Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 13/2017-A
Data da decisão: 2017-11-29  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 25.689,77
Tema: Direito à transição para a categoria de Professor adjunto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I) RELATÓRIO

 

 1. Constituição do Tribunal Arbitral

 

O A... vinculou-se à jurisdição do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa através do Despacho 8839/2001, de 4 de julho, abrangendo a vinculação, além do mais, para dirimir os litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP.

 O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem daquele Centro.

 

2. O pedido e a sua fundamentação

 

C... instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente ação contra o A... (A...) e a B... (B...), pedindo que estas sejam condenadas i) à prática de ato devido de equiparação, para todos os efeitos, da categoria contratual da demandante à categoria de Professor Adjunto; ii) a reconhecer à demandante desde setembro de 2014 e enquanto se mantiver o vinculo contratual, a equiparação, para todos os efeitos à categoria de Professor Adjunto, pela atribuição da categoria de Professor Adjunto Convidado; iii) a pagar à demandante a título de créditos salariais (diferença entre a retribuição auferida e a retribuição devida, desde setembro de 2014 a setembro de 2017 a quantia global de € 25 689,77, a que acrescerão juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento a liquidar.

 

Contestou o demandado defendendo, em síntese, que não assiste razão à demandada, porquanto entende que além do i) A... ser parte ilegítima; ii) a autora não detém legitimidade ativa, por ter aceite o ato do convite a contratar; iii) estarem ultrapassados os prazos de impugnação; iiii) o ato impugnado ser meramente confirmativo-, iiiii) a administração dispões de um poder discricionário na contratação dos docentes especialmente contratados, pelo que não estavam obrigados a contratar a demandante em categoria diferente.

 

II) Saneamento do Processo

 

 Depois do Tribunal Arbitral constituído, as partes foram notificadas da intenção do tribunal de decidir o processo com base na prova documental junta, de renunciar à audiência ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 18.º e do artigo 24.º, do Regulamento do CAAD, remetendo-se a fase de saneamento para a fase final do julgamento, consubstanciada esta numa decisão única e final, nos termos do n.º 4 do artigo 18.º do citado Regulamento, o que faz, dado que não se vislumbrou necessidade de realizar tal audiência.

As demandadas invocaram diversas exceções, que cumpre agora apreciar:

 

1. Legitimidade passiva exclusiva B...

 A presente ação foi intentada quer contra o A..., quer contra a B... .

Alegam as demandadas que a B... tem capacidade judiciária para demandar e ser demandada em juízo, e por essa circunstância deve o A... ser absolvido da instância, uma vez que tal circunstância configura uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14º do Estatutos do A.../B... (homologado pelo Despacho n.º 15386/2009, publicado a 10 de julho de 2009, DR, 2ª série, n.º 132).

Em face de tal alegação, o A... requer a absolvição da instância, por se verificar a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, nos termos e para os efeitos do disposto na al. e) do artigo 577.º do CPC, aplicável ex-vi artigo 1º do CPTA. 

A demandante veio responder à exceção com o argumento de que atentos os estatutos do A... a B..., nomeadamente atento o disposto no artigo 7.º, onde é definida a existência de unidades orgânicas de ensino e investigação que são designadas por escolas, sendo que as escolas são unidades orgânicas com autonomia estatutária e administrativa.

 

Cumpre apreciar:

O artigo 10.º, n.º 2 do CPTA estabeleceu um novo critério de determinação da entidade pública demandada, uma vez que nas ações administrativas cujo objeto são atos ou omissões de uma entidade pública, o réu deixou de ser o órgão autor do ato recorrido  e passou a ser a pessoa coletiva de direito público ou o ministério (quando esteja em causa a pessoa coletiva Estado), em nome do direito de acesso à justiça administrativa e da respetiva adequação ao recém princípio da livre cumulação de pedidos, cfr. artigo 4.º CPTA.

Neste caso, a pessoa coletiva de direito público é o instituto politécnico, nos termos do artigo 9º, ex vi artigo 5.º, nº 1, alínea b), do RJIES (aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro), pelo que se entende que a presença do A..., como parte processual, no âmbito da legitimidade passiva não é só legítima, como é devida.

Face ao exposto, improcede a exceção de ilegitimidade passiva alegada, julgando-se a mesma improcedente.

