Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 16/2019-A
Data da decisão: 2020-06-02  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Subsídio de risco
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             Relatório

 

1. Os Demandantes inframencionados intentaram, em junho de 2019, a presente ação arbitral no CAAD, contra a Demandada A..., tendo solicitado como árbitro o Professor Doutor Luís Sousa da Fábrica.

Os Demandantes Autores são os seguintes, por ordem alfabética do primeiro nome, agrupados por categorias e domicílios profissionais, todos identificados pelos respetivos números fiscais de contribuinte:

a)            B..., NIF ..., C..., NIF..., D..., NIF..., E..., NIF..., F..., NIF..., G..., NIF..., H..., NIF..., I..., NIF..., J..., NIF..., K..., NIF..., L..., NIF..., M..., NIF..., e N..., NIF..., Especialistas superiores, com domicílio profissional na A...,  ... sede,  sito  na  Rua   ...,  n.º..., ...-... LISBOA;

b)           O..., NIF..., P..., NIF..., Q..., NIF..., R..., NIF..., S..., NIF..., T..., NIF..., U..., NIF..., V..., NIF..., W..., NIF..., Y..., NIF..., Z..., NIF..., AA..., NIF..., BB..., NIF..., CC..., NIF..., DD..., NIF..., EE..., NIF..., FF..., NIF ..., GG..., NIF..., HH...,  NIF  ...,  II..., NIF..., JJ..., NIF..., e KK..., NIF..., Especialistas-adjuntos, com domicílio profissional na A..., ... sede,  sito  na  Rua  ...,  n.º..., ...-... LISBOA;

c)            LL..., NIF..., MM..., NIF..., NN..., NIF..., OO..., NIF..., PP..., NIF..., QQ...,  NIF  ..., RR..., ..., SS..., NIF..., e TT...,  NIF  ...,  Especialistas superiores, com domicílio profissional na Diretoria do Norte da A..., sito na Rua ..., ..., ...-... PORTO;

d)           UU..., NIF..., VV..., NIF..., WW..., NIF..., XX..., NIF..., YY..., NIF..., e ZZ..., NIF...,  Especialistas-adjuntos, com domicílio profissional na Diretoria do Norte da A..., sito na Rua ..., ..., ...-... PORTO;

e)           AAA..., NIF ..., e BBB..., NIF..., Especialistas-adjuntos, com domicílio profissional no Departamento ... de ..., sito na Rua..., n.º ...-..., ...-... BRAGA;

f)            CCC..., NIF..., Especialista-adjunto, com domicílio profissional no Departamento de ... de ..., sito na Rua ..., n.º..., ...-... PORTIMÃO;

g)            DDD..., NIF..., EEE..., NIF..., e FFF..., NIF..., Especialistas-adjuntos, com domicílio profissional no Departamento de ... de ..., sito na ..., ..., ...-... LEIRIA;

h)           GGG..., NIF..., Especialista-adjunto, com domicílio profissional no Departamento de ... da ..., sito na Rua ..., n.º..., ...-... GUARDA;

i)             HHH..., NIF..., Especialista-adjunta, com domicílio profissional no Departamento de ... do ..., sito na Rua ..., n.º..., ...-... FUNCHAL;

j)             Todos posicionados na carreira de Apoio à Investigação Criminal, e integrados na área funcional de Criminalística.

A demandada é a A..., representada pela sua Direção Nacional, com sede na ...,  n.º..., ...-...  LISBOA.

 

2. A petição apresentada, com vista a obter a procedência dos pedidos formulados, considerou o seguinte, juntando três documentos:

- a invalidade dos atos administrativos de retribuição dos demandantes, no segmento onde se calcula o subsídio de risco, no período compreendido entre janeiro de 2008 e dezembro de 2018, emitindo-se os consequentes atos administrativos corretivos: quanto ao (i) montante mensal de 390,63 euros para 402,43 euros no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, acrescendo a devida correção nos subsídios de férias e Natal; e quanto ao (ii) montante mensal de 379,62 euros para o montante mensal de 390,63 no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2008, acrescendo a devida correção nos subsídios de férias e Natal;

