Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 12/2019-A
Data da decisão: 2019-07-30  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Regime de proteção social convergente (RPSC) - ausência por motivo de doenças; suspensão do vínculo de emprego público e efeitos no direito a férias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.             Relatório

 

O A... (A...) é uma carreira especial da função pública, agente de autoridade no exercício das suas funções e, definido no artigo 3.º do Estatuto do A... (E A...), aprovado pelo Decreto-Lei 3/2014 de 9 de janeiro como “(…) constituído pelos trabalhadores da DGRSP com funções de segurança pública em meio institucional, armados e uniformizados, integrados nas carreiras especiais de chefe da ... e de ... e que têm por missão garantir a segurança e tranquilidade da comunidade prisional, mantendo a ordem e a segurança do sistema prisional, protegendo a vida e a integridade dos cidadãos em cumprimento de penas e medidas privativas da liberdade e assegurando o respeito pelo cumprimento da lei e das decisões judiciais, bem como pelos direitos e liberdades fundamentais desses cidadãos”

 

A questão submetida pelo Demandante, Sindicato Nacional do A..., como o próprio alega, “é essencialmente de direito e, assenta em dirimir se a um trabalhador do A... integrado no regime de proteção social convergente (RPSC), que esteve ausente do serviço por um período superior a 30 dias por motivo de doença, se aplicam as regras da suspensão do vínculo de emprego público e consequentes efeitos no direito a férias, previstos nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LTFP”.

 

Em síntese alega a Demandante:

a)            Aos trabalhadores do A..., inseridos no Regime de Protecção Social Convergente (RPSC) e que se encontrem na situação de incapacidade temporária absoluta por doença por período superior a 30 dias, é-lhes vedado, pela Entidade Demandada, o direito ao gozo de férias vencidas, nomeadamente quando se encontram ainda na situação de incapacidade de prestar trabalho no dia 1 de janeiro de cada ano, altura em que se vencem as férias correspondentes ao trabalho prestado no ano anterior;

b)           A Entidade Demandada entende que, nestes casos, se aplicam as normas da LTFP, relativas à suspensão do vínculo de emprego público e respetivos efeitos, previstas, respetivamente, nos seus artigos 278.º, 129.º e 127.º;

c)            O artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 não atribui nenhum efeito negativo ao direito a férias dos trabalhadores inseridos no RPSC, impondo-se a aplicação do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil;

d)           A ratio legis do citado artigo 15.º, relativamente aos direitos afetados dos trabalhadores inseridos no RPSC, por ausência prolongada ao trabalho por motivo de doença, incidem apenas sobre o direito à remuneração, à antiguidade e ao abono do subsídio de refeição;

e)           A Entidade Demandada, com a sua prática, está a violar o princípio da legalidade, violando ainda o conteúdo essencial de um direito fundamental, que é o direito a férias, praticando atos administrativos eivados de anulabilidade e nulidade, nos termos dos artigos 163.º e 161.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Código do Procedimento Administrativo;

 

Peticiona, em consequência, o Demandante:

a)            A condenação da Entidade Demandada a reconhecer a ilegalidade de todos os atos administrativos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias, bem como a substituição desses actos por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas; e

b)           A condenação da Entidade Demandada a não aplicar o parecer contrário à lei da DGAEP ao A... e, consequentemente, a reconhecer o direito a férias vencidas a todos os trabalhadores do A... inseridos no RPSC, que se encontrem ausentes do trabalho por motivo de doença, por um período superior a 30 dias.

 

É divergente a posição da Entidade Demandada.

 

Principia esta por invocar a excepção de litispendência, na parte relativa ao .... B..., nos seguintes termos:

 

a)            Nos presentes autos peticiona-se o reconhecimento da ilegalidade de todos os atos administrativos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... (A...), inseridos no Regime de Proteção Social Convergente (RPSC) e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias.

b)           O pedido vem formulado em abstrato, pretendendo-se, dessa forma, abranger todo o universo dos trabalhadores do A... que sejam associados da Demandante, que se encontrem abrangidos pelo RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias.

c)            A Demandante, em representação de um dos trabalhadores visados nos presentes autos – o ... B...– intentou, contra o Ministério C... (ora Entidade Demandada), a AA n.º .../18...BELSB, em curso no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cujo objeto é idêntico ao discutido na presente ação.

d)           Ou seja, na aludida AA n.º .../18...BELSB peticiona-se a anulação do despacho do Senhor Subdiretor-Geral de ..., proferido em substituição do Senhor Diretor-Geral de ..., de 17 de abril de 2018, (…) que não reconheceu o direito ao associado do Autor de gozar férias vencidas em 01.01.2017, por ter estado ausente do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias.