 

2. Caducidade do Direito de ação e Ilegitimidade ativa por aceitação da demandante

Os demandados vêm invocar que a demandante celebrou com a demandante os seguintes contratos:

- contrato administrativo de provimento, com efeitos a partir de 17/09/2007 até 16/09/2008;

- renovação do mesmo contrato, com efeitos a partir de 17/09/2008 e até 16/09/2010;

- transição, sem outras formalidade, para o regime contratual de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo, por aplicação do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 6.º do D.L. 207/2009, com as seguintes renovações:

                - de 17/09/2010 até 16/09/2012

                - de 17/09/2012 até 16/09/2014

                - de 17/09/2014 até 16/09/2016

                - de 17/09/2016 até 14/09/2017

E concluem os demandados que os prazos de impugnação dos atos administrativos que suportaram e determinaram a celebração de tais contratos se encontram ultrapassados há muito, atento o disposto nos artigos 58.º e 69.º e do artigo 77º-B do CPTA.

A demandante vem invocar que não deverá proceder tal exceção, uma vez que aquilo que está em causa nos presentes autos é o reconhecimento à remuneração devida pela categoria devida e que se trata de um direito indisponível.

 

Cumpre apreciar:

O regime do contrato de trabalho em funções públicas é um regime misto, ou seja, se há algumas matérias que de facto estão na disponibilidade das partes, como meros contratos, outras há e como estão em causa direitos dos trabalhadores, tais direitos, sendo análogos aos direitos, liberdades e garantias, poderão limitar o poder de modificação unilateral do contrato.

Daí que a questão da repartição dos meios de impugnação não se coloque exatamente nos mesmos termos do que os outros contratos administrativos.

Se, de facto, consideramos que no âmbito da relação laboral estabelecida entre um trabalhador e a administração pública há atos administrativos que são praticados por esta, nomeadamente na execução do contrato e como tal, são aplicáveis as regras de impugnação previstas no CPTA para a impugnação de ato, como é o caso, por exemplo da decisão que recai sobre o pedido de acumulação de funções, nos termos do artigo 21.º da LGTFP, na versão de 2017, avaliação de desempenho ou mesmo concessão ou recusa de licenças sem vencimento, etc., outros casos há em que tal não se verifica.

Nos presentes autos, o que se discute é se os demandados estavam ou não obrigados a remunerar a demandante, num primeiro momento como equiparada a professora- adjunta e num segundo momento se a deveriam ter contratado como professora adjunta convidada. E mais, importa saber se tal obrigação decorria ou não de imposição legal, não estando na disponibilidade das partes o seu afastamento, por se considerar que se tratam de direitos indisponíveis e, consequentemente, de uma violação clara do principio da legalidade.

E assim sendo, estamos perante verdadeiros créditos laborais, e como tal em tempo de serem impugnados.

Face ao exposto, improcedem ambas as exceções alegadas, julgando-se as mesmas improcedentes.

 

3. Da exceção de inimpugnabilidade do Presidente da B...

Invocam ainda os demandados o facto de considerarem inimpugnável o ato administrativo praticado pelo presidente da B..., porquanto este, por um lado, é um ato confirmativo dos atos anteriores que autorizaram a contratação e as renovações sucessivas e, por outro lado, este – presidente da B... não ter competência para a alterar a categoria em que a demandante foi contratada.

A demandante vem invocar que não deverão proceder tais exceções, porquanto considera não estar em causa nos autos nenhum ato confirmativo e além do mais, é ao presidente da B... que é conferido o poder de contratar docentes, ainda que sob proposta do Conselho Técnico-Científico da Escola.

De facto, assiste razão à demandante, uma vez que não estamos perante nenhum ato confirmativo. O que se discute, como alertamos supra, é se a demandante deveria ou não ter sido contratada numa determinada categoria e auferir o respetivo vencimento correspondente a tal categoria. Não o tendo sido, se o A... e a B... violaram ou não o princípio da legalidade.

Face ao exposto, improcede a exceção alegada, julgando-se a mesma improcedente.

 O Tribunal é competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não há nulidades no processo.

