Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 40/2018-A
Data da decisão: 2018-11-16  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 20.802,97
Tema: Reconhecimento ao posicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I. Relatório

 

1. A Demandante, Dra. A..., solteira, natural da Freguesia de ..., concelho de ..., distrito de …, titular do cartão de cidadão n.º..., com residência na rua de ..., n.º ..., ...-... ...(doravante, demandante ou autora), representada pelos mandatários Dr. B..., Dra. C... e Dra. D... , apresentou petição inicial nos termos do artigo 10.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, Reg CAAD) contra o demandado, Junta de Freguesia E..., pessoa colectiva de direito público n.º ..., com sede no ..., n.º..., ...-... ..., ... (doravante, demandada) representada pelo Presidente F..., casado, natural da freguesia de ..., concelho de..., distrito de …, titular do cartão de cidadão n.º..., válido até …, residente na rua ..., n.º..., ...-... ... .

 

2. O pedido da demandante reconduz-se ao reconhecimento do reposicionamento remuneratório a partir de 1 de Outubro de 2010 e, consequentemente, ao pagamento e à reposição das verbas salariais correspondentes no período compreendido entre 1 de Outubro de 2010 e até ao final de Dezembro de 2017.

 

3. Em 9 de Abril, apresentou a demandada a sua contestação, alegando que o aviso de abertura do procedimento concursal estipulava expressamente que o posicionamento remuneratório do trabalhador que viesse a ser recrutado seria objecto de negociação e que teria lugar imediatamente após o termo do procedimento concursal, concluindo apenas que “salvo melhor e legal interpretação, não haverá lugar a retroativo do vencimento”.

 

4. Nos termos do Reg CAAD, foi o signatário designado como árbitro para o processo pelo conselho deontológico do CAAD, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação do mesmo árbitro, em 23 de Abril de 2018.

 

5. Em 7 de Maio de 2018, foi proferido o despacho n.º 1, pedindo um aperfeiçoamento do pedido à demandante, nos termos do artigo 18.º do Reg CAAD. Convidou-se, igualmente, a autora a especificar o valor da causa ou a apresentar as razões que a levavam, por hipótese, a considerar uma causa com valor indeterminável. Solicitou-se também às partes que juntassem ao processo a prova que entendessem ser relevante para os factos que invocam, destacando, ainda, o convite à junção do processo administrativo. Foi ainda proposto um mecanismo de agilização processual nos termos do artigo 26.º, n.º 2 do Reg CAAD, dispensando-se, em consequência, a realização da audiência de prova, bem como a valoração de qualquer outra prova que não a documental, propondo-se, ainda, a dispensa da audiência de julgamento e de alegações finais.

Em 17 de Maio de 2018, procedeu a autora ao aperfeiçoamento da petição inicial, juntando prova documental e indicando o valor do processo.

Em 14 de Junho de 2018, foi proferido o despacho n.º 2, notificando-se a demandante para, em razão do valor indicado, constituir mandatário, sob pena de absolvição da instância. Esclareceu-se também que, em virtude da inexistência da uma pronúncia das partes que consubstanciasse uma não aceitação do convite dirigido, se iria adoptar o mecanismo de agilização processual proposto.

Em 25 de Junho de 2018, vem a demandante apresentar requerimento e proceder à junção de procuração forense.

A demandada, salvo na contestação, nunca se pronunciou ou ofereceu qualquer prova ao processo, não juntando designadamente o processo administrativo.

Em 15 de Novembro de 2018, veio a demandante, por e-mail, solicitar informações sobre a data final para o proferimento da sentença relativa ao processo n.º 40/2018, que foram respondidas pelo árbitro a 16 de Novembro de 2018.

 

6. Atendendo ao valor do pedido formulado, e inexistindo desacordo das partes quanto a esse valor, determino que o valor da causa corresponde a 20.802, 97€ (vinte mil e oitocentos e dois euros e noventa e sete cêntimos), calculado nos termos do artigo 32.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)[1].

O tribunal é competente. Aa partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. A presente acção é tempestiva (conforme se explicará adiante).