- o pagamento da diferença para o valor correto no tocante àqueles subsídios de risco, incluindo os seus reflexos nos subsídios de férias e de Natal nos correspondentes períodos considerados, acrescentados ainda dos respetivos juros legais e moratórios;

- o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 100,00 euros, ou outra a ser fixada pelo tribunal, por cada dia de atraso no cumprimento efetivo e integral da decisão.                                                                                                                                                                                                

Em ordem a alcançar a procedência da ação arbitral, os demandantes alegaram que têm vindo a receber subsídio de risco abaixo do valor legal, devendo o seu cálculo corresponder a 25% do índice 100 da tabela indiciária da categoria de inspetor no 1º escalão, nos termos do art. 99º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de setembro, não sendo juridicamente possível à entidade patronal diminuir essa remuneração, pois que se trataria de direitos fundamentais protegidos pela CRP, considerando ainda a garantia da irredutibilidade do salário.

 

3. Em 25.6.2020, a demandada foi notificada para contestar, dizendo em síntese o seguinte, pronunciando-se pela improcedência dos pedidos, por exceção e por impugnação, juntando nove documentos e o processo administrativo:

- falta de interesse na obtenção da condenação da demandada pelo facto de esta ter satisfeito a pretensão no tocante ao ano de 2018, e também por as demandantes já saberem o direito aplicável, sendo a decisão meramente confirmativa;

- falta de representação dos demandantes, à exceção de U..., dado que, nos termos da ação arbitral, os outros demandantes não se mostrariam representados, não tendo conferido tais poderes àquele demandante, que apenas poderia agir em nome próprio;

- falta de constituição do mandatário porque a aplicação supletiva do art. 11º, nº 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) exigiria a constituição de mandatário forense, tal não tendo ocorrido;

- falta de pagamento da taxa de arbitragem porque esta apenas teria sido satisfeita para o demandante U..., e não para todos os outros autores apresentados na petição inicial, não se considerando haver coligação de autores e cumulação de pedidos;

- improcedência do pedido por a demandada não estar em condições de satisfazer as correções imposta por lei por falta de cabimentação orçamental;

- improcedência do pedido de U... no tocante ao período entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009, em aplicação da decisão arbitral do CAAD nº 62/2015-A;

- improcedência do pedido de U... em relação ao período compreendido entre 1 de abril de 2016 e 31 de dezembro de 2018 por nesse tempo não ter auferido remunerações da demandada, estando ao serviço de outra instituição;

- improcedência do pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória porque extemporâneo – apenas aplicável em processo executivo – e ilegal – violador do limite máximo de 10% do salário mínimo nacional. 

 

4. Os demandantes, em 2.7.2019, além de terem manifestado a aceitação pelo Professor Doutor III..., indicado pela demandada, vieram chamar a atenção para a sua discordância em relação a assuntos constantes da contestação, mantendo a opinião sobre a procedência dos pedidos formulados na sua petição inicial:

                - entendendo que apenas estariam em causa designações legais para as categorias, não se pondo em questão a bondade das pretensões formuladas, sendo irrelevantes para o thema decidendum;

                - considerando que a solução jurídica para as suas pretensões só se materializaria com uma decisão jurisdicional, sendo isso o que estariam a solicitar ao tribunal arbitral, não bastando para o efeito ocorrer formular meras promessas;

                - pensando que haveria um óbvio interesse em agir porque a não ser o recurso ao tribunal arbitral jamais lograriam ter o efeito prático da perceção das correções devidas ao subsídio de risco erroneamente calculado durante anos;

                - aceitando a necessária constituição de advogado, sendo essa uma prerrogativa corretiva do tribunal arbitral;

                - encontrando as razões do art. 11º do Novo Regulamento da Arbitragem Administrativa do CAAD (NRAA) para num único processo arbitral se aceitar coligação de autores e cumulação de pedidos;

                - opinando, como consequência, que só haveria um processo arbitral, sendo único o pagamento da taxa arbitral, não se justificando autonomizar emolumentos para 59 pronúncias arbitrais, quando se trata de um mesmo assunto;

- tendo razão quanto ao mérito não só por aquilo que foi decidido pelo CAAD no processo nº 62/2015-A como pelo despacho do Diretor Nacional da A... de janeiro de 2019, que reconhece expressamente os créditos em controvérsia.

               

5. Em 8.7.2020, a demandada retorquiu ainda ao teor da resposta dos demandantes à sua contestação, dizendo o seguinte no sentido de se recusar a admissão de tal peça:

                - a alegação de factos não supervenientes, sendo apenas um desenvolvimento da petição inicial, não um verdadeiro articulado superveniente;

                - o entendimento jurídico diverso a respeito da interpretação das posições profissionais em causa por força das limitações orçamentais a que estaria submetida, tal desembocando na impossibilidade de a A..., por via da sua vinculação hierárquica, proceder aos pagamentos devidos;

                - a necessidade da constituição e avogado, ainda que admitindo que tal hipótese pudesse ser ordenada pelo tribunal, em função do valor da causa;

                - a necessidade do pagamento individual da taxa de arbitragem em aplicação das disposições aplicáveis.

 

6. Perante a recusa do árbitro indicado, as partes acordaram em que o árbitro singular fosse designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, escolha que este fez recair sobre o signatário, que aceitou o honroso encargo, tribunal arbitral constituído a 16 de julho de 2019. 

 

7. Após o período de férias judiciais de verão de 2019, o tribunal arbitral, por despacho de 20.9.2019, solicitou aos demandantes a designação de mandatário forense, considerando ser essa a orientação jurídica aplicável.

Em resposta a tal despacho, em 24.9.2019, a Dra JJJ..., na sua qualidade de mandatária forense dos demandantes, apresentou ao tribunal arbitral pedido para juntar aos autos de 36 procurações forenses e protestando juntar 24 outras procurações forenses.

 

                8. Por entretanto ter sido apresentado ao tribunal arbitral nova documentação a respeito de pagamentos efetuados, foi proferido despacho no sentido de se fazer prova da mesma.

                Em resposta, a mandatária dos demandantes, Dra JJJ..., em 3.12.2019, considerou que a prova estaria já junta aos autos.

                Porém, mais informou a Dra JJJ... que as correções feitas pela demandada referentes ao ano de 2018 não contemplaram a contabilização de juros devidos.

                Foi finalmente dito pelo demandante U... que apenas pretendia que o seu pedido fosse apenas apreciado no período até 31 de março de 2016 por depois dessa data ter entrado em funções ao serviço de outra instituição.

               

                9. Findo os articulados apresentados e demais informações, o tribunal arbitral agendou uma reunião com as partes, a qual teve lugar em 16.1.2020, nas instalações do CAAD.

                Da ata de tal reunião, realizada com a presença do juiz singular e dos mandatários, quanto às matérias da falta de procurações forenses e do pagamento da taxa arbitral, as partes invocaram o cumprimento das disposições regulamentares aplicáveis, tendo o tribunal remetido a discussão da matéria para a decisão final.

                O tribunal perguntou também sobre se, entretanto, devido à parcial solução do âmbito do litígio, haveria a possibilidade de um entendimento, tendo sido informado não ser tal acordo possível, mantendo-se as questões controvertidas, menos na parte em que a demandada deu satisfação parcial ao pedido apresentado quanto ao pagamento corrigido do subsídio de risco referente ao ano de 2018.

                O tribunal arbitral, depois de ouvidas as partes, decidiu prescindir da apresentação de alegações finais.

                Mais ainda ficou decidido, ao que as partes deram o seu acordo, que poderia o tribunal arbitral prorrogar o prazo referido no nº 1 do art. 25º do NRAA por dois meses após o término daquele.

                Em 20.1.2020, a mandatária dos demandantes fez juntar ao processo arbitral 58 procurações forenses.

               

                10. Quando o tribunal arbitral se preparava para decidir, o país foi surpreendido pela pandemia do COVID-19, com as suas naturais consequências, e também jurídicas associadas, primeiro, à declaração do estado de emergência, e depois, à declaração do estado de calamidade pública, que ainda subsiste.

                No plano processual, entrou em vigor a Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, que suspendeu os prazos judiciais, prazos que só voltaram a vigorar com a entada em vigor da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, estabelecida para o próximo dia 3 de junho de 2020.

Não obstante, no uso da permissão concedida no âmbito da reunião deste tribunal havida em 16.1.2020, devidamente constante na respetiva ata, e atendendo à superveniência das medidas excecionais tomadas no contexto do combate à pandemia do COVID-19, o tribunal arbitral determinou que o prazo para a prolação da sentença arbitral fosse prorrogado em mais dois meses, de acordo com o estipulado no art. 25º, nº 1, do NRAA do CAAD.

 

II.            Pressupostos processuais

 

                11. Antes de se apreciar o mérito da causa, cabe ao tribunal arbitral analisar as dúvidas que foram suscitadas em matéria de alguns dos pressupostos processuais, sendo certo que este tribunal se considera competente para a instância em causa.

               

12. Em relação ao tema da representação de mandatário, julga-se que o assunto ficou resolvido pelo facto de tanto os demandantes como a demandada terem comprovado a relação de patrocínio forense, ainda que em diversos momentos, em qualquer caso antes da decisão arbitral.

               

13. Quanto à falta de pagamento da taxa arbitral, que apenas foi feita no valor correspondente a um único sujeito ativo processual, entende-se que a mesma se encontra corretamente realizada, na medida em que se trata de um processo em que, havendo uma pluralidade de demandantes que integram a posição processual de sujeito ativo, devido à identidade da causa de pedir e do sujeito passivo processual, bem como sendo a mesma a questão jurídica a apreciar, por isso se devendo aceitar a apresentada coligação de demandantes e de pedidos.

                Na verdade, o NRAA do CAAD versa o assunto no seu art. 11º, no qual se dispõe o seguinte: “A cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos ou contratos, bem como a coligação de demandantes ou demandados, são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”. Julga-se ser o caso, porquanto se trata da apreciação da mesma questão jurídica, perante a mesma entidade patronal e para um perfil profissional comum aos demandantes.

Assim sendo, não se justificaria a constituição de tantos tribunais arbitrais quantas as partes demandantes porque, além do mais, a consequência seria idêntica por aplicação das disposição do NRAA a respeito da apensação de pedidos, nos termos do seu art. 13º. 

 

14. A mesma orientação se retira, aliás, do Direito Processual Civil como Direito Processual Comum, no qual rege o art. 36º do Código de Processo Civil, o mesmo se dizendo no CPTA, segundo o art. 12º, nº 2: “Nos processos impugnatórios, é possível a coligação de diferentes autores na impugnação, seja de um único, seja de vários atos jurídicos, desde que se preencha qualquer dos pressupostos estabelecidos no número anterior”.

É o que sucede com o art. 12º, nº 1, al. a), do CPTA, na qual se alude à identidade da causa de pedir.

Sendo assim possível a coligação de autores e a cumulação de pedidos numa mesma causa, com diferentes autores e pedidos específicos para cada um, mas com uma óbvia analogia substantivo-jurídica, trata-se de um único procedimento arbitral, devendo aplicar-se uma única taxa de justiça arbitral.

Outra coisa não se compreenderia ainda à luz de um princípio de justiça processual material como em aplicação de dois princípios específico da arbitragem administrativa no CAAD, que são os princípios previstos no art. 5º, nº 1, do NRAA, respetivamente, nestas duas alíneas:

- b) Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis – na medida em que o Direito confere ao tribunal arbitral margem hermenêutica para assim decidir;

- i) Moderação dos encargos processuais – na medida em que seria estranho que um mesmo esforço do tribunal arbitral pudesse ser “pago” dezenas de vezes...

15. Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir, quanto aos Factos e quanto ao Direito.

 

III.          Dos Factos

 

16. Dão-se por assentes os seguintes factos, não havendo factos controvertidos e matéria por provar:

 

a)            Os autores são os identificados no relatório desta sentença, tendo as referidas categorias profissionais no âmbito da demandada, à qual prestam o seu trabalho numa relação jurídica de trabalho em funções públicas;

b)           No plano remuneratório, além da retribuição base, os demandantes têm direito a subsídio de risco;

c)            Desde o mês de janeiro de 2008 e até 2017 o subsídio de risco foi pago em valor inferior a 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, tal como referida na petição inicial, o que se dá por assente por não contestado e por nada resultar em contrário dos documentos juntos aos autos;

d)           Com exceção do valor correto pedido quanto ao subsídio de risco correspondente ao ano de 2018, após decisão do Diretor Nacional da A... de assim agir em conformidade com o sentido doutrinal da sentença do CAAD do processo nº 65/2015-A, a qual também se funda em informação interna na qual reconhece razão jurídica às pretensões aqui formuladas quanto à correção dos valores do subsídio de risco;

 

e)           Tudo isto não obstante estes pagamentos terem sido solicitados à entidade patronal, pretensão que foi negada – com exceção dos subsídios de 2018, se bem que sem pagamento de juros – sob invocação de constrangimentos legais e orçamentais alheios à instituição;

f)            Do universo dos demandantes, a pretensão processual de U... é específica porque no período em causa não deve ser contabilizado o tempo em que tem exercido serviço noutra instituição judiciária, desde 1 de abril de 2016.

 

IV.          Do Direito

 

17. É apenas uma a questão a decidir, configurada a partir da causa de pedir, dos pedidos e da posição assumida pela demandada nas peças processuais, sendo o resto uma decorrência desta questão: qual solução jurídica aplicável em matéria de pagamento de subsídio de risco no período entre janeiro de 2008 e dezembro de 2018?

Havendo já uma decisão no CAAD sobre este tema tirada no Processo nº 62/2015-A, em 18.1.2016, da autoria do Juiz Árbitro Joaquim Sabino Rogério, a mesma é igualmente considerada para a solução que vai ser ditada por este tribunal, para a qual se remetem os necessários desenvolvimentos complementares, como é próprio da simplificação que deve ser apanágio da jurisprudência arbitral e esta decisão louvando-se na sua excelente argumentação jurídica .

Por outro lado, há ainda a considerar que aquela solução jurídica, a ser vertida na decisão arbitral a prolatar neste processo, se apresenta praticamente consensual, pois a mesma é expressamente aceite – conforme se pode comprovar pelos articulados – pela demandada, ainda que tal não possa valer como “confissão” porque instrumento inaplicável a questões de Direito.

 

18. Em face dos factos assentes, importa aplicar o Direito, começando pelo enquadramento da questão jurídica em apreço.

O Decreto-Lei nº 295-A/90, 21 de setembro – que atualizou a orgânica da A...– atribuiu, no seu art. 99º, nºs 3 e 4, um subsídio de risco na carreira de inspetor, a calcular como 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, estabelecendo o seguinte:

- nº 1 – “Os funcionários ao serviço da A... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal”;

- nº 3 – “O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária”; e

 

- nº 4 – “Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior”.

O Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de novembro, que revogou aquele Decreto-Lei nº 295-A/90, manteve, porém, o regime de atribuição do suplemento do subsídio de risco nos mesmos moldes enquanto não fosse publicada nova regulamentação, mantendo-se, segundo o seu art. 161º, o direito ao suplemento de risco «segundo o critério em vigor à data desta lei».

A Portaria nº 98/97, de 13 de fevereiro, manteve-se em vigor até ser revogada pela Portaria nº 10/2014, de 17 de janeiro, que entrou em vigor a 17 de fevereiro de 2014 e que manteve as percentagens e base de cálculo anterior.

Importa sublinhar que a Lei de Vinculação, de Carreiras e Remunerações (LVCR - Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro), e a Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de dezembro, não são aplicáveis às carreiras/categorias de regime geral, de regime especial e corpos especiais que ainda não foram revistas, como é a situação em que se enquadra o caso sub iudice.

Pelo que subsiste o regime geral estabelecido no Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de junho, desenvolvido e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de outubro, e a legislação especial aplicável à A... acima enunciada.

 

19. Sendo este o enquadramento do regime da atribuição do subsídio de risco, cumpre diferenciar dois períodos, uma vez que se aceita a doutrina estabelecida na sentença do Processo nº 62/2015-A, admitida também pela demandada:

- o período até dezembro de 2009, inclusive; e

- o período a partir de janeiro de 2010.

