Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 78/2019-A
Data da decisão: 2020-05-21  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Faltas Justificadas
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1 -          A..., Conservadora de Registos na Conservatória do Registo Civil de  ..., intentou no CAAD ação administrativa contra o B... .

 

O Demandado está vinculado à jurisdição do CAAD pela Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

 

 

2 -          A Demandante formulou o seguinte pedido:

 

Nestes termos, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e por consequência:

a) Condenado o B..., a reconhecer que as faltas dadas pela Demandante se consideram justificadas, nos termos da al. i) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP ou de quaisquer outras normas que se considerem aplicáveis.

b) Condenado o Demandado a reconstituir a situação em conformidade, ou seja, pagando à Demandante a remuneração descontada e reposta a antiguidade.

c) Condenado o Demandado a reconhecer que não existe qualquer falta, grave ou não, quanto ao dia 31/08/2018.

Em face do exposto deverá o CAAD, nos termos legais efetuar arbitragem nos presente autos, procedendo à citação do Demandado para contestar, querendo.”.

 

3 -          O Demandado, citado para contestar, concluiu que “deverá julgar-se absolutamente improcedente a ação e absolvido o Réu dos pedidos, uma vez que o ato administrativo impugnado não é nulo nem padece de qualquer vício gerador da anulabilidade”.

 

O Demandado afirmou não prescindir de interpor recurso jurisdicional e requereu a notificação da Demandante para se pronunciar sobre a possibilidade de recurso.

 

Juntou o processo administrativo.

 

4 -          A designação do árbitro único foi efetuada por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

5 -          Por despacho, de 22 de agosto de 2019, ouviram-se as Partes sobre a recorribilidade da sentença, sobre a tentativa de conciliação e sobre a condução do processo, nos seguintes termos.

 

“1 -        O Demandado suscita a questão prévia da recorribilidade da sentença que vier a ser proferida no presente processo.

Requereu a notificação da Demandante “para manifestar, de forma expressa, a sua posição quanto à possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional”.

No final da Contestação solicita, ainda, que a Demandante manifeste, de forma expressa, “se aceita acordar na possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional da decisão que vier a ser proferida para o Tribunal estadual competente”.

Entende-se, deste modo, que a questão prévia suscitada pelo Demandado se relaciona, por um lado, sobre a admissibilidade de um eventual recurso jurisdicional e, por outro, sobre a possibilidade de as Partes acordarem, desde já, na possibilidade desse recurso.

Notifique-se a Demandante para se pronunciar sobre a questão prévia, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 18.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa.

2 -          O n.º 4, do artigo 18.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa admite a tentativa de conciliação, podendo o Tribunal agendar reunião ou convidar as Partes a pronunciarem-se por escrito.

Nestes termos, solicita-se às Partes que se pronunciem por escrito sobre os termos em que admitem uma eventual conciliação.

3 -          Notificam-se, ainda, as Partes para se pronunciarem sobre a condução do processo arbitral com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo, de acordo com o n.º 4, do artigo 18.º do referido Regulamento.”.

 

6 -          A Demandante esclareceu que não renuncia ao recurso para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Regulamento do CAAD e juntou declaração expressa nesse sentido.

 

Por outro lado, não aceita a conciliação.

 

Não se opõe a que a condução do processo seja efetuada com base na prova documental.

 

Juntou o Despacho n.º 43/CD/2019, datado de 26 de junho de 2019, por ter sido proferido após a entrega da petição inicial.

 

7 -          O Demandado aceitou que o processo arbitral fosse conduzido com base na prova documental.

 

8 -          No seguimento do despacho de 16 de setembro de 2019, o B... juntou aos autos cópia integral do Despacho n.º 90/2010 e do Despacho n.º 43/CD/2019.

 

9 -          As Partes pronunciaram-se, de acordo com o artigo 18.º do Regulamento da Arbitragem, pela elaboração de alegações escritas e sucessivas.

 

10 -        A Demandante apresentou as seguintes conclusões que se reproduzem:

 

“1. Entre os dias 29/08/2018 e 31/08/2018 a alegante teve de faltar ao serviço, porquanto teve de efetuar tratamentos termais devido ao agudizar de doença respiratória, tendo apresentado nos recursos humanos toda a documentação necessária para efeitos de justificação das faltas dadas, designadamente declarações e relatórios médicos juntos como documentos n.°s 5, 6, 7 e 8 do requerimento inicial.