 

4. Factos Provados

  Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A demandante celebrou com os demandados os seguintes contratos:

a.            contrato administrativo de provimento, com efeitos a partir de 17/09/2007 até 16/09/2008;

b.            renovação do mesmo contrato, com efeitos a partir de 17-09-2008 e até 16-09-2010;

c.            transição, sem outras formalidade, para o regime contratual de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo, por aplicação do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 6.º do D.L. 207/2009, com as seguintes renovações:

d.            de 17-09-2010 até 16-09-2012;

e.            de 17-09-2012 até 16-09-2014;

f.             de 17-09-2014 até 16-09-2016;

g.            de 17-09-2016 até 14-09-2017

2.            A mesma foi sempre contratada com a categoria de equiparada a assistente até 16.09.2016 e desde 17-09-2016 a 14-09-2017 como equiparada a assistente; 

3.            A mesma adquiriu o grau de doutora a 28-03-2014.

4.            A demandante procedeu à lecionação de aulas práticas no curso de licenciatura em Fisioterapia;

5.            Teve responsabilidade científica e pedagógica de estudantes de licenciatura em Fisioterapia.

 

 

5. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

 

6. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados.

 

 III. Do Direito

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se uma vez obtido o grau de doutora por parte da demandante estavam o A... e a B... obrigados a remunerar a demandante como professora adjunta e se na última contratação a mesma devia ser contratada na qualidade de professora-adjunta convidada.

Nos termos do artigo 2.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), na versão de 1981, a carreira de pessoal docente do ensino superior politécnico compreendia as seguintes categorias: a) assistente; b) professor-adjunto; c) professor-coordenador.

Por seu turno, o artigo 35.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, tal como subsequentemente alterado, “[o] regime remuneratório aplicável aos professores de carreira e ao pessoal docente contratado para além da carreira consta de diploma próprio”.

A constituição da relação jurídica de emprego público implica inevitavelmente o direito à retribuição, segundo a sua quantidade, natureza e qualidade. Aliás, tal direito tem consagração constitucional, atento o disposto no artigo 59.º, n.º1, al. a) da CRP – a este propósito vide, decisão no âmbito do processo 41/2016-A, que perfilhamos.

Nas palavras de Paulo Veiga e Moura, in Função Pública, regime jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes, Coimbra Editora, 2001, p. 259, a retribuição constitui uma questão nuclear do direito do trabalhador e ao contrário do que sucede no domínio privado, a remuneração é fixada por lei.

Além do mais, o montante remuneratório é determinado em função da posição ocupada pelo funcionário na hierarquia administrativa e já não de acordo com o seu zelo, dedicação, competência e trabalho e a remuneração corresponde à correspondência económica do efetivo exercício de funções.

O ECPDESP, na versão de 2009, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 207/2009, de 31 de agosto, revoga a categoria de assistente e determina que, para além das regras impostas no âmbito do regime transitório, podem adquirir a categoria de professor adjunto os detentores de grau de doutor ou do título de especialista.

Sucede que a demandada não foi abrangida pelas regras do regime transitório instituído pelo Decreto-Lei 207/2009, alterado pela Lei 7/2010, nem pelo Decreto-Lei 45/2016, nem pela Lei 65/2017, porquanto a mesma nunca exerceu funções em regime de tempo integral, ou de dedicação exclusiva desde 01/09/2009, pelo que viu o seu contrato de trabalho caducado por determinação legal a 16/09/2016, uma vez que o mesmo não podia ser objeto de novas renovações.

Ora, sucede que a mesma adquiriu o grau de doutor em 28/03/2014, na vigência da relação contratual estabelecida entre 17/09/2012 e 16/09/2014.

Face ao que se descreveu supra, nunca a mesma poderia ter sido provida à categoria de professor adjunto, à época, por não reunir as condições impostas pelo regime transitório, pelo que manteve a mesma categoria de equiparada a assistente. A questão que se coloca é a de saber se durante esse período deveria ter sido remunerada como professora adjunta, não obstante não haver a possibilidade de ser provida a tal categoria, de forma automática.

A resposta a esta pergunta é indubitavelmente que não.

A este propósito, Paulo Veiga e Moura, refere in op. Cit, pág. 261 que “A administração pública não pode abonar outra remuneração para além da prevista na lei para a categoria cujas funções exerce, assim como ao funcionário não assiste o direito de reclamar outras prestações para além daquelas que decorrem da mesma lei.”. Os trabalhadores da administração pública encontram-se integrados em carreiras e categorias, pelo que a sua remuneração decorre da lei.

Aliás, já o Prof. Marcelo Caetano defendia que “o vencimento é fixado na lei por categorias em que os diversos lugares se integram... Provido num lugar, o funcionário integra-se em certa categoria a que na lei corresponde determinado vencimento-base. E sob esse aspecto fica numa situação estatutária ou legal, pois, não pode receber mais nem menos do que a lei determinar, e só por lei poderá o seu vencimento ser alterado”, in Manual de Direito Administrativo II, pag. 761.