 

                20. Em relação ao cálculo dos subsídios de risco alusivos aos anos de 2008 e 2009, os valores pagos pela demandada foram corretos segundo os regimes aplicáveis, pelo que as pretensões processuais dos demandantes não são procedentes.

                Neste período, legitimamente vigoraram várias limitações transitórias impostas por diversos instrumentos jurídico-normativos: as Leis nº 43/2005, de 29 de agosto, 53-C/2006, de 29 de dezembro, 67-A/2007, de 31 de dezembro, e 64-A/2008, de 31 de dezembro, bem como a Portaria nº 1552-D/2008, de 31 de dezembro.  

 

                21. Já em relação aos valores do subsídio de risco referentes a partir de 2010, também se acompanha argumentação jurídica tecida na sentença prolatada no processo nº 62/2015-A no sentido de se considerar que deixou de vigorar o regime transitório, devendo os seus valores ser atualizados segundo a argumentação subjacente aos pedidos apresentados pelos demandantes, terminada a vigência do regime decorrente da Lei nº 64-A/2008. 

A lógica – que aqui se acompanha e que também consta da sentença arbitral do processo nº 62/2015-A – é a de que não se possível atribuir uma pós-eficácia a um regulamento administrativo – no caso, a Portaria nº 1552-D/2008 – quanto a um período futuro para o qual tinha cessado a aplicação de um regime transitório de congelamento ou de atualização mitigada de valores do subsídio de risco.

É que o regime relativo à atualização dos suplementos da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, apenas se destinou a ter vigência para esse ano, sendo isso o que se dispõe no art. 22º deste diploma, ao mencionar a «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», em linha com o princípio constitucional da anualidade da lei do orçamento.

Quer isto dizer que em 1 de Janeiro de 2010 terminou o efeito da norma, passando-se, a partir daí, à situação do regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogado.

A Portaria nº 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008, não poderia conter uma ultra-atividade prospetiva, por óbvia falta de fundamento legal e até mesmo sendo inconstitucional em sede de incumprimento do princípio do Estado de Direito, na vertente do princípio da proteção da confiança .

 

22. Diga-se ainda que não há lugar à aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo facto de não se estar em sede de processo executivo, como se exige no art. do CPTA. 

 

V.           Decisão

 

23. Tendo em consideração o exposto, julgo a ação arbitral parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decreta-se:

a) Improcedentes todos os pedidos dos demandantes supra-identificados referentes ao valor mensal dos subsídios de risco do período compreendido entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009; 

b) Procedentes todos os pedidos dos demandantes supra-identificados referentes ao valor mensal dos subsídios de risco do período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2017, com exceção do pedido formulado pelo demandante U...;

c) Procedentes todos os pedidos formulados do demandante U... referentes ao valor mensal dos subsídios de risco do período compreendido entre janeiro de 2009 e 31 de março de 2016;

d) Procedentes todos os pedidos formulados quanto ao pagamento de juros legais e de mora, vencidos e vincendos, sobre as referidas diferenças remuneratórias até ao efetivo e integral pagamento da parte dos subsídio em falta, incluindo os juros que se referem ao ano de 2018, durante o qual se realizou o pagamento das correções devidas ora reconhecidas do subsídio de risco;

e) Improcedente o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória.

 

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Nos termos do art. 29º, nº 5, do NRAA, tratando-se de assunto relativo a relações jurídicas de emprego público, as custas são fixadas nos termos da tabela de encargos processuais estabelecida pelo CAAD.

 

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Nos termos dos arts. 31.º a 33º do CPTA, aplicável por força do disposto no art. 29.º do NRAA, e, subsidiariamente, no art. 300º do Código de Processo Civil, atendendo à utilidade económica dos ato anulados e os efeitos futuros da presente sentença por estarmos perante uma relação e obrigação permanentes, deve o valor do processo em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais. 

 

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Deposite-se o original da sentença e notifiquem-se as partes nos termos do art. 23º, nº 3, do NRAA.

Ficam os Demandantes notificados para, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, procederem à liquidação dos valores devidos pela Demandada em conformidade com o decidido na presente sentença arbitral.

 

Lisboa, 2 de junho de 2020             

 

 

O Juiz-Árbitro

 

Jorge Bacelar Gouveia