2. In casu, aplica-se o disposto no artigo 134.°, n.° 2, al. i) da lei geral do trabalho em funções públicas (LTFP) aprovada pela lei n.° 35/2014, de 20 de junho, devendo ser consideradas justificadas as faltas dadas pela alegante.

3. Da declaração médica junta como n.° 5 ao requerimento inicial emitida pelo médico Dr. C..., datada de 14 de julho de 2018 resulta que a alegante "necessita de realizar tratamentos respiratórios em instituição de saúde para controlo da doença respiratória (termas).".

4. Resulta da declaração médica datada de 24/08/2018 junta como documento n.° 6 que a alegante é portadora de patologia respiratória e "necessita de realizar tratamentos termais com águas sulfúreas sódicas, como é o caso das termas de ... durante o período de 15 dias.".

5. Das declarações 7 e 8 juntas ao requerimento inicial resulta claramente que a alegante esteve presente nas termas de ... com a prescrição médica n.°... .

6. É inaceitável, que o demandado B... se pretenda substituir a médicos referindo no ponto 10 do seu requerimento apresentado em 26/09/2019 que "ora, bem sabe a demandante que  ─ sem prejuízo de ser inteiramente legítimo beneficiar das termas ─

este tratamento é alternativo a outros tratamentos, nomeadamente os convencionais (vulgo fármacos); tratando-se, portanto, de uma mera opção terapêutica por si escolhida."

7. Ademais, não se pode olvidar que compete ao trabalhador/doente escolher, eventualmente, com o conselho dos médicos que o acompanham os locais mais adequados para o efeito, sendo certo que, o tratamento foi prescrito por médico quer na fase inicial quer pelo Dr. D... (médico das termas) que fixou o número de dias de tratamento.

8. Dever-se-á concluir como na situação análoga constante do acórdão do TCA Norte citado no requerimento inicial, datado de 10/10/2014, processo n.° 00486/12.0BEVIS, disponível in www.dgsi.pt onde se pode ler que "em conclusão, encontram-se reunidos os pressupostos para a justificação da falta.".

9. Da documentação médica resulta claro que os médicos prescreveram o tratamento em termas, designadamente nas termas de ..., estando, assim, justificadas as faltas dadas pela alegante, aplicando-se, pois, os artigos 133.° e 134.°, n.° 2, al. i) da LTFP.

Em face do exposto, dever-se-á concluir como no Requerimento Inicial, sendo o mesmo julgado totalmente procedente por provado.

 

11 -        O Demandado, no seguimento do despacho de 10 de outubro de 2019, retirou as seguintes conclusões nas contra-alegações:

 

“1ª) Atendendo aos condicionalismos estabelecidos no art.° 134°, n.° 2, al. i) da LTFP — e salvo casos excecionais, devidamente fundamentados e comprovados — apenas se podem considerar justificadas as faltas pontuais e por períodos limitados.

2ª) Por força do disposto neste preceito legal exige-se que as faltas motivadas pelas circunstâncias aí enunciadas, e que não possam ocorrer fora do período normal de trabalho, sejam, por natureza, de curta duração e não inviabilizem o exercício de funções no mesmo dia, assim que termine a circunstância que determina a ausência.

3ª) Tal entendimento é o único que se espelha na letra e espírito da norma, é o único compatível com o conceito de falta consignado no art.° 133° do mesmo diploma legal e, ainda, com o dever legal de assiduidade que impende sobre o trabalhador.

4ª) Sendo, também, com base nesse entendimento que se justifica o facto de as faltas dadas nestas circunstâncias não acarretarem a perda da remuneração diária.

5ª) A contrário, encontram-se, necessariamente, excluídos do âmbito de aplicação da mencionada al. i) do n.° 2 do art.° 134º, os casos que impliquem ausências para realização de tratamentos, consultas ou exames que se prolonguem por vários dias inteiros e consecutivos.

6ª) O despacho n.° 90/2010, através do qual se esclareceu e se determinou nos precisos

termos supra expostos, ou seja — e com relevo para os presentes autos — que as ausências por dias completos só podem ser justificadas em casos excecionais devidamente fundamentados e comprovados, visou uniformizar procedimentos nos serviços de registo.

