Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 76/2016-A
Data da decisão: 2017-02-20  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Procedimento Disciplinar - Prescrição nos termos do artigo 178º nºs 5 e 6 da LGTFP
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Demandante: A…

Demandado: B…

 

SENTENÇA

 

Este Tribunal Arbitral foi constituído, com a aceitação e notificação da composição em 14.12.2016, nos termos previstos no artigo 17º do Regulamento do CAAD (cf. Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série – nº 30, de 12 de Fevereiro e demais legislação ali citada).

 

Foi aceite pelas partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, nos termos do artigo 15º nº 2 do Regulamento do CAAD (de ora em diante RCAAD) apreciar e decidir o litígio.

 

Foi proferido em 18 de Janeiro de 2017, devidamente notificado às partes, o seguinte Despacho inicial tendo em vista as questões prévias (artigo 18º nº 1 als. b) e c) e nº 3,), que aqui se reproduz, não obstante os efeitos já produzidos, por se entender dever o mesmo integrar a Sentença a proferir:

“Por se considerar ser instrumental quanto ao Despacho a proferir de seguida e considerando quanto disposto no artigo 5º nº 1 al. b) do RCAAD e no artigo 30º nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), determina-se que, quando o Regulamento do CAAD e a LAV não definirem as regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e as regras decorrentes, primeiro, do CPTA e depois do CPC.

As partes têm capacidade e estão representadas, cumprindo averiguar se o Tribunal é competente nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º e 8º do RCAAD e 18º da LAV.

 

  • Competência

Na apreciação da competência do Tribunal, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjectiva face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral. Esta disposição legal consagra no domínio da arbitragem voluntária o chamado princípio da Kompetenz-Kompetenz, Competência-Competência, Competence of tribunal to rule on its own jurisdiction ou Kompetenzprüfung durch das Schiedsgericht. A competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio (cujo objecto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem), a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral (que, como supra se fez constar, temos já por verificada).

 

Defina-se então o objecto do litígio, desde já se admitindo como sujeito a prova todos os factos que de forma, directa ou indirecta, possam contribuir para o correcto apuramento da verdade e melhor apreciação e aplicação de direito: A Demandante A…, escriturária superior, a exercer funções na … Conservatória de Registo Predial de …, com contrato de trabalho em funções públicas, intentou acção contra o Demandado B…, pedindo a declaração de invalidade da Decisão do Vogal do Conselho Directivo do B…, datada de 7 de Outubro de 2016, que indeferiu o requerimento de desmarcação de diligência e arquivamento dos autos disciplinares, por não se mostrar prescrito o procedimento (nos termos do artigo 178º nºs 5 e 6 da LTFP), bem como a Condenação do Demandado a Arquivar os Autos Disciplinares nº …2014/…, por se mostrar verificada a Prescrição.

 Definido o objecto do litígio, vejamos se o litígio é arbitrável e se existe convenção de arbitragem válida e eficaz.  A competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da lei geral, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem. O CAAD tem por objeto, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º e 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

 

A matéria disciplinar em causa constitui matéria emergente de relação jurídica de emprego público, na medida em que está em causa a verificação da prescrição de procedimento disciplinar instaurado no exercício de funções públicas, não sendo matéria excluída do objecto da arbitragem nos termos do artigo 185.º, CPTA. 

 

Verifica-se assim que o litígio em questão é arbitrável, atento ainda o Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série – nº 30, de 12 de Fevereiro (e demais legislação neste último citada), devendo verificar-se então se, em concreto, a convenção de arbitragem é válida e eficaz e se abrange o objecto deste litígio.

 

O Demandado vinculou-se à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, abrangendo a vinculação, além do mais, a composição de litígios, de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros, relativos a questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea j, e 2.º, alínea a) da citada Portaria.

 

A cláusula compromissória exige a este tribunal que verifique o valor do processo de forma a determinar a medida em que o presente litígio é arbitrável por este Tribunal (arbitrabilidade subjectiva). Diga-se ainda que é também o próprio Regulamento do CAAD que exige que as partes indiquem o valor (artigo 10º nº 1 al. d)). Ora a Demandante indicou como valor do presente processo o de 30.001€, o que não mereceu oposição do Demandado.