Ou seja, tal como defendido no Ac. 2873/12.5BEPRT, de 23.03.2017, do Tribunal Central Norte, o vencimento auferido por um trabalhador na Administração Pública encontra-se intimamente ligado à carreira ou categoria ou cargo que o trabalhador exerce, estando este vencimento tabelado. Para que o trabalhador obtenha vencimento diferente, tem de demonstrar que deveria estar integrado numa categoria ou carreira diferente daquela em que se encontrava integrado, o que manifestamente não é o caso.

O mesmo se diga para os restantes períodos contratuais. A demandante viu o seu contrato renovado entre 17-09-2014 e 16-09-2016, na qualidade de equiparada a assistente – último período admitido pelo regime transitório.

A 17-09-2016 celebrou um novo contrato com o A... como assistente convidada, tendo sido tal contrato celebrado nos termos do disposto no artigo 8.º e artigo 12.º-A do ECPEDESP.

Ora, estes contratos são precedidos de convite, fundamentado em relatório subscrito por dois professores da especialidade e aprovado pela maioria dos membros em efetividade de funções junto do Conselho Científico.

 O que está aqui em causa é uma possibilidade de contratação em condições especiais. Não se trata aqui de nenhuma promoção ou progressão, mas tão só de uma possibilidade de contratação em condições especiais.

E neste convite foi a demandante convidada a continuar a ser assistente. Sendo que neste último contrato, de facto, podia o A... B... e a ter convidado a demandante como professora-adjunta.

O que é certo, é que não o fez e não nos parece resultar da lei que fosse obrigado a fazê-lo.

Não restam dúvidas que para aceder à categoria, em termos concursais, de professor adjunto é necessário o grau de doutor.

Mas não nos parece que tal norma seja imperativa no sentido de obrigar as instituições a contratar todos os doutores na categoria de professor adjunto, apesar de tal ser desejável.

Além do mais, mesmo que se entendesse que a mesma deveria ter adquirido a categoria de professora-adjunta ou professora-adjunta convidada, nunca esta poderia receber como tal, para além de tal não estar cabimentando orçamentalmente, o Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro (“DL 408/89”), conforme decorre do seu artigo 1.º, “estabelece regras sobre o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica e aprova as escalas salariais para o regime de dedicação exclusiva das mesmas carreiras, constantes, respectivamente, dos anexos n.ºs 1, 2 e 3, que [dele] fazem parte integrante”.

Deve, por isso, e antes de mais, atender-se ao disposto neste diploma, tal como subsequentemente alterado, para aferir da relevância do doutoramento para efeitos remuneratórios.

Alega a demandante que ao receber menos que os demais Colegas na mesma situação está a ser violado o princípio constitucional da igualdade. Importa nesta sede remeter, mutatis mutandis, para o que os acórdãos que foram proferidos pelo TCAN face a questões análogas, (Procº nº 02013/13BEBRG de 19-06-2015 e 02024/13BEBRG de 11-02-2015): «O princípio da igualdade, na perspetiva aqui relevante, (a salarial, a trabalho igual salário igual), encontra suporte Constitucional no art. 59.º, n.º1, a), que concretiza, especificamente, o princípio programático proclamado no art. 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Dispõe o art.º 13.º que:

«1- Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.

2- Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

 

Refere, por outro lado, mas no mesmo sentido, o art. 59.º, n.º 1, al. a) que:

“Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.

 

É pacificamente entendido e aceite que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

 

De acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência do Tribunal Constitucional, “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Ac. 47/2010).

O critério de apreciação do respeito do princípio da igualdade pelas medidas diferenciadoras concerne, num primeiro momento, à existência de um fundamento para a própria opção de diferenciar e, num segundo momento, à medida em foi decidido concretizar tal diferenciação.

Assim, importa reter, na parametrização do problema, enquanto corolário do princípio em causa, que a igualdade de retribuição pressupõe a prestação de trabalho de igual natureza, quantidade e qualidade, apenas sendo proscrita a diferenciação arbitrária, sem qualquer fundado/objetivo motivo, ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação, (sexo, idade, raça, etc.), sem fundamento material atendível.

 

Tal como resultou da análise do Tribunal Constitucional realizada no Ac. n.º 396/11, considerou-se subsistir, como razão justificativa para o tratamento diferenciado “a eficácia das medidas adotadas na obtenção de um resultado de inegável e relevante interesse público”.

