Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 11/2015-A
Data da decisão: 2015-09-21  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento da contratação como professor adjunto em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado; Ilegitimidade passiva.
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I.                   RELATÓRIO

 

1.      A…, solteiro, professor do Ensino Superior Politécnico, residente na Rua…, Bloco…, … esquerdo, …, instaurou, nos termos do Regulamento de Arbitragem do CAAD, a presente ação.

2.      Contra B… (B…), pessoa coletiva de direito público, com sede na Rua …, n.º…, … .

3.      Formulando os seguintes pedidos:

a.       A anulação do “ato de indeferimento do requerimento de contratação do Autor”;

b.      A substituição deste por “outro que reconheça a contratação como professor adjunto em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com período experimental de 5 anos (…)”;

c.       A condenação do Réu a “praticar os atos necessários à formalização do contrato cujo reconhecimento foi anteriormente peticionado”;

d.      A condenação do Réu “(…) a pagar ao Autor a diferença entre os salários efetivamente recebidos desde 28-04-2014 na categoria de Equiparado a Assistente do 1.º Triénio e os salários que deveria ter recebido na categoria de Professor Adjunto, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um dos salários até integral pagamento, devendo este valor ser liquidado em execução de sentença”.

4.      Como causa de pedir, alega que foi sucessivamente celebrando contratos de trabalho em funções públicas, ininterruptamente desde 1 de abril de 2009, exercendo funções docentes na área científica de Gestão e estando atualmente na categoria de Equiparado a Assistente do 1.º Triénio, em regime de dedicação exclusiva, conforme certidão do C… (C…) junta como doc. 1.

Refere, ainda, que obteve o grau de Doutor em 19 de outubro de 2009, título reconhecido pela Universidade do …, conforme doc. 2.

Alega ainda ter completado cinco anos de serviço docente em 28 de abril de 2014, recebendo desde então o vencimento de Equiparado a Assistente do 1.º Triénio.

Em 10 de Outubro de 2014 requereu a sua contratação por tempo indeterminado, ao Senhor Presidente do C…, que a indeferiu.

Aponta à decisão em causa a violação do direito do Autor a ser contratado nos termos do regime transitório do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), definido pela Lei n.º 7/2010, que altera o Decreto-Lei n.º 207/99).

5.      Por mail de 24-02-2015, o Autor juntou aos autos requerimento a solicitar a intervenção provocada do C… (C…), pessoa coletiva de direito público, com sede na…, s/n, …-… …, igualmente vinculado ao CAAD nos mesmos termos que o Réu B…, conforme artigo 3.º, n.º 3 do Anexo I do Despacho n.º …/2011, que contém o Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B… .

6.      Foi apresentada, por carta datada de 27-02-2015, contestação pelo Réu, que, para além da exceção da ilegitimidade passiva, impugnou a tese jurídica do Autor.

7.      Por despacho de …, foi admitida a intervenção provocada do C…, que na sua contestação impugna, igualmente, a tese jurídica do Autor.

 

A convenção de arbitragem e a constituição do Tribunal Arbitral

A entidade demandada – B… e respetivas Unidades Orgânicas – pré-vincularam-se à resolução, por via arbitral (CAAD), de litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP, nos termos do Regulamento anexo ao Despacho nº 8839/2011, publicado no DR – 2.ª Série, n.º 126, de 4 de julho de 2011 – p. 27953.

Foi aceite por ambas as partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, apreciar e decidir o litígio.

Este Tribunal arbitral foi constituído, com a aceitação do encargo pelo signatário, em 23-3-2015, assumindo total, contratual e legal competência para dirimir o litígio à luz do Regulamento do CAAD (cf. Despacho do Secretário de Estado da Justiça n.º 5097/2009, DR – 2.ª Série, n.º 30, de 12 de Fevereiro e demais legislação aí citada).

 

Despacho liminar e processo administrativo

As partes foram notificadas para apresentarem alegações e se pronunciarem sobre a possibilidade de o processo ser conduzido com base dos documentos juntos pelas partes e respetivo processo administrativo, não se tendo oposto.

O processo administrativo foi junto aos autos.

 

 

 

II.                SANEAMENTO DO PROCESSO

Este Tribunal Arbitral é absolutamente competente.

O presente processo arbitral está isento de nulidades que o invalidem, e é o próprio.