 

II. Matéria de facto

 

Analisados os articulados e os meios de prova apresentados pelas partes, é convicção deste tribunal arbitral deverem ser considerados provados os seguintes factos:

 

1. A demandante é técnica superior da Junta de Freguesia E... .

 

2. Nos termos do aviso n.º .../2010, publicado na 2.ª Série do Diário da República n.º .../2010, de ... de Abril de 2010, foi aberto procedimento concursal com vista à contratação de técnico superior, dispondo-se no ponto 14 relativo ao posicionamento remuneratório que “[n]os termos do artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o posicionamento remuneratório do trabalhador que vier a ser recrutado é objecto de negociação e terá lugar imediatamente após o termo do procedimento concursal”.

3. Um dos requisitos para a contratação, conforme previsto no supra mencionado aviso, era a detenção do grau de licenciado em Administração Pública, o qual a autora detinha num momento anterior à respectiva contratação (desde 27 de Junho de 2007).

 

4. A demandante celebrou com o demandado um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com vista a exercer as funções respeitantes à categoria de técnico superior, iniciando as suas funções a 1 de Outubro de 2010.

 

5. Do contrato celebrado resultava que a demandante seria colocada na primeira posição remuneratória da categoria de técnico superior com o nível remuneratório 11, dispondo-se na cláusula quinta que “[a] remuneração base do segundo outorgante [a demandante] é fixada nos termos do disposto no artigo 214.º do RCFTP, sendo de R €995, 51, correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria e ao nível remuneratório 11 da tabela única”.

 

6. No período compreendido entre 1 de Outubro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, a autora foi remunerada pelo exercício das suas funções de acordo com o estabelecido na primeira posição remuneratória da categoria de técnico superior e ao nível remuneratória 11 da tabela única.

 

7. Desde Janeiro de 2018 que a autora se encontra colocada na segunda posição remuneratória da categoria de técnico superior com o nível remuneratório 15.

III. Do Direito

 

a) Da caducidade do direito de acção

Cumpre, em primeiro lugar, discutir se o direito de acção da demandante se encontra caducado. Como é sabido, a pretensão do particular formulada através da acção administrativa, prevista no artigo 37.º do CPTA – aplicável ao presente processo nos termos do artigo 181.º, n.º 1, do CPTA –, pode, consoante a natureza da mesma, suscitar a aplicação de um regime jurídico diferenciado no que concerne aos prazos de caducidade da acção.

Não podemos, a este respeito, esquecer que, em geral, o tema do processamento de salários e da reposição de categorias é muito complexo[2], designadamente no que concerne à qualificação, em concreto, do acto de processamento de salários como um autêntico acto administrativo. Não sendo o propósito discutir a construção dogmática desta realidade, cabe, todavia, analisar em que medida, é possível configurar o processamento de salários aqui em discussão como uma realidade reconduzível a um acto administrativo.

É jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que “os actos de processamento de remunerações, na medida em que contenham uma definição voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado, são verdadeiros actos administrativos”[3], acrescentando-se, ainda, que esses actos administrativos “se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não forem objecto de oportuna impugnação ou revogação, exigindo-se, para o efeito, que contenham uma definição voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo e que o conteúdo desse acto seja levado ao conhecimento do interessado através de notificação, que, para ser eficaz, deve obedecer aos parâmetros impostos pelo (...) do CPA”[4].

Neste sentido, coloca-se a questão de saber, em primeiro lugar, se a autora deveria optar pela condenação à prática de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado, nos termos do artigo 66.º ss. do CPTA, contando, regra geral, com um prazo de caducidade do direito de acção, nos termos do artigo 69.º, n.º 1 e 2 do CPTA, de um ano no caso de tratar de um acto ilegalmente omitido e de três meses quando esteja em causa a recusa de apreciação de um requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um acto de conteúdo positivo. Com efeito, não estando em causa a condenação da Administração a praticar o acto devido, mas, pelo contrário, o mero reconhecimento de um direito ou, em particular, da condenação da Administração ao cumprimento do dever legal de prestar que não envolveria a emissão por esta de um acto administrativo, poderia aplicar-se o artigo 41.º, n.º 1, do CPTA e ser a acção administrativa proposta a todo o tempo.

