Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 18/2021-A
Data da decisão: 2022-05-05  Contratos 
Valor do pedido: € 12.662,88
Tema: Contrato de empreitada de obra pública - Cumprimento contratual e pagamento do preço.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO:

 

A Demandante A..., S.A., devidamente identificada nos autos, intentou a presente ação administrativa contra o Município B..., aqui entidade Demandada, onde peticiona o pagamento à Demandante da quantia de € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde 29.12.2006, com fundamento na execução do contrato de empreitada a favor do Município  B... por solicitação deste.

Ao referido valor de € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) acresce IVA à taxa legal aplicável, perfazendo o montante global de € 15.322,08 (quinze mil, trezentos e vinte e dois euros e oito cêntimos).

Após citação, o Demandado apresentou a competente contestação, defendendo-se por exceção, alegando, em síntese, caducidade do direito de ação e caducidade do direito de submissão do presente litígio a um tribunal arbitral.

Notificada para responder, a Demandante exerceu o seu direito ao contraditório no que diz respeito às exceções alegadas.

Embora ambas notificadas para o efeito, apenas a Demandante apresentou alegações finais, nas quais reitera a legitimidade do pedido formulado.

O objeto do presente litígio cinge-se, assim, a saber se tal pagamento é devido e a que título, pedindo-se que, em caso de resposta afirmativa à questão colocada, seja o Demandado condenado por este Tribunal Arbitral a proceder ao pagamento dos montantes reclamados.

 

II.            QUESTÃO PRÉVIA:

 

O Município B... alega, em síntese, que o direito de submissão do presente litígio a Tribunal Arbitral caducou, porquanto, segundo o disposto nos artigos 253.º, n.º 2, e 258.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, as partes litigantes devem firmar compromisso arbitral antes de expirado o prazo a que alude o artigo 255.º do mesmo diploma legal.

Acrescenta a Demandante que o prazo referido no identificado artigo 255.º é de 132 dias e que esse mesmo prazo, atendendo a que a factualidade dos autos se reporta ao período compreendido entre novembro de 2006 e abril de 2007, há muito que se encontra ultrapassado.

Não obstante a argumentação apresentada pelo Município B..., considera-se que a assinatura, em 06.12.2018, do Compromisso Arbitral junto aos autos, no qual expressamente as partes reconhecem existir um “litígio pendente” (cfr. cláusula quinta) e acordam submeter a resolução do mesmo ao CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa (cfr. cláusulas sexta e sétima), afasta a possibilidade de arguição de eventual caducidade, sob pena de violação manifesta do princípio da boa fé (cfr. artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo) e de verificação dos pressupostos jurídicos do instituto do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (cfr. artigo 334.º do Código Civil).

Para além do mais, o Compromisso Arbitral junto aos autos foi outorgado com fundamento legal nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária, diploma legal posterior e, por isso, derrogante do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, entretanto revogado no ano de 2008.

Neste sentido, pelo que se deixa anteriormente exposto, julga-se este Tribunal Arbitral competente para decidir sobre o objeto do presente litígio.

 

III.          SANEAMENTO:

 

1.            O Tribunal Arbitral é competente.

2.            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas em juízo.

3.            Foi paga a taxa de arbitragem devida.

4.            O valor da causa é fixado em € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), valor peticionado pela Demandante.

 

IV.          MATÉRIA DE FACTO:

Com relevo para a decisão da causa, por acordo das partes litigantes, além de virem corroborados pelos documentos que constam dos autos, o Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

1.            Constitui atividade social da Demandante a atividade de obras públicas e engenharia civil, infraestruturas, proteção do ambiente, tratamento e espaços verdes, recolha, tratamento e reciclagem de sólidos e águas e movimento de terras.

2.            No âmbito da sua atividade, em novembro de 2006, a Demandante executou uma empreitada referente à intervenção na rotunda no final da Rua ..., no concelho de ... (denominada rotunda ... ou ...).

