Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 16/2017-A
Data da decisão: 2018-03-29  Contratos 
Valor do pedido: € 28.359,00
Tema: Ação administrativa de condenação com vista ao pagamento da quantia de € 28.359,00 prestados a título de serviços médicos de ginecologia, não pagos, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Versão em PDF

 

Sentença arbitral

 

 

  1. Relatório

 

 

  1. Partes; constituição do tribunal

São Partes na presente ação arbitral a A…, Lda., enquanto Demandante, e o B…, enquanto Demandado.

Na sequência do compromisso arbitral que origina o presente processo (cf. requerimento arbitral da Demandante; aceitação do Demandado), e apresentados os articulados iniciais, as Partes foram notificadas em 16.10.2017 da composição do presente tribunal, considerando-se por conseguinte o tribunal constituído nessa data.

 

  1. Lugar da arbitragem

A arbitragem teve lugar nas instalações do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, na Avenida Duque de Loulé n.º 72 A 1050-091 Lisboa.

 

  1. Pretensões formuladas, peças apresentadas e tramitação do processo

Na sua petição inicial, a Demandante afirmou ter prestado ao Demandado, a pedido deste, serviços médicos de ginecologia entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, sem que o Demandado houvesse pago à Demandante a remuneração devida, que, no total, se cifraria em € 28.359,00. Nesta conformidade, pede a este tribunal arbitral que o Demandado seja condenado a a) pagar-lhe a citada quantia de € 28.359,00, b) pagar-lhe a quantia de € 770,74 a título de juros já vencidos sobre o referido montante, c) a pagar-lhe a quantia referente aos juros moratórios sobre a mesma quantia desde 04.09.2017 até efetivo e integral pagamento e d) a pagar as custas do processo, incluindo as de parte à Demandante. A Demandante juntou 27 documentos a este articulado.

Citado para o efeito, o Demandado apresentou a sua contestação. O Demandado defende-se afirmando que não foi celebrado qualquer contrato entre as Partes e sustenta que a preterição das formalidades legais pré-contratuais sempre conduz à nulidade dos respetivos contratos. Por outro lado, o Demandado opõe-se a que os pedidos da Demandante procedam com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, já que, segundo argumenta, não terá ficado demonstrado um efetivo empobrecimento da Demandante. O Demandado junto ao seu articulado cópia do processo instrutor.

Por despacho de 28.11.2017, e tendo em vista o disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD (Regulamento), foi agendada, nos termos do n.º 2 do citado artigo, uma reunião com as Partes destinada: a) ao esclarecimento de questões suscitadas nas peças processuais e à clarificação da posição de cada uma das Partes; b) à discussão de eventuais questões prévias; c) à pronúncia da Demandante sobre eventual matéria de exceção contida na contestação; d) à tentativa de conciliação; e) ao eventual agendamento da audiência.

A citada reunião teve lugar em 21.12.2017, nas instalações do CAAD. Os Ilustres Mandatários das Partes esclareceram as principais questões suscitadas nas peças processuais e clarificaram as suas posições, tendo ainda declarado inexistirem questões prévias a discutir.

Relativamente à matéria de exceção alegada na contestação, a Demandante apresentou, na mesma ocasião, uma pronúncia escrita. Além de pugnar pelo afastamento de um eventual “efeito anulatório” nos termos do n.º 4 do artigo 283.º do Código dos Contratos Públicos, a Demandante (i) pede a condenação do Demandado como litigante de má-fé no pagamento de um montante equivalente aos honorários do mandatário da Demandante e, (ii) equacionando a hipótese de o presente litígio ser apreciado à luz do instituto do enriquecimento sem causa, e pretendendo acautelar o risco de se considerar insuficiente a matéria de facto contante da petição inicial, requer a ampliação da causa de pedir, fazendo referências sobre o preenchimento dos pressupostos daquele instituto.   

Ainda na reunião de 21.12.207, as Partes declararam não ser possível obter um acordo, tendo dispensado a concessão de um prazo para o efeito.

Por outro lado, na mesma ocasião, as Partes procederam conjuntamente à identificação da matéria de facto que consideravam controvertida. Concretamente, o Demandado esclareceu que aceita o teor dos artigos 1.º, 2.º, 4.º a 6.º, 9.º a 15.º, 17.º e 20.º da petição inicial, matéria de facto que, por conseguinte, se considerou como assente (cf. despacho do mesmo dia). Por outro lado, as Partes esclareceram não haver consenso relativamente à matéria alegada nos artigos 3.º, 8.º, 16.º, 18.º e 19.º da petição inicial e nos artigos 3.º e 4.º da contestação.

