Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 1/2014-A
Data da decisão: 2014-06-02  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento a existência do vínculo de trabalho em funções públicas
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Processo n.º 1/2014-AA

 

                1. Relatório

 

A…, contribuinte fiscal n.º …, residente na …, instaurou nos termos dos arts. 2º e 15º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, acção para a resolução de litígio decorrente de contrato de trabalho com a administração pública, contra FREGUESIA DE …, contribuinte fiscal n.º …, ….

                A Demandada aceitou o compromisso arbitral numa sua sessão extraordinária de 5-2-2014, como se mostra pela cópia da respectiva Acta, que juntou ao processo.

Por despacho de 31-3-2014 foi recusada a homologação da transacção apresentada pelas Partes.

                Prosseguindo o processo com citação da Demandada, não foi apresentada contestação, nem foi junto processo administrativo ou quaisquer documentos respeitantes à matéria do processo (como se prevê no n.º 2 do artigo 16.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD). 

        O Demandante pretende «que seja reconhecida a existência do vínculo de trabalho em funções públicas do Demandante junto da Demandada, com as devidas consequências legais desse reconhecimento, nomeadamente, em matéria de mapa de pessoal, remunerações e protecção social».

                 Como fundamento da sua pretensão o Demandante alega, em suma, «a existência de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em funções públicas, tendo já decorrido o período experimental do mesmo previsto no art. 76º do Anexo I do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas», contrato esse que foi «contrato de trabalho verbal».

                Assim, segundo a tese apresentada pelo Demandante, existirá um contrato de trabalho em funções públicas que pretende ver reconhecido.

                O artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de «litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional», pelo que, alegando o Demandante existir uma relação deste tipo, não há obstáculo derivado desta norma à arbitrabilidade do litígio.

Por outro lado, o CAAD inclui no seu objecto a resolução de litígios emergentes de relações jurídicas de direito público (artigo 2.º do Regulamento de Arbitragem) e foi obtido compromisso arbitral através da deliberação da Junta de Freguesia de … datada de 5-2-1014, cuja cópia foi junta aos autos.

O signatário foi designado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD para apreciação do presente processo, tendo sido aceite a designação.

Não há nulidades, excepções ou qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

                2. Matéria de facto

 

Uma vez que não foi apresentada contestação nem qualquer processo administrativo.

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD a falta de contestação não implica aceitação das alegações do Demandante.

No entanto, é manifesto, à face do documento apresentado como transacção, que a Demandada aceita todos os factos alegados, que, por isso, se dão como provados, na parte em que não tem natureza conclusiva.

Consideram-se, assim, provados os seguintes factos:

 

a) O Demandante foi contratado verbalmente em 2008 para exercer por tempo indeterminado as funções de trabalhador da Demandada;

b) O Demandante foi contratado para desempenhar as funções de cantoneiro/jornaleiro da Demandada;

c) No exercício dessas funções, o Demandante procede à limpeza dos caminhos e vias públicas, recolhe o lixo e procede à manutenção e reparação de edifícios públicos pertencentes à Demandada;

d) A realização da actividade profissional do Demandante é realizada segundo ordens e instruções dos membros do Executivo Autárquico da Demandada;

e) O Demandante desempenhou as suas funções em horário de trabalho integral e permanente, de segunda a sexta-feira, no horário de trabalho dos funcionários da administração pública.

f) Sendo que, sempre que se justifique e por instruções dos membros do Executivo Autárquico da Demandada, o Demandante pode também efectuar a sua actividade durante o fim-de-semana;

g) A remuneração da actividade do Demandante foi realizada semanalmente pelo Executivo Autárquico da Demandada;

h) A Demandada não integrou o Demandante no respectivo quadro de pessoal, nem na carreira remuneratória respectiva das funções desempenhadas, situação reconhecida pelo Presidente da Junta de Freguesia da Demandada em sede de Assembleia de Freguesia em 31 de Dezembro de 2013.

i) Em 6-1-2014, a Demandada procedeu ao despedimento verbal do Demandante, sem qualquer motivo prévio ou aparente para tal ou, sequer, sem ter entreposto o respectivo procedimento disciplinar.

 

 

3. Matéria de direito

 

De harmonia com o disposto no artigo 11.º, alínea a), do Regulamento de Arbitragem, constitui o primeiro dos «Princípios fundamentais» do CAAD a «aplicação do direito constituído como fundamento único da resolução dos litígios jurídico-administrativos através de arbitragem».

                Na mesma linha, o artigo 24.º do Regulamento de Arbitragem estabelece que «o árbitro julga apenas segundo o direito constituído».

                O Demandante pretende que seja ser declarado ilícito o acto administrativo verbal de despedimento do Demandante, por ausência de qualquer procedimento disciplinar ou qualquer outro, nos termos do art. 271.º, n.º 1, do Anexo I do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, com consequente reconhecimento da existência do vínculo de trabalho em funções públicas do Demandante junto da Demandada e sua reintegração no mapa de pessoal desta.

