Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 59/2020-A
Data da decisão: 2021-01-14  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 6.118,06
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Progressão na carreira; Alteração do posicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, em representação e em defesa de direitos subjetivos da sua associada B...(doravante, “B...”), apresentou, no dia 02.03.2020, um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 8.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (doravante, “RAA”), demandando o MUNICÍPIO DA ... (doravante, “Entidade Demandada”) e, neste âmbito, peticionou a condenação deste:

•             “a proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração do posicionamento na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a associado do A. provida no quadro de pessoal”;

•             “a proceder à progressão da associada do A. em função da contabilização do tempo de serviço prestado enquanto contratada”;

•             “a pagar à associada da A. a quantia de 3.333,12€, acrescida de juros de moras já vencidos até à presente data no montante de 2.784,94€ e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento”.

As partes em causa encontram-se vinculadas por «Convenção de arbitragem prévia» (junta à petição inicial), na qual acordaram resolver os litígios relativos à “reconstituição de carreiras de trabalhadores municipais – contagem de tempo de serviço”, mediante recurso ao CAAD.

Devidamente citada, a Entidade Demanda veio, nos termos do artigo 12.º do RAA, apresentar contestação em 14.02.2013. Na referida Contestação, a Entidade Demanda, em suma, concordou com o relato factual feito pelo Autor (apenas lhe fazendo uma pequena precisão), limitando-se a discordar dos valores por este peticionados, embora reconhecendo que é, efetivamente, devedora da quantia de 2.690,21€ à associada do Autor. A Entidade Demandada não peticionou a sua absolvição da instância ou do pedido.

Nos termos do RAA, foi o signatário designado como Árbitro para o processo, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação do referido árbitro, em 09.07.2020.

 

II.            SANEAMENTO DO PROCESSO

O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades. Inexistem, igualmente, quaisquer questões prévias deduzidas pelas partes como exceções dilatórias, típicas ou atípicas, e não se impõe ao Tribunal o conhecimento de outras de conhecimento oficioso que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III.          DOS FACTOS

Analisada a factualidade alegada nos articulados, considerando os documentos juntos aos mesmos e tendo ainda em conta a posição processual assumida pela Entidade Demandada na Contestação, é convicção deste Tribunal Arbitral deverem ser considerados provados, com interesse para o processo, os seguintes factos:

 

(i)           Factos provados

1.            Em 4 janeiro de 1988, B... foi contratada a termo pela Entidade Demandada para exercer as funções de Escriturária Datilógrafa de 2.ª Classe, em concreto, para assegurar tarefas relacionadas com trabalhos administrativos e de animação desportiva, pelo prazo de 6 meses, tendo este contrato sido sucessivamente renovado por falta de denúncia das partes.

2.            Em 2 de Agosto de 1990, B... tomou posse no quadro de pessoal com a categoria de Terceiro-Oficial Administrativo, tendo sido remunerada pelo escalão 1, índice 160 (com vencimento de 56.700$00).

3.            Em 1 de novembro de 1991, B... passou para o escalão 1, índice 180 (com vencimento de 72.400$00).

4.            Em 1 de setembro de 1993, B... progrediu para o escalão 2, índice 190 (com vencimento de 87.100$00).

5.            Em 9 de março de 1995, na sequência de procedimento concursal, B... tomou posse na categoria de Segundo-Oficial Administrativo, escalão 1, índice 200 (com vencimento de 98.700$00).

6.            Em 1 de abril de 1998, B... progrediu para o escalão 2, índice 210 (com vencimento de 116.200$00).

7.            Em 1 de dezembro de 1998, na sequência de concurso, B... foi promovia à categoria de Primeiro-Oficial Administrativo, escalão 1, índice 220 (com vencimento de 121.700$00).

8.            A 1 de dezembro de 1998, B... transitou para o 2.º escalão, com índice 225 da categoria de Assistente Administrativo Principal (com vencimento de 124.500$00).

9.            Em 22 de dezembro de 2000, B... foi promovida à categoria de Assistente Administrativo Especialista, escalão 1, índice 260 (com vencimento de 151.800$00).

10.          Com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2009, B... transitou para a carreira de Assistente Técnico, posicionada na 6.ª posição remuneratória, nível 11.

 

(ii)          Factos não provados

 

Não existem factos não provados.

 

(iii)         Fundamentação/convicção

A convicção relativa aos factos dados como provados decorre, no essencial, da circunstância de as partes estarem de acordo face à esmagadora maioria da factualidade em presença, sendo esta, ademais, plenamente confirmada pelos documentos juntos por ambas.

Na verdade, a Entidade Demandada afirmou expressamente concordar com o elenco factual apresentado pelo Autor, limitando-se a precisar uma data relativa ao facto provado 8, nos termos seguintes: enquanto o Autor alegou que a sua associada transitou para o 2.º escalão, com índice 225, com efeitos a 1 de janeiro de 1998, a Entidade Demandada alega que a referida transição ocorreu apenas a 1 de dezembro de 1998.

Ora, atendendo ao Documento n.º 2 junto pelo próprio Autor e à tabela constante do Documento n.º 1 junto pela Entidade Demandada, resulta provado que a transição para o índice 225 terá ocorrido, efetivamente, a 1 de dezembro de 1998, e não a 1 de janeiro desse mesmo ano, como alegou o Autor.

 

IV.          DO DIREITO

Determinada a matéria de facto provada, cabe apreciar, neste momento, a pretensão do Autor à luz do direito aplicável.

Como aludido supra, o Autor, em representação da sua associada, pretende, em suma, que o tempo de serviço que a mesma prestou enquanto «contratada» (i.e. antes de ser integrada no quadro de pessoal da Entidade Demandada) seja contabilizado e que daí se extraiam as respetivas consequências remuneratórias e relativas à progressão na carreira da sua associada.

A Entidade Demandada confessa parcialmente o pedido, afirmando que “O Município reconhece que com a contagem de tempo de serviço prestado como contratada, num total de 2 anos, 7 meses e 1 dia (entre 04/01/1988 e 01/08/1990), a trabalhadora tem direito a ver a sua situação reconstituída nos termos do ponto 22.º da petição inicial, ainda que, no período de 1 de janeiro a 31 de março de 1998, não se verifique qualquer alteração na estrutura indiciária da carreira da trabalhadora”.

A Entidade Demandada discorda, todavia, dos valores reclamados pelo Autor (cfr. artigo 3.º da Contestação). Em concreto, o Autor peticiona o pagamento à sua associada da quantia de 3.333,12€, enquanto a Entidade Demandada, após apresentar cálculos diferentes, entende que só é devida a quantia de 2.690,21€, acrescida de juros de mora até à data do pagamento.

Neste contexto, constata-se que o (efetivo) litígio entre partes, bem analisadas as posições assumidas nos autos pelas mesmas, se resume a saber se a Entidade Demandada é (também) devedora da quantia de 642,91€, que se alcança mediante a subtração do valor de 2.690,21€ (que a Entidade Demandada confessa efetivamente dever à associada do Autor), aos 3.333,12€ peticionados pelo Autor.

A questão controvertida centra-se, assim, no quantitativo que é devido B..., em função da reconstituição da carreira da mesma, oriunda da contabilização do tempo de serviço prestado enquanto «contratada», que ambas as partes concordam dever ser reconhecido e contabilizado.

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 5.º, n.º 1. al. f) do RAA, constitui um dos Princípios do CAAD “o julgamento de acordo com o direito constituído”, pelo que cabe aferir o que dispõe – rectius: o que foi dispondo, ao longo do tempo – o bloco legal sobre a matéria.

A questão relativa à contabilização do tempo de serviço prestado tem sido tratada por diversa jurisprudência, merecendo destaque o afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 22-01-2009, proc. 0777/07), no sentido de que “O tempo de serviço prestado como assalariado eventual releva para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira dos funcionários da administração local que exerceram funções assalariados eventuais nos termos do artigo 658, do C. Administrativo, e que ingressaram nos quadros da administração local antes da entrada em vigor do artigo 6°-A, do DL n.° 409/91, de 17-10, na redacção da Lei n.° 6/92, de 29-04, através de um normal concurso de ingresso”. Ainda com relevo para o presente caso, acrescenta o mesmo tribunal, no acórdão citado, que “Não existe qualquer fundamento razoável para se fazer depender a relevância daquele tempo de serviço da data em que o funcionário assalariado viu a sua situação regularizada, ingressando no quadro da autarquia, pelo que se apresenta como inconstitucional por violação do princípio da igualdade no trabalho e à retribuição, consagrados nos artigos 13, e 59, n.º 1, da CRP, a interpretação que exclui a aplicação do disposto no n.º 3, do citado artigo 6-A, a um funcionário na situação referida [supra]”.

No mesmo sentido, já decidiu igualmente o Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão de 13-01-2005, proc. 05889/01), ao afirmar que “O tempo de serviço prestado pelo pessoal contratado ao abrigo do art 44º do Dec-Lei nº 247/87, de 17-6, é contável para efeitos de promoção e progressão mesmo quando aquele pessoal tenha sido integrado nos quadros por força de mecanismo diverso do constante do art. 6º do Dec-Lei nº 409/91, de 17-10, desde que não tenha havido, ao longo do período considerado, interrupção de funções com quebra de vínculo”.

À luz da jurisprudência exposta, a qual se subscreve, e ao abrigo dos normativos citados nas indicadas decisões judiciais – aqui plenamente aplicáveis –, deverá, efetivamente, a Entidade Demandada contar o tempo de serviço prestado por B... enquanto «contratada», para efeitos de promoção e progressão na carreira, devendo daí extrair todas as consequências legalmente exigíveis, nomeadamente ao nível da remuneração que deveria ter sido paga à sua trabalhadora. Como afirmado, a Entidade Demanda reconhece, efetivamente, que o tempo de serviço prestado por B... enquanto «contratada» tem de ser contabilizado e confessa-se devedora dos diferenciais remuneratórios que advêm dessa contabilização, limitando-se a discordar do valor peticionado pelo Autor.

A propósito do valor pecuniário devido a B..., consideramos que a razão está do lado da Entidade Demandada. De facto, ao analisar a tabela que consta do Documento n.º 1 junto à Contestação, não impugnado ou contrariado de modo convincente pelo Autor, resulta – de modo claro, credível, circunstanciado e rigoroso – que o valor devido a B... é de 2.690,21€ (acrescido de juros de mora). Note-se que a indicada tabela contém um quadro mensal, detalhado, com os valores que a associada do Autor efetivamente recebeu e com aqueles que, à luz da legislação em vigor, deveria ter recebido, indicando, ainda, a diferença mensal que é devida a B... .

Deve ser salientado, ainda, que os quantitativos indicados na tabela apresentada pela Entidade Demandada, como sendo devidos a B..., são, efetivamente, os que decorrem daquilo que o bloco legal foi determinando ao longo do tempo em que a indicada relação laboral decorreu. Vejamos.

Entre 1 de janeiro de 1992 e 31 de agosto de 1993 a trabalhadora tinha direito a auferir o diferencial remuneratório entre o escalão 2, índice 190 e o escalão 1, índice 180. Ora, o valor do índice 100 no ano de 1992, corresponde a 43.416$00, conforme decorre do artigo 1.º da Portaria n.º 77-A/92, de 05/02.

Por seu turno, o valor do índice 100 no ano de 1993 corresponde a 45.815$00, conforme decorre dos artigos 1.º e 8.º da Portaria n.º 1164-A/92, de 18/12.

Fazendo a aplicação do exposto, resulta que a diferença remuneratória mensal no ano de 1992 é de 21,45€ (82.500$00 – 78.200$00 / 200.482), que deve ser considerada em 14 meses, incluindo subsídio de férias e natal (sendo isso, aliás, o que resulta do Documento n.º 1, junto à Contestação). Perfaz-se, assim, o valor de 300,30€.

No ano de 1993, a diferença remuneratória mensal é de 22,94€ (87.100,00$00 – 82.500$00 / 200.482), paga por 9 meses, incluindo subsídio de férias. Perfaz-se, deste modo, o valor de 206,46€.

Entre 1 de janeiro e 8 de março de 1995, a trabalhadora tem direito a auferir o diferencial remuneratório entre o escalão 3, índice 200 e o escalão 2, índice 195, com o valor de 24,44€ (vide o artigo 1.º, alínea b) da Portaria n.º 1093-A/94, de 07/12). Por sua vez, entre 9 de março de 1995 e 31 de dezembro de 1997 a trabalhadora tem direito a auferir o diferencial remuneratório entre o escalão 2, índice 210 e o escalão 1, índice 200. Ora, o valor do índice 100, no ano de 1995, corresponde a 49.317$00, conforme decorre da Portaria n.º 1093-A/94, de 07/12 (cfr. artigo 1.º, alínea b)). Aplicando, resulta que a diferença remuneratória mensal no ano de 1995 (a partir de 9 de março) é de 24,44€ (103.600$00 – 98.700$00 / 200.482), que deve ser considerada 12 meses, de modo a incluir os subsídios de férias e de Natal. Perfaz-se, assim, a quantia de 342,17€.

No ano de 1996, o índice 100 corresponde a 52.252$00, em cumprimento do artigo 1.º da Portaria n.º 101-A/96, de 04/04. Assim, no ano de 1996, a diferença remuneratória mensal é de 25,94€ (109.800,00$00 – 104.600$00 / 200.482), paga por 14 meses, incluindo subsídios de férias e de Natal, perfazendo um total de 363,16€.

Em 1997, o índice 100 corresponde a um valor de 53.820$00, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 60/97, de 25/01. Neste ano, a diferença remuneratória mensal é de 26,93€ (113.100,00$00 – 107.700$00 / 200.482), paga por 14 meses, incluindo subsídios de férias e de Natal, o que totaliza 377,02€.

Entre 1 de abril e 30 de novembro de 1998 a trabalhadora tem direito a auferir o diferencial remuneratório entre o escalão 2, índice 225 e o escalão 1, índice 215. Ora, o valor do índice 100, no ano de 1998, corresponde a 55.300$00, conforme decorre do artigo 1.º da Portaria n.º 29-A/98, de 16/01. A partir de 1 de dezembro de 1998 e até 21 de dezembro de 2000, a trabalhadora tem direito a auferir o diferencial remuneratório entre o escalão 3, índice 235 e o escalão 2, índice 225. Pelo que, face ao ano de 1998, existe uma diferença de 306,74€.

No ano de 1999, o índice 100 corresponde a 56.959$00, de acordo com o artigo 1.º da Portaria n.º 147/99, de 27/02, pelo que ficou por pagar à trabalhadora o valor de 398,02€.

Já no 2000, o índice 100 correspondeu a um valor de 58.383$00, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 239/2000, de 29/04, pelo que é devido à trabalhadora a quantia de 396,34€.

Tudo somado, perfaz-se um total de 2.690,21€, que deveriam ter sido pagos a B... nos respetivos meses em que o trabalho foi prestado. A mesma tem, por conseguinte, direito a receber a indicada quantia de 2.690,21€, acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data do vencimento de cada um dos valores em falta até à data do efetivo e integral pagamento.

 

V.           DECISÃO

Em face do supra exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a Entidade Demandada:

(i)           A contabilizar o tempo de serviço que B... prestou como «contratada» como sendo prestado na categoria em que veio a ingressar no quadro, designadamente para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório;

(ii)          A proceder à progressão de B... que se mostre legalmente devida, em função da contabilização do tempo de serviço efetivamente prestado, incluindo, para esse efeito, o tempo de serviço prestado enquanto «contratada»;

(iii)         A pagar a B... a quantia de 2.690,21€, acrescida de juros de mora, contados desde a data do vencimento de cada um dos valores em falta, até à data do efetivo e integral pagamento.

 

Fixa-se para a presente ação arbitral o valor de 6.118,06€, correspondente ao valor peticionado pelo Autor (incluindo os juros vencidos, mas desconsiderando o pedido de juros de mora vincendos – cfr. 297.º, n.º 2, do CPC). Segundo o artigo 29.º, n.º 5 do RAA, “Nas arbitragens que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, pagando-se em função do valor fixado na tabela de encargos processuais”.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de janeiro de 2021.

 

O Árbitro (único),

DIOGO CALADO