 

O princípio da igualdade exige que, a par da existência de um fundamento material para a opção de diferenciar, o tratamento diferenciado assim imposto seja proporcionado. Se o princípio da igualdade permite (ou até requer, em certos termos) que o desigual seja desigualmente tratado, simultaneamente impõe que não seja desrespeitada a medida da diferença. Ainda que o critério subjacente à diferenciação introduzida seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações nem por isso se tornará “imune a um juízo de proporcionalidade” (AC. 353/2012).

Não se contesta que a restrição de efeitos (salariais) da progressão na carreira conduz à verificação de situações em que, numa mesma instituição, docentes que detêm a mesma categoria profissional e exercem as correspondentes funções, sem que se evidencie qualquer diferença entre os docentes em causa ao nível da natureza, qualidade ou quantidade do trabalho, auferem remunerações distintas.

Contudo, não se vislumbra que tal medida se demonstre excessiva (proibição do excesso), em termos de sobrecarregar gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos, até pela sua natureza transitória, situando-se dentro da margem de livre conformação política do legislador.

Nem todos os direitos referentes ao trabalho são direitos, liberdades e garantias sujeitos ao regime do artigo 18.º da Constituição. Apenas integram essa categoria um segmento restrito de direitos laborais, de que é são exemplo a liberdade sindical (artigo 55.º), o direito à greve (artigo 57.º/1,2 e 3), a proibição do “lock out” ( artigo 57.º/4), o direito à segurança no emprego (artigo 53.º).

Conforme afirma Jorge Reis Novais, in “Em Defesa Do Tribunal Constitucional”, Almedina, pág.61 «Qualquer pessoa que, hoje, tome contacto com o Direito Constitucional adquire necessariamente a compreensão da Constituição como conjunto de normas que só excecionalmente apresentam a natureza de imposições absolutas, definitivas, independentes de juízos de ponderação ou pretensamente imunes aos dados da realidade objetiva.

É hoje pacífica a compreensão dos direitos fundamentais como garantias jurídicas que, apesar de fortes, vinculativas, asseguradas pelos tribunais e impostas à observância dos poderes públicos, são também garantias protegidas por normas constitucionais que remetem para juízos de ponderação posteriores a efetuar pelo legislador, pela administração e pelos juízes».

Nesta linha de pensamento, perante leis que imponham restrições ou limites a direitos fundamentais, sejam eles direitos, liberdades e garantias ou meros direitos sociais, o que se impõe ao julgador é aferir se a limitação/restrição imposta pelo legislador ordinário foi feita em coerência com as motivações indicadas e se respeita os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, a segurança jurídica e os limites impostos pela dignidade humana.

A violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP só se verifica quando alguém é privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução normativa (igualdade na criação do direito) ou administrativa (na aplicação do direito), de que neste segundo caso encontramos eco no art. 5° do CPA (sobre o princípio, vide GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, ed. 1992, pag. 574 e sgs).

Quer dizer, portanto, que situações iguais têm que merecer iguais soluções e é aí que o princípio da igualdade encontra o seu nuclear fundamento, como é sabido.

Este princípio, contudo, não impõe absoluta uniformidade do regime jurídico para todos, antes permitindo diversidade de soluções perante justificada diferença de situações.

É por isso que as diferenciações de tratamento às vezes se tornam legítimas sempre que se baseiam numa distinção objetiva de situações.

E daí que «O princípio - para trabalho igual salário igual -, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República, expressão do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º do mesmo diploma, não proíbe diferenciações de tratamento entre trabalhadores que desempenham o mesmo trabalho, desde que essas diferenciações tenham um fundamento objetivo e legítimo e sejam proporcionalmente adequadas» - cfr. Parecer PGR nº 19/2010, de 20/06. O que é o caso.

Além do mais não pode a demandante, como tentou lograr fazer na ação comparar-se com os demais Colegas, uma vez que a sua situação não é com estes comparável.

A generalidade destes transitou, ao abrigo do regime transitório para o contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminados e os que não o fizeram, são especialmente contratados, estando devidamente justificada a sua contratação.

 

IV. Decisão

 

Em razão do supra exposto, julga-se totalmente improcedentes os pedidos da demandante, absolvendo-se a entidade Demandada

 

Fixa-se o valor da causa em € 25 689,77 (vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e nove euros e setenta e sete cêntimos).

 

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 3 do RCAAD.

 

 Porto, 29 de novembro de 2017

 

(O Árbitro)

Jorge Barros Mendes