2 - O disposto no número anterior abrange as valorizações e outros acréscimos remuneratórios, designadamente os resultantes dos seguintes actos:

 

  1. Alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos;
  2. Atribuição de prémios de desempenho ou outras prestações pecuniárias de natureza afim;
  3. Abertura de procedimentos concursais para categorias superiores de carreiras pluricategoriais, gerais ou especiais, ou, no caso das carreiras não revistas e subsistentes, incluindo carreiras e corpos especiais, para as respectivas categorias de acesso, incluindo procedimentos internos de selecção para mudança de nível ou escalão;
  4. Pagamento de remuneração diferente da auferida na categoria de origem, nas situações de mobilidade interna, em qualquer das suas modalidades, iniciadas após a entrada em vigor da presente lei, suspendendo-se a aplicação a novas situações do regime de remuneração dos trabalhadores em mobilidade prevista nos nºs 1 a 4 do artigo 62º da Lei nº12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis nºs64 -A/2008, de 31 de Dezembro, e 3 -B/2010, de 28 de Abril, bem como a dispensa do acordo do trabalhador a que se refere o nº 2 do artigo 61º da mesma lei nos casos em que à categoria cujas funções vai exercer correspondesse uma remuneração superior.”.

 

  1.  O preceito em apreço veio a constar das Leis de Orçamento de Estado aprovadas para os anos seguintes.

 

  1. Pelo que, a partir de 01.01.2011, a progressão dos associados da Demandante na carreira ficou suspensa ou, como se refere em linguagem comum 'congelada".

 

  1. Nos termos do artigo 18º, nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro (LOE/2018) passou a dispor que:

1 - Para os titulares dos cargos e demais pessoal identificado no nº 9 do artigo 2º da Lei nº 75/2014, de 12 de setembro, são permitidas, nos termos dos números seguintes, a partir do dia 1 de janeiro de 2018 e não podendo produzir efeitos em data anterior, as valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes dos seguintes atos:

  1. Alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão;
  2. Promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos, incluindo nos casos em que dependam da abertura de procedimentos concursais para categorias superiores de carreiras pluricategoriais, gerais ou especiais, ou, no caso das carreiras não revistas e subsistentes, incluindo carreiras e corpos especiais, para as respetivas categorias de acesso.”.

 

  1. Desta forma, permitiu o legislador que a progressão retomasse o seu curso a partir do dia 01.01.2018

 

  1. O nº 7  do artigo 18º, nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro prevê que “7- As valorizações remuneratórias resultantes dos atos a que se refere a alínea a) do nº 1 produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018, sendo reconhecidos todos os direitos que o trabalhador detenha, nos termos das regras próprias da sua carreira, que retoma o seu desenvolvimento.”.

 

  1. Ao prescrever que a carreira "retoma o seu desenvolvimento", veio o legislador determinar que a mesma devia ser reconstruída como se não tivesse ocorrido o acima aludido "congelamento".

 

  1. O Demandado não deu cumprimento ao disposto no artigo 18º, nºs 1 e 7, da LOE 2018.

 

  1. Do diploma em apreço resulta que retomando a carreira o seu desenvolvimento, devem ser consideradas as progressões que correriam, em

 períodos de 3 anos cada entre 2011 e 2017. 

 

  1. O Demandado assim não fez.

 

  1. O nº 8 do artigo 18º determina que “8 - O pagamento dos acréscimos remuneratórios a que o trabalhador tenha direito nos termos do número anterior, é faseado nos seguintes termos:
  1. Em 2018, 25 /prct. a 1 de janeiro e 50 /prct. a 1 de setembro;
  2. Em 2019, 75/prct. a 1 de maio e 100/prct. a 1 de dezembro.”.

 

  1. Tal significa que, considerando-se as progressões que ocorreram entre 01.01.2011 e 31.12.2017 devem liquidar-se os acréscimos remuneratórios devidos, nas percentagens indicadas.

 

  1. O Demandado não considerou as progressões remuneratórias ocorridas entre as datas acima indicadas, liquidando os acréscimos como se os associados do Demandante tivessem em 01.01.2018, progredido para o escalão seguinte àquele em que se encontravam em 31.12.2010.