Por fim, a Demandante requereu alterações ao seu requerimento probatório no sentido de aditar a testemunha C… e requerer a prestação de depoimento por parte da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Demandado, tendo o Demandado declarado na ter a requerer.

Por despacho do mesmo dia, foi, entre outras determinações, deferido o pedido de alteração do requerimento probatório da Demandante, agendada a audiência de produção da prova requerida e relegado para a decisão final o conhecimento das demais questões tratadas, nomeadamente, o conhecimento e decisão sobre a matéria de exceção.

No dia 22.01.2018 foi realizada a audiência destinada a produção da prova requerida. O Demandado prescindiu de responder ao requerimento apresentado pela Demandante em 21.12.2017.

Perante a não comparência da Presidente do Conselho de Administração do Demandado, a Demandante prescindiu da respetiva inquirição. Solicitou a substituição da testemunha C… pela testemunha D…, pedido que, com a concordância do Demandado, foi deferido pelo tribunal. Foram assim inquiridas as testemunhas E…, F… e D… .

No final da audiência, as Partes apresentaram oralmente as suas alegações finais.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal é competente. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se afigura existirem quaisquer questões que obstem ao conhecimento da causa.

A questão da nulidade referida na contestação do Demandado é apreciada adiante, na decisão sobre a matéria de direito.

O valor do presente processo é fixado em € 29.129,74 (vinte e nove mil cento e vinte e nove euros e setenta e quatro cêntimos), conforme proposto pela Demandante sem oposição do Demandado.

     

 

  1. Matéria de facto

 

Por acordo das Partes, ficou assente a seguinte matéria de facto invocada na petição inicial (cf. despacho do tribunal da mesma data):