7ª) Intuito, esse, que esteve, igualmente, subjacente ao despacho n.° 43/CD/2019, que procurou concretizar os motivos que possam justificar as faltas por dias completos.

8ª) Em face do enquadramento legal exposto, fácil é ver que o caso em apreço não se subsume no âmbito de aplicação da dita norma contida na al. i) do n.° 2 do art.° 134°, assim como não encontra eco nos citados despachos n.os 90/2010 e 43/CD/2019.

9ª) E tal conclusão retira-se, nomeada e claramente, dos documentos 5 e 6 juntos na p.i., donde decorre que nenhum dos médicos impôs ou prescreveu a realização de tais tratamentos termais como sendo a única terapêutica admissível ou que os mesmos teriam, obrigatoriamente, de ser feitos nas termas de ... .

10ª) Nem resulta de qualquer um dos documentos pela mesma juntos o caráter urgente e inadiável de tais tratamentos.

11ª) Não tendo a demandante fundamentado e, menos ainda, comprovado que as faltas, por si, dadas nos dias 29, 30 e 31/08/2018 tinham que envolver dias inteiros e consecutivos — implicando, pois, sérias consequências no serviço de registo que dirige — é inaceitável que essas faltas possam consubstanciar as ditas situações excecionais consideradas justificadas ao abrigo do disposto na al. i) do n.° 2 do art.º 134° da LTFP.

Nestes termos, e nos demais de Direito, deve julgar-se totalmente improcedente a presente ação, absolvendo-se, consequentemente, a entidade demandada dos pedidos.”.

 

12 -        O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre decidir.

 

II – Os factos

 

13 -        A fixação da matéria de facto com relevo para a apreciação do pedido é feita com base nos articulados e nos documentos juntos pelas partes e dos constantes do processo administrativo.

 

Dão-se como provados os seguintes factos:

 

1)            A Demandante exerce funções de Conservadora na Conservatória do Registo Civil de...;

 

2)            A Demandante faltou ao serviço entre os dias 27 de agosto de 2018 e 31 de agosto de 2018 para efetuar tratamentos nas Termas de ... .

 

3)            A Demandante solicitou ao Demandado esclarecimentos, em 23 de agosto de 2018, sobre os documentos necessários para justificar as faltas e efetuar o referido tratamento termal (Doc. n.º 1 junto com a petição inicial).

 

4)            O Demandado respondeu nos termos dos documentos 2, 3 e 4, juntos com a petição inicial.

 

5)            O email de 30 de agosto de 2018 refere que “tendo-se presente a documentação que antecede, informa-se ser, ainda, necessária, em sede de planificação a que infra se aludiu e para o cumprimento do disposto na al. i) do n.º 2, do artigo 134.º da LTFP, a indicação das datas e períodos horários, em que serão recebidos os diversos tratamentos.

Destaca-se, mais uma vez, que devendo os mesmos ter lugar preferencialmente fora do período normal de trabalho, ter-se-á, na inviabilidade de tal suceder, de apresentar comprovativo da sobredita impossibilidade”.

 

6)            A Demandante apresentou declaração médica, em 14 de julho de 2018, em que se declara que “necessita de realizar tratamento respiratório em Instituição de saúde (termas) para controlo da sua doença respiratória” (Doc. n.º 5, junto com a petição).

 

7)            Em 24 de agosto de 2018 o médico das Termas de ... declarou que a Demandante é portadora de patologia respiratória e necessita de realizar tratamentos termais com águas sulfúricas sódicas, como é o caso das Termas de ... durante o período de 15 dias (Doc. 6, junto com a petição).

 

8)            A Demandante efetuou tratamentos nos dias 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de agosto de 2018 nas Termas de ..., nos horários indicados no documento n.º 8, junto com a petição inicial.

 

9)            Os horários dos tratamentos foram fixados de acordo com a disponibilidade da ...– Termas de ... .

 

10)         Em 3 de setembro de 2018 a Demandante enviou o Modelo A, aprovado pelo Despacho n.º 95/2010, referente à justificação das ausências no mês de agosto (fls. 31 do processo administrativo).

 

11)         Em 27 de setembro de 2018 a Demandante, por sugestão do Departamento de Recursos Humanos do Demandado, substituiu o referido Modelo A.

