Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 1297/2019-A
Data da decisão: 2020-03-03  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 93.656,16
Tema: Emprego público – Suplemento de risco – Artigos 99º-3 e 4, do DL 295-A/90 e 156º-1, do DL 275-A/2000.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

A - Partes e objeto do litígio

 

A entidade Demandante, A..., um sindicato dotado de personalidade jurídica e capacidade legal para o cumprimento dos seus fins e que visa exclusivamente a promoção e defesa dos interesses económicos, sociais, profissionais e culturais dos seus associados, intentou, em 3 de outubro de 2019, em representação dos seus 52 associados do pessoal de apoio à investigação criminal com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova (criminalística), a presente ação, contra o Demandado B..., ambos melhor identificados e descritos nos autos.

 

Peticiona a Demandante que seja o Demandado condenado a:

 a)           No prazo máximo de 10 dias, ordenar o processamento e o pagamento, aos trabalhadores da área de criminalística, associados da Demandante, do valor do subsídio de risco em dívida no montante de € 77.297,48 (setenta e sete mil, duzentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos), com todas as devidas consequências legais;

b)           Pagar aos trabalhadores da área de criminalística, associados da Demandante, o valor dos juros vencidos desde a data em que deveria ter sido pago o subsídio de risco integral até à presente data, correspondendo o montante liquidado até 02.10.2019 à quantia de € 16.358,68 (dezasseis mil, trezentos e cinquenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos).

c)            A pagar aos trabalhadores da área de criminalística, associados da Demandante, o valor dos juros vincendos até à data do integral e efectivo pagamento de todas as quantias em dívida.

 

Para tanto alega  e requer, em síntese, que seja reconhecido aos 52 associados que representa e que exercem funções de perícia criminalística, da área de Lofoscopia (trabalhadores com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova), que passem a auferir subsídio de risco nos termos do disposto no art. 99.º n.º 3 e n.º 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, e a condenação do Demandado no pagamento dos valores em dívida, desde 2010, até à presente data.

A Demandante fundamenta a sua pretensão na aplicação à sua situação dos seguintes normativos legais, e na respetiva conjugação, dizendo e finalizando do seguinte modo:

- Nos termos do disposto no artigo 99.º n.º 3 e 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, normas aplicáveis por força do disposto nos artigos  91.º, 161.º e 178.º do DL 275-A/2000, de 9 de Novembro, o suplemento de risco para os trabalhadores da carreira de investigação criminal e para os trabalhadores integrados nas áreas funcionais de criminalística é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de Inspetor;

- O artigo 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios, que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado.

- Congelamento esse que foi prorrogado até 31 de Dezembro de 2007 pelo artigo 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de Dezembro.

- Cessada a vigência da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de Dezembro em 31 de Dezembro de 2007 (artigo 4.º da citada lei), a Lei do Orçamento do Estado para 2008 e a subsequente Lei do Orçamento de Estado para 2009 vieram estabelecer formas de cálculo específicas para a atualização dos suplementos remuneratórios;

- Desde Janeiro de 2010 até 31 de Dezembro de 2018, os trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal da área da criminalística, auferiram, mensalmente, a título de subsídio de risco o montante de € 390,63 (trezentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos);

- Em 5 de Junho de 2018, a Demandante expôs a situação junto do Exmo. Senhor Diretor Nacional da C... e requereu que se procedesse ao pagamento do montante do subsídio de risco em falta, sem qualquer decisão vertida sobre este pedido.

 

O Demandado é o B... que nos termos legais da Lei Orgânica do B... aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29 de Dezembro na redação dada pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional (vide artigo 1º n.º 1 alínea d) e n.º 2 da alínea a) da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de Setembro, que vincula à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD vários serviços centrais, pessoas coletivas e entidades que funcionam no âmbito do B... .

 

Citado no processo, veio o Demandado apresentar contestação em 25 de outubro de 2019, invocando, em síntese, as seguintes exceções:

-  Exceção de incompetência do CAAD em razão da matéria por entender que o CAAD não detém as competências legais para a apreciação do presente litígio dado que o objeto tal como configurado pela Demandante não determina a vinculação do Demandado à jurisdição do CAAD;

- Exceção de incompetência do CAAD para dirimir o presente litígio, em razão de o Demandado não se ter vinculado quanto às matérias relativas a remunerações, e como tal ser este um direito indisponível de ser dirimido pelo CAAD nos termos legais aplicáveis;

- Exceção de caducidade do direito de ação, fundamentado no pressuposto de os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, e como tal suscetíveis de impugnação pelo prazo de três meses, pelo que a presente ação é intentada fora de tempo, pelo decurso desse prazo.