Assim, há, em primeiro, que analisar a exceção de ilegitimidade passiva alegada pelo Réu B… e eventuais consequências.

 

Ilegitimidade Passiva do B…

O Réu B… na sua contestação, na defesa por exceção, alegou a ilegitimidade passiva e defendeu que o C… “será quem, melhor, parece ter legitimidade passiva para ser demandado na presente ação, cujo Presidente assinou o Despacho de 12-11-2014” (aqui impugnado), que indeferiu a pretensão do Autor.

À data da apresentação da contestação, havia já sido requerida a intervenção provocada do C…, posteriormente admitida.

Seguindo a doutrina e, em especial, o ensinado por ESPERANÇA MEALHA em Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas, CEDIPRE ONLINE I – 2, e por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina 2010, pp. 216 ss, consideramos que as regras inovatórias introduzidas no artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos visaram, entre outros desideratos, resolver o problema do erro na identificação do autor do ato recorrido que, durante a vigência da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), constituiu com frequência um obstáculo ao conhecimento de mérito.

Com esse fim em vista, o artigo 10.º n.º 2 CPTA estabeleceu um novo critério de determinação da entidade pública demandada: o réu nas ações administrativas que tenham por objeto atos ou omissões de uma entidade pública deixou de ser o órgão autor do ato recorrido (como acontecia no antigo recurso contencioso e na ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo) e passou a ser a pessoa coletiva de direito público ou o ministério (quando esteja em causa a pessoa coletiva Estado).

A alteração do critério de determinação do ente público a demandar foi uma solução dirigida a promover o acesso à justiça administrativa e ditada pela necessidade de adequação desse critério ao novo princípio da livre cumulação de pedidos (4.º CPTA).

Além disso, o regime introduzido pelo artigo 10.º CPTA resulta de uma nova conceção de todo o processo administrativo (e, em especial, dos meios impugnatórios) como “processo de partes”, com o consequente abandono da distinção entre “ações”, onde o demandado era a pessoa colectiva pública, e “recursos contenciosos”, onde quem defendia a legalidade do ato era o órgão que o praticou.

É que hoje o processo deixou de ser atocêntrico, passando a ter na relação jurídica administrativa o seu ponto de contacto. Assim, abandonou-se em definitivo aquela visão do contencioso administrativo impugnatório como um “processo feito a um ato” – que tinha na sua raiz, não tanto a defesa de direitos subjectivados, mas principalmente a verificação (objetiva) da legalidade de uma atuação administrativa –, e que justificava, além do mais, a existência de critérios distintos de identificação da entidade pública a demandar: no recurso contencioso (correspondente à atual ação administrativa especial de impugnação) e nas ações para reconhecimento de direitos ou interesses, a “autoridade recorrida” era o órgão “autor do ato” ou o órgão a quem incumbisse o “reconhecimento”; nos restantes processos, nomeadamente nas ações sobre contratos e em matéria de responsabilidade civil, o réu era a pessoa colectiva de direito público.

Desta forma, enquanto antes do CPTA, na generalidade dos processos administrativos (recursos contenciosos), a personalidade judiciária era atribuída fora do princípio da coincidência, pois a “autoridade recorrida” nunca era a pessoa colectiva de direito público, mas sim o órgão “autor do acto recorrido”, que, inclusivamente, assinava a “resposta” ao recurso (cfr. artigo 26.º/2 LPTA), hoje, com o artigo 10.º do CPTA, a legitimidade passiva passa a ter um outro enquadramento.

Por outro lado,

O critério de determinação da legitimidade passiva dos entes públicos era muito mais estreito do que aquele que hoje, à semelhança do processo civil, consagra o CPTA, porque o interesse direto em contradizer estava delimitado em função do “ato” (da sua autoria) e não da “relação controvertida” (esta delimitação mais apertada resultava da própria conceção do objeto do recurso contencioso).

No contexto da LPTA, pode dizerse que a identificação do “autor do ato” fazia coincidir num mesmo plano, e mais facilmente tornava confundível, os pressupostos processuais da personalidade judiciária e da legitimidade passiva.

A verificação de qualquer um destes pressupostos passava sempre e apenas pela identificação de um concreto e determinado órgão autor do ato recorrido. O que significava, simultaneamente, a identificação do ente público com personalidade judiciária (o órgão) e do ente público com legitimidade passiva naquele concreto recurso (o órgão autor do ato).