 

  1.  O que viola quer o carácter transitório e excepcional das providências orçamentais vindas de se citar, quer o disposto no artigo 18º da LOE/2018.

É demandado o HH... (HH...) com sede na..., ...-... Lisboa (doravante designado como “Demandado”).

O Demandado foi citado em 06.06.2018 e apresentou a sua contestação em 22.06.2018.

 

Na sua contestação, o Demandado veio defender-se por excepção e por impugnação, alegando em suma que:

 

  1. Por excepção (da ineptidão da p.i.)

 

  1. Ocorre contradição entre o pedido formulado e a causa de pedir invocada porquanto o seu pedido é formulado com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 18º da LOE/2018 (Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro) que impede a produção de efeitos em data anterior a 01.01.2018, vem peticionar que sejam julgados inválidos os actos de processamento salarial pelos quais foram pagos os acréscimos decorrentes das progressões, ordenando-se o seu recálculo e pagamento considerando as progressões salariais ocorridas entre 01.01.2011 e 31.12.2017.

 

  1. O que, e na perspectiva do Demandado, por força do estatuído na alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, a petição inicial é inepta.

 

  1. Originando a nulidade de todo o processo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 186.º do CPC e a absolvição do Demandado da instância, nos termos do disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA.

 

  1. Por impugnação

 

  1. Ao contrário da posição vertida na P.I., o enquadramento legal apresentado pelo Demandante não é o vigente.

 

  1.  Na medida em que, apesar de as carreiras não revistas, como as onde se integram os Demandantes, em regra se continuem a reger pela legislação que lhes era aplicável em 31.12.2008, existem matérias, como é o caso da dos presentes autos que, por força da lei, passaram a ter outro tratamento.

 

  1. Para tanto, invoca o Demandado o que se acha previsto nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii) da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 21.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, 35.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, 47.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e 34.º, n.º 2, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro à progressão são aplicáveis as regras consagradas nos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

 

  1. O que equivale a dizer, mais uma vez na perspectiva do Demandado, que só podem progredir os trabalhadores que, em resultado das suas avaliações de desempenho, perfaçam 10 pontos.

 

  1. Valendo, para o efeito, a disciplina prevista no n.º 3 do artigo 18.º da LOE/ 2018, que dispõe que “Aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos”.

 

  1. Conclui o Demandado que, ainda que assim não fosse, como é, sempre se dirá que o citado n.º 1 do artigo 18.º da LOE de 2018 proíbe a produção de efeitos em data anterior a 01.01.2018, como aliás a Demandante reconhece quando transcreve a norma.

 

Em sede de Réplica, veio o Demandante alegar em suma que:

 

  1. O objecto da demanda se subsume a uma divergência sobre qual a norma legal a aplicar no processamento dos salários dos seus representados.

 

II. Saneamento do processo

 

  1. O Tribunal é competente e foi validamente constituído.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.
  3. Não existem nulidades.
  4. Da Excepção

 

Como supra se descreveu, o Demandando invocou, a título de excepção, a ineptidão da p.i., por em seu entender se verificar uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

 

Sucede que não lhe assiste razão.

 

Com efeito, como é consabido, ocorre contradição entre o pedido e a causa de pedir quando entre o pedido e a causa de pedir, para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 186º do CPC ocorra uma contradição ou incompatibilidade formal entre (i) o pedido e (ii) a causa de pedir, que seja geradora de uma absoluta falta de nexo lógico entre ambos que impeça, de todo, formular um juízo de mérito positivo ou negativo sobre a mesma. Como ensina Antunes Varela (in in RLJ Ano 121º, pags. 90 e segs. pags. 121 e 122) “contradição (lógica) entre a causa de pedir e o pedido … não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e desdizer simultâneos, uma conclusão que pressupõe a premissa exactamente oposta àquela de que se partiu”

Cabe ainda citar o Prof. Alberto dos Reis (in Comentários ao CPC, Vol. 2.º, 364) que ensinava que “Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretende obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”. Adiantando (ibidem, pág. 372) que “Importa não confundir a petição inepta com a petição simplesmente deficiente. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito de autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga”.