  1. A Demandante é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços médicos nas áreas da radiologia e da ginecologia (cf. artigo 1.º da petição inicial; facto provado através de consulta pelo tribunal da certidão permanente da Demandante).
  2. O Demandado, por seu turno, dedica-se à prestação de cuidados de saúde, dispondo, para o efeito, de diversas unidades hospitalares (cf. artigo 2.º da petição inicial).
  3. Em momento que não foi possível determinar com precisão, a Demandante, por intermédio da sua sócia gerente e médica ginecologista Dr.ª G… (que, a título pessoal, já o vinha fazendo desde 2012), iniciou a prestação de serviços médicos de ginecologia na unidade hospitalar das … (cf. artigo 4.º da petição inicial).
  4. A prestação de serviços manteve-se ininterruptamente e com uma cadência aproximadamente semanal até dezembro de 2016 (cf. artigo 5.º da petição inicial).
  5. Após dezembro de 2016 a mencionada Dr.ª G… continuou a prestar os seus serviços ao Demandado, nos mesmos moldes mas agora também designada por outra entidade que nem sempre foi a aqui Demandante (cf. artigo 6.º da petição inicial).
  6. O cômputo das horas de serviços prestadas pela Demandante (por intermédio da referida médica, Dr.ª G…) ao Demandado foi sempre feito por este último através de registos biométricos (cf. artigo 9.º da petição inicial).
  7. Até ao mês de novembro de 2015 o Demandado pagou à Demandante os valores respeitantes aos serviços; e o mesmo aconteceu com referência aos serviços prestados desde setembro de 2016 até dezembro do mesmo ano (cf. artigo 10.º da petição inicial).
  8. O Demandado não pagou à Demandante os serviços por esta prestados nos meses de dezembro de 2015 e de janeiro a agosto de 2016 (cf. artigo 11.º da petição inicial).
  9. Ao referido período correspondem as seguintes horas de serviço e valores:
  • Dezembro de 2015 – 46,02 horas (x € 30,00) = € 1.380,60;
  • Janeiro de 2016 – 117,33 horas (x € 30,00) = € 3.526,50;
  • Janeiro de 2016 – 24,00 horas (x € 40,00; mais tarde foi corrigido o lapso, pois que o valor aqui acordado foi o de € 45,00 / hora) = € 960,00;
  • Fevereiro de 2016 – 94,23 horas (x € 30,00) = € 2.834,50 (aos quais deverão ser deduzidos € 3,00, por tal importância se encontrar a crédito do Demandado, apenas sendo, por isso, devida a quantia de € 2.831,50);
  • Março de 2016 – 118,21 horas (x € 30,00) = € 3.550,50;
  • Abril de 2016 – 93,32 horas (x € 30,00) = € 2.814,00;
  • Maio de 2016 – 141,31 horas (x € 30,00) = € 4.250,50 (aos quais deverão ser deduzidos € 5,00, por tal importância se encontrar a crédito do Demandado, apenas sendo, por isso, devida a quantia de € 4.245,50);
  • Junho de 2016 – 106,58 horas (x € 30,00) = € 3.214,50 (aos quais deverão ser deduzidos € 5,50, por tal importância se encontrar a crédito do Demandado, apenas sendo, por isso, devida a quantia de € 3.209,00;
  • Julho de 2016 – 117,38 horas (x € 30,00) = € 3.559,00 (aos quais deverão ser deduzidos € 30,00, por tal importância se encontrar a crédito do Demandado, apenas sendo, por isso, devida a quantia de € 3.529,00; e
  • Agosto de 2016 – 71,26 horas (x € 30,00) = € 2.143,00 (cf. artigo 12.º da petição inicial).
  1. O Demandado constatou que, em acréscimo àqueles montantes, a Demandante era ainda credora, por força de acertos a fazer nas faturas referentes aos serviços prestados em janeiro e em abril de 2016, dos montantes, respetivamente, de € 120,00 (por força da correção do cálculo da retribuição de 24 horas de serviço nesse mês que se haveriam de contabilizar à razão de € 45,00/hora e não à de € 40,00/hora como, por lapso, foi inicialmente feito) e € 50,00, tendo a Demandante emitido as respetivas faturas (cf. artigo 13.º da petição inicial).
  2. O montante total faturado pela Demandante e não pago pelo Demandado corresponde a 28.359,00 (cf. artigo 14.º da petição inicial).
  3. Todas as faturas e notas de crédito juntas à petição inicial como Docs. 10 a 24, foram, na data de emissão nelas mencionada (30 de Novembro de 2016), enviadas ao Demandado, que as recebeu e aceitou (cf. artigo 15.º da petição inicial).
  4. O Demandado sempre forneceu à Demandante os valores para que a faturação e (quando fosse caso disso) os posteriores acertos fossem feitos (cf. artigo 17.º da petição inicial).
  5. Não obstante o Demandado ter sempre reconhecido perante a Demandante a existência da dívida no exato montante de € 28.359,00, nunca o pagou à Demandante (cf. artigo 20.º da petição inicial).

 

 

Por outro lado, resultou ainda da prova produzida nestes autos, com relevância para a decisão dos mesmos, o seguinte:

 

  1. A prestação de serviços realizados pela Demandante nos períodos referidos em I. supra resultava de pedidos nesse sentido dirigidos por elementos do Demandado à Dr.ª G…, designadamente pelo Diretor de Serviços de Genecologia e Obstetrícia.

Fundamentos:

  • Depoimento da testemunha E… (Diretor do citado serviço), que, no seu depoimento com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, referiu que os serviços eram prestados por solicitação do Demandado, designadamente através de pedidos formulados pelo próprio.
  • Depoimento da testemunha F… (Enfermeira-chefe) que também confirmou, de modo credível, que os serviços eram prestados por solicitação efetuadas do lado do Demandado.
  • Depoimento da testemunha D… (Médica), que também confirmou que o Diretor de Serviço pedia para a Dra. G… prestar serviços.

 

  1. O valor de € 30/hora não ultrapassa o preço horário usualmente pago para a prestação de serviços médicos de ginecologia.

Fundamentos:

  • Depoimento da testemunha E…, que, revelando ter conhecimento neste domínio, referiu que o montante pago para este tipo de serviços era de € 30.
  • Depoimento da testemunha D…, que depôs no sentido de que os valores normalmente pagos para este tipo de serviços oscilam entre € 30 e € 40.
  • Processo instrutor junto pelo Demandado, que contém, por exemplo, (i) um e-mail datado de 24 de outubro de 2016, em que o Demandado notifica uma minuta de contrato para a prestação de serviços médicos na especialidade de genecologia/obstetrícia, prevendo um preço de, justamente, € 30/hora; (ii) um e-mail de 5 de janeiro de 2017 em que o Demandado apresenta “valores a faturar”, relativamente a períodos em causa neste litígio, cujos cálculos assentam no mesmo valor.
  • Doc. 25 da petição inicial, correspondendo a uma mensagem de correio eletrónico, de 14 de março de 2017, enviada pelo Demandado à Dra. G…, apresentando “valores a faturar”, relativamente a períodos em causa neste litígio, cujos cálculos assentam no mesmo valor.