3.            Ao abrigo da mencionada empreitada, a Demandante executou os seguintes trabalhos:

a.            Escavação de terras para abertura de vala;

b.            Levantamento e reposição de caixas existentes com 5,50 m de profundidade;

c.            Fornecimento e aplicação de anéis diam. 1250x1000 em substituição das caixas existentes;

d.            Fornecimento e aplicação de cúpulas diam. 1250 em substituição das caixas existentes;

e.            Fornecimento e aplicação de degraus revestidos em caixas existentes;

f.             Fornecimento e aplicação de manilhas diam. 600 reforçadas;

g.            Fornecimento de betão armado por cima da conduta;

h.            Execução de caixas com diam. 1250 com 5,50 m, incluindo tampa FF D400 diam. 600 e degraus;

i.             Fornecimento e aplicação de tubo diam. 315 polipropileno corrugado Sn8;

j.             Fornecimento e aplicação de tubo de ferro fundido Ductil diam. 315;

k.            Fornecimento e aplicação de pó de pedra em almofada e cobrimento de tubagem;

l.             Aterro com terras provenientes da escavação, incluindo compactação mecânica;

m.          Transporte e vazadouro das terras sobrantes.

4.            A 30 de novembro de 2006, os serviços do Demandado verificaram, em auto de medição, a realização dos trabalhos anteriormente descritos, a sua conformidade, bem como o respetivo valor apurado em € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos).

5.            Na sequência do auto de medição identificado, a Demandante emitiu a fatura 215 F, de 29.12.2006, no valor de € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) acrescido de IVA à taxa legal aplicável, perfazendo o montante global de € 15.322,08 (quinze mil, trezentos e vinte e dois euros e oito cêntimos).

6.            Após correção, a pedido dos serviços municipais, da taxa de IVA aplicável, através do aviso de lançamento n.º 766 A, de 28.02.2007, o Demandado validou, a 17.04.2007, a fatura 215 F e o correspondente aviso de lançamento.

7.            Até à presente data, o Demandado não procedeu ao pagamento dos montantes relativos à fatura 215 F.

8.            A empreitada realizada, em novembro de 2006, na rotunda no final da Rua ..., no concelho de ..., melhor descrita no anterior ponto 2, não foi precedida de qualquer procedimento pré-contratual, nem tão pouco foi titulada por contrato escrito firmado entre as partes.

 

V.           MATÉRIA DE DIREITO:

 

1.            O exposto na anterior parte IV permite, assim, compreender que as partes estão de acordo quanto à factualidade subjacente ao litígio e relevante para a decisão da causa. A única questão controvertida, nestes autos, prende-se, portanto, não com os factos, mas sim com o enquadramento jurídico que lhes cabe.

2.            Por outras palavras, estando assente que a Demandante realizou uma obra de empreitada pública a favor do Demandado, o que importa saber é se, não tendo tal empreitada sido contratada pela edilidade na sequência dos procedimentos legalmente previstos para esse efeito, ainda assim a Demandada tem direito ao pagamento do respetivo preço ou se, pelo contrário, tal pagamento não é devido.

3.            Estando provado que a Demandante realizou os trabalhos de empreitada, melhor descritos no ponto 3 da parte III, e que esses trabalhos foram aceites pelo Demandado, estamos perante a celebração de um verdadeiro contrato, na medida em que ambas as partes assumiram obrigações sinalagmáticas e juridicamente relevantes, havendo um encontro de declarações negociais cruzadas, que firmaram um vínculo bilateral. A ausência de procedimento próprio e de clausulado escrito não obsta à qualificação das relações entre a Demandante e o Demandado como verdadeiros e próprios negócios jurídicos, até porque o conceito de “contrato” não pressupõe uma forma específica ou um nomen juris próprio e o legislador admite de forma expressa que os contratos celebrados por entidades públicas não têm necessariamente de revestir a forma escrita (cfr. artigo 95.º, n.os 1 e 2, do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, doravante CCP).

4.            Importa sublinhar que, enquanto autarquia local (cfr. artigo 236.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), o Demandado é, indiscutivelmente, uma entidade adjudicante e, como tal, sujeito às regras procedimentais estabelecidas no CCP – veja-se o artigo 2.º, n.º 1, al. c), do Código.