 

Em matéria de excepção alega a Entidade Demandada:

a)            O artigo 14.º da Lei n.º 35/2014 dispõe o seguinte: O disposto nos artigos 15.º a 41.º é aplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente.

b)           Nos artigos 15.º a 40.º da mesma Lei, o legislador veio regular o regime de faltas por doença dos trabalhadores integrados no RPSC, designadamente os seus efeitos remuneratórios, contributivos e a forma como deve revestir a justificação de tais faltas.

c)            O que naturalmente se justifica, atentas as diferenças existentes nos dois regimes jurídicos de proteção social (regime de proteção social convergente e regime geral da segurança social), quer quanto aos efeitos remuneratórios, quer quanto aos contributivos.

d)           O artigo 15.º da citada Lei n.º 35/2014, sob a epígrafe “Faltas por doença”, dispõe o seguinte:

 

1 - A falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes.

2 - Sem prejuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina: (…)

3 – (…)

(…).

e)           Não obstante a previsão do artigo 15.º não mencionar expressamente a questão da suspensão do vínculo de emprego público, nomeadamente em caso de doença do trabalhador que se prolongue por mais de 30 dias, entende-se que da análise dos artigos 15.º a 40.º da citada Lei n.º 35/2014 decorre que nem todos os efeitos das faltas por doença estão ali previstos.

f)            Nem é suposto que o estejam, uma vez que essa previsão só se justifica nas matérias cujo regime jurídico aplicável divirja, ou seja, questões de natureza remuneratória, contributiva e de justificação da situação de doença.

g)            Nas restantes matérias aplica-se a todos os trabalhadores em funções públicas o disposto na LTFP.

 

Escuda-se ainda, a Entidade Demandada, na possível violação do princípio da igualdade e, também, na devida consideração da ratio legis da Lei n.º 35/2014, segundo a qual só pode concluir-se que as regras constantes dos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LTFP são aplicáveis a todos os trabalhadores em funções públicas.

 

Alega, para o efeito, que “o artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 não encerra todos os efeitos decorrentes das faltas por doença, como também não afasta a aplicação dos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LTFP aos trabalhadores abrangidos pelo regime de proteção social convergente. E assim sendo, as faltas por doença que se prologuem por mais de 30 dias têm a virtualidade de suspender o vínculo de emprego público, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 278.º da LTFP, independentemente de estar em causa um trabalhador abrangido pelo RPSC ou um trabalhador abrangido pelo regime da segurança social. Mantendo o trabalhador o direito a férias, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 129.º e n.º 1 do artigo 127.º da LTFP, ou seja, a dois dias úteis por cada mês completo de trabalho.”

 

Sobre o pedido de condenação da Entidade Demandada a não aplicar o parecer da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), alega esta o seguinte:

a)            O teor da comunicação da DGAEP não tem natureza vinculativa, por não ser conhecido despacho do membro do Governo com responsabilidades naquela área, situação que, a verificar-se, determinaria a sua obrigatoriedade para todos os serviços e organismos da Administração Pública;

b)           E não sendo vinculativa, fica ao critério do organismo acolher ou não acolher a dita interpretação;

c)            É descabida a pretensão do Demandante no sentido da condenação da Entidade Demandada a não aplicar o parecer da DGAEP aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC, uma vez que a decisão de aplicar ou não aplicar o aludido parecer não cabe nos poderes do tribunal, mas sim nos poderes da Administração

 

 

II.            Saneamento do Processo

 

O Tribunal é competente. A Entidade Demandada e organismos que funcionam no seu âmbito encontram-se vinculados à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos constantes da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro (bem como despacho 5097/2009 de 27 de Janeiro, publicado no DR 2.ª série de 12 de Fevereiro de 2009 e ampliada pelo despacho n.º 5880/2018, de 15 de Junho, publicado no DR n.º 114, 2.ª série, de 15 de Junho de 2018, designadamente nas acções cujo objecto se prende com questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, como se verifica na presente situação. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades.

 

A apreciação liminar do objecto do litígio permite ver que este se reporta estritamente a matéria de direito: Demandante e Entidade Demandada referem-no expressamente nas respectivas peças. Nenhuma das partes indica prova testemunhal, pelo que toda a prova relevante a respeito do presente processo é estritamente documental. As partes, devidamente notificadas para o efeito por despacho, não se opuseram à dispensa de audiências para a produção de prova.