 

Cumpre tomar posição sobre o valor da causa, uma vez que, como se viu, dada a específica medida da convenção de arbitragem, sem tal apuramento, impossível se torna declarar a competência deste Tribunal. A decisão quanto ao valor, na falta de disposição específica do regulamento CAAD e LAV, terá de ser feita ao abrigo do regime supletivo que se determinou. Para a determinação do valor do processo sub judice, cumpre então atender ao disposto nos artigos 31.º a 34.º do CPTA (regime supletivo supra determinado), que fixam as regras relativas à determinação do valor da causa no âmbito do processo administrativo. Ora o n.º 1 do artigo 31.º do CPTA dispõe, é certo, que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. No entanto o nº 7 do artigo 32º manda atender à soma de todos os pedidos e o artigo 33º manda atender ao conteúdo económico do acto aqui impugnado. Quando não for possível fazer uso de qualquer um destes critérios haverá que recorrer ao artigo 34º nº 2 do CPTA.

 

Entende-se ser este último o bom caminho pois, inexistindo sanção aplicada, não se mostra possível atribuir valor ao conteúdo económico ao acto de Arquivamento de Processo Disciplinar ou à Declaração de ilegalidade do Acto que o recusou, razão por que há que aplicar o critério supletivo fixado no artigo 34.º nº 2 do CPTA para valores indetermináveis (que dizem respeito àquelas situações em que estejam em causa ou se discutam bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insusceptíveis de avaliação económica ou pecuniária directa ou imediata i.e., interesses imateriais, cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de abril de 2013, processo n.º 09667/13, CA – 2.º Juízo). Logo, atendendo aos pedidos formulados pela Demandante, há que reconhecer que o presente processo tem um valor indeterminável e, como tal, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo. Por seu turno, o n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro) determina que “a alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação”. Por fim, o artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) determina que, “em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000. Nestes termos, admite-se o valor da ação como de 30.000,01 €, porquanto se trata de uma causa com valor indeterminável, sendo-lhe por isso atribuído um valor económico superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.

 

Mostra-se assim verificada a Competência deste Tribunal. Estando já definidas supra as regras aplicáveis, importa, nos termos do artigo 18º do RCAAD, decidir as restantes questões prévias antes de se avançar para a definição da tramitação processual.

 

Notificado da Petição Inicial o Demandado suscitou a excepção de ilegitimidade da Demandante sob a forma de inexistência de interesse em agir, alegando ainda a irregularidade do Pedido formulado. Mostra-se salvaguardado o contraditório pela Demandante que respondeu, tendo ainda suscitado, de forma pouco clara, em nota de rodapé, a irregularidade do mandato conferido pelo Demandado, a que, por sua vez o Demandado também respondeu. Vejamos:

 

  • Da Falta de Interesse em Agir e da irregularidade do Pedido Inicial

Invoca o Demandado a irregularidade do Pedido e a ilegitimidade da Demandante, sob a forma de falta de interesse em agir, alegando, em suma, que foi pedida nos autos a impugnação de um acto de conteúdo negativo (indeferimento da desmarcação de diligência e arquivamento dos autos disciplinares), inexistindo por esse motivo interesse em agir na pretensão anulatória de tal acto na medida em que a revogação do indeferimento não produz, por si só, o efeito de arquivamento disciplinar desejado pela demandante, antes este apenas se alcançando por via da condenação na prática de acto devido. Invoca a este propósito o artigo 66º nº 2 do CPTA, requerendo que o Tribunal notifique a Demandante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51º nº 4 do CPTA, sob pena de absolvição da Instância nos termos do artigo 87º nº 7 do CPTA. Alega ainda que, não se mostrando findo o Processo disciplinar, inexistindo ainda decisão, inexiste interesse na obtenção da declaração da prescrição do processo disciplinar uma vez que sempre poderá a Demandante, em reacção à decisão final, obter essa declaração.

 

Não pode proceder esta excepção. Com efeito e como o Demandado admite, a Demandante não pediu apenas a declaração de ilegalidade do acto que indeferiu a sua pretensão, mas também a condenação do Demandado a arquivar os Autos Disciplinares por se verificar a Prescrição. Assim, não se verifica o disposto no artigo 51º nº 4 do CPTA, uma vez que também foi deduzido o pedido de condenação na prática do acto devido. Procedendo a condenação opera, sem necessidade de ser decretada, a eliminação do acto de indeferimento nos termos previstos no artigo 66º nº 2 do CPTA, motivo pelo qual se mostra o Pedido regular, inexistindo motivo para aperfeiçoamento.

 

Ainda quanto à falta de interesse em agir contra um acto que recusa a declaração de prescrição do procedimento disciplinar antes da decisão final do mesmo, não cremos possa proceder. Como se decidiu no AC STA de 15.05.2013, processo nº0413/12 “A “ratio legis” do artigo 6º, nº6, do ED reside no sofrimento inerente à qualidade de arguido, preconizando a norma que o respectivo gravame só possa perdurar por um limitado tempo, findo o qual deve cessar a perseguição disciplinar.” Logo a Demandante, sendo objecto de processo disciplinar tem, entendendo decorrido o prazo máximo legal de duração de um processo disciplinar, interesse bastante para requerer a declaração dessa prescrição ou para, de forma imediata, sujeitar essa prescrição a apreciação. A tal não obsta também o disposto no artigo 227º da LTFP, uma vez que o nº 2 deste artigo admite a subida imediata dos recursos cuja não subida determinaria a perda do seu efeito útil. Entende-se existir, no caso de um trabalhador objecto de processo disciplinar, utilidade e interesse suficiente, para, antes da decisão final, obter a declaração da prescrição do procedimento disciplinar e o seu arquivamento, não podendo o processo disciplinar perdurar por mais tempo que o limite previsto na lei e que aquele tem o direito de ver verificado. Não lhe sendo exigível que aguarde indefinidamente mantendo sobre si o sofrimento inerente à qualidade de arguido. Tanto basta para se ter por verificado o interesse directo, actual e efectivo, bastante para merecer a Demandada a Tutela deste Tribunal, nos termos previstos no artigo 68º nº 1 al. a) do CPTA, improcedendo assim as excepções deduzidas pelo Demandado.

 

  • Da Irregularidade do Mandato

Invoca a Demandante uma irregularidade de mandato, em nota de rodapé, cuja consequência não indica, decorrente do facto de o mandatário do Demandado ter, no mesmo processo, no exercício das suas funções, proferido Parecer que integrou o acto que vem impugnado, invocando o disposto nos artigos 99º nº 1 do EOA e 69º nº 1, alínea a) e d) do CPA. 

Ora, resulta claro do artigo 11º nº 2 do CPTA que o EOA se aplicará ao mandato conferido. Mas, decorrerá do artigo 99º nº 1 do EOA a existência de conflito de interesses bastante para colocar em causa o mandato? Ou resultará do facto de o mandatário ter subscrito Parecer no Processo Administrativo, em impugnação nos autos, a violação da garantia de Imparcialidade que dita os impedimentos previstos no artigo 69º do CPTA? Não cremos que assim seja. Desde logo o mandatário do Demandado não interviu em diferente qualidade ou, pelo menos, não em diferente qualidade bastante para fazer operar aquela norma do artigo 99º nº 1 do EOA. A qualidade anterior em que interviu e a actual é, no essencial, a mesma e não outra. Entender diferente seria afastar do Mandato Forense, qualquer Advogado que antes, por exemplo, no mesmo contrato, tivesse aconselhado o mesmo Cliente. Não cremos ser essa a intenção do legislador. Nestes casos a qualidade é a mesma, a de Advogado ou a de Licenciado em Direito. Por outro lado, o facto de o mandatário ter subscrito parecer com igual entendimento em processo administrativo, impede-o de participar em procedimento administrativo mas não em procedimento judicial que submete a apreciação da mesma questão a entidade terceira, o que salvaguarda a imparcialidade decisória que é a imparcialidade que o impedimento previsto no artigo 69º do CPTA pretende acautelar e não a imparcialidade do mandatário no processo que lhe foi confiado. Com efeito, não cremos que aquela norma esteja pensada para situações como a dos autos em que o Demandado mantém e defende a sua posição, não estando em causa uma apreciação pela própria Administração de decisão anterior, mas sim a defesa de uma sua posição junto de um Tribunal, em que não se exige à Administração que seja imparcial, pois não está a decidir, mas sim, que defenda uma posição anterior. De outra forma, difícil seria à Administração, com recursos internos, cumprir o artigo 11º do CPTA como desejou o Legislador. Termos em que se mostra regular o mandato conferido pelo Denunciado.

 

Aqui chegados, considerando a necessidade de definição de tramitação processual e agendamento de audiência, porque nos parece que o objecto do litígio se resume a verificar se ocorreu nos autos a prescrição do procedimento disciplinar prevista no artigo 178º da LTFP e não sendo a matéria de facto, relevante para o efeito, controvertida nos autos, admitindo as partes, no essencial, além do Despacho em impugnação, quanto resulta, de forma resumida, do artigo 34º da Contestação, o que se mostra suficiente para decidir o presente litígio, antes de proferir decisão, nos termos do artigo 18º nº 3 do Regulamento do CAAD, determina-se”

 

Notificadas as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a dispensa de audiência e dispensa de mais produção de prova, proferindo-se, de imediato, nos termos do artigo 18º nº 3 do RCAAD, sentença arbitral, vieram as mesmas dispensar mais produção de prova.

 

  • Da Matéria de Facto

Foi junto aos autos o processo administrativo e com relevo para a apreciação da causa mostram-se provados os seguintes factos:

  1. Por Despacho datado de 10.10.2014 foi instaurado, pelo Demandado, o procedimento disciplinar nº …2014/… contra a Demandante.
  2. A 19.2.2015 a Demandante apresentou a sua defesa, requerendo prova pericial a requisitar ao C… .
  3. Por ofício datado de 28.4.2015 a Demandada requereu a Diligência ao C… .
  4. Por ofício de 28.09.2016 vem o C… notificar o Demandado de que a Diligência estava marcada para 10.10.2016.
  5. A 3.10.2016 a Demandante foi notificada da marcação da Diligência
  6. Por requerimento, notificado ao Demandado a 6.10.2016, veio a Demandante requerer a desmarcação da diligência e o arquivamento dos autos, em razão da prescrição do procedimento disciplinar.
  7. Tal desmarcação e arquivamento foram indeferidos, por decisão datada de 7.10.2016 de S.E. o Vogal do Conselho Directivo do B…, com fundamento em que a prescrição se mostrava suspensa durante o período em que esteve pendente a realização da diligência probatória requerida.

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo e a prova documental junta pela demandante, todos cuja autenticidade e genuinidade não foi impugnada. No mais, resulta de acordo das partes decorrente da não impugnação dos factos alegados nos respetivos articulados.

  • Do Direito

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se o procedimento Disciplinar nº …2014/… se mostra prescrito nos termos do artigo 178º nºs 5 e 6 da LGTFP. Melhor, a questão resume-se a decidir se o acto instrutório, requerido pela arguida, teve ou não a virtualidade de suspender a prescrição do procedimento disciplinar, uma vez que é manifesto e tal não é contestado por ninguém, que desde a abertura do processo disciplinar decorreram já mais de 18 meses, sem notificação de decisão final.

O poder disciplinar tem no exercício da acção disciplinar o reflexo da sua principal manifestação, consistente no poder de promover ou determinar a «investigação disciplinar», face a determinadas condutas, eventualmente, anti-jurídicas, dos seus autores, sendo a instauração do respectivo procedimento o apanágio da acção disciplinar, cfr Ana Fernanda Neves, in O Direito Disciplinar Na Função Pública, Volume II, 12/17.

Por sua vez, a prescrição, em geral, consiste na extinção de um direito pelo seu não exercício durante um determinado prazo fixado pela Lei para o efeito, cfr artigo 298º, nºs 1 e 2 do CCivil.

A prescrição consiste na extinção do direito de instaurar a acção disciplinar, se não for desencadeado o respectivo procedimento dentro de determinado prazo, ou, no caso de este ter sido desencadeado, se não estiver ultimado no prazo legalmente previsto, neste sentido: «A prescrição funda-se no efeito que o tempo produz em todas as coisas e relações humanas. E tem a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços e no ambiente, sabendo como é que o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça do procedimento ou da pena disciplinar.», Lopes Dias, Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos, 14, citado por Leal Henriques, in Procedimento Disciplinar, 5ª edição, 57/58.

Vejamos assim o referido artigo 178º da LGTFP:

(…)

5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.

6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.

Da norma resulta que, para que haja causa ou motivo de suspensão, importa que exista decisão judicial que impeça o processo de começar ou continuar. Tal decisão judicial não consta dos autos. Por outra via importa que justificando-se a apreciação judicial de qualquer questão, com o processo disciplinar conexa ou prejudicial, naturalmente, este se encontre impedido de começar ou continuar. Nos autos não foi demonstrada a existência de qualquer pendência de apreciação judicial. Importando concluir que o processo não se suspendeu ao abrigo desta norma, contando-se o prazo de 18 meses desde a instauração e mostrando-se prescrito o procedimento disciplinar.

 

Invoca o Demandado que a existência de acto instrutório pericial, solicitado pela demandante, a realizar por entidade terceira, tem de produzir os mesmos efeitos suspensivos, uma vez que ficou impedido de concluir o procedimento disciplinar. Cremos que não lhe assiste razão.