 

12)         A Demandante apresentou retificação, em 9 de outubro de 2018, do Modelo A referente à justificação/comunicação das ausências (fls. 33 do processo administrativo).

 

13)         Em 8 de janeiro de 2019 a Demandante foi notificada para se pronunciar em audiência prévia sobre a Informação n.º 1709, de 9 de outubro de 2018 (fls. 52 a 56 do processo administrativo).

 

14)         A Demandante apresentou resposta em relação ao projeto de decisão e solicitou a revogação do despacho que propõe injustificar as faltas relativas aos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2018 (fls. 58 a 62 do processo administrativo).

 

15)         O Demandado notificou a Demandante, em 20 de março de 2019, da injustificação das faltas dadas entre 29 e 31 de agosto de 2018 (fls. 63 a 68 do processo administrativo).

 

16)         O despacho impugnado baseou-se na Informação n.º 398, de 14 de março de 2019, que conclui do seguinte modo:

“Nesta conformidade, por se afigurar que a argumentação invocada em sede de audiência prévia da interessada, não evidencia que a decisão proposta enferme de qualquer erro nos seus pressupostos de facto e de direito, ou padeça de qualquer ilegalidade, e não tendo a trabalhadora aproveitado o ensejo da referida audiência para, em alternativa, requerer a justificação das faltas em que incorreu de 29.08.2018 (quarta-feira) a 31.08.2018 (sexta-feira), nos termos referenciados em 18., parece de proceder à respetiva convolação em decisão final de injustificação daquelas três faltas, com os efeitos previstos no n.°s 1 a 3 do artigo 256.º do Código do Trabalho, aplicável ex vi do n.° 1 do artigo 122.° da LTFP, a saber, desconto na antiguidade, perda da remuneração correspondente ao período de 29.08.2018 a 02.09.2018, e incursão em infração grave pela falta de 31.08.2018.”

 

III O Direito

 

14 -        Feita a fixação da matéria de facto relevante, importa analisar a procedência do pedido de condenação do Demandado.

 

A matéria controvertida reconduz-se, essencialmente, a saber se perante a factualidade descrita foi aplicado corretamente o artigo 134.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).

 

Nos termos da alínea i), do n.º 2, deste preceito consideram-se faltas justificadas:

 

“As motivadas pela necessidade de tratamento ambulatório, realização de consultas médicas e exames complementares de diagnóstico, que não possam efetuar-se fora do período normal de trabalho e só pelo tempo estritamente necessário”.

 

Por outro lado, o n.º 3 do artigo 134.º dispõe:

“O disposto na alínea i) do número anterior é extensivo à assistência ao cônjuge ou equiparado, ascendentes, descendentes, adotando, adotados e enteados, menores ou deficientes, quando comprovadamente o trabalhador seja a pessoa mais adequada para o fazer”.

 

Acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 4 deste artigo, as referidas faltas não determinam a perda de remuneração.

 

15 -        A norma sobre o tratamento ambulatório, realização de consultas e exames complementares de diagnóstico visa que o trabalhador só se ausente durante o período estritamente necessário, intercalando a ausência com o período diário de prestação de serviço.

 

O Demandado através do Despacho n.º 90/2010, de 23 de julho, interpretou os condicionalismos impostos pela alínea i), do n.º 2 da LTFP da seguinte forma:

 

“1) A marcação, sempre que possível, de consultas/exames/tratamentos fora do período normal de trabalho;

2) Não sendo viável tal agendamento, devem os trabalhadores providenciar pelas referidas marcações nos prazos de horário de trabalho (princípio do período da manhã ou no fim do período da tarde) de modo a causar o menor prejuízo ao funcionamento do serviço;

3) As ausências em dias completos só serão justificadas em casos excecionais, devidamente fundamentados e comprovados”.

 

O Despacho n.º 43/CD/2019, ainda que proferido posteriormente às faltas da Demandante, apresenta como critérios exemplificativos de ponderação para a justificação de faltas por dias completos, devidamente fundamentados e comprovados, os seguintes requisitos:

“a) Se trate de uma situação única no ano civil para aquele trabalhador em concreto, por exemplo, por acumulação de vários exames de diagnóstico, realização de várias consultas e/ou acumulação de vários tipos de tratamentos;

b) A distância a percorrer para a realização da consulta/exame/tratamento seja superior a 200 km em relação ao serviço onde presta funções”.