 

Valor da causa: note-se que o Demandante indica, como valor da acção, EUR 30.000,01, correspondente ao valor aplicável nos termos do artigo 34.º do CPTA sem que, todavia, indique o número de trabalhadores representados, para efeitos da aplicação da tabela I – “Relações Jurídicas de Emprego Público”, razão pela qual deverá informar os autos desse mesmo número – como se determina a final –, para efeitos de atribuição de valor da causa nos termos da referida tabela.

 

III. Do Direito

 

A.           Da excepção de litispendência

 

A Entidade Demandada alega, a Demandante, em representação de um dos trabalhadores visados nos presentes autos – o ... B...– intentou, contra o Ministério C... (ora Entidade Demandada), a AA n.º .../18...BELSB, em curso no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cujo objecto é idêntico ao discutido na presente acção. Nesta peticiona-se a anulação do despacho do Senhor Subdiretor-Geral de ..., proferido em substituição do Senhor Diretor-Geral de ..., de 17 de abril de 2018, (…) que não reconheceu o direito ao associado do Autor de gozar férias vencidas em 01.01.2017, por ter estado ausente do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias.

 

A excepção da litispendência verifica-se sempre que a causa se repete, estando a anterior ainda em curso, visando evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior n.ºs. 1 a 4 do artigo 580.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do CPTA .

 

Note-se, desde logo, que dúvidas não restam quanto à identidade de partes no presente litígio e no que corre termos no TAC de Lisboa, sob n.º 1565/18.6BELSB. Ambas as acções foram propostas pelo Demandante, pelo que não se aplica o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo , em que um associado de um sindicato intentava, por si só, acção com objecto idêntico: “embora o Sindicato tenha uma ampla legitimidade processual para defender os interesses dos seus associados, nem por isso os seus associados deixam de poder defender os seus concretos interesses individuais (e ainda que os mesmos pertencem a um interesse colectivo que o Sindicato entenda defender) de forma autónoma e concreta, desde que não tenham abdicado em favor do Sindicato.”

 

Não procede, desta forma, o argumento replicado pela Demandante quanto ao facto de, na primeira acção, ao contrário da presente, estar em causa “um interesse individual de um trabalhador, associado do demandante”.

 

Como entendeu a Relação de Lisboa , “a litispendência é uma excepção dilatória, que tem como pressuposto a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso e por objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de se contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

(…)

A lei exige, para a verificação da excepção dilatória da litispendência, a designada "tríplice identidade": a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir (artigo 498º).

Vejamos os conceitos.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica (eadem conditio personaram).

Como salienta A. dos Reis, “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial e não a sua posição quanto à relação jurídica processual”. Daí que “o facto de numa das acções figurar como autor quem na outra figura como réu não compromete nem destrói a identidade dos litigantes; as partes são as mesmas, embora ocupem posições opostas em cada um dos processos”[1].

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Para haver identidade de pedidos, o direito subjectivo, cujo reconhecimento ou protecção se pede, tem que ser o mesmo, independentemente da sua expressão quantitativa. O que é necessário é que, em cada uma das acções, se peça a mesma coisa em substância, não prejudicando a identidade do pedido o facto de na primeira se pedir o todo e na segunda apenas a parte.”

 

Dúvidas não restam, face ao expendido, quanto à verificação da identidade de sujeitos e identidade de causa de pedir . Comparemos, então, os pedidos no seu confronto relevante e considerando o efeito jurídico pretendido:

 

a)            Na primeira acção, peticionou-se a anulação do despacho do Senhor Subdiretor-Geral de ..., proferido em substituição do Senhor Diretor-Geral de ..., de 17 de abril de 2018, (…) que não reconheceu o direito ao associado do Autor de gozar férias vencidas em 01.01.2017, por ter estado ausente do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias;

b)           Na actual acção, peticiona-se a condenação da Entidade Demandada a reconhecer a ilegalidade de todos os atos administrativos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias, bem como a substituição desses actos por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas.

 

Daqui resulta que em ambas as acções se questiona a validade dos actos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A..., inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias. Por outro lado, se na primeira acção se peticiona a anulação de um acto (parte) que não reconheceu o direito a gozar férias, por o trabalhador ter estado ausente do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias, na actual acção peticiona-se a substituição de todos os actos (todos) que não tenham reconhecido o direito a gozar férias, por os trabalhadores terem estado ausentes do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas.

 

A substituição peticionada na presente acção pressupõe, portanto, a ilegalidade do acto substituendo, não restando dúvidas quanto à sobreposição parcial de pedidos, dado que a substituição de todos os actos que “não tenham reconhecido o direito a gozar férias, por os trabalhadores terem estado ausentes do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas” pressupõe o reconhecimento judicial da ilegalidade de actos concretos que “não tenham reconhecido o direito ao associado do Autor de gozar férias vencidas em 01.01.2017, por ter estado ausente do serviço por motivo de doença por tempo superior a 30 dias” . É, portanto, concebível uma contradição de julgados, precisamente o que se visa evitar.

 

A excepção de litispendência é de conhecimento oficioso (n.º 2 do artigo 89.º do CPTA) “e a sua verificação dá lugar à absolvição da instância, fazendo desaparecer a acção proposta em segundo lugar, para ficar em pé apenas a precedentemente intentada (artigos 493º/1 e 2, 494º/i), 495º e 497º/1 e 2 do CPC.”

 

Tem, portanto, provimento a excepção dilatória de litispendência invocada pela Entidade Demandada, pelo que é absolvida da instância a Demandante, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 e l) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, apenas na parte relativa ao ... B... .

 

 

B.            Da análise jurídica da causa

 

Quanto ao fundo da causa, a questão, como referido, prende-se com a interpretação conjugada dos artigos 278.º, 129.º e 127.º e 14.º e 15.º da LTFP. O objecto da causa é em tudo semelhante ao julgado pelo STA, em Acórdão de 29-09-2017 (proc. 0109/17), pesquisável em www.dgsi.pt: “a questão de que cumpre conhecer nestes autos, e como bem se refere no acórdão que admitiu a revista, é a de saber se o art. 15º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, aplicável aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente é auto-suficiente para os trabalhadores ali abrangidos ou, se esse regime deve ser completado com o disposto nos artigos 278º 129º e 127º da LTFP.”

 

As conclusões do STA, das quais não se diverge, são as seguintes:

 

“Os trabalhadores da Administração Pública, que ingressaram em regime público, até 31 de Dezembro de 2005 ficam integrados no regime de protecção social convergente, ou seja, num regime de protecção social similar ao da Segurança Social, daí se chamar de convergente (Lei 4/2009 de 29/01). E, como resulta do art. 14º da Lei n.º 35/2014 de 20/6, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o art. 15º do mesmo diploma é-lhes aplicável. Vejamos, então, se este artigo 15º afasta ou não a aplicação dos artigos 278º, 129º e 127º da LTPF.

A propósito da interpretação da lei, diz o artigo 9º nº1 do CC que esta não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. E, continua o nº2 que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, terminando o nº3 que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Tenhamos então presente, para além da literalidade do preceito, a razão de ser inerente à situação que urge interpretar assim como o elemento sistemático de unidade do sistema jurídico.

O art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, estabelece o regime de faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, mas nada diz sobre o regime de suspensão do vínculo de emprego público estabelecido nos art.s 276º a 279º da LTFP. Mas, o art. 14º do mesmo já dissera, sob a epígrafe: “Normas aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente”

“O disposto nos artigos 15.º a 41.º é aplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente”.

Pelo que, expressamente não há qualquer referência à aplicabilidade dos referidos artigos 278º, 129º e 127º da LTPF. Por outro lado, o artigo 19.º da Lei n° 59/2008, alterado nomeadamente pela Lei n° 66/2012 e depois pela Lei n.º 68/2013, de 29/08, e revogado pela Lei 35/2014, aqui em causa, determinava a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação específica a aprovar) com efeitos no direito a férias.

Na verdade, dispunha o art. 19º do referido diploma que aprovava o regime do contrato de trabalho em funções públicas e que foi revogado pela Lei 35/2014 de 20/6: “Regras especiais de aplicação no tempo relativas à protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas

1 - As normas do Regime e do Regulamento relativas a regimes de segurança social ou protecção social aplicam-se aos trabalhadores que exercem funções públicas que sejam beneficiários do regime geral de segurança social e que estejam inscritos nas respectivas instituições para todas as eventualidades.

2 - Os demais trabalhadores a integrar no regime de protecção social convergente mantêm-se sujeitos às normas que lhes eram aplicáveis à data de entrada em vigor da presente lei em matéria de protecção social ou segurança social, designadamente nas eventualidades de maternidade, paternidade e adopção e de doença.