 

Invoquemos ainda Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 221) que escreveu que “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei – artº 193º, nº 2 alínea a) – só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento.”

 

Como também é consabido, a contradição entre o pedido e a causa de pedir, para poder ser atendida, deve ser causa de ininteligibilidade do pedido. No entanto, se o Demandado, ao contestar, interpretou devidamente a petição inicial, mostrou compreender a fundamento do pedido, exercendo, nessa medida, o contraditório quanto a tudo o que se acha alegado na petição inicial, mostra-se sanada a eventual ineptidão da petição por ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.

 

Mas, mais do que isso, e como adiante explicitaremos, o que está em causa é uma divergência na interpretação a dar aos diversos diplomas legais que regem a matéria que é vertida para os presentes autos.

 

Daí que, tudo visto, desde já se julga improcedente a excepção invocada pelo Demandado.

 

III – Dos Factos

  1. Factos provados

Com interesse para os autos, mostra-se provado o seguinte facto:

 

  1. Os seus associados são funcionários do quadro de pessoal da GG... (GG...) estando providos em lugares das carreiras de Especialista Superior, Especialista Adjunto e Especialista Auxiliar, carreiras essas insertas no grupo de apoio à investigação criminal cfr artigo 620, nº 5, do DL nº 275-A/2000, de 9 de Novembro (por acordo).

Tudo o mais o que a Demandante alega na sua p.i. ou é conclusivo ou constitui matéria de Direito, apesar de o Demandado os aceitar como verdadeiros (cfr. artigo 13º da Contestação).

  1. Factos não provados

Atento que tudo o mais que se acha vertido nos articulados das Partes ou é conclusivo ou constitui matéria de Direito, inexistem Factos não provados.

 

IV – Do Direito

Nos presentes autos discutem-se as seguintes questões controvertidas:

  1. Ocorreu progressão nas carreiras dos Demandantes, todos eles funcionários do quadro de pessoal da GG... (GG...) providos em lugares das carreiras de Especialista Superior, Especialista Adjunto e Especialista Auxiliar, ao abrigo da disciplina prevista no nº 2 do artigo 103º do DL nº 275-A/2000, de 9 de Novembro?

 

  1. Em caso afirmativo, tal progressão obriga a alterar as respectivas posições remuneratórias?

 

Vejamos.

 

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 62º, n.º 1, da Lei Orgânica da GG...– LO... - (aprovada pelo DL nº 275-A/2000, de 9 de Novembro e sucessivamente alterada pela Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto, pelo  Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 304/2002, de 13 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 43/2003, de 13 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de Julho, pela Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 42/2009, de 12 de Fevereiro e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), o pessoal da GG... constitui um corpo superior e especial, integrado no quadro único, constante do anexo I ao referido diploma, constituído, entre outros, pelo grupo de pessoal de apoio à investigação criminal.

 

Nos termos do n.º 6 da mesma disposição legal, o pessoal operário e auxiliar, não fazendo parte do corpo superior e especial, integra o quadro único.

 

Em matéria de promoções e progressões, o nº 2 do artigo 103.º da LO..., estabelece que "a mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, vencendo-se o direito à remuneração no 1º dia do mês imediato".

 

Na perspectiva da Demandante (e dos seus associados Demandantes), a aplicabilidade desta disciplina foi suspensa pela entrada em vigor da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), cujo artigo 24º, nº 1 se acha supra transcrito e assim se manteve, até 31.12.2017, por força das leis orçamentais que lhe sucederam.

 

Já o Demandado entende que  que por força do previsto nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii) da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, 21.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, 35.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, 47.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 34.º, n.º 2, alínea b), subalínea i) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro à progressão são aplicáveis as regras consagradas nos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o que significa que só podem progredir os trabalhadores que, em resultado das suas avaliações de desempenho, perfaçam 10 pontos, valendo, para o efeito, a disciplina prevista no n.º 3 do artigo 18.º da LOE 2018, que dispõe que “Aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos”.