5.            Nesta linha, a celebração de contratos cujo objeto integre prestações passíveis de serem submetidas à concorrência (cfr. artigo 5.º, n.º 1, a contrario, do CCP) – como é, seguramente, o caso nos autos – deve obrigatoriamente ser antecedida de procedimentos próprios, previstos e tipificados no CCP. Isto é, tais aquisições devem obedecer a um iter procedimental mínimo, salvo nas situações onde se permite às entidades adjudicantes legalmente recorrer ao ajuste direito simplificado (cfr. artigos 128.º e seguintes do CCP). O que não é o caso dos presentes autos.

6.            Ora, confrontando os documentos juntos ao processo e atentando nos factos provados, verifica-se que, in casu, não foi adotado qualquer procedimento pré-contratual previsto no CCP ou sequer no já revogado Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, mas antes uma interpelação direta, pelo Demandado, de um operador económico para a prestação de serviços ou para o fornecimento de bens.

7.            Não foi assim observado o regime procedimental legalmente previsto para este efeito, o que se revela particularmente grave quando se sabe que as “normas de procedimento, para além de uma vertente ancilar ou de garantia de uma correcta decisão de fundo, têm também uma função própria: por um lado, uma função de tutela dos direitos subjectivos dos cidadãos na medida em que estabelecem parâmetros precisos de aferição jurisdicional da legalidade; e, por outro, uma função de controlo objectivo da Administração, ou seja, uma função pedagógica e disciplinadora do seu comportamento e de garantia da realização das suas atribuições constitucionais” (cfr acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.06.2007, processo n.º 01458/03).

8.            No presente litígio, e socorrendo-nos da jurisprudência do Tribunal de Contas, “verdadeiramente não ocorreu procedimento de ajuste direto. Não houve observância de quaisquer regras procedimentais. Houve uma mera aquisição direta. (...) . Houve, pois, ausência absoluta de formalidades essenciais na formação do contrato” (cfr. os §33 e §62 do acórdão n.º 8/2015, de 30 de Junho, da 1.ª secção).

9.            A matéria de facto dada como provada, portanto, não consente dúvidas razoáveis quanto à conclusão que se impõe: a de que o Demandado procedeu à aquisição de bens e serviços ao arrepio do regime procedimental legalmente estabelecido.

10.          Chegados a este ponto, podemos, porém, discutir qual o desvalor associado a esta ilegalidade, isto é, se a invalidade decorrente da falta de adoção de qualquer procedimento pré-contratual segue o regime da nulidade ou da mera anulabilidade.

11.          Entende o Tribunal que a resposta a tal questão não pode deixar de ser a primeira, qualificando-se como nulo o contrato efetivamente celebrado entre a Demandante e o Demandado. Com efeito, estabelece o artigo 284.º, n.º 2, do CCP que os “contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos no presente Código, no artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo ou em lei especial”. Ora, o Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, estabelece, no artigo 161.º, n.º 2, al. l), a sanção da nulidade para os atos praticados – e, por remissão do artigo 284.º, n.º 2, do CCP, para os contratos celebrados – “com preterição total do procedimento legalmente exigido”. Afigura-se, por conseguinte, que o contrato de facto, informal e efetivamente celebrado entre as partes litigantes, é nulo, não produzindo qualquer efeito jurídico (cfr. artigo 162.º, n.º 1, do CPA).

12.          Uma primeira conclusão que poder-se-ia extrair deste regime seria a de que, sendo o contrato nulo e não podendo produzir efeitos jurídicos, o pedido da Demandante deveria improceder. Semelhante conclusão seria, no entanto, precipitada.

13.          A este propósito, é relevante atentar no disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, que preceitua que a declaração de nulidade de um negócio jurídico tem “efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. A ideia, portanto, é a de que, se o contrato é nulo e não produz efeitos jurídicos, então a declaração da sua nulidade deverá repor a situação atual hipotética e colocar as partes na situação em que se encontrariam caso o contrato não tivesse sido celebrado, reintegrando o ordenamento jurídico e “apagando” a existência da relação contratual ilegalmente firmada.