3 - Até à regulamentação do regime de proteção social convergente, os trabalhadores referidos no número anterior mantêm-se sujeitos às demais normas que lhes eram aplicáveis à data de entrada em vigor da presente lei, designadamente as relativas à manutenção do direito à remuneração, justificação, verificação e efeitos das faltas por doença e por maternidade, paternidade e adoção, sem prejuízo do disposto nos nºs 6 e 7.

4 - A aplicação das normas previstas no n.º 1 aos trabalhadores referidos nos n.ºs 2 e 3 é feita nos termos dos diplomas que venham a regulamentar o regime de protecção social convergente, em cumprimento do disposto no artigo 104.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, e no n.º 2 do artigo 114.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

5 - Quando a suspensão resultar de doença, o disposto no n.º 1 do artigo 232.º do Regime, aplica-se aos trabalhadores referidos nos nºs 2 e 3 a partir da data da entrada em vigor dos diplomas previstos no número anterior, sem prejuízo do disposto nos nºs 6 e 7.

6 - Até à regulamentação do regime de proteção social convergente na eventualidade de doença, no caso de faltas por doença, se o impedimento se prolongar efetiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se aos trabalhadores referidos nos nºs 2 e 3 os efeitos no direito a férias estabelecidos no artigo 179.º do Regime para os trabalhadores a que se refere o n.º 1 com contrato suspenso por motivo de doença.

7 - Os trabalhadores abrangidos pelo disposto no número anterior mantêm o direito ao subsídio de férias, nos termos do n.º 2 do artigo 208.º do Regime.

8 - Em caso de faltas para assistência a membros do agregado familiar previstas na lei, o trabalhador integrado no regime de protecção social convergente tem direito a um subsídio nos termos da respectiva legislação.

9 - O disposto nos artigos 29.º a 54.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, é aplicável apenas aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente.”

Era, pois, aplicável aos trabalhadores a integrar no regime de protecção social convergente o disposto nos artigos 232º e 179º deste diploma que dispunham:

“Suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador

Artigo 232.º

Factos determinantes

1 - Determina a suspensão do contrato o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.

2 - O contrato considera-se suspenso, mesmo antes de decorrido o prazo de um mês, a partir do momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo.

3 - O contrato caduca no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo.

4 - O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato nos casos previstos na lei. “

“Artigo 179.º

Efeitos da suspensão do contrato por impedimento prolongado

1 - No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, se se verificar a impossibilidade total ou parcial do gozo do direito a férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respectivo subsídio.

2 - No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito às férias nos termos previstos no n.º 2 do artigo 172.º

3 - No caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufruí-lo até 30 de Abril do ano civil subsequente.

4 - Cessando o contrato após impedimento prolongado respeitante ao trabalhador, este tem direito à remuneração e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano de início da suspensão.”

E, o art. 15.º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, aqui em causa, que revogou os diplomas supra referidos, sob a epígrafe “faltas por doença” e aplicável os trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente como resulta do art. 14º do mesmo diploma, dispõe:

“1- A falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes.

2- Sem prejuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina:

a) A perda da totalidade da remuneração diária no primeiro, segundo e terceiro dias de incapacidade temporária, nas situações de faltas seguidas ou interpoladas;

b) A perda de 10% da remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária.

3- A contagem dos períodos de três e 27 dias a que se referem, respetivamente, as alíneas a) e b) do número anterior é interrompida sempre que se verifique a retoma da prestação de trabalho.

4- A aplicação da alínea b) do n.º 2 depende da prévia ocorrência de três dias sucessivos e não interpolados de faltas por incapacidade temporária nos termos da alínea a) do mesmo número.

5- A falta por motivo de doença nas situações a que se refere a alínea a) do n.º 2 não implica a perda da remuneração base diária nos casos de internamento hospitalar, faltas por motivo de cirurgia ambulatória, doença por tuberculose e doença com início no decurso do período de atribuição do subsídio parental que ultrapasse o termo deste período.

6- As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil.

7- O disposto nos n.ºs 2 a 6 não se aplica às faltas por doença dadas por pessoas com deficiência, quando decorrentes da própria deficiência.

8- As faltas por doença implicam sempre a perda do subsídio de refeição.

9- O disposto nos números anteriores não prejudica o recurso a faltas por conta do período de férias”.

Ou seja, estava expressamente previsto o regime que o aqui recorrente pretende ser aplicável e deixou de o estar face ao diploma que o revogou e onde se insere o referido art. 15º que aqui cumpre interpretar, o qual rege uma ampla previsão de situações.