 

Mas, mesmo que assim não fosse, sempre será aplicável o regime previsto no nº 1 do artigo 18º da LOE/2018 que proíbe a produção de efeitos em data anterior a 01.01.2018.

 

Analisemos então, o confronto entre as supra descritas interpretações.

 

Para tanto, e antes de mais, importa ter presente o regime estatuído nas sucessivas leis orçamentais (entre 2011 e 2016) e cujos efeitos sobre as actualizações remuneratórias dos Demandantes não parecem merecer desacordo entre as aqui Partes.

 

Com efeito, os nºs 1 e 2 do artigo 24º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), cujo teor já se acha supra transcrito, vedou a prática de quaisquer actos que consubstanciassem valorizações remuneratórias num elenco alargado de situações em que se incluem aquelas que enquadram os aqui Demandantes.

 

Idêntica proibição vigorou nas leis orçamentais subsequentes entre 2011 e 2016 e que, por não inovarem relativamente à LOE/2011, (artigo 20º da LOE/2012, artigo 35º da LOE/2013, artigo 39º da LOE/2014 e artigo 38º da LOE/2015), nos dispensamos de aqui transcrever.

 

Posteriormente, o nº 1 do artigo 18º da Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro (LOE/2018) veio permitir, a partir de 01.01.2018, as valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes de um conjunto de situações sem que, contudo, possam produzir efeitos em data anterior.

 

Por aqui se conclui que a pretensão deduzida pelos Demandantes terá que forçosamente que decair por força da proibição contida no referido nº 1 do artigo 18º da Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro (LOE/2018).

 

É verdade que a Demandante (e os seus associados Demandantes) invocam que o nº 7 do mesmo artigo 18º dispõe que as “valorizações remuneratórias resultantes dos atos a que se refere a alínea a) do n.º 1 produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018, sendo reconhecidos todos os direitos que o trabalhador detenha, nos termos das regras próprias da sua carreira, que retoma o seu desenvolvimento.”.

 

E, para sustentarem a aplicabilidade à sua carreira deste específico regime, arguem que a expressão "retoma o seu desenvolvimento", deve ser entendida como um comando do legislador para que as suas carreiras sejam reconstruídas como se não tivesse ocorrido qualquer "congelamento".

 

Não se nos afigura que assim seja.

 

Na verdade, posteriormente à entrada em vigor da LO... foi publicada e entrou em vigor (em 01.03.2008) a Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

 

Este diploma não era aplicável à avaliação de desempenho dos elementos das forças e dos serviços de segurança e do pessoal oficial de justiça que era disciplinada por legislação especial.

 

As carreiras dos Demandantes ficaram assim fora do âmbito de aplicação do disposto no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e sujeitas aos respetivos regimes estatutários, nos termos do artigo 20º da Lei nº 49/2008, de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal), isto é, ao regime do já invocado nº 2 do artigo 103º da LO... .

 

Sucede que a LOE/2009 (Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro) veio dispor no nº 1 do seu artigo 18º[1] que as carreiras que ainda não tinham sido objeto de revisão se mantiveram, (vg as de regime especial e os corpos especiais), o mesmo sucedendo com a integração dos respetivos trabalhadores que, até ao início de vigência da revisão, a essas carreiras se aplica as respectivas normas especiais, com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

 

Tal leva-nos a concluir que a excepção prevista no artigo 20º da Lei 49/2008, de 27 de Agosto foi tacitamente revogada pelas disposições das sucessivas LOE’s, desde logo, a começar pela LOE/2009 que entrou em vigor a 01.01.2009.

 

Vejamos, no entanto, se esta nossa conclusão encontra viabilidade na disciplina que o Código Civil (nº3 do artigo 7º) contempla a respeito da sobreposição entre leis gerais e leis especiais.[2]

 

Para tanto, temos de atender a que a vontade do legislador não tem que ser revelada de forma expressa, antes pode surgir do contexto próprio da norma que revoga e da razão de ser dos regimes especial e geral em causa.