14.          Todavia, se a repetição ou a restituição em espécie não for possível, impõe-se a reconstituição monetária, através do pagamento do “valor correspondente” às prestações recebidas, já que, não sendo possível a reintegração plena do ordenamento, só esta solução se aproxima da reconstituição da situação atual hipotética de cada uma das partes. Ou seja, só o pagamento do valor correspondente às prestações executadas e não passíveis de repetição pode colocar a parte que cumpriu um contrato nulo na mesma situação (ou na situação mais próxima possível daquela) em que se encontraria se o contrato nunca tivesse sido celebrado.

15.          Aplicando este raciocínio ao caso dos autos, é forçoso concluir que não se mostra possível a repetição das prestações, ditando as regras lógicas, da experiência comum e do bom senso que não é minimamente viável pretender que o Município “restitua” à Demandante os bens ou serviços que por esta lhe foram prestados, através da realização da empreitada de obra pública.

16.          Seria, aliás, bizarro e contrário até a uma ideia de Justiça que o Demandado contratasse, agora, uma nova empreitada de obra pública para restituir a rotunda da Rua ... ao estado em que se encontrava anterior a novembro de 2006, devolvendo, por esse meio, os bens fornecidos pela Demandante e melhor descritos no ponto 3 da parte III.

17.          Na verdade, a jurisprudência portuguesa sobre os denominados “contratos de facto” é consistente, no sentido de que, mesmo quando celebrados na ausência de um procedimento e nem sequer reduzidos a escrito, tais contratos existem e não podem ser ignorados, não podendo o ordenamento ser insensível à existência e cumprimento (ainda que só por uma das partes) de um contrato, mesmo que sob o pretexto da respetiva invalidade. Com efeito, dizer-se que o negócio jurídico é nulo não é, nem pode ser o mesmo do que pretender que o mesmo “seria equivalente a um nada, como se pura e simplesmente não tivesse acontecido” (cfr. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.06.2019, processo n.º 00126/12.8BEMDL, de 31.10.2019, processo n.º 01818/11.4BEBRG, e de 15.11.2019, processo n.º 00311/11.5BEMDL), razão pela qual “os serviços originariamente contratualizados, enquanto “Contrato de facto”, terão de ser remunerados” (cfr. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.01.2016, processo n.º 00636/14.2BEVIS, e de 01.03.2019, processo n.º 00856/14.0BECBR).

18.          Assim, “apurando-se a existência de relações contratuais entre as partes, baseadas na prestação de serviços da Autora à Ré, prolongados no tempo e não recusados por esta, na consequente emissão de facturas pela Autora pelos serviços prestados, na entrega das facturas à Ré para pagamento e na não devolução das facturas à Autora, está o ente público vinculado a pagar os serviços prestados” (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 02.04.2014, processo n.º 07541/11).

19.          Ou, como explicita o Tribunal Central Administrativo Norte, “apesar das partes não terem reduzido a escrito o contrato, subsiste uma relação contratual firmada, pelo que se impõe extrair as consequências jurídicas das regras que determinam o pagamento da quantia reclamada com base no pressuposto da invalidade do mesmo” (cfr. acórdão de 01.03.2019, processo n.º 00856/14.0BECBR).

20.          Em suma, recuperando, nesta sede, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “face à nulidade da relação contratual havida, outra posição que não aquela para que se propende conduziria a manifesta injustiça, isto é, a que a nulidade cometida fosse tratada como se o negócio jurídico em causa equivalesse a um nada. Na verdade, tal permitiria que o Réu (...), pese embora a celebração da obra, pudesse furtar-se ao pagamento dos encargos que ela representou para o autor da acção” (cfr. acórdão de 18.02.2010, processo n.º 379/07) – o que representaria um resultado absolutamente desconforme ao Direito e que este Tribunal não pode acolher.

21.          Por conseguinte, tendo a Demandante executado um contrato de empreitada de obra pública a favor do Demandado, que este aceitou e considerou conforme, então é manifesto que tais prestações têm de ser remuneradas. E isso é assim, repete-se, não apesar de o contrato ser nulo, mas, sim, precisamente por o ser, já que do regime geral da nulidade decorre a necessidade de repetição das prestações ou, não sendo isso possível, a devolução do valor correspondente.

22.          Estando, pois, assente que o Demandado deve ser condenado a pagar à Demandante o preço devido pela empreitada executada, agora só falta, por fim, apurar o montante desse mesmo preço.

23.          É entendimento deste Tribunal que a quantificação do preço devido pela empreitada de obra pública pelo Demandado à Demandante não pode deixar de coincidir com os montantes reclamados.

24.          E isto por duas razões. Por um lado, porque o que resulta da aplicação do regime da nulidade do contrato é precisamente o pagamento do preço contratual. Por outro lado, deve notar-se que, verdadeiramente, os valores apresentados pela Demandante não foram contestados pelo Demandado, tendo sido, aliás, considerados conformes de acordo com auto de medição.

25.          Por fim, quanto aos juros, importa dizer que, tal como já se concluiu tem aplicação ao caso dos autos o regime da nulidade dos contratos vertido no artigo 289.º do Código Civil, obriga o Demandado a restituir à Demandante o valor daquilo que foi prestado.

26.          Pelo que, deverá o Demandado restituir à Demandante o valor dos trabalhos por esta realizados. Ora, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicialmente ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

27.          Nos autos não se deu como facto provado que a Demandante havia interpelado o Demandado, através de comunicação capaz de configurar interpelação para pagamento, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.

28.          Neste sentido considera-se que o momento da constituição da mora, por parte do Demandado é, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o momento da citação para contestar a presente ação administrativa, citação esta rececionada pelo Demandado no dia de 30 de junho de 2021 (cfr. Registo CTT constante dos autos n.º RH...PT).

29.          Nos termos do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2008, processo n.º 301/08, apreciando caso com evidentes semelhanças ao presente, concluídos os trabalhos, “é legal e justo que, ao abrigo da relação contratual de facto, se constitua, pelas mesmas razões, em favor de quem a executou a obrigação ao recebimento de quantias correspondentes a juros de mora a calcular como se estivéssemos perante um formal contrato”.

30.          Concluímos, pois, que são devidos juros de mora a partir do momento da citação judicial para contestar.

31.          Por último, quanto à natureza dos juros de mora devidos importa referir que à data dos factos estava em vigor o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, que estabeleceu o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho, alterado alterado pela Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho, e pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, e finalmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que estabeleceu medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011. Todavia, sem alteração quanto à natureza da taxa de juros devida.

32.          Diz-nos o artigo 3.º, al. a), do Decreto-lei n.º 32/2003, que é transação comercial: “qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”. E, de acordo com o respetivo artigo 4.º, os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações previstas neste diploma são os estabelecidos no Código Comercial. A Lei n.º 3/2010 veio prever no seu artigo 1.º o pagamento de juros de mora civis pelo atraso no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias, mas apenas para as situações que não envolvessem transações comerciais, pelo que não tem aplicação ao caso.

33.          Nesta medida, estando no caso concreto em causa uma transação comercial entre empresa e entidade pública, os juros a aplicar são os juros comerciais estabelecidos no Código Comercial. Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20.10.2021, processo n.º 657/11.7BELSB.

34.          Será, pois, de concluir que deverá o Demandado ser condenado a pagar à Demandante a quantia de € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa comercial e devidos desde 30.06.2021 até integral pagamento.

 

VI.          DECISÃO

 

Em consequência, o Tribunal Arbitral decide:

 

A)           Julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenar o Município B... a pagar à A..., S.A., a quantia por esta peticionada de € 12.662,88 (doze mil seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa comercial contados desde 30.06.2021 até efetivo e integral pagamento.

B)           Determinar que, em consequência, as custas e os encargos do processo ficam integralmente a cargo da entidade Demandada (cfr. artigo 29.º, n.º 6 do Regulamento do CAAD).

Publique-se, após o expurgo dos elementos suscetíveis de permitir a identificação das Partes, conforme o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Regulamento do CAAD.

 

Porto, 5 de maio de 2022

O árbitro único

 

(Pedro Cerqueira Gomes)