Pelo que temos de concluir que a falta de previsão de uma norma com esse conteúdo significa tão simplesmente que não se pretendeu incluí-la, antes se visando que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afetasse qualquer direito do trabalhador, e nomeadamente qualquer efeito sobre as férias, com excepção do aí expressamente previsto.

Não podemos, assim, dizer que o facto de o referido artigo 15º não aludir à suspensão do vínculo de emprego público por impedimento não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de 1 mês (omitindo tal questão), tal significa que continuaria em vigor o regime de suspensão do artigo 278.° da LTFP e por consequência os seus efeitos no direito a férias nos termos dos artigos 127º e 129.° da LTFP.

É que, não aludindo este preceito a quaisquer efeitos no direito a férias, e não sendo este nenhum dos direitos do trabalhador afectado nos termos dos números 2 a 9 do artigo 15°, temos de concluir que as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, ainda que superiores a 30 dias, não determinam quaisquer efeitos sobre as férias, não se aplicando, por isso, o disposto nos artigos 129.° e 127.° da LGTFP, que afectam precisamente o direito a férias.

E assim deve ser, sob pena de se estar a admitir a afectação do direito a férias, o que o legislador não previu, antes expressamente referindo que não seriam afectados quaisquer direitos dos trabalhadores para além dos aí expressamente previstos.

E, referindo o próprio nº6 deste preceito que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos (embora com perda de antiguidade) tal também significa que não ocorreu qualquer suspensão nos termos do artigo 278.°, n.° 1, da LTFP do regime geral do vínculo de emprego público, para os trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, como ocorre para os trabalhadores integrados no regime geral já que, havendo suspensão do vínculo, não continuariam a contar dias de faltas por doença.

Não estamos, pois, perante uma situação de suspensão do vínculo nos termos do artigo 278° da LGTFP, e também não são aqui aplicáveis os artigos 129° e 127°.

 

Em suma, a ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias.”

 

Também em acórdão do TCA Sul, se entendeu de modo idêntico :

 

i) Na interpretação da norma jurídica, sem transcender a linguagem – a letra da lei – entendida esta na sua construção linguística (texto enquanto veículo de um conteúdo), há que determinar o sentido ou espírito da lei – o pensamento legislativo ou ratio legis. Porém, seja qual for o objecto/sentido que se pretenda atribuir à norma, o mesmo só será possível de alcançar validamente se resultar expresso no contexto lógico-literal ou se for definível com base no próprio contexto. Por isso, deve indagar-se a vontade do legislador a partir da letra da lei e respeitando uma interpretação lógica e racional.

 

 ii) O direito a férias constitui um inegável direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe, portanto, aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias.

 

 iii) As normas respeitantes a direitos fundamentais fornecem não só um indirizzo normativo para o legislador, como um indirizzo interpretativo que orienta o intérprete-aplicador.

 

 iv) A ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença e que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que “[a] falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias.

 

 v) À situação de um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP

 

O teor dos acórdãos citados é fundamentação bastante para contraditar a argumentação da Entidade Demandada, o que se sintetiza do seguinte modo:

a)            Não colhe o argumento da Entidade Demandada a respeito da derrogação. Não existem argumentos para sustentar que o regime geral da LTPF é aplicável em bloco, sendo apenas derrogado quando justificado (“essa previsão só se justifica nas matérias cujo regime jurídico aplicável divirja, ou seja, questões de natureza remuneratória, contributiva e de justificação da situação de doença”.)

b)           O brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus corresponde ao literalismo e à autonomia da linguagem normativa. Construções jurídicas sobre extensões de âmbitos normativos não autorizadas pelo enunciado normativo são precisamente construções jurídicas (Juristenrecht) e não interpretação jurídica. A reconstrução do pensamento legislativo nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil – quando compreenda um exercício naturalisticamente possível – não pode afastar-se da letra da lei. Neste caso, é manifesto o âmbito substancial remetido pelo artigo 15.º da LTPF: O art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, estabelece o regime de faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, mas nada diz sobre o regime de suspensão do vínculo de emprego público estabelecido nos art.s 276º a 279º da LTFP. Esse âmbito é confirmado pelo art. 14º da LTFP, sob a epígrafe: “Normas aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente”

“O disposto nos artigos 15.º a 41.º é aplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente”. Não há qualquer referência à aplicabilidade dos referidos artigos 278º, 129º e 127º da LTPF. Aliás, historicamente, quando expressamente entendido pela autoridade normativa qualquer extensão normativa de regime, foi essa expressamente consignada (i.e., o artigo 19.º da Lei n° 59/2008, alterado nomeadamente pela Lei n° 66/2012 e depois pela Lei n.º 68/2013, de 29/08, e revogado pela Lei 35/2014). Não são, portanto, os artigos 278º, 129º e 127º da LTPF aplicáveis ao caso.