 

Ou seja, como Miguel Teixeira de Sousa (in Introdução ao Direito, Almedina, 2012, p. 228) ensina “é importante determinar se permanecem as razões que justificaram a elaboração da lei especial; se tal não suceder, pode concluir-se que o legislador teve a intenção de revogar a lei especial.”.

 

Na situação em apreço o artigo 20.º da Lei 49/2008, de 27 de Agosto (lei especial) pretendeu dispensar algumas carreiras da aplicação do regime previsto no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, criando uma excepção para os trabalhadores que integram os mapas de pessoal das forças e serviços de segurança.

 

Por sua vez, as normas das sucessivas LOE’s aqui citadas estabelecem um regime uniforme para as carreiras não revistas, como é o caso das carreiras da GG..., dispondo que, até que a respetiva revisão ocorra, tais carreiras continuam a reger-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31.12.2008, mas com as alterações decorrentes dos artigos 46º a 48.º e 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. Pretendeu-se, assim, uniformizar o regime de avaliação de desempenho aplicável a todas as carreiras não revistas, criando-se uma situação de maior igualdade entre as mesmas.

 

Perante o que se escreveu afigura-se óbvio que foi intenção do legislador revogar a norma excepcional consubstanciada no artigo 20º da Lei 49/2008, de 27 de Agosto, o que nos leva à necessária conclusão de que o artigo 18º, n.º 1, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE/2009), operou a sua revogação.

 

Tal significa que desde 01.01.2009 (data de entrada em vigor da LOE/2009), à avaliação de desempenho dos Demandantes passou a ser aplicável o regime previsto no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e já não aquele que resultava da norma especial correspondente ao nº 2 do artigo 103º, da LO... .

 

Em suma, desde 01.01.2009 que os Demandantes não beneficiam do regime de progressões automáticas após 3 anos de bom e efetivo serviço previsto no artigo 103.º, nº 2 da LO..., o que nos leva a concluir que as actualizações remuneratórias dos Demandantes poderiam ter tido lugar ao abrigo do disposto nos artigos 46º a 48º e 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, caso não tivessem sido proibidas por força do que sucessivamente foi sendo previsto nas LOE’s desde 2011.

 

V. Decisão

 

Tudo visto e ponderado julga-se improcedente o pedido formulado pelos Demandantes para que sejam julgados inválidos os actos de processamento salarial pelos quais foram pagos os acréscimos decorrentes das progressões.

Em consequência, também decai o pedido para que seja ordenado o recálculo dos acréscimos decorrentes das progressões e o pagamento das progressões salariais ocorridas entre 01.01.2011 e 31.12.2017.

Notifiquem-se Demandante e Demandado, com cópia, e deposite-se o original da decisão (artigo 23.º, n.º 3 do Regulamento da CAAD).

 

Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 30.000,01, por aplicação do artigo 34.º do CPTA, ex vi artigo 29.º do Regulamento do CAAD).

 

Encargos processuais na importância de € 150 por cada sujeito processual, nos termos

da tabela aplicável.

Lisboa, 9 de Outubro de 2018

 

O Árbitro

 

(Gonçalo Ribeiro da Costa)

 

 

 



[1] Artigo 18.º

Revisão das carreiras, dos corpos especiais e dos níveis remuneratórios das comissões de serviço

1 — Sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm -se as carreiras que ainda não tenham sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, bem como a integração dos respectivos trabalhadores, sendo que:

a) Só após tal revisão, tem lugar, relativamente a tais trabalhadores, a execução das transições através da lista nominativa referida no artigo 109.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, excepto no respeitante à modalidade de constituição da sua relação jurídica de emprego público e às situações de mobilidade geral do, ou no, órgão ou serviço;

b) Até ao início de vigência da revisão:

i) A portaria referida no n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, fixa a actualização dos montantes pecuniários correspondentes aos índices remuneratórios para vigorar durante o ano de 2009;

ii) As carreiras em causa regem -se pelas disposições normativas actualmente aplicáveis, com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro;

iii) O n.º 3 do artigo 110.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, não lhes é aplicável, apenas o vindo a ser relativamente aos concursos pendentes na data do início da referida vigência.”.

 

[2]A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção do legislador.”