 

A Demandante entende que as razões excecionais de justificação das faltas se aplicariam ao seu caso quer no âmbito do primeiro despacho, quer aplicando os critérios exemplificativos do segundo.

 

O Demandado, por seu turno, defende que a especificação dos critérios é meramente indicativa, não alterando os pressupostos do exercício do poder discricionário constante do Despacho n.º 90/2010, de 23 de julho, e que vigorava ao tempo da injustificação das faltas.

 

A questão do exercício do poder discricionário para justificar este tipo de ausências determina a prévia apreciação da norma habilitante referida na alínea i) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP.

 

16 -        A norma não se aplica a todas as faltas dadas a propósito de um tratamento ambulatório.

 

O conceito de “tempo estritamente necessário” relaciona-se com o dever de comparência no serviço público durante o período de trabalho diário.

 

Compatibiliza-se, deste modo, a necessidade do tratamento com a prestação do serviço.

 

O disposto na norma em causa exceciona a previsão do n.º 2 do artigo 133.º da LTFP quando estabelece que em caso da ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período de trabalho diário os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta.

 

Entende-se que a norma abrange, tão-só, as ausências que não comprometam a prestação de trabalho durante todo o período diário.

 

A interpretação sistemática e teleológica do preceito impede a ausência por dias inteiros e consecutivos de trabalho para tratamento ambulatório, realização de consultas médicas e exames complementares de diagnóstico, bem como nas situações previstas no n.º 3 do artigo 134.º da LTFP.

 

Concorda-se com o Demandado quando defende que a previsão normativa abrange as faltas pontuais e por períodos limitados durante um dia de trabalho.

 

As faltas ao serviço durante dias inteiros e consecutivos não se conformam com o sentido da norma.

 

Deste modo, o equilíbrio entre a ausência durante parte do dia de trabalho e a prestação de serviço afasta, em princípio, a programação de tratamentos que impliquem, como se disse, a falta de prestação diária ao trabalho.

 

A norma, embora estabeleça um regime geral restritivo de justificação de faltas, contempla seguramente a possibilidade da justificação em dias completos nos termos dos despachos do B... .

 

Estes despachos configuram uma autovinculação da entidade pública na decisão da justificação da falta em dias completos com base na identificação de casos excecionais e que sejam devidamente fundamentados e comprovados pelo trabalhador.

 

Como no caso dos autos o que está em causa é a justificação de uma situação que vai para além do tempo estritamente necessário de ausência, durante um dia, importa verificar a aplicação dos pressupostos que vinculam o decisor em função da conduta do trabalhador para poder beneficiar da justificação da falta por dia completo.

 

17 -        A integração e aplicação do conceito indeterminando “tempo estritamente necessário” para a justificação de uma falta por um dia inteiro implica a análise da situação concreta.

 

O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10 de outubro de 2014 (Processo n.º 00486/12 BEVIS) sobre a justificação da falta por um dia inteiro aplica-se, em nosso entender, à presente situação.

 

Diz-se no sumário do acórdão:

 

“II)          - A previsão legal de justificação da falta por "necessidade de tratamento ambulatório, realização de consultas médicas, ou exames complementares de diagnóstico", exige que a ausência só ocorra pelo tempo imprescindível.

III)          - O ónus da prova recai sobre o trabalhador.

IV)          - A necessidade, para relevar, porém, não tem necessariamente e em todos os casos de ser satisfeita no estabelecimento hospitalar público mais próximo, antes cabendo em justificação o que mais moldável seja às situações particulares.

V)           - Neste juízo a proporcionalidade é, o fio condutor.

VI)          -Verificando-se que o trabalhador demonstrou a aparente necessidade, e que para sua satisfação não usou mais que o tempo imprescindível, é à entidade empregadora que cumpre demonstrar uma qualquer situação de abuso.”.

 

Vejamos, então, em que termos se poderia verificar a justificação das faltas dadas pela Demandante nos termos excecionais configurados pelo Demandado.

 

18 -        A Demandante solicitou ao Demandado, em 23 de agosto de 2018, esclarecimentos sobre a justificação das faltas que necessitaria de dar para a realização do tratamento ambulatório que lhe tinha sido prescrito.