No fundo, ao não se enunciar uma regra de atribuição da personalidade judiciária aos órgãos, em geral, mas ao delimitála em função do órgão “autor do ato recorrido”, como que se fazia decorrer a atribuição da personalidade judiciária da própria atribuição de legitimidade passiva.

Ora,

O CPTA trouxe uma nova concepção do processo administrativo como “processo de partes”, que permite perspetivar a questão da legitimidade passiva, não a partir do ato, para depois chegar ao seu autor, mas antes encarála do ponto de vista do sujeito processual e da sua relação com o objecto do processo. E quando nos centramos no sujeito, logo nos surgem, a par da legitimidade, os demais atributos que processualmente são exigidos à entidade pública demandada para que possa estar em juízo.

Posto isto, e concordando com os ensinamentos acabados de transcrever, cremos que a relação jurídica em causa nos autos, tal qual a conforma o Autor, tem como “partes” (apenas) o Autor e o C… .

Assim, nesta fase, parece evidente que a legitimidade passiva será do C… (C…).

Contudo, há que indagar o seguinte:

  1. Se o C… tem personalidade jurídica e judiciária;
  2. Se existirá litisconsórcio com o B… .

 

1. O B… (B…), criado em 1985, tem os respetivos Estatutos homologados por Despacho normativo n.º 5/2009, do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e publicados no DR – 2.ª Série, n.º 22, de 2 de fevereiro de 2009.

De acordo com o disposto no artigo 3.º, o Instituto é “uma pessoa coletiva de direito público dotada de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar”, integrando, nos termos do artigo 7.º, “unidades orgânicas de ensino e investigação, designadas Escolas” [n.º 1 alínea a)] e “serviços, cuja designação identifica as funções que desempenham” [n.º 1 alínea b)].

O C… é uma Escola (isto é, uma unidade orgânica) do B…[cfr. artigo 7.º, n.º 2 alínea b)].

São órgãos do B… os identificados no artigo 8.º, competindo, designadamente, ao Presidente do Instituto elaborar e apresentar ao Conselho Geral [que o aprova, nos termos do artigo 17.º, n.º 2 alínea g)] a proposta de “número máximo de docentes, investigadores e outro pessoal … afeto a cada Escola…” [alínea a) viii) do n.º 1 do artigo 27.º]. Porém, as Escolas (e o Instituto) gozam de autonomia administrativa, podendo nomeadamente praticar atos administrativos e celebrar contratos administrativos, estando os seus atos sujeitos a impugnação administrativa e judicial, competindo ao Presidente de cada Escola “decidir, no âmbito da Escola, a …  contratação de pessoal, a qualquer título …”, conforme artigo 54.º, n.º 1 alínea d).

Em consonância, o Estatuto do C… (C…), homologado por Despacho n.º 16 864/2000 (2.ª série), define a natureza jurídica da Escola, considerando-a uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira (cfr. artigo 1.º).

Desta forma, é evidente que a legitimidade passiva no presente caso é do C… .

 

2. Atendendo a que o Autor veio em 24-2-2015 requerer a intervenção provocada do C… “para evitar a eventualidade de haver alguma ilegitimidade”, teremos de analisar o instituto da intervenção provocada, designadamente sob o prisma de um eventual litisconsórcio [cfr. artigos 32.º e 33.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD e artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].

Do que vem dito, e atendendo à causa de pedir, assente no ato de indeferimento praticado pelo Senhor Presidente do C…, parece ser de concluir que a relação material controvertida respeita, em exclusivo, ao C… e não, também, ao B… . Assim, entendemos não se configurar nos presentes autos uma hipótese de litisconsórcio voluntário, tal como configurado no artigo 32.º do CPC.

Não se vislumbra, igualmente, um caso de litisconsórcio necessário (cfr. artigo 33.º do CPC), pois, como acabado de demonstrar, a lei não exige a intervenção do B… na relação jurídica controvertida, dado que a competência para contratar pertence ao Presidente de cada Escola, in casu, do C… [(cfr. artigo 54.º, n.º 1 alínea d) dos Estatutos do B…]. Neste sentido, os vários despachos constantes do processo administrativo, de autorização da contratação e respetivas renovações de contrato de trabalho em funções públicas, da autoria do Senhor Presidente do C… .