Esclareça-se, desde logo, que não podemos, no entanto, concluir que, no caso em apreço, existe a prática de um acto administrativo no que concerne ao processamento de remunerações da demandante, porque, de acordo com os factos provados, não se pode extrair que tenha existido notificação da prática de um acto administrativo, nem que o processamento do salário tenha consubstanciado num acto de autoridade inovatório na esfera jurídica da autora. Com efeito, “entende-se que o acto de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado um acto administrativo quando ocorra, de novo, alguma intervenção da Administração e que tenha definido determinada situação concreta. Ou seja, quando um órgão da Administração decida sobre uma qualquer questão e a dê conhecer ao interessado. Não se pode, assim, considerar acto administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, mas onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto”[5].

Foi o que sucedeu no presente caso. Conforme resulta dos factos provados e da prova apreciada, não existe nenhuma razão para concluir que a demandada praticou um acto administrativo no âmbito da configuração inicial do processamento dos salários da demandante.

Por outro lado, convém explicar que o caso clássico da obrigação de reposição de verbas resulta na sequência do pagamento de quantias que vão além do que era devido ao trabalhador, com fundamento num erro de cálculo ou de dificuldades burocráticas de um determinado serviço, discutindo-se o alcance jurídico da devolução das quantias indevidamente pagas ao trabalhador. Não é, porém, esta a situação que se encontra em apreciação.

No caso em análise está em causa a eventual reposição de verbas que eram devidas ao trabalhador, mas que, por suposta violação expressa do quadro jurídico aplicável, não foram devidamente processadas no seu vencimento. Assim sendo, a autora formula um pedido em que se pede precisamente o reconhecimento do seu direito à posição remuneratória que, por lei, é garantida. Na verdade, defende a autora que, ao contrário do que sucedeu, a categoria 1, a que corresponde o nível remuneratório 11, não lhe era aplicável, mas antes a categoria 2, a que corresponde o nível remuneratório 15.

Não pretende, assim, a autora a condenação da demandada na prática de qualquer acto administrativo, mas antes que seja reconhecido[6] um direito que resulta directamente da lei, nomeadamente, a sua integração na segunda categoria, com o nível remuneratório 15 com efeitos a partir de 2010, daí resultando um reconhecimento, também pedido pela autora, da de um direito à reposição do diferencial de verbas que resultam precisamente da integração demandante numa outra categoria (e condenando a Administração ao pagamento desse valor[7]).

Conforme reconhece precisamente o STA numa recente decisão[8] e que importa para o presente caso, uma vez que o direito que a autora “agora peticiona decorre directamente da lei (...) não exigindo a prática de um acto administrativo; ou seja, a pretensão formulada nos autos não se confunde com a condenação à prática do acto devido (...), pois o que ela peticiona não é a emissão de um acto administrativo, do qual porventura dependa o reconhecimento do direito, mas o reconhecimento do direito a remuneração que legalmente lhe é devida porque decorre directa e imediatamente da lei e a correspectiva condenação dos crédito salariais apurados desde a data em que alega ter preenchido os requisitos legais; não está no âmbito dos poderes conformadores do recorrido pagar uma ou outra remuneração, porque esta está já fixada na lei”[9].

Com efeito, invoca a demandante que, de acordo com o quadro legalmente aplicável, nunca poderia ter sido colocada numa categoria inferior à prevista legalmente, o que, em expressa violação das normas imperativas aplicáveis à sua situação jurídica, veio, no seu entendimento, a suceder[10]. Não está, portanto, em causa a disputa da legalidade de um acto administrativo, existindo, pelo contrário, um pedido que assenta num reconhecimento de um direito e na respectiva prestação de uma operação material por parte do demandado. Em suma, não pode concluir-se pela caducidade do direito de acção no caso em apreço.

 

 

b) Apreciação do mérito da causa

Esclarecida que está a tempestividade da presente acção, cumpre ainda explicar se assiste razão à demandada nos argumentos de Direito material que sustentam o seu pedido. Neste sentido, os argumentos invocados a sustentar a presente acção residem na ilegalidade de uma cláusula constante no contrato de trabalho em funções públicas celebrado em 1 de Outubro de 2010.

Nos termos do aviso n.º .../2010, publicado na 2.ª Série do Diário da República n.º .../2010, de ... de Abril de 2010, dispunha-se no ponto 14 relativo ao posicionamento remuneratório que “[n]os termos do artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o posicionamento remuneratório do trabalhador que vier a ser recrutado é objecto de negociação e terá lugar imediatamente após o termo do procedimento concursal”.