 

Desde logo, estamos na presença de um processo disciplinar (dando-se aqui por reproduzido quanto antes se referiu a propósito da natureza e de censura inerente a este processo) o que justifica que o legislador cuide de introduzir no direito sancionatório prazos especiais, como fez, nos precisos limites em que o fez. O legislador, com efeito, não disse aqui menos do que pretendia nem se admite qualquer interpretação que fuja ao carácter judicial da questão conexa ou própria que justifica a suspensão. O instituto da prescrição do direito sancionatório disciplinar tem por objectivo acelerar a actividade do Estado no exercício da acção disciplinar e assegurar aos arguidos um tempo, certo, durante o qual podem ser sujeitos a sanções e a partir do qual se extingue, pelo seu decurso, a respectiva responsabilidade. Isto pois, a prescrição faz extinguir o “jus puniendi” do Estado, resultante da falta de diligência dos órgãos no procedimento que lhes incumbe levar a cabo, cfr neste sentido o Ac STJ de 19 de Setembro de 2013 (Relator Santos Carvalho), in www.dgsi.pt.

 

Por outro lado, dúvidas não poderão subsistir que a Lei, com a previsão de uma suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, visou salvaguardar o surgimento no seu âmbito de questões prejudiciais, mas de competência judicial, não se podendo o legislador estar a referir, aos actos normais que possam surgir e integram o próprio processo disciplinar (cfr Paulo Veiga Moura, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, 2ª edição, 96/97).

 

Coloca-se a questão de, com o entendimento aqui subscrito, parecer então que o arguido poderá recorrer a todos os mecanismos com o objectivo de prolongar o processo disciplinar, alcançando, por essa via, a absolvição. Com o devido respeito por entendimento contrário, parece-nos que a Constituição da República Portuguesa garante o direito de audiência e defesa do arguido em processo disciplinar. Com efeito, dispõe o art.º 269º, nº3 da CRP que, «Em processo disciplinar são garantidos ao arguido a sua audiência e defesa». Mais, o direito de defesa e audiência do arguido em processo disciplinar é hoje, reconhecidamente, um direito fundamental, e não um mero ónus, ou melhor, um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias para efeitos do artº17º da CRP. Assim, haverá que acreditar que o Legislador, partilhando do espírito de unidade do sistema e conhecendo-o como um todo, não atribuiria, por um lado, um amplo direito de defesa que, por outro, restringia, impondo ao arguido que não se defendesse, requerendo actos em sua defesa, por tais actos suspenderem o prazo de prescrição e, a final, obrigando-o a suportar anos de vigência de um processo que, o mesmo legislador, por via de prazo de prescrição, deseja breve (neste sentido o AC STA de 15.05.2013 já supra referido). Por outras palavras, o ónus de brevidade de processo disciplinar, não é, não pode ser, do arguido.

 

Pelos mesmos motivos invocados, o disposto no artigo 178º nº 5, 6 e 7 da LGTFP, não permite e afasta outros entendimentos determinantes de aplicação de normas gerais de suspensão da prescrição, contrárias, ou que conduzam a resultados mais amplos ou prejudiciais ao arguido, a quanto ali estatuído. Mais, sempre se diga, as normas gerais pretendidas fazer operar pelo Demandado, são de muito difícil aplicação ao caso dos autos. Com efeito, o referido artigo 306º do Código Civil refere-se ao início da prescrição, o que não está em causa nos autos, a prescrição iniciou-se, ninguém o contesta, o que o Demandado pretende é a suspensão da prescrição. Já o artigo 321º do Código Civil, também invocado, refere-se à suspensão da prescrição, quando o direito não possa ser exercido, por motivo de força maior, o que não é o caso, nos últimos três meses do prazo, o que também não foi o caso, sendo esta uma norma pensada para as situações em que o titular do direito reserva o seu exercício para o fim do prazo e, por motivo de força maior, (doença do credor é o exemplo dado no C. Civil Anotado por Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este artigo), fica impossibilitado de o exercer.

 

Conclui-se assim que, intentado o procedimento disciplinar em 10 de Outubro de 2014, inexistindo motivo de suspensão da prescrição, e mostrando-se nos termos previstos nos artigo 178º nº 5 e nº6 da LGTFP e 279º al. c) do Código Civil, decorrido o prazo de 18 meses, prescreveu em 10 de Abril de 2016 o procedimento disciplinar em apreciação nos autos, devendo o mesmo ser arquivado.

 

Assim, considerando quanto decorre da fundamentação, importa condenar o Demandado a arquivar os Autos Disciplinares nº …2014/…, por se mostrar verificada a Prescrição prevista no artigo 178º nº 5 da LGTFP, no mais se considerando quanto decorre do artigo 66º nº 2 do CPTA.

 

Não se podendo fixar critério diferente de repartição, deverão os encargos ser suportados nos termos previstos no artigo 29º nº 5 do RCAAD.

 

Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes.

 

 

O ÁRBITRO

Nuno Pereira André

 

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2017