Da mesma forma, o Regulamento de Contratação de Pessoal Docente, Especialmente Contratado, aprovado ao abrigo do artigo 8.º do ECPDESP, do B…, por Despacho n.º 4923/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série — n.º 56, de 21 de março de 2011, determina que a competência da contratação de pessoal docente é do Presidente da Escola nos termos estatutários (cfr. artigos 2.º, 4.º e 6.º).

Nestes termos, cumpre apreciar a exceção da ilegitimidade passiva invocada pelo Réu B… e a consequência da intervenção provocada requerida pelo Autor, não se olvidando que a legitimidade das partes afere-se pela forma como o autor configura a relação material controvertida.

Face a estas normas supra referenciadas, cumpre constatar, desde logo, que os Estatutos do B… e do C… reconhecem esta Escola, que integra aquele Instituto, como pessoa colectiva de direito público, com total autonomia, nomeadamente administrativa. Mais, como demonstramos, é reconhecido a cada Escola o poder de praticar atos administrativos e celebrar contratos administrativos, estando os seus atos sujeitos a impugnação administrativa e judicial.

No que tange a contratação de pessoal, vimos igualmente que compete ao Presidente de cada Escola “decidir, no âmbito da Escola, a …  contratação de pessoal, a qualquer título …”, conforme artigo 54.º, n.º 1 alínea d) do Estatuto do B… e tal como decorre do Estatuto do C… e do Regulamento de Contratação de Pessoal Docente, Especialmente Contratado.

Ora, é sabido que a personalidade jurídica é a aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas, e que as pessoas coletivas, do tipo aqui em causa, são organizações constituídas por uma colectividade de pessoas, visando a realização de interesses comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica – sobre estes temas ver MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição actualizada, 1983, pp. 197 e 265 a 326.
Seguindo de perto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 11-01-2007, cuja doutrina se comunga (embora este aresto se pronuncie sobre a autonomia das Faculdades no seio das Universidades), existindo um substrato pessoal, unificado e animado pelo indispensável elemento teleológico, pode a ordem jurídica entender que deve, nomeadamente por questões de funcionalidade e eficácia, reconhecê-lo como centro autónomo de imputação de direitos e obrigações.
Este reconhecimento, que eleva o respectivo substrato à qualidade de sujeito de direito, pode assumir a modalidade de reconhecimento normativo, se resulta automaticamente da lei, ou de reconhecimento por concessão, se resulta de um acto discricionário de uma entidade pública que, perante o caso concreto, personifica o existente substrato.
No caso concreto do C…, e face às normas legais e estatutárias, estamos perante um caso de reconhecimento por concessão. É a própria pessoa colectiva B… que estatuindo sobre o regime de autonomia das respectivas unidades orgânicas e homologando o Estatuto do C…, considera esta Escola como pessoa colectiva de direito público, atribuindo-lhes, destarte, personalidade jurídica.

Como constatamos, o C… é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira (cfr. artigo 1.º dos respetivos Estatutos). Deve sublinhar-se que, embora não seja aqui questão central, o reconhecimento das faculdades e estabelecimentos equiparados como pessoas coletivas de direito público, com as consequências inerentes, vem sendo aceite pela jurisprudência e pela própria doutrina (ver, a respeito, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-05-2006, Acórdão do TCASul de 01-06-2006, e Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 41/96, de 27-06-1996; na doutrina, por todos, MARCELO REBELO DE SOUSA, A Natureza Jurídica da Universidade no Direito Português, Publicações Europa-América, 1991, pp. 31 e seguintes).

Radicando na pessoa colectiva C… a titularidade da relação material controvertida, resulta ser essa Escola que tem interesse direto e pessoal em contradizer as razões da demanda – ver artigo 10.º, n.º 2 do CPTA.

A dedução da impugnação do ato administrativo que indeferiu a pretensão do Autor contra o B… traduziu-se, pois, num erro imputável ao Autor, que tem como consequência a absolvição do Réu da instância – cfr. artigos 278.º, n.º 1 alínea d) do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.

Por outro lado, não estamos perante caso integrável no artigo 10.º, n.º 8 do CPTA, sendo que a requerida intervenção de terceiros não tem o condão de apagar aquele erro e a consequente ilegitimidade passiva do B…, com a consequência inerente relativamente ao interveniente.