Após o termo do procedimento concursal[11], estabeleceu-se, no contrato de trabalho em funções públicas celebrado em 1 de Outubro de 2010, na cláusula quinta que “[a] remuneração base do segundo outorgante [a demandante] é fixada nos termos do disposto no artigo 214.º do RCFTP, sendo de R €995, 51, correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria e ao nível remuneratório 11 da tabela única”.

Sucede, porém, que, conforme invocado pela demandante, a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – e, portanto, aplicável ainda antes da celebração do contrato de trabalho em funções públicas[12] – veio a aditar o n.º 10 ao artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, com o seguinte conteúdo: “[q]uando esteja em causa o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho caracterizados por corresponderem à carreira geral de técnico superior, a entidade empregadora pública não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior a ela”[13].

É este o ponto central da presente acção: a demandante entende que nunca poderia ter sido colocada em posição remuneratória inferior à segunda posição, uma vez que, nos termos do quadro legislativo aplicável, não podia ter sido colocada na primeira posição remuneratória porque era detentora de uma licenciatura. A demandada argumenta na contestação, e este é o único argumento que apresenta ao longo de todo o processo, que a razão para justificar o posicionamento remuneratório diz respeito à cláusula que se encontrava no contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre as partes, que colocavam a demandante na primeira posição remuneratória da categoria.

Efectivamente, não assiste razão à demandada, na medida em que à data da celebração do contrato de trabalho em funções públicas com a demandante não podia ser esta sido posicionada na categoria que, inevitavelmente, acabou por ser. Assim sendo, deve concluir-se que a autora da presente acção tem razão quando alega que não podia ter sido colocada na posição remuneratória correspondente à primeira posição remuneratória, podendo, por hipótese e como é óbvio, até ser negociada uma posição superior à segunda posição remuneratória da carreira geral de técnico superior, mas nunca inferior a essa mesma segunda posição remuneratória. Trata-se de uma mera consequência legal, devendo, portanto, entender-se que, de acordo com o quadro jurídico aplicável, a autora tem direito a ser (e é este o fundamento do pedido), sem qualquer dependência de juízo ou avaliação da Administração, na segunda posição remuneratória.

 

IV. Decisão

Assim, pelos fundamentos acima expostos, decide este tribunal arbitral julgar a presente acção arbitral procedente e, em consequência:

 

1. Reconhece-se o direito da demandante a integrar, desde 1 de Outubro de 2010 até 31 de Dezembro de 2017, a segunda categoria da posição remuneratória e, bem assim, ao nível remuneratório 15, a que corresponde o valor mensal de 1201, 48€.

 

2. Reconhece-se o direito da demandante ao recebimento das diferenças remuneratórias entre a primeira e a segunda categoria da posição remuneratória no período compreendido entre 1 de Outubro de 2010 e 31 de Dezembro de 2017, condenando a demandada a realizar todas as operações materiais destinadas a efectivar o reconhecimento do direito.

 

V. Valor da causa e encargos

Fixa-se o valor da causa em 20.802, 97€ (vinte mil oitocentos e noventa e dois euros e noventa e sete cêntimos), nos termos do artigo 32.º do CPTA e os encargos processuais nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do Reg CAAD.

 

VI. Notificação e publicidade

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Reg CAAD.

 

Lisboa, 16 de Novembro de 2018

 

O Árbitro

Artur Flamínio da Silva



[1] Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.

[2] Denotando precisamente esta dificuldade, cfr. Maria Fernanda Maças, “Dever de reposição e direito a não repor”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0 (Novembro-Dezembro 1996), p. 61.

[3] Cfr., a síntese, no acórdão de 1 de Junho de 2016 do STA, processo n.º 0300/14.

[4] V. o acórdão de 6 de Dezembro de 2005 do STA, processo n.º 672/05. Reafirmando esta jurisprudência, v., num período mais recente, o acórdão de 22 de Novembro de 2011 do STA, processo n.º 0547/11.

[5] Cfr. o acórdão de 8 de Novembro de 2016 do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00554/12.9BEVIS.