c)            O argumento da ratio legis invocado pela Demandante a respeito da LGTFP é manifestamente frágil. Quando não evidenciado empiricamente, nomeadamente em trabalhos preparatórios, o argumento da ratio legis presta-se, as mais das vezes, a juízos especulativos, não prevalecendo face ao elemento literal contrário;

d)           Assim, os argumentos da Entidade Demandada a respeito de extensão do regime geral da segurança social ao regime convergente (e.g., artigos 19.º, n.º 5 e 6 e 232.º da Lei 59/2008, Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de Abril e revogação, pela Lei n.º 25/2017, de 30 de Maio, do disposto no n.º 6 do artigo 15.º e do n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho) funcionam ao contrário, dado que assentam em regras expressas, assentes em específicas matérias.

e)           O argumento do princípio da igualdade é reversível, dado que implica o tratamento jurídico distinto de realidades fácticas distintas. Na medida em que implica uma análise de todas as propriedades relevantes de ambos os regimes (regime convergente e regime geral da segurança social), a relevância confluente do princípio da igualdade, no entender da Entidade Demandada – até porque contra legem – implicaria um juízo de inconstitucionalidade parcial qualitativa do disposto no artigo 15.º da LTFP. Longe de qualquer activismo judicial, frequentes vezes atentatório da separação de poderes, qualquer inconstitucionalidade desse género – pela sua não evidência – deve ser suscitada perante o Tribunal Constitucional ou, no limite, constituir argumento no sentido da alteração do regime legal, que, em contraponto, se afigura claro.

 

Face ao exposto, tem procedência os argumentos da Demandante quanto à ilegalidade de todos os actos administrativos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias, bem como a substituição desses actos por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas.

 

Ao exposto acresce que o desvalor dos referidos actos é o da nulidade, dado que, nos termos e para os efeitos do artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo, ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental .

 

Prescreve o n.º 3, do artigo 69.º do CPTA, sob epígrafe “prazos [na condenação à prática de acto legalmente devido]: “Quando, nos casos previstos no número anterior, esteja em causa um ato nulo, o pedido de condenação à prática do ato devido pode ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do ato de indeferimento, do ato de recusa de apreciação do requerimento ou do ato de conteúdo positivo que o interessado pretende ver substituído por outro, sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo sem dependência de prazo.”

 

Consequentemente, a aplicar-se estritamente o disposto no CPTA, a procedência do primeiro pedido da Demandante – de condenação à prática de acto legalmente devido – restringir-se-ia à substituição dos actos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias que tenham sido notificados em momento posterior a 23.04.2017 (dado que a data de 32.04.2019 é a data registada como data do “pedido de constituição de tribunal arbitral correspondente ao registo #6098“ como “validado e aceite nesta data como Processo em fase de procedimento arbitral”). Tal não prejudicaria, naturalmente, como resulta expressamente do n.º 3 do artigo 69.º a “impugnação do ato de conteúdo positivo sem dependência de prazo”.

 

Independentemente das críticas que o regime do CPTA possa merecer na diferenciação de prazo face às duas pretensões , quanto a uma possível disfunção, a verdade é que o Regulamento do CAAD não remete especificamente para o regime do CPTA (tendo, aliás, sofrido alterações nesse sentido), “dependendo a aplicação de quaisquer normas subsidiárias da respectiva conformação com os princípios consagrados no artigo 5.º” (cfr. n.º 2 do artigo 26.º do Regulamento). Consequentemente, e não prevendo o Regulamento qualquer diferenciação directa entre pretensão impugnatória e condenatória, entende-se não ser de aplicar, em função da autonomia das regras processuais, economia processual e moderação de encargos, a diferenciação introduzida pelo n.º 3 do artigo 69.º, motivo pelo qual a condenação à prática do acto devido abrange a substituição de todos actos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias com fundamento na normas da LTFP e respectivos efeitos, previstas, respectivamente, nos seus artigos 278.º, 129.º e 127.º.

 

*

 

Resta analisar o pedido subsequente da Demandante, a respeito da “condenação da Entidade Demandada a não aplicar o parecer contrário à lei da DGAEP ao A... e, consequentemente, a reconhecer o direito a férias vencidas a todos os trabalhadores do A... inseridos no RPSC, que se encontrem ausentes do trabalho por motivo de doença, por um período superior a 30 dias.”