 

Os serviços do B... informaram no dia seguinte (v. supra ponto 5 dos factos provados) que a Demandante teria de indicar as datas e os períodos horários em que seriam recebidos os tratamentos.

 

E solicitaram, ainda, comprovativo da impossibilidade de os tratamentos terem lugar fora do período normal de trabalho.

 

Verifica-se, no entanto, que a Demandante se ausentou do serviço para a realização dos tratamentos, nomeadamente, nos dias 27 a 31 de agosto de 2018 sem ter apresentado o “plano de tratamentos com a previsão dos períodos da falta”, conforme se solicitava no email de 24 de agosto de 2018.

 

Por outro lado, por email de 30 de agosto de 2018, a Demandante, depois de agradecer a “célere e elucidativa informação infra”, pediu “esclarecimento quanto à suficiência do documento em anexo para comprovar o plano de tratamento, ou em caso negativo, qual a formalidade que o mesmo deve obedecer” (fls. 6 a 10 do processo administrativo).

 

O esclarecimento pedido foi prestado pelo Demandado no mesmo dia (30 de agosto de 2018) insistindo na indicação das datas e períodos horários em que seriam recebidos os diversos tratamentos.

 

A Demandante não apresentou, e não poderia ter prestado as indicações pedidas sobre os futuros tratamentos, porque em 30 de agosto de 2018 já se encontrava nas Termas de ... a realizar o tratamento ambulatório.

 

Ademais, o Demandado afirmou com clareza que “se afigura necessária além da justificação clínica do tratamento em causa (já apresentada, cfr. documento anexo) e comprovação, também, dos termos em que, por via de tal tratamento, se fruirá da ausência ao serviço”.

 

19 -        Resulta do exposto que a Demandante se ausentou do serviço sem ter prestado as informações que lhe foram pedidas, que permitiriam ao Demandado justificar as faltas após a análise das datas e período em que ocorreria o tratamento.

 

Note-se que o Demandado não colocou em causa a justificação clínica para o tratamento ambulatório, mas pretendia legitimamente saber os períodos de ausência ao serviço.

 

É neste contexto que a análise do tempo imprescindível ou estritamente necessário de ausência é relevante em função da continuidade e da supervisão da prestação do serviço público de que a Demandante é responsável.

 

Não se vislumbra qualquer ilegalidade na autovinculação efetuada pelo Demandado no Despacho n.º 90/2010 ou no Despacho n.º 43/CD/2019 a propósito dos requisitos da fundamentação e comprovação das ausências de modo a causar o menor prejuízo ao funcionamento do serviço público.

 

Acresce que um juízo de proporcionalidade sobre o tempo necessário para efetuar os tratamentos deixa de ter objeto quando o Demandado solicita a indicação das datas dos tratamentos futuros e esta informação não lhe é prestada, impossibilitando um juízo sobre a conveniência para o serviço das ausências e da forma de melhor o assegurar em função dessas ausências.

 

E, como se diz no acórdão citado, o ónus da prova cabia à Demandante.

 

Conclui-se que para justificar excecionalmente as faltas e verificar o tempo estritamente necessário para a realização dos tratamentos, de acordo com a alínea i) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP, a Demandante não forneceu atempadamente os elementos que lhe foram solicitados.

 

Deste modo, a justificação da ausência em dias completos não se poderá verificar porque se surpreende a impossibilidade de um juízo sobre a situação concreta, bem como sobre a respetiva excecionalidade no que respeita ao tempo imprescindível dos tratamentos.

 

Tratamentos esses já realizados em dias completos, com o desconhecimento do Demandado.

 

Vejamos, agora, o fundamento da injustificação das faltas em função do requerimento apresentado, em 3 de setembro de 2018, pela Demandante.

 

20 -        Assente que a justificação de faltas dadas para a realização de tratamento ambulatório por dias completos e consecutivos tem de ser excecional nos termos da alínea i), do n.º 2, do artigo 134.º da LTFP, verificámos que não se encontravam reunidos os pressupostos para uma eventual justificação em função do incumprimento dos requisitos de que a Demandante foi atempadamente informada.

 

A Demandante optou, no entanto, por apresentar o pedido de justificação entregando os documentos passados pelas Termas ..., datados de 31 de agosto de 2018, em que se demonstra a realização de uma consulta em 24 de agosto e de tratamentos nos dias em que lhe foram injustificadas as faltas.