Efetivamente, a intervenção provocada, como decorre expressamente do artigo 316.º do CPC, tem como objetivo associar o interveniente à parte e não transformá-lo em parte principal; sendo o Réu, a quem se associa, parte ilegítima, naturalmente que a consequência é a supra referida.

O interveniente C… não é litisconsorte, mas deveria ser parte principal; o Réu é parte ilegítima. Isto, mesmo tendo em conta que o litisconsórcio se distingue da coligação pela relação material controvertida. No primeiro caso é uma só, ao passo que na coligação, são duas ou mais, e reporta-se, necessariamente, a pretensões objectivamente diferentes - EURICO LOPES CARDOSO, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3.ª ed., p. 105, e SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da Instância”, 3.ª ed., p. 78.
Tanto no caso de litisconsórcio necessário, como voluntário, exige a lei que o interveniente tenha um interesse igual ao da parte com a qual pretende litisconsorciar-se. É o que sem dúvida acontece no caso das relações paralelas e das relações concorrentes, que englobam nomeadamente, as obrigações conjuntas, solidárias e indivisíveis...” (LEBRE FREITAS, C.PC Anotado, Vol. I, p. 563). Inegavelmente, não é o caso dos autos, como supra já demonstrado.

Na relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, quem decide e tem a correspondente competência é o Presidente do C…, pelo que é esta pessoa coletiva a única com legitimidade passiva. Estamos, pois, perante um caso de legitimidade singular.

Ora, não é admissível o incidente de intervenção principal provocada para o demandante na ação trazer à lide terceiro que deveria antes figurar como réu, por só ele ser parte na relação materiral controvertida.

De facto, no que respeita à intervenção principal, pode dizer-se que a mesma é caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa (cfr. artigo 312.º do CPC), ou seja, reporta-se às situações configuráveis como de litisconsórcio necessário ou voluntário e aquelas que poderiam configurar-se como de coligação activa. A intervenção principal integra “…os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais” (cfr. LOPES DO REGO, Comentário ao Código do Processo Civil, p. 242).
Esta intervenção de terceiros pode ser espontânea ou provocada, estando prevista nos artigos 311.º a 315.º e 316 a 320.º do CPC, respetivamente.
Por ‘terceiro’, entende-se todo aquele que é inicialmente estranho a um determinado processo em curso; por outras palavras, aquele que não figura como parte originária” (ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Lições de Processo Civil, I, reimpressão, 1970, p. 320).

Como tal, a intervenção principal provocada, excecionando os casos de litisconsórcio, voluntário ou necessário, e a coligação, previstos nos artigos 32.º, 33.º e 37.º do CPC, não tem por fim suprir a eventual ilegitimidade passiva do réu, tal não sendo permitido, igualmente, à luz do artigo 39.º do mesmo diploma. Como resultava do preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12/12, mantendo-se ainda hoje tal doutrina, a forma ou tipo de intervenção de terceiros em processo pendente, regulada hoje nos artigos 311.º a 320.º (anteriores 320.º a 329.º), abarca “os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais: é este o esquema que define a figura da intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa”.

 