 

Alega, quanto a este pedido, a Entidade Demandada escudando-se na não vinculatividade do respectivo parecer, em função de “não ser conhecido despacho do membro do Governo com responsabilidades naquela área, situação que, a verificar-se, determinaria a sua obrigatoriedade para todos os serviços e organismos da Administração Pública”. Por um lado, e desde logo, seria bizarra a situação mediante a qual os poderes de cognição e determinação deste Tribunal abrangessem pareceres homologados mas, já não assim, pareceres não homologados, como que abrindo mão a uma “subtracção” de poderes jurisdicionais a indirizzos informais de actuação dentro da Administração Pública.

 

Por outro lado, desde há muito que é legalmente previsto o que actualmente se prevê no artigo 2.º, n.º 2, c) e h) – e 37.º, n.º 1, c) e h) – do CPTA:

 

A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter:

c) A condenação à não emissão de atos administrativos, nas condições admitidas neste Código;

h) A condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, pela Administração Pública ou por particulares;

 

A «tutela inibitória» aí prevista, quer quanto a actos administrativos, quer quanto a operações materiais, verifica-se mediante a verificação de um específico interesse em agir, destinado a demonstrar a necessidade de solicitar ao tribunal a providência judiciária, que deve basear-se na probabilidade da prática de uma conduta lesiva (quer por acção, quer por omissão), agregado a um “fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva”, devendo ocorrer em “todas as situações em que a efectividade da tutela jurisdicional perante o exercício de poderes de autoridade da Administração o justifique” .

 

Mau grado a necessidade de compatibilizar o tipo de pretensão com a pretensão impugnatória de actos administrativos, facilmente se antevê das peças processuais, bem como da documentação junta aos presentes autos, que a tutela preventiva acautela a tutela jurisdicional efectiva de modo constitucionalmente mais adequado do que a tutela reactiva, quer na pretensão impugnatória, quer na tutela cautelar, dado verificar-se esta “probabilidade de emissão de actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos”, mostrando-se esta via imprescindível. É nesse sentido que dispõe o n.º 2 do artigo 39.º do CPTA: “a condenação à não emissão de atos administrativos só pode ser pedida quando seja provável a emissão de atos lesivos de direitos ou interesse legalmente protegidos e a utilização dessa via se mostre imprescindível.”  A vasta jurisprudência em sentido contrário ao argumentário da Entidade Demandada demonstra essa mesma imprescindibilidade, a aferir casuisticamente .

 

O que se vem de referir não obsta, porém, à pretensão, igualmente invocada, de “reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo” (cfr. artigo 2.º, n.º 2, f) – e 37.º, n.º 1, f) do CPTA), que tem pleno cabimento no caso concreto, dado que a situação em crise não apenas se reveste de manifesta clareza – veja-se os acórdãos uniformes supra citados – como não coenvolve o exercício de quaisquer valorações típicas da discricionariedade administrativa.

 

V. Decisão

 

Em razão do supra exposto:

a)            Julga-se procedente a excepção dilatória de litispendência invocada pela Entidade Demandada, absolvendo-se da instância a Demandante, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 e l) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, apenas na parte relativa ao ... B... .

b)           Julgam-se procedentes todos os pedidos deduzidos pela Demandante e, em consequência, condena-se a Entidade Demandada a:

i.             reconhecer a ilegalidade de todos os atos administrativos que negaram o direito a férias aos trabalhadores do A... inseridos no RPSC e que estiveram ausentes do trabalho por motivo de doença em período superior a 30 dias, bem como a substituir esses actos por outros legalmente devidos e que reconheçam a esses mesmos trabalhadores o direito ao gozo integral das férias vencidas;

ii.            reconhecer o direito a férias vencidas a todos os trabalhadores do A... inseridos no RPSC, que se encontrem ausentes do trabalho por motivo de doença, por um período superior a 30 dias.

 

 

- Notifique-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão;

- Fixa-se o valor da causa € 30.000,01, por aplicação do artigo 34.º do CPTA.

 

- Quanto aos encargos processuais por cada sujeito processual, notifique-se, antes de mais, o Demandante para, no prazo de 10 dias, indicar o número de trabalhadores representados, para efeitos da aplicação da tabela I – “Relações Jurídicas de Emprego Público”.

 

Lisboa, CAAD, 30 de Julho de 2019,

 

O árbitro,

Pedro Moniz Lopes