 

Para além das exceções invocadas, impugna o Demandado a Petição Inicial apresentada pela Demandante no sentido da interpretação jurídica de Direito Constituído e aplicável a remunerações e suplementos, formulada por esta nesta peça.

Impugna, também, o Demandando o valor da causa, por entender que o apuramento do mesmo não é possível de entendimento por omissão de operações aritméticas por parte da Demandante.

 

Pugna o Demandado, a final, pela improcedência dos pedidos e sua consequente absolvição.

 

Não procedeu o Demandado à junção do Processo Administrativo, nos termos do artigo 12º n.º 4 do RAA, por entender o mesmo não suscetível de junção por ausência de correta identificação da Demandante.

 

Foi apresentada Réplica por parte da Demandante, em 4 de Novembro de 2019, pronunciando-se sobre as exceções invocadas pelo Demandado, requerendo a sua improcedência, mais concluindo peticionando como na petição Inicial apresentada.

 

Findo os articulados foi proferido despacho inicial, nos termos do disposto no artigo 18º do Regulamento da Arbitragem Administrativa (RAA), em 18 de Novembro de 2019, onde o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a condução dos trabalhos e tramitação processual.

 

Com o despacho inicial foi dada às partes a oportunidade, nos termos e para os efeitos do artigo 24º do RAA para, querendo, no prazo de cinco dias, requererem o que entendessem útil à boa decisão da causa ou apresentarem alegações escritas, em simultâneo, uma vez que não renunciaram ao exercício dessa faculdade. As partes alegaram, tendo a Demandante apresentado requerimento superveniente, em 12 de Fevereiro de 2020 onde apresentou documentação bastante

 

B - Tribunal Arbitral

 

O Tribunal Arbitral é composto por coletivo de árbitros designados pelo CAAD (cfr. artigo 15º n.º 1 do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).

 

Por correio eletrónico de 31 de Outubro de 2019, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD comunicou aos mandatários das partes a designação deste Colégio Arbitral.

 

C – Saneamento do processo

 

Das exceções invocadas

Cumpre apreciar prioritariamente a competência material do Tribunal e as exceções invocadas pela entidade demandada.

Vejamos então.

 

(i)           Exceção de incompetência material e exceção de incompetência para dirimir matérias relativas a remunerações

 

 

Na análise da competência do Tribunal, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjetiva face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral. Trata-se aqui da consagração do chamado princípio da Kompetenz-Kompetenz, que a Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14-12, estabelece no seu artigo 18º, sob a epígrafe “competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua própria competência”.

 

A competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio (cujo objeto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem), a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral.

 

A competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da Lei, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem.

 

O CAAD tem por objeto, além de outros, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público – Cfr alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º e 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

 

A matéria em causa nos autos constitui matéria emergente de relação jurídica de emprego público.

 

Alegando, por um lado, que a entidade demandada não se vinculou à jurisdição arbitral do CAAD relativamente ao objeto do litígio e, por outro, que o objeto do litígio respeita a remunerações, excepciona a Ré a incompetência material deste Tribunal.

 

Vejamos:

 

É admissível a constituição de Tribunal Arbitral “(...) para o julgamento de questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis (...)” – Cfr artigo 180º-1/d), do CPTA.

 

A C... vinculou-se á jurisdição do CAAD através da Portaria nº 1120/2009, de 30-9, com exclusão dos litígios relativos à carreira de investigação criminal tendo por objeto matéria relativa a remunerações e suplementos [cf artigo 1º-3/c), da citada Portaria].

 

No caso, o Sindicato autor representa trabalhadores com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova da C..., pertencentes ou integrados em carreira distinta da de investigação criminal: pertencem concretamente ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal (artigo 62º-3 e 5, do DL nº 275-A/2000, de 9-11).

 

Ora se assim é, a sobredita norma excepcional [artigo 1º-3/c), da citada Portaria], não deve ser trazida à colação pela simples e cristalina razão de que não é o pessoal da carreira de investigação criminal que está aqui em causa, mas antes o da carreira, distinta, de apoio à investigação criminal.

 

E será que estão em litígio direitos indisponíveis, como tal subtraídos à jurisdição do CAAD?

 

Afigura-se que não.

 

Na verdade, o que o legislador quis decididamente subtrair à jurisdição do CAAD foram, como se viu supra, por um lado, os litígios relativos a remunerações e suplementos de funcionários da carreira de investigação criminal e, por outro, todos os litígios tendo por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

 

Ora, no caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a subsídio de risco correspondente  a uma parte ínfima [€ 11,80/mês ]  da remuneração global dos trabalhadores representados pelo Sindicato autor, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange esta parcela porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei nº 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

 

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – Cfr artigo 738º, do Código de Processo Civil.

 

Decorre do exposto, a indisponibilidade relativa do direito invocado e, consequentemente, improcede totalmente a exceção de incompetência material suscitada pela demandada.

 

(ii)          Da invocada caducidade do direito de ação

 

Fundamenta a demandada a exceção de caducidade do direito da demandante centrada no facto de serem os atos de processamento de vencimentos ou remunerações mensais relativos ao período entre 1-1-2010 a 31-12-2018, verdadeiros atos administrativos e, consequentemente, sujeitos à caducidade de três meses, prevista no artigo 58º-1/b), do CPTA.

 

Muito se tem escrito por aquilo que se entende por acto administrativo.

Começando pela doutrina, explana Rogério Soares (Direito Administrativo, Coimbra) que o ato administrativo é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos positivos ou negativos”.

 

Por seu lado, refere Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2012, 2ª edição) que “ é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

 

Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código de Procedimento Administrativo, comentado), vêm, ainda, referir que “acto administrativo é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz direta, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros. “

 

Como tem decidido o STA, “(...) os actos de processamento de vencimentos são actos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas e

 (...) são actos de mera execução os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de actos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas neles (...)” – Cf Ac. do STA de 10-4-2008 – Proc nº 0544/06.

 

Do exposto se infere que, como refere o próprio artigo 148º do CPA, para que ocorra um ato administrativo, temos de estar perante uma decisão da Administração que produza efeitos externos numa situação concreta. Note-se que, por decisão, tem de entender-se a resolução ou uma tomada de posição sobre um assunto colocado à Administração.

 

Ora o ato de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado, como se viu, um ato administrativo quando ocorra, de novo, alguma intervenção da Administração e que tenha definido determinada situação concreta. Isto é, quando um órgão da Administração decida sobre uma qualquer questão e a dê conhecer ao interessado.

 

Ou seja, e em conclusão: não se pode considerar ato administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto. As situações constantes do processamento de vencimentos há muito que estão definidas e o processamento é um ritual quase automático, muitas vezes, ou quase sempre, processado através do sistema informático. Nestes casos estamos a falar de operações materiais e não de atos administrativos.

 

Descendo ao caso dos autos:

 

Analisada a petição inicial, não se surpreende a alegação de que tenha havido qualquer definição voluntária e inovatória da Administração Pública relativamente ao montante do subsídio de risco (que é o que está em causa) processado mensalmente aos trabalhadores.

 

E se assim é, então os atos de processamento de vencimentos não configuram atos administrativos, mas meros atos mecanizados mensais de processamento dos vencimentos.

 

Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.

 

O Tribunal é assim competente.

O processo é o próprio e as partes, detendo personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas,

Não há outras exceções ou questões prévias de que cumpra agora conhecer.

 

 

D – Do mérito do pedido: questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver:

 

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.

 

São apenas três as questões a decidir, configuradas a partir da causa de pedir e do pedido e da posição assumida pela Demandante na petição e do Demandado na contestação:

 

             Tem direito ou não os representados pela Demandante aos suplementos remuneratórios a título de subsídios de risco no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aos representados pela Demandante (subsídios de risco) no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Qual a percentagem fixada nos termos do índice correspondente, nos termos da lei aplicável, de suplementos remuneratórios a título de subsídio de risco que deverá ser aplicado aos representados pela Demandante, tendo em conta que estes se encontram na carreira de pessoal de apoio à investigação criminal com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova?

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

A – Factos

 

Os factos relevantes para a decisão da causa afiguram-se não controvertidos, não existindo factos não provados relevantes para a decisão, até porque é bastante preciso o ponto de discórdia entre a Demandante e o Demandando, e que se resume à interpretação a ser dada ao thema decidendum anteriormente explanados no ponto de “C - Questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver”, isto é, saber se

             “Tem direito ou não os representados pela Demandante aos suplementos remuneratórios a título de subsídios de risco no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aos representados pela Demandante (subsídios de risco) no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Qual a percentagem fixada nos termos do índice correspondente, nos termos da lei aplicável, de suplementos remuneratórios a título de subsídio de risco que deverá ser aplicado aos representados pela Demandante, tendo em conta que estes se encontram na carreira de pessoal de apoio à investigação criminal com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova? “

 

A decisão sobre a matéria de facto assentou essencialmente na análise crítica da prova documental produzida nos autos pela Demandante e Demandado.

 

Assim, com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados, os seguintes factos:

I.             A Demandante representa 52 associados do pessoal de apoio à investigação criminal com funções de inspeção judiciária e de recolha de prova e não da carreira de investigação criminal, pertencem concretamente ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal.

II.            Cada um dos representados pela Demandante deixou de auferir desde 1 de Janeiro de 2010 até à presente data;

III.          Entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2018, os representados da Demandante auferiram subsídio de risco em montante inferior a 25% do índice remuneratório correspondente ao primeiro escalão da categoria de Inspetor.

IV.          Desde Janeiro de 2010 até 31 de Dezembro de 2018, os trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal da área da criminalística, auferiram, mensalmente, a título de subsídio de risco o montante de € 390,63 (trezentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos).

V.           Em 5 de Junho de 2018, a Demandante expôs a situação junto do Exmo. Senhor Diretor Nacional da C... e requereu que se procedesse ao pagamento do montante do subsídio de risco em falta;

VI.          A Demandante foi notificada, em 22 de Junho de 2018, do parecer emitido pela Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da C..., nos termos do qual deveriam ser estendidos a todos os trabalhadores das várias carreiras/categorias os efeitos da sentença proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 62/2015 -A, a partir do dia 1 de Janeiro;

VII.         Em 13 de Dezembro de 2018, a Demandante solicitou, através de comunicação escrito e dirigido ao Senhor Diretor Nacional da C... informação sobre se havia ou não decisão proferida quanto ao pagamento do subsidio de risco;

VIII.       A Demandante foi a notificada do ofício por parte do Senhor Diretor Nacional da C..., datado de 16 de Janeiro de 2019, nos termos do qual teriam sido solicitadas instruções junto da Exma. Senhora B..., sobre as questões solicitadas;

IX.          Em 27 de Maio de 2019, a Demandante remeteu ao Exmo. Senhor Diretor Nacional da C... nova comunicação para obter informações sobre desenvolvimentos quanto à questão anteriormente colocada do pagamento de subsídio de risco.

X.            Em Março de 2019, e com retractivos a Janeiro de 2019, o subsídio de risco passou a ser processado e pago no montante mensal de € 402,43 (quatrocentos e dois euros e quarenta e três cêntimos).

XI.          Na presente data encontram-se por pagar os valores devidos a título de subsídio de risco desde 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2018.

XII.         A Demandante apresentou a sua petição inicial em 3 de outubro de 2019;

XIII.        O Demandando apresentou a sua contestação em 25 de outubro de 2019;

XIV.       Não foi junto pelo Demandado o processo administrativo relativo aos 52 representados da Demandante.

XV.         A Demandante apresentou réplica, de modo a pronunciar-se sobre as exceções invocadas pelo Demandando, em 4 de novembro de 2019.

XVI.       A Demandante não apresentou alegações escritas e o Demandando não apresentou alegações.

XVII.      Em 12 de Fevereiro de 2020 a Demandante efetuou requerimento superveniente aos autos juntando, em anexo a este requerimento, documentos que comprovam a liquidação pelo Demandado aos vários associados que a Demandante representa o valor a título de subsídio de risco, referente ao ano de 2018, cifrado em € 11,80 (onze euros e oitenta cêntimos) mensais.

XVIII.     Foi promovido o exercício do contraditório do Demandando que, em requerimento apresentado em 17 de Fevereiro de 2020, não se opôs à junção dos documentos.

XIX.        Por despacho arbitral proferido em 28 de Fevereiro de 2020, e dada a sua relevância para o objeto do litígio e boa decisão da causa e ponderando ainda a não oposição da parte contrária, foi admitida a junção aos autos dos documentos juntos com o requerimento apresentado pela Demandante em 12 de Fevereiro de 2020.

 

 

Assim, com relevância para a decisão a proferir, inexistem factos que se consideram-se não provados.

 

B – Direito

 

Uma vez confirmada a improcedência das exceções invocadas pela Requerida, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos, cumpre apreciar a procedência ou improcedência do pedido da Requerente.

Importa, desde logo, salientar que a atribuição de subsídio de riscos aos diversos trabalhadores que exercem funções na C... não constitui uma questão nova, tendo já sido objeto de anteriores pronúncias deste mesmo Centro de Arbitragem, nomeadamente nos Processos n.ºs 17/2017-A e 62/2015-A (este último, aliás, objeto de expressa menção da Demandante).

 

1. A previsão legal do suplemento de risco dos trabalhadores da C...

 

                Dispõe o art.º 99.º do Decreto-Lei 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 302/98, de 7 de Outubro, sob a epígrafe “Subsídio de risco”, o seguinte:

                “1. Os funcionários ao serviço da C... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal

2. O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.

3. O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º.

4. Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a suplemento de risco de igual montante ao fixado no número anterior.

5. Sem prejuízo do número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.

6. O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal.

7. O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência”.

Não obstante, a revogação do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, pelo Decreto-Lei 275-A/2000, de 9 de novembro (cfr. art.º 179.º deste último diploma), a verdade é que, de acordo com os art.ºs 91.º, 161.º e 178.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, até à aprovação do novo sistema remuneratório, o pessoal dirigente e o “restante pessoal da C... mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma” (art.º 161.º, n.ºs 1 e 3).

Não obstante a injunção legal no sentido da aprovação de tal regime remuneratório no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor do mesmo diploma de 2000 (art.º 178.º, n.º 1), tal não veio a acontecer, destarte prolongando no tempo a vigência do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

Relativamente à razão de ser destes suplementos de risco e às condições da sua atribuição, subscrevemos integralmente as considerações expandidas na decisão proferida no Proc. n.º 17/2017-A do CAAD: “Ao contrário do regime geral dos suplementos por risco na relação jurídica de emprego público, em que o risco tem que ser efetivo, aqui a regra é o subsídio de risco seguir o ónus da «função». Tendo os diferentes grupos funções diferentes, entendeu o legislador que o ónus das funções das carreiras do grupo de pessoal de investigação criminal oferece um risco maior, pelo que para este grupo consagrou a taxa de subsídio maior, de 25%, conforme nº 3 do mesmo diploma e disposição legal. Já para o pessoal dirigente e de chefia, para o grupo de apoio à investigação criminal e para o pessoal operário e auxiliar, a taxa é de 20%.”

 

2. As restrições ao pagamento do subsídio de risco até 2010 e o ocaso dessas restrições a partir desta última data

 

Não obstante a previsão legal da outorga de subsídio de risco aos diversos profissionais da C... data de 1990, a verdade é que tal suplemento remuneratório nem sempre foi pago ou, pelo menos, não de acordo com os montantes e percentagens legalmente fixadas.

De facto, o art.º 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios, que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado, congelamento esse prorrogado até 31 de dezembro de 2007 pelo art.º 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro.

Durante todo este período, o subsídio de risco auferido pelos trabalhadores de investigação criminal e pelos trabalhadores da área da criminalística da C..., deixou, por isso, de corresponder ao disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.

Relativamente ao período posterior a 2008 em diante, socorremo-nos das considerações expandidas na citada decisão do CAAD n.º 62/2005 “para 2008, Lei 67-A/2007, de 31.12, no seu art. 15º/1 sobre «Carreiras e Suplementos Remuneratórios», determinou a suspensão, até 31 de Dezembro de 2008, das revisões de carreiras e do regime e montantes dos suplementos remuneratórios, apenas ressalvando as que «resultem da aplicação da lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e da actualização geral das remunerações e suplementos, bem como das que sejam indispensáveis para o cumprimento de lei ou para a execução de sentenças judiciais.»

A mesma lei, no art. 119º/9, sobre «Regime transitório de progressão nas carreiras e de prémios de desempenho na Administração Pública», determinou que a «actualização de suplementos remuneratórios em 2008 incide sobre o valor abonado em 2007, com referência à data de 31 de Dezembro desse ano.». Esta actualização só se aplica às carreiras e regimes revistos, uma vez que a própria lei manteve a suspensão de actualização dos suplementos iniciada em Agosto de 2005. Aliás, ao contrário do que refere o demandado na contestação, de resto fazendo referência ao Parecer da PGR P000…, homologado em 01-02-2010, a Lei 67-A/2007 não procedeu à actualização dos suplementos, antes suspendeu essa actualização, com as ressalvas mencionadas.

A actualização em 2,1 % prevista no art. 2º da Portaria 30-A/2008, de 10.01 foi apenas dos «índices 100 das escalas salariais dos cargos dirigentes e dos corpos especiais». Deste modo, continuando suspensa a actualização dos suplementos não poderiam ser os mesmo processados segundo o regime normal como pretende o Autor, improcedendo, mais uma vez o seu pedido quanto ao ano de 2008.

Para o ano de 2009 a Lei 64-A/2008, de 31.12, no seu art. 22º, sobre «Actualização de suplementos remuneratórios», estatui a «actualização dos suplementos remuneratórios para 2009», a efectuar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e devendo incidir «sobre o valor abonado a 31 de Dezembro de 2008». Pela Portaria 1553-D/2008, de 31.12 (art. 6º), vieram os suplementos a ser actualizados em 2,9% tendo por base os montantes abonados em 2008.”.

A partir de 2010, inclusive, como bem se nota no aresto acabado de transcrever parcialmente, cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.

Com efeito e citando novamente a Decisão Arbitral prolatada no Proc. n.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.

O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”

Ora, circunscrevendo-se o pedido da Requerente ao pagamento do suplemento de risco dos respetivos filiados ao período posterior a 1 de janeiro de 2010, dúvidas não restam quanto à sua contabilização exclusivamente com base no regime constante do acima transcrito art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

 

3. A quantificação do valor do subsídio de risco para os trabalhadores filiados na Demandante

 

                Aqui chegados e uma vez demonstrado o direito dos trabalhadores filiados na Demandante ao percebimento do subsídio de risco a partir do ano de 2010, exclusivamente de acordo com a legislação especificamente destinada ao pessoal da C..., importa agora escalpelizar melhor quais os termos de tal atribuição.

                A este propósito cumpre chamar à colação as duas decisões do CAAD anteriormente enumeradas, para esclarecer o seguinte:

                a) no processo CAAD n.º 62/2015-A, estava em causa um trabalhador pertencente à carreira de segurança do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal (vide facto provado n.º 1), tendo sido reconhecido o direito a receber um subsídio de risco no valor de 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária (por aplicação do n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro);

                b) pelo contrário, no processo CAAD n.º 17/2017-A os demandantes eram trabalhadores pertencentes ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, a exercer funções no serviço de telecomunicações e informática (factos provados n.ºs 1 e 2), sendo-lhes reconhecido o direito ao subsídio de risco segundo a taxa prevista no n.º 3 do artigo 99.º, do Decreto-Lei nº 295-A/90, por remissão do n.º 4 do mesmo artigo, isto é, no montante de 25%.

 

                No presente caso, os associados da Demandante encontram-se integrados na carreira de apoio à investigação criminal, exercendo funções de perícia criminalística, na área da lofoscopia, desempenhando tarefas de inspeção judiciária e recolha de prova.

                Como resulta do cotejo das duas decisões citadas, a dúvida prende-se (nesses processos, como no presente) com a subsunção dos trabalhadores demandantes na previsão normativa do n.º 4 (com os efeitos previstos no n.º 3) ou, pelo contrário, no n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), com as inerentes consequências ao nível da forma de cálculo do montante do suplemento de risco:

                a) na primeira hipótese, tal quantia ascenderá a 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de agente;

                b) na segunda hipótese, corresponderá a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.

                Se colocarmos o acento tónico na tipologia das funções desempenhadas (funções de criminologia), tenderemos aderir ao primeiro entendimento; ao invés, enfatizando a categoria em que o trabalhador se encontra integrado (carreira de apoio à investigação criminal), seremos tentados a aderir à segunda posição exposta.

                Pela nossa parte, aderimos ao primeiro dos entendimentos expostos, aderindo à fundamentação aduzida na já citada sentença arbitral proferida no Proc. n.º 17/2017-A,   da qual transcrevemos o seguinte trecho: “Porém, precisamente em coerência com o critério do «ónus das funções», o legislador do Decreto-Lei nº 275-A/2000, considerando que as funções das áreas de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm um risco e ónus de perigosidade idêntico ao das funções próprias do pessoal de investigação criminal, no respeito pelo princípio da igualdade e do direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho, equiparou aquelas funções a estas para efeitos de valor da taxa de subsídio de risco. Esta equiparação é aplicável, nos termos do nº 4 do artigo em apreço, aos «funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança» (…) Para o referido nº 4, o relevante não são as funções próprias grupo de pessoal de apoio à investigação criminal que importam; nem são as funções específicas das carreiras de Especialista-superior, Especialista ou Especialista-adjunto, mas o estar integrado - independentemente do grupo de pessoal e carreira-, nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança. O que conta neste contexto são as particularidades das funções que constituem esta unidade num ónus mais agravado de perigosidade.”

                Por isso mesmo e em consequência, “A verdade é que os Demandantes estão a exercer funções nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança (facto provado 2.) e tanto basta que lhes seja pago o subsídio de risco à taxa de 25%. Não teriam sequer que provar que exercem efetivamente funções de maior risco, ou seja, de risco equiparável ao do pessoal de investigação criminal (…). Deste modo, não só existe possibilidade legal de pagamento do subsídio de risco aos Demandantes pela taxa de 25%, como é imperativo que assim seja, sob pena de violação do princípio da legalidade a que a atuação da administração está sujeita nesta matéria”.

Como argumento adicional, acrescentamos que o conteúdo funcional das várias categorias integradas na carreira de apoio à investigação criminal contempla um conjunto bastante heterogéneo de funções, algumas delas incluídas nos domínios da criminalística, telecomunicações e segurança (mencionadas no n.º 4 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), enquanto outras exorbitam dessas mesmas áreas (implicando, por isso, que os trabalhadores a elas afetos devem incluir-se, inequivocamente, na previsão normativa do n.º 5 do mesmo preceito legal).

                Tomemos, a título de exemplo, a categoria de especialista principal superior, aos quais compete, designadamente, “Prestar assessoria técnica ou pericial nos domínios jurídico, médico, psicológico, económico, financeiro, bancário, contabilístico ou de mercado de valores mobiliários, da criminalística, das telecomunicações, da informática, da informação pública e dos estudos de prevenção, do planeamento e da organização, da documentação, da tradução técnica e interpretação e da gestão e administração dos recursos humanos e de apoio geral no âmbito das actividades de prevenção e investigação criminal e de coadjuvação judiciária” (art.º 73.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 275-A/00).

                De modo análogo, ao especialista-adjunto compete, designadamente, “executar, a partir de instruções, trabalhos de apoio aos especialistas superiores e especialistas, nos domínios da polícia científica, da polícia técnica, da criminalística, das telecomunicações, da informática e da perícia financeira e contabilística” (art.º 75.º do mesmo diploma elencado no parágrafo anterior).

                Do exposto decorre que nem todos os trabalhadores integrados nas diversas categorias de apoio à investigação criminal desempenham funções nas áreas da segurança (note-se que, para estes, a legislação de 200 prevê a existência de uma categoria autónoma – cfr. art.º 77.º), telecomunicações ou criminalística.

                Ora, confrontando esta descrição do conteúdo funcional das várias categorias de carreira de apoio à investigação criminal com os n.ºs 4 e 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, verificamos que a intenção do legislador foi a de incluir a generalidade dos trabalhadores nelas integrada naquele n.º 5, reservando apenas para aqueles de entre eles com funções nas áreas das telecomunicações, segurança ou criminalística o tratamento mais favorável plasmado no n.º 3 (por remissão do n.º 4), por ter considerado que tais concretas funções, por se revestirem de uma especial perigosidade ou risco, justificavam uma discriminação positiva relativamente às demais funções potencialmente desempenhadas pelos trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal.

                Refira-se, ainda, que o entendimento acabado de expor nem sequer conflitua, necessariamente, com a decisão proferida no processo n.º 62/2015-A do CAAD, porquanto a subsunção da situação do ali Demandante no n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 bem pode ter decorrido da não especificação, neste outro processo, das concretas funções desempenhadas pelo mencionado Demandante, uma vez que da factualidade provada consta unicamente a sua integração na carreira de apoio à investigação criminal.

 

4. A restrição até ao final do ano de 2018 e a diferença entre o que foi pago e o que deveria ter sido pago.

 

                Em face do exposto, dever ser reconhecida a existência do direito dos filiados da Demandante ao pagamento do subsídio de risco, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, desde o ano de 2010.

                No que concerne à condenação retroativa da Demandada, haverá que salientar que os suplementos remuneratórios são devidos deste a data de início de funções que fundamentam a sua atribuição até à data em que cessem tais funções (cf. art.º 145.º, n.º 1 e 2, 146.º, 159.º, 172.º e 173.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e, mais remotamente, os art.ºs 66.º, 67.º e 73.º da Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações,  conjugados com os art.ºs 217.º e 218.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas),  ou seja e salvaguardando o período temporal (até 2010) em que o pagamento de tal subsídio obedeceu ao disposto noutras disposições legais prevalecentes, desde o 1 de janeiro de 2010.

                Cumpre, contudo, esclarecer que o pedido tem como horizonte temporal o final do ano de 2018 (mais precisamente 31 de janeiro de 2018), porquanto a partir de 2019 e como expressamente reconhece a Demandante, a liquidação do aludido subsídio obedeceu ao disposto nos supra citados preceitos legais do Decreto-Lei n.º 295-A/90, por força do Despacho n.º 20/2019- SEC/DN (vide documento n.º 2 junto com a petição inicial).

De facto, até ao início de 2019, o valor mensal a abonar deveria ter sido €402,43 (quatrocentos e dois euros e quarenta e três cêntimos), correspondente a 25% do índice remuneratório do primeiro escalão da carreira de inspetor, ou seja, e no período em causa €1.609,71.

                Por outro lado, cumpre esclarecer que, mesmo nos anos entre 2010 e 2018, os representados da Demandante não ficaram totalmente privados do pagamento do subsídio de risco, tendo antes sucedido que tal pagamento foi efetuado em montante inferior ao que resultaria do quadro normativo aplicável e constante do anteriormente aludido art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, mais precisamente na quantia mensal de €390,63.

                Nesta conformidade, o valor da condenação da Demandada deverá corresponder à diferença entre o montante abonado entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de janeiro de 2018 e aquele que deveria ter sido liquidado nesse mesmo período, ao abrigo do disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, correspondente a ou seja, €11,80 mensais (€402,43 - €390,63).

                Considerando que estão em causa 108 meses (9 anos), cada associado da Demandante é credor da Demandada pelo montante de €1.274,40 (mil duzentos e setenta e quatro euros e quarenta cêntimos).

 

5. Juros de mora

 

Relativamente ao pagamento de juros de mora, dúvidas não restam quanto à sua exigibilidade, na medida em que, conforme salientado na decisão proferida no Proc. n.º 45/2014-A do CAAD, “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida.”.

No caso concreto e sendo os juros moratórios calculados à taxa legal em vigor de 4% (sobre o capital em dívida de €1.274,40), entre o dia em que devia ter sido pago o montante em falta, correspondente ao subsídio de risco até 02.10.2019 (data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos), os mesmos ascendem a €269,70 (duzentos e sessenta e nove euros e setenta cêntimos) a cada trabalhador.

Naturalmente que a tais importâncias acrescerão ainda os juros de mora desde a data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos até efetivo e integral pagamento, à mesma taxa legal de 4%.

 

 

III – Decisão

 

Em face de tudo o que antecede e na parcial procedência do pedido da entidade Demandante, condena-se a entidade Demandada a:

 

a) Reconhecer aos associados da Demandante que exerceram funções de criminalística, integrados na carreira de apoio à investigação criminal, o direito ao subsídio de risco segundo a taxa prevista no nº 3 do artigo 99º, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 12 de setembro, por remissão do nº 4 do mesmo artigo, no valor de 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da carreira de inspeção;

 

b) Pagar aos mesmos sujeitos a diferença entre o valor do subsídio de risco calculado nos termos explicitados em a) e o efetivamente pago a cada um dos trabalhadores;

 

c) Pagar aos sobreditos associados da entidade demandante juros de mora à taxa legal e sobre o valor em dívida, nos termos expostos na alínea anterior, a cada um dos associados da entidade demandante, contados desde 2 de outubro de 2019 (data da propositura desta ação) até integral e efetivo pagamento.

 

             Valor da ação

 

Fixa-se a esta ação o valor de € 93 656,16, indicado pelo autor na petição inicial.

 

             Custas

 

Observe-se, relativamente aos encargos processuais, o disposto no artigo 29º-5, do Regulamento do Centro de Arbitragem Administrativa (encargos suportados pelas partes em partes iguais).

 

 

             Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD)

 

Lisboa e CAAD, 3 de março de 2020

 

 

O Colégio Arbitral

 

(José Poças Falcão)

(Filipe Marques de Carvalho)

(Miguel Lucas Pires)