                No entanto, constata-se, como resulta da matéria de facto fixada e reconhece o próprio Demandante, que não foi celebrado com a Demandada qualquer contrato escrito, mas apenas verbal.

                O contrato de trabalho em funções públicas está sujeito à forma escrita, como estabelece o artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.

                Por isso, o contrato verbal que se provou ter sido celebrado é nulo por carecer em absoluto a forma legal (artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

                Em regra, os actos nulos não produzem quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade (artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

                Para os contratos de trabalho em funções públicas, prevê-se uma excepção a esta regra, no artigo 83.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, em que se estabelece que «o contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução».

                Nestes termos, o referido contrato produz efeitos enquanto esteve em execução, mas não produz quaisquer efeitos a partir da sua cessação, que ocorreu com o despedimento em 6-1-2014, como se refere na alínea i) da matéria de facto fixada.

Assim, o referido contrato não pode produzir os efeitos posteriores à sua cessação, inclusivamente os que pretende o Demandante, de permitir o reconhecimento para o futuro da existência de vínculo de trabalho em funções públicas e integração do Demandante no quadro de pessoal da Demandada.

                Para além disso, como já se referiu no despacho de recusa de homologação da transacção apresentada pelas Partes, vigoram, no ano de 2014, as regras sobre o recrutamento de trabalhadores para autarquias locais que constam do artigo 64.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) que estabelece o seguinte:

 

Artigo 64.º

Controlo do recrutamento de trabalhadores nas autarquias locais

1 – As autarquias locais não podem proceder à abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado, determinado ou determinável, para carreira geral ou especial e carreiras que ainda não tenham sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, destinados a candidatos que não possuam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 – Em situações excepcionais, devidamente fundamentadas, o órgão deliberativo, sob proposta do respectivo órgão executivo, pode autorizar a abertura dos procedimentos concursais a que se refere o número anterior, fixando, caso a caso, o número máximo de trabalhadores a recrutar e desde que se verifiquem cumulativamente o requisito enunciado nas alíneas b), d), e e) do n.º 2 do artigo 48.º e os seguintes requisitos cumulativos:

a) Seja imprescindível o recrutamento, tendo em vista assegurar o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público legalmente estabelecidas e ponderada a carência dos recursos humanos no sector de actividade a que aquele se destina, bem como a evolução global dos recursos humanos na autarquia em causa;

b) Seja demonstrado que os encargos com os recrutamentos em causa estão previstos nos orçamentos dos serviços a que respeitam.

3 – A homologação da lista de classificação final deve ocorrer no prazo de seis meses, a contar da data da deliberação de autorização prevista no número anterior, sem prejuízo da respectiva renovação, desde que devidamente fundamentada.

4 – São nulas as contratações e as nomeações de trabalhadores efectuadas em violação do disposto nos números anteriores, sendo aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 48.º, havendo lugar a redução nas transferências do Orçamento do Estado para a autarquia em causa de montante idêntico ao despendido com tais contratações ou nomeações, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 92.º da lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 37/2013, de 14 de Junho.

5 – O disposto no presente artigo não prejudica o disposto no artigo seguinte, que constitui norma especial para autarquias locais abrangidas pelo respectivo âmbito de aplicação.

6 – O disposto no presente artigo é directamente aplicável às autarquias locais das regiões autónomas.

7 – Até ao final do mês seguinte ao do termo de cada trimestre, as autarquias locais informam a DGAL do número de trabalhadores recrutados nos termos do presente artigo.

8 – O disposto no presente artigo tem carácter excepcional e prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

9 – O disposto no presente artigo aplica-se, como medida de estabilidade orçamental, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º, no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 73/2013, de 3 Setembro, conjugados com o disposto no artigo 86.º da lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 37/2013, de 14 de Junho.

 

         Como resulta dos n.ºs 1 e 2 deste artigo, durante o ano de 2014, apenas é viável a constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado para carreiras gerais (em que se insere a categoria de assistente operacional, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, d 28 de Fevereiro) relativamente a candidatos que não possuam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, mediante a abertura de concurso fundamentada em conformidade com o n.º 2.

         Por outro lado, por força do disposto no n.º 8 do transcrito artigo 64.º, as normas dos seus n.ºs 1 e 2 têm carácter excepcional e prevalecem sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

         Por isso, o recrutamento do Demandante como assistente operacional sem prévio concurso com abertura fundamentada nos termos previstos naquele n.º 2 é inadmissível à face do regime previsto neste artigo.

Pelo exposto, a acção tem de ser julgada improcedente.

 

4. Decisão

 

         De harmonia com o exposto, julga-se a acção improcedente e absolve-se a Demandada do pedido.

 

5. Valor da acção

 

Fixa-se à acção o valor de € 30.000,01, que é o adequado a uma causa de valor indeterminável, com é o caso desta (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, na Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

 

Lisboa, 02-06-2014

 

 

O Árbitro

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)