ASSIM,

Afigura-se-nos, pois, que ocorre a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, já que o C… é que deveria figurar como parte demandada e não o B…, o que determina a absolvição deste Instituto da instância, à luz do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA e alínea e) do artigo 577.º, 1.ª parte do artigo 576.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º CPC, ex vi artigo 1.º CPTA.
E esta excepção verificada é, in casu, uma excepção insuprível, sendo inadmissível, por isso, o seu suprimento, seja através de sanação nos termos a que se alude nos artigos 590.º e 6.º do CPC ex vi artigo 88.º, n.º 2 do CPTA, seja pela intervenção principal provocada do C…, pois estamos perante uma situação de legitimidade singular, como já realçado.
A este propósito colhe-se do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 21-10-2004 (Rec. 00229/04.3BEPRT) o seguinte: “N(os) casos de legitimidade plural, a ilegitimidade pode ser suprida pelo chamamento à demanda dos vários interessados (...). Mas quando se trata de ilegitimidade singular, em que o sujeito da relação jurídica processual não é titular de qualquer interesses em conflito, ela é insanável. Como refere Anselmo de Castro, «a legitimidade singular é insuprível», pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida (cfr. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II. pág. 216). Há, pois excepções, como a incompetência, a falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade singular, sobre as quais não faz sentido usar os poderes dos artigos 508º e 265º do CPC [hoje, artigos 590.º e 6.º do CPC/2013] porque necessariamente seguirá uma sentença de absolvição da instância.
Subsistindo a excepção, por insupribilidade, e não sendo caso de chamamento à demanda da parte em falta (n.º 2 do art. 269º) [hoje artigo 261.º do CPC/2013], a situação só poderá ser corrigida através de nova ação a intentar dentro de 30 dias do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, com manutenção dos efeitos civis derivados da propositura da primeira causa (cfr. art. 289º do CPC) [hoje artigo 279.º do CPC/2013]. Uma nova acção, e não a substituição da petição inicial, é a solução que a lei processual civil prevê para os casos de absolvição da instância por impossibilidade de suprimento da excepção.”; registe-se, que na lei processual administrativa idêntica solução foi consagrada, embora com prazo mais curto, pois o artigo 89.º do CPTA permite que no prazo de 15 dias, o Autor possa apresentar nova petição, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos de tempestividade da sua apresentação.
Sabemos, assim, que, com o incidente de intervenção principal provocada previsto no artigo 316.º, n.º 1 do CPC, o que se pretende é o suprimento duma ilegitimidade processual plural, chamando à demanda qualquer interessado em intervir na causa, como associado da parte originária e não como seu substituto. O chamamento do interveniente visa, pois, que este se venha a associar a uma das partes (da acção pendente) e não que a substitua. Donde, a intervenção principal provocada não servir o propósito de substituir o Réu demandado, mas tão só o de chamar à demanda terceiro conjuntamente interessado em contradizer a pretensão do Autor.
Pretende-se que a parte originária possua, ela própria, legitimidade processual, e que permaneça em juízo, o que não sucede na situação sub judice, na medida em que, como se enunciou, o B… é parte ilegítima.
Pela mesma identidade de razão, temos que não será de aplicar à presente acção o disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CPTA, segundo o qual,“Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra a Administração exija a colaboração de outra ou outras entidades, para além daquela contra a qual é dirigido o pedido principal, cabe a esta última promover a respectiva intervenção no processo.”
Não poderá, também, haver lugar à intervenção provocada do C… nos termos previstos no artigo 39.º do CPC, na medida em que não se verifica in casu, o pressuposto da existência de “uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”, à luz das normas estatutárias supra referidas, que são claras, e à luz da própria relação material controvertida, conforme consta de todo o processo administrativo. O Autor relacionou-se, porque assim tinha que ser, apenas com o C…, sendo do Presidente desta pessoa coletiva de direito público a autoria do ato impugnado e a competência legal para decidir as pretensões do Autor. Assim, só o C… poderia figurar como réu…

Consoante se sumariou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-02-2012 (Proc. 08395/12), “No incidente de intervenção principal provocada trata-se de chamar à causa pessoa que, de per si, pudesse intervir espontaneamente em razão de litisconsórcio necessário ou facultativo ao abrigo do regime do artº 320º CPC ou de coligação subsidiária passiva nos termos do artº 31º -B ex vi 325º nº 2, CPC.” [hoje artigos 311.º, 39.º e 316.º do CPC/2013], pelo que, regressando à situação que nos cabe analisar, temos que, à luz da caracterização da causa de pedir e do pedido na ação, se conclui pela inexistência de qualquer litisconsórcio passivo, obrigatório ou facultativo.
Além disso, não se verificam os pressupostos da coligação subsidiária no que respeita ao regime estatuído no artigo 39.º do CPC, na medida em que, atento o pedido, tal como o Autor o apresenta na petição inicial, de anulação do acto de indeferimento praticado pelo Senhor Presidente do C… e condenação à celebração de contrato e pagamento de certas importâncias, não subsistem, igualmente, dúvidas sobre a pessoa titular do dever de contratar e de proceder ao pagamento requerido – o C… .

Não há, portanto, sequer, um caso de litisconsórcio eventual ou subsidiário.

 

Por todo o exposto, sem prejuízo do disposto no artigo 89.º do CPTA e, subsidiariamente, artigo 279.º do CPC, cumpre decidir.

 

 

 

III.             DECISÃO

 

Julgo procedente a exceção da ilegitimidade passiva do Réu, absolvendo, em conformidade, o Réu e o Interveniente da instância.

 

 

 

Porto, 21 de setembro de 2015

 

 

 

Carlos José Batalhão