 

  1. O valor de € 45/hora não ultrapassa o preço horário usualmente pago para a prestação de serviços médicos de ginecologia no período do Natal e do Fim de ano.

Fundamentos:

  • Depoimento da testemunha E…, que, revelando ter conhecimento neste domínio, referiu que o montante normalmente pago para este tipo de serviços em época de Natal e Fim de ano era de € 45.
  • Processo instrutor junto pelo Demandado, que contém, por exemplo, (i) um e-mail datado de 6 de março de 2017, em que um Administrador Hospitalar do Demandado refere que “em 01/01/2016 (…) se encontrava em vigor o valor hora de 45€ para médicos especialistas”.
  • Doc. 25 da petição inicial, correspondendo a uma mensagem de correio eletrónico, de 14 de março de 2017, enviada pelo Demandado à Dra. G…, cuja tabela alude um valor de € 360 a faturar relativamente a um período de 24 horas em janeiro (o que significa € 15/hora), adicional a um valor total mensal a que subjaz um valor de € 30/hora.

 

A prova produzida não permite dar como provada a matéria alegada nos artigos 16.º, 18.º e 19.º da petição inicial e no artigo 4.º da contestação, circunstância que não tem influência no sentido da presente decisão.

No que se refere ao artigo 4.º da contestação, formulado em termos negativos, importa, contudo, sublinhar que, no que releva para a presente decisão, a Demandante não demonstrou a efetiva existência de um procedimento pré-contratual relativo a um contrato que cobrisse a prestação dos serviços em causa.

No que se refere aos artigos 3.º da petição inicial e 3.º da contestação, estamos perante considerações que correspondem juízos valorativos e jurídicos.

 

 

  1. Matéria de direito

 

  1. O primeiro pedido da Demandante / a questão de nulidade referida pelo Demandado

 

Comecemos por assinalar que, atenta a pessoa do Demandado no presente processo, o B… (cf. Portaria n.º 276/2012, de 12 de setembro), um contrato com vista à prestação de serviços como os que estão em causa nos presentes autos corresponderia a um contrato administrativo nos termos do Código dos Contratos Públicos na redação anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto (CCP).

 

É pacífico entre as Partes que a Demandante, por meio da Dra. G…, prestou efetivamente ao Demandado serviços médicos de ginecologia nos períodos referidos no ponto I. da matéria de facto.

 

No entanto, não ficou demonstrada a existência de um contrato reduzido a escrito e precedido de um procedimento de contratação pública, que cobrisse os serviços prestados.

 

É certo que esta circunstância não conduz necessariamente a uma conclusão pela inexistência de um contrato. Uma conclusão neste sentido não se bastaria com a preterição do procedimento devido. A inexistência pressuporia antes a ausência dos aspetos estruturais do conceito de contrato administrativo, tal como este surge configurado no artigo 1.º, n.º 6, do CCP.

 

Nesse sentido, importa apurar se existiu entre as Partes, como refere a citada norma legal, um “acordo de vontades” no sentido de estabelecer uma relação jurídica de prestação de serviços médicos de ginecologia. A este respeito, ficou provado que, no período compreendido entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, foram dirigidos à Demandante pedidos expressos no sentido de esta prestar serviços em questão, designadamente através de solicitações formuladas diretamente pelo Diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Dr. E… . Porém, não ficou demonstrado que tais solicitações tivessem sido formuladas por um órgão ou agente competente para exprimir a vontade do Demandado, que é, refira-se também, uma pessoa coletiva de direito público.

 

Neste contexto, importa referir que o Demandado, no artigo 3.º da contestação, defende, justamente, que não foi celebrado contrato entre as Partes. Por outro lado, refere ainda, nos artigos subsequentes da sua defesa, que a preterição das formalidades pré-contratuais legalmente impostas conduz à nulidade dos respetivos contratos, ditando a inaptidão destes para produzir quaisquer efeitos jurídicos.

 

A este respeito, importa salientar que, efetivamente, e conforme refere o Demandado, não é possível ao tribunal concluir pela celebração de um contrato, porquanto, como se disse, não ficou demonstrado que as solicitações fossem efetuadas por quem estivesse juridicamente habilitado a manifestar a vontade desta pessoa coletiva de direito público. Perante esta conclusão, tão-pouco ocorre uma nulidade contratual.

 

Aqui chegados, assinala-se, no entanto, que, mesmo na ausência de um contrato, o ordenamento jurídico não deixa necessariamente de tutelar a posição da Demandante. Concretamente, importa avaliar se o instituto subsidiário do enriquecimento sem causa – que, tendo origem jus-privatística, opera no âmbito das relações jurídicas administrativas – acolhe a pretensão da Demandante.

 

Nos termos do artigo 473.º do Código Civil, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

 

Com referência ao caso dos autos, verifica-se indubitavelmente um enriquecimento por parte do Demandado, uma vez que, ao beneficiar dos serviços prestados pela Demandante sem realizar qualquer contraprestação, já que não foi pago qualquer preço, este obteve uma vantagem patrimonial, isto é, uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária.

 

Por outro lado, não sendo possível, no caso presente, concluir pela existência de uma relação contratual que subjaza às prestações efetivamente realizadas pela Demandante, verifica-se também que o enriquecimento do Demandado ocorreu sem uma causa justificativa.

 

Por fim, a lei exige que se o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem se arrogue o direito à restituição.

 

A este respeito, o Demandado defende que o requisito não pode ser dado como verificado, argumentando que a Demandante, sobre quem recairia o ónus de prova, não teria demonstrado a ocorrência de um efetivo empobrecimento na sua esfera jurídica.

 

No entanto, tem sido reconhecido na doutrina civilística ([1]) que os casos em que o enriquecimento é obtido à custa do titular do direito à restituição não se cingem a situações em que ocorre na esfera deste um efetivo empobrecimento, no sentido de uma subtração patrimonial. Na verdade, o requisito em causa deve ter-se por verificado, também, nos casos em que ocorre a privação de um aumento patrimonial.

 

É, justamente, o que sucede no caso presente. Ao não ter sido paga pelos serviços que efetivamente prestou por meio do seu sócio-gerente Dr.ª G…, a Demandante deixou de obter uma vantagem patrimonial equivalente ao valor do preço correspondente aos serviços prestados. Nesta conformidade, é de considerar que o enriquecimento do Demandado ocorreu à custa da Demandante.

 

Perante o exposto, conclui-se, pois, que a Demandante é titular de um direito à restituição.

 

Neste ponto, parece oportuno abordar, ainda que não releve para o sentido da presente decisão, o pedido de ampliação da causa de pedir formulado pela Demandante no requerimento de 21.12.2017, baseado no disposto no artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). A ampliação requerida destinava-se, como já referido, a acautelar o risco de este tribunal considerar insuficiente a matéria de facto contante da petição inicial, fazendo referências sobre o preenchimento dos pressupostos para a mobilização do instituto do enriquecimento sem causa.

 

Ora, o pedido não pode proceder nos termos em que é formulado, desde logo pelo facto de assentar numa norma legal que não encontra aplicação ao presente processo arbitral. Ademais, ainda que se considerasse que a pretensão corresponde materialmente a um pedido de alteração da petição inicial, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 33.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, sempre seria de considerar que a Demandante não satisfez o ónus que sobre ela impenderia no sentido de justificar o “atraso” na invocação da matéria a acrescentar à petição inicial.

 

Atento o exposto, é de indeferir o pedido de ampliação da causa de pedir. Assinala-se contudo que, como vimos, a matéria alegada na petição inicial, por si só, sustenta a conclusão pela existência de um direito de restituição baseado no instituto do enriquecimento sem causa.

 

Regressando à questão de fundo, e perante a conclusão pela titularidade da Demandante de um direito de restituição, importa agora indagar da extensão deste direito. Sobre este ponto, o artigo 479.º do Código Civil determina que «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente».

 

No caso presente, não oferece dúvidas a impossibilidade de uma restituição em espécie, pelo que a obrigação de restituir do Demandado terá necessariamente por objeto o valor correspondente aos serviços prestados, o qual, no caso presente, corresponde aos preços subjacentes ao primeiro pedido da Demandante. Como vimos nos pontos P. e Q. da matéria de facto supra, os preços horários subjacentes aos valores faturados pela Demandante ao Demandado, com referência ao período em questão neste processo, não ultrapassam os preços usualmente pagos para a prestação de serviços médicos de ginecologia.

 

Nesta conformidade, é de julgar procedente o primeiro pedido formulado pela Demandante, devendo o Demandado ser condenado a pagar a esta, a título de restituição por enriquecimento sem causa, um valor correspondente a € 28.359,00 (vinte e oito mil trezentos e cinquenta e nove euros).

 

 

  1. Os pedidos relativos a juros

 

No que se refere às pretensões formuladas pela Demandante nas alíneas b) e c) dos pedidos a final da petição inicial, relativo a uma eventual obrigação de juros, importa considerar o disposto no artigo 480.º do Código Civil, nos termos do qual «o enriquecido passa a responder também (…) pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias: a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição; b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação».

 

Ora, tendo a obrigação de restituição por objeto uma prestação pecuniária, opera a responsabilidade pelos juros prevista na norma citada. Quanto à determinação do momento a partir do qual o Demandado responde pelos juros, não foram trazidos aos autos elementos probatórios que permitam ao tribunal ajuizar, com segurança, uma eventual aquisição pelo Demandado do conhecimento sobre a falta de causa do seu enriquecimento em momento prévio à sua citação. Por conseguinte, será de considerar, na determinação da extensão da obrigação de juros, o momento em que o Demandado foi citado para a presente ação [cf. alínea a) do artigo 480.º]. Ou seja, o Demandado deverá pagar à Demandante os juros peticionados, embora contabilizados apenas a partir da data da citação do Demandado para a presente ação, o que ocorreu em 13.09.2017. 

 

 

  1. Repartição dos encargos

 

Por fim, importa fazer referência ao pedido que a Demandante formulou no seu requerimento de 21.12.2018, no sentido de o Demandado ser condenado «em multa e em indemnização à Demandante no montante correspondente aos honorários do mandatário desta». A Demandante afirma, em sustento deste pedido fundado em normas do CPC, que o Demandado deduziu oposição cuja falta de fundamento não poderia ignorar, comportamento que qualifica como litigância de má-fé.

 

Ora, a este respeito, importa referir que, conforme já foi reconhecido na nossa literatura jurídica, o instituto da litigância de má-fé «carece de base legal para se aplicar ao procedimento arbitral» ([2]). Não sendo aplicável ao presente processo as normas em que a Demandante se apoia, este terá de improceder.

 

No que se refere a custas, a Demandante pede que o Demandado seja condenada «a pagar as custas do presente processo, incluindo as de parte à autora». Ora, atendendo ao resultado deste litígio, determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 6, do Regulamento de Arbitragem, que a responsabilidade pelos encargos do presente processo arbitral cabem ao Demandado, devendo este reembolsar a Demandante pelo pagamento que esta efetuou no valor de € 306,00.

 

 

 

 

  1. Decisão:

 

Em face do exposto:

 

  1. Condena-se o Demandado a pagar à Demandante um montante correspondente a € 28.359,00 (vinte e oito mil trezentos e cinquenta e nove euros), acrescido dos juros moratórios pedidos pela Demandante calculados sobre o referido montante, vencidos e vincendos, desde a citação do Demandado para a presente ação (13.09.2017) até integral pagamento.

 

  1. Determina-se a responsabilidade do Demandado pelos encargos do processo, devendo este reembolsar a Demandante pelo pagamento que esta efetuou, a título de encargos, no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros).

 

  1. Julga-se improcedente o pedido de condenação em multa e indemnização por litigância de má-fé, formulado pela Demandante no seu requerimento de 21.12.2017.

 

 

Notifique-se as Partes e promova-se a publicação da decisão no site do CAAD nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Regulamento.

 

Lisboa, 29 de março de 2018.

 

O árbitro

 

_________________________

José Azevedo Moreira

 



[1] Veja-se, p. ex., Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 452, ou João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, Reimpressão da 10.ª edição de 2000, Almedina, Coimbra, p. 490. 

[2] Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, Comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Almedina, 2015, p. 250.