 

A Demandante não aceitou a alternativa proposta na audiência prévia para justificar as faltas ao abrigo do artigo 135.º da LTFP.

 

Neste enquadramento, tem de se analisar se estes documentos permitiriam a justificação das faltas de acordo com o artigo 134.º da LTFP e nos termos da interpretação dos requisitos da sua aplicação fixados pelo Demandado.

 

21 -        A Demandante, ao contrário do que afirma, não entregou “toda a documentação necessária para efeitos de justificação das faltas dadas”, como atrás se demonstrou.

 

Em segundo lugar, as prescrições médicas apresentadas, como afirma o Demandado, não evidenciam um tratamento urgente e inadiável, que fundamentaria a ausência do serviço por dias consecutivos e sem a apresentação prévia do plano de tratamentos com a indicação das respetivas datas.

 

Em terceiro lugar, o Demandado não se substituiu, nem se poderia substituir, ao juízo médico.

 

O projeto de decisão, depois de afirmar a legitimidade da opção da Demandante de beneficiar de um tratamento termal, considera que existiriam outras opções terapêuticas e estabelecimentos termais mais próximos do local de trabalho, que facilitariam a alternância de dias de tratamento e a comparência ao serviço.

 

Na fundamentação da decisão de injustificação das faltas não se vislumbra qualquer referência à alegada limitação da opção terapêutica da Demandante.

 

As considerações contestadas limitam-se a enquadrar as possibilidades de satisfazer a necessidade de tratamento ambulatório e o cumprimento da prestação de trabalho em dias de ausência parcial do serviço.

 

A escolha da opção terapêutica não representa, assim, a motivação da injustificação das faltas, como decorre da leitura da respetiva fundamentação.

 

Em quarto lugar, o acórdão invocado pela Demandante, atrás citado, não consente a pretendida analogia de situações.

 

Os pressupostos de facto da decisão jurisdicional referida assumem que o trabalhador em causa, residente na Ilha do Pico, teria de realizar uma consulta em Coimbra porque não existia no seu local de residência, segundo declarações dos competentes serviços de saúde, um médico especialista na patologia e que o médico escolhido já o acompanhava após intervenção cirúrgica.

 

Por outro lado, também não se verifica qualquer similitude com a situação da Demandante, na medida em que no caso julgado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, o trabalhador do B... solicitou autorização para a deslocação que não lhe foi concedida, o que o Tribunal considerou ilegal face à factualidade que deu como provada.

 

22 -        A aplicação da norma da LTFP que permite a justificação de faltas respeitantes ao tratamento ambulatório consente a justificação da ausência por dias inteiros de trabalho em circunstâncias devidamente justificadas e comprovadas pelo trabalhador.

 

O juízo do decisor administrativo não pode limitar a opção terapêutica do trabalhador que, no entanto, tem de compatibilizar a ausência do serviço com o período de tempo imprescindível ao tratamento.

 

A justificação e comprovação do tratamento ambulatório obedece aos requisitos de justificação, comunicados previamente pelo Demandado à Demandante, para permitir um juízo de proporcionalidade entre o cumprimento diário do serviço público e a necessidade de tratamento ambulatório do trabalhador que não possa ser satisfeito fora do horário normal de trabalho.

 

No caso dos autos as faltas injustificadas não merecem censura na medida em que a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados da alínea i), do n.º 2, do artigo 134.º da LTFP não evidencia qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, que gere a invalidade do ato administrativo impugnado.

 

IV - Decisão

 

De harmonia com o exposto decide-se:

 

a)            Julgar improcedente o pedido de reconhecimento de que as faltas dadas pela Demandante sejam justificadas, nos termos da alínea i), do n.º 2, do artigo 134.º da LTFP;

 

b)           Julgar improcedente o pedido de pagamento à Demandante das remunerações descontadas e da reposição da antiguidade;

 

c)            Julgar improcedente o pedido de reconhecimento de que não existe falta grave em relação à ausência do dia 31 de agosto de 2018.

 

Valor da ação: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

 

Notifiquem-se as Partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa.

 

Lisboa, 21 de maio de 2020.

 

O Árbitro

(João Martins Claro)