[6] Conforme explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Coimbra, 2017, p. 254, “a ação para reconhecimento de um direito pode ser utilizada em todos os casos em que não tenha de existir um ato administrativo, pelo que o particular não está obrigado a apresentar um requerimento prévio à Administração para provocar esse ato. Desde que o direito que se pretende valer se encontre reconhecido pela ordem jurídica, o interessado pode, desde logo, propor uma ação de reconhecimento de direito e a circunstância de eventualmente existir outra via processual alternativa apenas poderá revelar no plano da maior ou menor eficácia de tutela dos interesses ofendidos. É esta a ideia central do princípio da tutela jurisdicional efetiva: a garantia da existência de um meio processual adequado à situação jurídica concreta; mas também a possibilidade de escolha, entre os diversos meios admissíveis, daquele que o interessado considere que melhor assegura a efetivação do seu direito”.

[7] V., a este respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Coimbra, 2017, p. 261, que “o pressuposto do exercício do direito de ação, neste caso, é, pois, a existência de uma vinculação da Administração do dever de prestar, que resulte diretamente de uma norma administrativa (...). Isto é, a obrigação de prestar da Administração deve encontrar-se já definida por um anterior ato jurídico”, cabendo aqui “situações em que estejam em causa operações materiais ou declarações da Administração respeitantes ao pagamento de vencimento” ou mesmo “remunerações”.

[8] V., a este respeito, o acórdão de 30 de Maio de 2018, processo n.º 01470/17.

[9] Ainda que a discussão em causa esteja centrada na estratégia processual da autora, analisando se deveria ser proposta a acção administrativa comum ou a acção administrativa especial, os argumentos podem ser transpostos integralmente para a nova acção administrativa conforme prevista desde 2015 no CPTA.

[10] V., por exemplo, num caso idêntico quanto à inexistência de caducidade do direito de acção, o decidido na decisão 6/2018-A, de 10 de Maio de 2018 do CAAD. V., a este respeito, José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 15.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 227 e 228, ao afirmar que: “[a]ssim, em rigor, a definição de um campo de actuação próprio para este pedido – do mesmo modo que para o pedido de condenação na adopção de comportamentos públicos – pressupõe a adopção de um conceito restrito de acto administrativo, como “decisão” ou “acto regulador”, excluindo da órbita deste, para efeitos impugnatórios (com a eventual vantagem para os particulares de restringir os casos em que há ónus de impugnação em prazo curto, sob pena de formação de caso decidido), situações nas quais tradicionalmente se considerava existirem verdadeiros actos administrativos – como, por exemplo, as relativas ao processamento periódico de vencimentos, ao cumprimento de prestações da segurança social ou ao pagamento de ajudas ou subsídios”. Segundo Mário Aroso de Almeida, é possível que, no âmbito do processamento de salários, possa não estar em causa “a emissão de um ato jurídico definidor da situação do interessado, que, nesse caso, já se encontra diretamente definida pela lei, sem necessidade de intermediação administrativa, e, portanto, que a declaração da Administração não exprime o exercício de um poder de definir a situação do interessado, em termos de porventura lançar sobre ele o ónus da sua impugnação tempestiva, na hipótese de eventual incorrecção dos termos em que a declaração seja emitida”, acrescentando, por outro lado, que “os trabalhadores da Administração Pública têm, desde logo, direito a auferir o seu vencimento mensal e, portanto, a que ele seja corretamente processado. (...) O que conta é que o trabalhador é titular de um direito de crédito que não foi devidamente satisfeito e é esse direito de crédito que ele irá fazer valer, através de uma ação administrativa” V. Teoria Geral do Direito Administrativo, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 230 e 231.

[11] Dispunha precisamente o artigo 55.º, n.º 1 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, sob a epígrafe “determinação do posicionamento remuneratório”, que “[q]uando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objecto de negociação com a entidade empregadora pública”, sendo para o caso em apreço relevante mencionar que essa negociação teria lugar, nos termos da alínea a), “[i]mediatamente após o termo do procedimento concursal”.

[12] Nos termos do artigo 176.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a lei em causa entra em vigor um dia depois da respectiva publicação.

[13] A norma em causa tem vindo a ser, a partir desta alteração legislativa, a constar sucessivamente nos diplomas que regulam os contratos de trabalho em funções públicas, encontrando-se, actualmente, prevista no artigo 38.º, n.º 7, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, na redacção da Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto.