Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 134/2018-A
Data da decisão: 2019-05-13  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito a prestar provas públicas para transitar para a categoria de Professor Coordenador – Interpretação do DL 45/2016, de 17 de Agosto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A - RELATÓRIO

 

1. A Demandada A... (A...), pessoa coletiva de direito público nº..., com sede na Rua..., nº..., ...– ... ..., vinculou-se previamente ao Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD), através do despacho nº 8839/2001, publicado no DR nº 126, II Série, de 2011.07.04 e por compromisso arbitral outorgado com a Demandante, de 2018.07.20 (v. Doc. 1, junto com a petição inicial; cfr. art. 180º do CPTA).

 

2. A Demandante B..., divorciada, docente do Ensino Superior Politécnico, titular do cartão de cidadão ..., ..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., nº..., ..., ...–... ..., veio apresentar junto do presente Tribunal Arbitral a presente ação para reconhecimento do direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico cientifica para transitar para a categoria de Professor Coordenador prevista no Estatuto de Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior (doravante ECPDESP), aprovado pelo DL 185/81, de 01/07, na redação do DL 207/2009, de 31/08 e da Lei 7/2010, de 13/05.

 

3. A Demandante, na sua petição inicial, alegou, em síntese, designadamente e com importância para a decisão do presente litígio, o seguinte:

-    A Demandante exerceu funções docentes no ensino superior politécnico, em regime de exclusividade durante mais de 15 anos, contados até 2016.08.18, data da entrada em vigor do DL 45/2016 (v. art. 4º da Lei 65/2017);

-    O DL 45/2016 aprovou um conjunto de regras complementares do processo de transição dos docentes do ensino superior politécnico, regulado pelo DL 207/2009, de 31/08, alterado pela Lei 7/2010;

-    De acordo com o relatório preambular do referido diploma legal, para além de outros mecanismos de transição complementares aos previstos nos diplomas anteriores, consagra-se que:

“   Faculta-se igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/210, de 13 de maio, através do aditamento dos nºs 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva”;

-    A vontade do legislador expressa neste segmento do relatório preambular seria assim renovar a possibilidade dos docentes enquadrados no art. 6º/9 a 11 e no art. 8º-A/5 do DL 207/2009, de 31/8 poderem realizar provas públicas, que foram introduzidas pela Lei 7/2010, desde de que até à entrada em vigor do DL 45/2016 tivessem mais de 20 anos de serviço docente em regime de exclusividade/tempo integral, serviço este que foi reduzido pela Lei 65/2017 para 15 anos de serviço em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva, contados até 2016.06.30;

-    A existência à data da entrada em vigor da revisão do ECPDESP operada pelo DL 207/2009 de um vasto número de docentes em situação de equiparado, levou, o legislador a aprovar vários e sucessivos regimes transitórios, que visaram facilitar a integração desses docentes na carreira;

-    E, no ano seguinte em 2010, foi aprovada uma alteração do regime transitório, que abriu amplamente o acesso à carreira, nas categorias de professor adjunto e professor coordenador, sem ser pela via de concurso, por parte dos docentes especialmente contratados, denominados “equiparados” desde que cumpridos requisitos de tempo de serviço, obtenção de grau académico ou titulo de especialista ou pela prestação de provas públicas (v. arts. 6 e 8º-A da Lei 7/2010);

-    O direito subjetivo constitucional à igualdade dos professores que já detinham a categoria de professor adjunto ou a categoria de professor coordenador, tendo a ela acedido por concurso, resultou assim gravemente ofendido, sendo que viram a sua situação profissional sofrer uma desvalorização, ficando em igualdade de categoria com aqueles que até à data eram apenas equiparados, criando-se assim uma falsa igualdade categorial;

-    Ou seja, o regime transitório, conjugado com a modificação do regime de carreiras, se deixasse de fora os professores de carreira colocaria estes docentes em condições intoleráveis de desigualdade;

-    Assim, foi para conciliar o regime transitório com as exigências de igualdade e de justiça, que o legislador consagrou um regime transitório para os docentes de carreira, e foi essa a razão motivadora da introdução do art. 8º-A/5 do DL 7/2010;

-    Em 2016.03.28, a AR aprovou a Resolução 53/2016, cujo nº 1 recomendava ao Governo que “Proceda a um alargamento dos regimes transitórios dos docentes do ensino superior”;

-    E, em cumprimento dessa recomendação, o Governo aprovou o DL 45/2016, maxime o seu art. 6º;

-    Nem o DL 207/2009, na redação da Lei 7/2010, nem nenhuma das suas normas foram revogadas pelo DL 45/2016, na redação da Lei 65/2017, mantendo-se assim como um único corpo normativo, um único regime transitório;

-    Ora, considerando que o legislador não mencionou, expressamente, os professores adjuntos e os professores coordenadores, a unidade do sistema jurídico e a necessidade de harmonizar a medida legislativa com o princípio da igualdade material, impõe-se que se interprete extensivamente o art. 6º da Lei 45/2016, no sentido de aí se abarcarem também os professores adjuntos e respetiva possibilidade de estes requererem provas públicas para acesso à categoria de professor coordenador, como aliás se determinava no art.8º-A/5 do DL 207/2009, na redação da Lei 7/2010;

-    O legislador quis assim incluir os professores adjuntos no regime consagrado no art. 6 do DL 45/2016, sendo que qualquer outra solução é violadora do princípio da igualdade; e

-    Se for considerado que estamos perante uma lacuna de lei, na modalidade de lacuna teleológica, importaria socorrermo-nos da analogia, porquanto a situação da Demandante é análoga ao dos seus colegas professores adjuntos que beneficiaram do regime de acesso a categoria superior (professor coordenador), por via das provas públicas, previsto no art. 8º-A/5;

-    A Demandante pode assim usufruir do direito de realização de provas públicas de avaliação de competência requeridas, nas condições previstas no art. 6 o DL 45/2016, na redação da Lei 65/2017, para transição de carreira para a categoria de Professor Coordenador.

A Demandante termina peticionando a procedência da “presente ação (­…), por provada e em consequência, ser

  1. Reconhecido do direito da Demandante à realização – por via de interpretação extensiva ou integração, ao abrigo do regime resultante do disposto no n.º 5, do art.º 8º-A, do DL n.º 207/2009, na redação da Lei n.º 7/2010, no preâmbulo do DL n.º 45/2016 (regras de legística) e do art.º 6º deste diploma, na redação da Lei n.º 65/2017 -, de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico cientifica para transitar para a categoria de Professor Coordenador prevista no Estatuto de Carreira do Pessoal docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), aprovado pelo Decreto – Lei n.º 185/81, de 1/7, na redação dada pelo Decreto – Lei n.º 207/2009, de 31/8, e pela Lei n.º 7/2010, de 13/5;
  2. A entidade demandada (A...) condenada à prática (i) dos atos jurídicos (máxime o ato de admissão da Demandante às provas) e (ii) das operações materiais, exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica, para transitar para a categoria de Professor Coordenador; bem como
  3. Pelas custas e encargos da ação.” (v. petitório).

 

4. A Demandada, regularmente citada, apresentou contestação, na qual sufragou pela total improcedência da presente ação e, em consequência, a sua absolvição de todos os pedidos, com base, designadamente, no seguinte:

-    O DL 45/2016 concedeu mais uma prorrogação para a obtenção do do grau de Doutor ou Título de Especialista aos docentes que, à data, se encontravam em condições de beneficiar deste regime excecional;

-    O referido diploma legal concede ainda um regime excecional de provas públicas aos docentes que, também à data, tenham reunido todos os requisitos aí elencados taxativamente;

-    Da interpretação feita ao disposto no art. 6º do DL 45/2016 e do art. 6º do ECPDESP, podemos afirmar, pelo menos de momento, que a Demandante, sendo professora adjunta de carreira, não está abrangida pelas normas e também que o procedimento adequado e exclusivo para passar para a categoria de professor coordenador é o da realização de provas públicas, mas antes o do concurso documental, o qual obedece a vários requisitos;

-    O DL 207/2009, na redação da Lei 7/2010 e o DL 45/2016 são absolutamente opostos, na medida em que, atualmente, apenas e só os equiparados podem beneficiar do regime excecional de prestação de provas públicas para a consolidação em termos de carreira na mesma categoria em que exercem funções e não como forma de promoção/transição à categoria seguinte;

-    Da leitura do art. 6º/1 do DL 45/2016, na redação da Lei 65/2017, é manifesto que o legislador excluiu para a requisição de provas públicas as categorias de docentes do ensino superior técnico constituídos pelos professores adjuntos e os professores coordenadores;

-    Tal exclusão teve em consideração o preceituado no ECPDESP, uma vez que a progressão/promoção de professor adjunto para professor coordenador se realiza exclusivamente através de concurso documental, tal como prevê o seu art. 6º;

-    A intenção do legislador em prever os mecanismos que constam do DL 45/2016 foi combater as situações de precariedade e insegurança laboral, existente na atividade de docente do ensino superior técnico;

-    A posição defendida pela Demandante de uma complementaridade de leis por via de interpretação extensiva do novo preceito é inaplicável, pois não foi essa a intenção do legislador, dado que é claro que as categorias que o preceito diz respeito são apenas e só os assistentes e os equiparados;

-    A lei é clara ao prever que aos professores adjuntos apenas é concedido o concurso documental, como mecanismo legalmente estabelecido para o fim que a Demandante pretende.

 

5. As partes foram devidamente notificadas da designação e aceitação do Sr. Dr. Luís Filipe Macedo como árbitro do presente Tribunal Arbitral.

 

Em 2019.01.16, finda a fase dos articulados, não existindo quaisquer outras questões que obstassem ao conhecimento do objeto do presente litígio, não tendo as Partes requerido a realização de quaisquer diligências de prova adicionais e não se afigurando tal necessário, sendo que a matéria em discussão era essencialmente de direito, as partes foram notificadas para, querendo, alegarem simultaneamente por escrito no prazo de 15 (quinze) dias tendo em vista a prolação de decisão arbitral.

 

A Demandante e a Demandada, em 2019.01.31, apresentaram as suas alegações escritas, mantendo e reiterando toda a matéria de facto e de direito constante dos seus articulados.

 

B – SANEAMENTO

 

Fixo o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil e um cêntimos), o qual foi indicado pela Demandante e foi aceite pela Demandada (v. arts. 34º/1 e 2 do CPTA, ex vi do art. 26º do RCAAD).

 

O presente Tribunal Arbitral é o competente para dirimir o presente litígio, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas.

 

O presente processo é o próprio, válido e tempestivo, inexistindo quaisquer nulidades e/ou questões prévias de conhecimento oficioso que obstem ao imediato conhecimento do mérito da ação.

 

 

C – FUNDAMENTOS

 

 - Da Matéria de Facto

 

1. De acordo com a petição inicial, contestação e restantes elementos junto aos autos, resultam provados os seguintes factos com interesse para a prolação da presente decisão arbitral:

  1. A Demandante desempenha, desde 2000.01.03 e em regime de exclusividade, as funções de docente na Escola ... do A...;
  2. A Demandante desempenha as referidas funções ao serviço da Demandante, mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com a categoria profissional de Professor Adjunto;
  3. A Demandante acedeu à categoria de Professor Adjunto, através de concurso público de recrutamento;
  4. Em 2013.05.10, a Demandante prestou provas públicas para a Atribuição do Título de Especialista na Área de Análises Clínicas e de Saúde Pública, tendo a mesma sido aprovada por unanimidade do Júri constituído, com atribuição do respetivo título;
  5.  Por requerimento de 2017.12.21 a Demandante requereu junto do Senhor Presidente da Escola ... do A... a “Prestação de Provas Públicas para a categoria de Professor Coordenado, ao abrigo do disposto no regime transitório previsto no decreto – Lei nº 207/2009, de 31/8, alterado por ratificação parlamentar pela Lei nº 7/2010, de 13/5, complementado pelo Decreto-Lei nº 45/2016, de 17/8, com a primeira alteração pela Lei nº 65/2017, de 09/08”;
  6. A Demandada não proferiu qualquer decisão sobre tal requerimento;
  7. Em 2018.07.24, a Demandante submeteu a apreciação do presente litígio ao CAAD.

 

2. O Tribunal considerou provada a matéria factual alegada pela Demandante, baseados na natureza documental da prova produzida nos autos e na respetiva admissão por acordo da Demandada, que não a impugnou.

 

 

- Da Matéria de Direito

 

3. A questão principal subjacente à presente demanda consiste em saber se a Demandante (professora adjunta) tem direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico cientifica para transitar para a categoria de professor coordenador, passando assim para uma categoria superior à que detém, nos termos e para os efeitos do DL 185/81, de 01/07, na redação do DL 207/2009, de 31/08 e da Lei 7/2010, de 13 de Maio (ECPDESP).

 

As partes reconhecem e não colocam em causa que o art. 6º do DL 45/2016, de 17/08, na redação da Lei 65/2017, não prevê a possibilidade requerida pela Demandante, porquanto apenas se refere de forma expressa e taxativa aos assistentes e os equiparados a assistentes, os equiparados a professor adjunto e os equiparados a professor coordenador, prevendo, em caso de aprovação das provas requeridas, a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas, na modalidade de contato de trabalho por tempo indeterminado na mesma e exata categoria em que aqueles já exercem as respetivas funções, evitando-se progressões e valorizações profissionais.

 

A questão principal em litígio é, assim, outra: saber se o referido normativo, permite, através de interpretação extensiva ou corretiva ou de integração analógica, que a Demandante (docente do A... com a categoria de professor adjunto), possa requerer provas públicas de avaliação e competência, tendo em vista o acesso à categoria superior de professor coordenador.

Vejamos.

 

4. A “letra da lei” ou enunciado linguístico não é, nem integra o critério decisivo para a interpretação das normas em questão.

 

A este propósito, escreveu Cabral de Moncada:

“   Devemos colocar-nos aqui de sobreaviso contra uma outra regra, embora esta não expressa numa disposição legal, como a do art. 11.º do Código, mas corrente na jurisprudência, segundo a qual não se deve distinguir onde a lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Não pode dar-se a esta regra um sentido absoluto e dogmático como o que muitas vezes se lhe vê atribuído, sob pena de se tornar impossível a interpretação restritiva. Com efeito, devemos muitas vezes distinguir onde a lei não distingue; ou melhor, onde a lei, atendendo não só ao seu texto ou só à sua letra, não distinguiu. A regra só é válida quando, dizendo que a lei não distingue, pudermos entender que ela não distingue no seu espírito, cuja determinação é a única coisa que importa ao intérprete. Mas a lei pode não distinguir na letra e contudo distinguir no espírito, e isto é o importante (v. Lições de Direito Civil, 4.ª ed., 1995, p.p. 155, nota 2). 

 

De resto, havendo contradição entre critérios interpretativos, deve ser sempre dada prevalência aos critérios teleológico-objectivos.

 

Como escreveu Claus-Wilhelm Canaris,

“   A opinião frequente de que não existe qualquer hierarquia firme entre os diversos meios de interpretação não merece qualquer concordância. Deve-se, antes, conferir à interpretação teleológica a primazia e isso é, hoje, quase sempre reconhecido no seu resultado prático. No que toca, primeiro, à relação entre a interpretação teleológica e a gramatical, é geralmente aceite a proposição de que o «sentido e o escopo da lei estão mais altos do que o seu teor» (v. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 3.ª ed., 2002, p.p. 159 e 160, nota 23).

 

Na mesma linha, escreveu ainda Santos Justo:

“   Embora seja o ponto de partida, é um elemento frágil: há palavras por vezes vagas, equívocas e pode bem suceder que o legislador tenha dito mais ou menos do que pretendia dizer. Por isso o elemento literal é o menos importante e raramente dispensa o recurso aos elementos lógicos, a cujo resultado devemos, em homenagem ao espírito da lei, dar preferência se conflituar com o sentido literal” (v. Introdução ao Estudo do Direito, 3.ª ed., 2006, p.p. 328).

 

Os referidos diplomas legais devem assim ser interpretados considerando a unidade do sistema jurídico e o escopo ou fins que se pretende alcançar.

 

Ora, o DL 45/2016 teve por objeto a aprovação de um conjunto de normativos e regras complementares do processo de transição dos docentes do ISS regulado pelo DL 207/2009, de 31/08, alterado pela Lei 7/2010, de 13/05, sendo que, conforme resulta dos respetivo relatório preambular daquele diploma legal pretendeu-se “assegurar a continuidade da colaboração” dos docentes que desenvolviam a sua atividade há vários anos, promovendo-se “a sua transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (mediante) a realização das provas públicas para a transição para a carreira”.

 

A ratio legis do referido DL 45/2016, ou seja, “o fim visado pelo legislador e as soluções que ele pretendeu alcançar com a norma produzida” (v. Ac. STJ de 2007.03.01, Proc. 3855/06, www.dgsi.pt) foi a “intenção de promover a transição de docentes, que desenvolvem a sua atividade há vários anos nas instituições de ensino superior técnico, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado” e não “abranger as categorias que atualmente integram a carreira do pessoal docente, ou seja, os professores adjuntos, os professores coordenadores, e os professores principais (pois) tratando-se de docentes que, nos termos dos artigos 9.º-A, n.º 5, 10.º-A, n.º 1, e 10-B, n.º 1 do ECPDESP, são necessariamente contratados por tempo indeterminado, não se colo(cando) o problema da continuidade da sua colaboração” (v. Decisão do CAAD de 2018.06.21, Proc. 94/2017-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

Nessa medida, a lei estabelece que apenas os assistentes e aos equiparados a assistentes, a professor adjunto ou a professor coordenador estão abrangidos, dado que os mesmos se encontram ao abrigo de vinculo de emprego público mediante contrato de trabalho em funções públicas a termo certo, preocupando-se, por isso, o legislador em assegurar a continuidade dos mesmos desde que verificados determinados requisitos e pressupostos, vedando-se expressamente a possibilidade do docente aceder a uma categoria de carreira superior à que já detinha (v. arts. 6º/1 do DL 207/2009, art. 6º/1 do DL 45/2016 e arts. 12º e 12º-A do ECPDESP).

 

O legislador, no âmbito do DL 45/2016, pretendeu a “contratação efetiva dos docentes com vínculo público” (v. Resolução da AR de 2016.03.28 que antecedeu a aprovação do DL 45/2016) e não a promoção do acesso dos docentes de carreira a categorias superiores.

 

No âmbito do DL 45/2016 não se preveem disposições para docentes com vínculo de emprego público mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ou sequer foi intenção do legislador promover o acesso a esses docentes a categoria superior, mas sim, pura e simplesmente promover o combate à precariedade laboral que se verifica ao longo do tempo sem permitir-se que os docentes transitem para categoria superior à que detêm.

 

Aliás, tanto assim é que a terminologia adotada no art. 6º/1 do DL 45/2016 foi posteriormente mantida na posterior e sucessiva alteração realizada pelo legislador através do DL 65/2016, de 09/08, que aplicou exatamente a mesma lógica, o que indicia claramente que o legislador não pretendeu, de todo, que os docentes com contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado transitassem para uma categoria superior à que detêm, maxime, os professores adjuntos e/ou professores coordenadores.

 

As normas em causa têm assim como “escopo (…) a transição para a carreira e não a progressão na carreira” não se permitindo “por esta via, a progressão” na carreira, que apenas é “possível por via de concurso documental” (v. Decisão Abritral do CAAD, de 2019.02.01, Proc. 96/2018-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

Registe ainda neste particular que o DL 46/2016 não revogou o art. 8º-A do DL 207/2019, de 31/08, na redação da Lei 7/2010, de 13/05 (que constituiu um regime excecional de transição para a carreira) nem tal se lhe impunha, dado que o prazo previsto e determinado no art. 8º/5 do referido diploma legal atingiu o seu termo e por isso a referida disposição legal caducou.

 

Em face do exposto, constatamos assim que, salvo o devido respeito, no atual cenário legislativo, os Professores Adjuntos e Professores Coordenadores são recrutados exclusivamente por concurso documental (v. art. 5º e 6º do ECPDESP), não podendo a Demandante socorrer-se do referido quadro normativo para requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência técnico científica para em caso de aprovação aceder à categoria de Professor Coordenador.

 

5. Feitas estas considerações, cumpre-nos questionar se a Demandante terá direito ao peticionado nos autos, mediante interpretação extensiva do referido art. 6º do DL 45/2016, analogia (por identidade de razão ou similitude de situações) ou integração da lacuna eventualmente existente no sistema jurídico relativamente à situação dos autos, maxime com base no princípio da igualdade.

 

De acordo com o art. 9º do C. Civil:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

  1. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Por seu turno, de acordo com o art. 10º do mesmo diploma legal:

“1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 

2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 

3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”

 

Nesta linha, esclareceu-se no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1998.03.17, que:

“   Como expende o Prof. Baptista Machado, da própria ratio legis pode decorrer que o legislador, «fechado numa perspectiva casuística», não tenha conseguido dar latitude ao preceito que ele deveria comportar.

Cumpre, então, ao intérprete repor o pensamento legislativo, fazendo corresponder «a letra da lei ao espírito da lei» (Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, pág. 185).

Diremos que, neste caso, a auscultação do elemento racional leva a concluir que o texto da lei ficou aquém do espírito da lei, que «a fórmula verbal adoptada peca por defeito». Assim, através do recurso à interpretação extensiva, repor-se-á o exacto alcance do dispositivo legal em apreço, ao integrar-se nele, por identidade de razão, também a hipótese de as obras terem sido construídas em prédio urbano.

E não se diga que o resultado interpretativo adoptado é de respeitar por não encontrar no texto da lei um mínimo de correspondência, pois a interpretação extensiva visa precisamente alargar ou estender o texto da lei, dando-lhe um alcance mais vasto, conforme o pensamento legislativo.

     Essa mínima sequência verbal, exigida pela lei (artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil), existe realmente. Apenas uma significação mais ampla, em nome da ratio legis, lhe foi emprestada.

Apelando, ainda, à lição do Prof. Baptista Machado (ob. e loc. cits.), diremos que «a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas são abrangidos pela finalidade da mesma»” (v. BMJ 475/699).

 

O “recurso à analogia justifica-se por razões de "coerência normativa" e de "justiça relativa", sendo imposta pelo princípio da igualdade ("casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante")” (v. Ac. STJ de 2017.05.11, Proc. 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A, www.dgsi.pt; Cfr. Baptista Machado, Ob. Cit., p.p. 196-202 e Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª ed. (tradução de José Lamego), p.p. 531-535).

 

De acordo com os princípios e normativos enunciados, verifica-se que no caso ora em análise o art. 6º do DL 45/2016 ora em discussão não abrange a possibilidade requerida pela Demandante – promoção para categoria superior – mas apenas e tão só hipóteses de transição para a carreira, restringido apenas aos assistentes, aos equiparados a assistentes, aos equiparados a professor adjunto e aos equiparados a professor coordenador, sendo que o legislador, “relativamente a estes docentes, teve inclusivamente o cuidado de esclarecer que a aprovação nas provas requeridas não faculta o acesso a categoria superior, prevenindo, assim, a repetição da controvérsia gerada a propósito da aplicação do regime transitório excecional previsto no artigo 8º-A do Decreto – Lei n.º 207/2009, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2010” (v. Decisão Arbitral do CAAD de 2018.06.21, Proc. 94/2017-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

In casu, não estamos assim perante uma situação em que a letra do texto ficou aquém do seu espírito pois a literalidade da norma ora em causa vai claramente ao encontro do pensamento legislativo, contrariando de forma clara a interpretação extensiva propugnada pela Demandante o próprio espírito legislativo, não tendo a sua pretensão qualquer mínimo de correspondência com o enunciado legal do art. 6º/1 do DL 45/2016.

 

Por outro lado, verifica-se que a intenção do legislador é aqui não retomar o regime do art. 8º-A do DL 207/2009, de 31/08, na redação da Lei 7/2010 quanto aos docentes aí referidos e já titulares do vínculo laboral não precário, regime este que, no âmbito da sua própria previsão normativa caducou, pois a sua intenção nunca foi resolver problemas de progressão na carreira ou de promoção, mas sim, de forma clara, solucionar problemas de precariedade no âmbito do vínculo de emprego público do ensino superior.

 

O referido normativo não abrange, como vimos, “os professores adjuntos, como a Demandante, que já se encontram com “vínculo estável” e “na carreira”, pelo que não estamos perante qualquer lacuna a carecer de integração, porque pura e simplesmente, não temos caso omisso algum, situação alguma desprovida de regulação jurídica em termos que contrariem o plano ordenador jurídico” (v. Decisão Arbitral do CAAD, de 2018.07.17, Proc. 5/2018-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

O facto dos docentes com vínculo de emprego público por tempo indeterminado não se encontrarem abrangidos pelo referido DL 45/2016 não configura, assim, qualquer lacuna, apresentando-se tal situação como uma mera consequência dos mesmos já possuírem vinculo estável que o diploma em causa pretende assegurar aos docentes identificados na letra do seu art. 6º.

 

Assim, acompanhamos de perto quanto a esta matéria a Decisão Arbitral do CAAD de 2018.02.19, no qual se decidiu:

Ora, não vemos qualquer incoerência entre esta óbvia leitura do décimo primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, e a sua concretização através do artigo 6.º do mesmo diploma legal, que na sua hipótese/previsão [tatbestand, facti species] se refere precisamente aos assistentes e aos equiparados a assistente, a professor adjunto e a professor coordenador e que na sua estatuição/provisão, por um lado remete para aquelas provas públicas dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto [concebidas, como se extrai da epígrafe do artigo, predominantemente para transição para a carreira] e, por outro lado, face àquela intervenção judicial interpretativa sobre o regime de 2010 quanto à expressão “na respetiva categoria”, clarifica, agora que estão apenas em causa situações em que é inequívoca a utilidade em si mesma da transição para a carreira, que esta transição ocorre “na mesma categoria em que (os docentes) exercem funções” e não já “na respetiva categoria”.

Inexiste, pois, qualquer “legística” menos apurada; sendo que, mesmo que assim não fosse, nunca esse eventual menor apuro poderia resolver-se mediante uma opção pelo preâmbulo, forçando leituras da norma incomportáveis para os cânones da metodologia jurídica.

E tão pouco se deteta qualquer incongruência entre o elemento literal da norma – em si mesma coerente com aquele momento preambular – e o seu espírito, pois, por um lado, a sua teleologia aponta decisivamente para a estabilidade dos vínculos laborais dos docentes do ensino superior politécnico e não para o acesso a novas categorias e, por outro lado, agora em termos histórico-sistemáticos, ciente das razões que deram origem àquela interpretação da expressão “na respetiva categoria”, entendeu o legislador tomar legitimamente em mãos a clarificação de que, agora que não restam dúvidas de que apenas estão em causa situações de transição para a carreira, esta transição opera “na mesma categoria” em que os docentes exercem as suas funções docentes. Visão que sai reforçada pelo facto de a Lei n.º 65/2017, de 9 de agosto, ter, neste ponto, confirmado plenamente a redação do artigo 6.º que vinha do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.

De forma muito clara, há de pois concluir-se pela inexistência de quaisquer pressupostos metodológico-jurídicos justificativos da interpretação extensiva (ou corretiva, como também alegado) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, preconizada pela Demandante.

Daqui intui-se já que tão pouco se verifica existir qualquer lacuna a suscitar integração por analogia, pois, muito obviamente, o legislador pretendeu, tanto assumir o regime descrito do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, quanto não retomar o regime constante do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, relativamente aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário; regime este que, de acordo com a sua própria previsão [numa técnica legislativa muito deficiente mas que não deixa dúvidas], caducara entretanto [não fazendo por isso sentido a conclusão que a Demandante pretende extrair quando aduz que o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, complementou o processo de transição que vinha de 2010 sem revogar este].

Tem pois razão o Demandado quando sublinha que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, não prevê a possibilidade pretendida pela Demandante, pois que abrange, expressa e taxativamente, apenas os assistentes, os equiparados a assistente, os equiparados a professor adjunto e os equiparados a professor coordenador e prevê, no caso de aprovação nas provas requeridas, a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado mas na mesma categoria em que eles exercem já funções.

Inexiste, portanto, qualquer frustração das intenções ordenadoras do sistema jurídico, razão por que, muito obviamente, não estamos perante qualquer lacuna a carecer de integração, porque, pura e simplesmente, não temos caso omisso algum, situação alguma desprovida de regulação jurídica em termos que contrariem o plano ordenador do sistema jurídico.

O atual silêncio do legislador quanto àquele caducado regime do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, relativamente aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário, traduz-se num silêncio eloquente da lei, resultado de uma abstenção deliberada do legislador, pois verdadeiramente não há ausência de regulação e a opção legislada é explícita e perfeitamente coerente [cf. Mário Bigotte Chorão, “Integração de Lacunas”, in Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado – Antropologia, Direito, Economia, Ciência Política, 3, 1985, págs. 591-618, maxime págs. 592-593].

Relembre-se, aliás, o que antes se disse sobre a Demandante não ter sequer identificado com o rigor que se exigiria a norma a aplicar por analogia visando sanar a lacuna que considera existir. Embora não o tenha feito, resulta do que pretende que tal norma objeto da analogia pretendida é precisamente aquela norma constante do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, relativamente aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário.

Só que estando tal norma caducada não se vê como pudesse aplicar-se por analogia, para já não referir – conforme se extrai claramente da epígrafe do artigo “Regime transitório excecional” – tratar-se ela de uma norma excecional e, como tal, conforme o artigo 11.º do Código Civil, não comportar aplicação analógica.

Complementarmente, dir-se-á, ainda, que, enquanto não caducou, esta norma do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio [e, mutatis mutandis, o mesmo pode dizer-se do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto], ter-se-á traduzido numa implicação intensiva, no sentido de que a sua hipótese/previsão subjetiva constituía pressuposto delimitado taxativamente (numa lógica de numerus clausus); e, assim, tal pressuposto era, não apenas suficiente, mas ainda necessário para a verificação da consequência/estatuição/provisão, em termos tais que esta segue-se se aquele pressuposto se verificar mas só se segue quando ele se verificar. Ora, nestes casos, impõe-se uma decisão, em termos imediatamente lógicos, pelo argumentum a contrario em detrimento da analogia, como nos ensina lapidarmente Castanheira Neves [cf. Questão-de-facto – Questão-de-Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade (Ensaio de uma Reposição Crítica), I, A Crise, 1967, Coimbra, Livraria Almedina, páginas 263 a 265].

Deve, aliás, ir-se ainda um pouco mais além, para anotar que, verdadeiramente, a Demandante não preconiza apenas a aplicação analógica da estatuição/provisão da norma do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, na interpretação entretanto feita do seu inciso final “na respetiva categoria”; ela preconiza abranger também nessa analogia a própria hipótese/previsão subjetiva da norma quanto aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário.

No que lhe interessa, é precisamente esse o objetivo daquela proposta que faz de consideração do seguinte sentido normativo, já antes citado: “Os docentes abrangidos pelo n.º 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, bem como pelo n.º 5 do artigo 8.º-A, do mesmo diploma legal podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem estas normas, com as consequências nelas estabelecidas em caso de aprovação.”

Ou seja, verdadeiramente, o que a Demandante preconiza – ainda que disso não se tenha dado conta – não é nenhuma intervenção da metodologia própria do Direito de cariz interpretativo ou integrador; o que ela realmente preconiza é – isso sim – uma verdadeira correção do sistema jurídico, em termos de se retomar por inteiro uma norma que entretanto caducara e que, como nenhuma outra, serviria os seus interesses.

Só que uma tal correção está para além da metodologia jurídica própria do Direito constituído [de jure constituto], traduzindo-se antes numa ambição de jure constituendo, a ser reportada ao legislador e não a ser pedida, ainda que sob a aparência de tarefa interpretativa ou integradora, às instâncias incumbidas de dirimir os dissídios jurídicos segundo o Direito constituído.

E, considerem-se elas mais ou menos válidas, nem as referidas ponderações de justiça apresentadas pela Demandante – quanto à alegada desigualdade entre a sua concreta situação e a dos docentes em situação similar que usufruíram do regime transitório de 2010 e quanto à iniquidade de alguns docentes menos habilitados poderem “saltar” para categoria idêntica à sua sem que ela possa pela mesma via subir de categoria – evidenciam, nem isso se alega, problemas de constitucionalidade contendentes com o regime jurídico em análise nesta Decisão, conforme este Tribunal o entendeu.

Haverá, pois, de concluir-se que, ao contrário do que a Demandante preconiza, a argumentação própria da metodologia do Direito constituído, seja pela via interpretativa seja pela via integradora, não permite, face à norma do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, reconhecer aos docentes do ensino superior politécnico com a categoria de professor coordenador – e, assim, à Demandante – o direito de requererem, fosse até 31 de dezembro de 2016 fosse até 31 de dezembro de 2017, a prestação de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para, em caso de aprovação, acederem, sem outras formalidades, mantendo o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, à categoria de professor coordenador principal. (v. Proc. 15/2017-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

Registe-se a finalizar que a alegação de que a pretensão da Demandante, face ao princípio da igualdade e ao estatuído no art. 47º da CRP, não pode ter também ela acolhimento.

 

O princípio da igualdade encontra consagração nos arts. 13º e 266º da CRP e no art. 3º do CPA e, no essencial, este princípio impõe que se trate de forma igual o que é juridicamente igual e se trate de forma diferente o que é juridicamente diferente (v. Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo. 2.ª ed.. Coimbra: Almedina, 2001, Vol. II, p. 125).

 

A Lei e a Administração devem assim tratar de forma igual as situações materialmente iguais e de forma desigual situações materialmente diferentes, “proibindo assim o arbítrio e as discriminações sem fundamento material bastante.”[1]

 

Ora, como se verificou, por um lado, o DL 45/2016 não coloca a Demandante em situação de desigualdade quanto aos docentes abrangidos pela letra do preceito dado que não permite aos assistentes, aos equiparados a assistentes, a professor adjunto ou a professor coordenador o acesso a categoria superior à inicialmente detida e só permite o transito para a carreira em caso de aprovação nas provas públicas que requereu, com aferição do respetivo mérito do candidato em causa, e, por outro lado, o art. 47º da CRP “sugere uma solução contrária à defendida pelo Demandante, pois este último pretende que se lhe reconheça o direito potestativo a requerer a prestação de provas para aceder a uma categoria superior, sem concurso, quando a Lei Fundamental estabelece de forma expressa que, em regra o acesso dever ser feito or via de concurso, sendo aliás essa a solução que o ECPDESP prevê expressamente nos artigos 5.º, 6.º e 9.º-A, em cumprimento desta diretriz constitucional (…) pelo que a interpretação do artigo 6.º, n.º 1 do Decreto – Lei n.º 45/2016, que melhor se coaduna com preceito constitucional citado pelo Demandante, não é a que conduz à repristinação do regime transitório excecional previsto no artigo 8.º-A, n.º 5.” (v. Decisão Arbitral de 2018.06.21, Proc. 94/2017-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

Por último, e como bem se decidiu naquela Decisão Arbitral do CAAD de 2018.06.21, para a qual remetemos inteiramente:

“(…) importa salientar que o Demandante não alega a verificação de inconstitucionalidades, com base nos vícios que imputa ao artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 45/2016, nem tal alegação lhe permitiria, por via interpretativa ou integrativa, repristinar o regime transitório excecional previsto no artigo 8.º-A, n.º 5. Aliás, ainda que tais inconstitucionalidades existissem, e tivessem sido invocadas (o que não foi o caso), o tribunal não poderia apreciá-las pois, sempre se trataria de inconstitucionalidades por omissão (recorde-se que o que está em causa, no entendimento do Demandante, é a falta de uma norma legal que lhe permita aceder à categoria de professor coordenador), cujo conhecimento compete exclusivamente ao Tribunal Constitucional. No fundo, para acolher o pedido apresentado pelo Demandante, o tribunal teria de se substituir ao Tribunal Constitucional, apreciando e verificando uma alegada inconstitucionalidade por omissão, e, em seguida, substituir-se ao Governo ou à Assembleia da República, repristinando o regime transitório excecional previsto no artigo 8.º-A, n.º 5, e violando, por conseguinte, o princípio constitucional da separação de poderes, previsto no artigo 111.º, n.º 1 da CRP.

Pelo que, se entende que não merece acolhimento a posição sufragada pelo Demandante quanto à necessidade de interpretar extensivamente ou corretivamente o artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 45/2016, ou proceder à sua integração por analogia, através da aplicação, por remissão, do regime previsto no artigo 8.º-A, n.º 5, e nos n.ºs 9 a 11 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 207/2009, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2010.

Esta conclusão torna desnecessária a pronúncia do tribunal quanto à questão de saber se, como o Demandante sustenta, o artigo 8.º-A, n.º 5 do Decreto-lei n.º 207/2009, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2010, deveria ser interpretado no sentido de permitir aos docentes o acesso a uma categoria superior à que detinham no momento em que prestaram provas públicas. Em todo o caso, sempre se dirá que, ainda que tal interpretação fosse plausível, a verdade é que, como o próprio Demandante reconhece, existia controvérsia quanto ao sentido que devia ser atribuído à expressão “na respetiva categoria”, constante do artigo 8.º-A, n.º 5, e, certamente para evitar a repetição de tal controvérsia, o legislador previu expressamente no artigo 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 45/2016, que a transição é feita “na mesma categoria em que exercem funções”, tendo tal exigência sido confirmada pela Lei n.º 65/2017, que procedeu à primeira alteração daquele diploma.” (v. Proc. 94/2017-A, https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/).

 

Em face de todo o exposto, entendemos que não assiste razão à pretensão da Demandante e, consequentemente, não pode assim ser a Demandada condenada à prática do alegado ato legalmente devido por si peticionado.

 

D – DECISÃO

 

Nestes termos, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se a Demandada dos pedidos formulados.

 

Custas a cargo da Demandante, considerando a fixação do valor da causa em € 30.000,01 já decidido (v. art. 29º/5 do RCAAD).

 

Notifique-se as partes e promova-se a publicação da decisão no site do CAAD.

 

Lisboa, 13 de maio de 2019

 

O Árbitro,

 

 

 

Luís Filipe Macedo

 



[1]     Para ARTHUR KAUFMANN, a igualdade traduz a ideia de justiça em sentido estrito ou o aspecto puramente formal da justiça, representando uma correspondência ou analogia, realizada através de um acto de equiparação que, assentando no conhecimento racional, implica ainda uma decisão de poder (v. KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito. 2.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 227-231).

      A respeito da igualdade, escreveu entre nós MARTIM DE ALBUQUERQUE o seguinte:

“    A igualdade desdobra-se em duas proibições e uma obrigação – proibição de arbítrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação.

      A proibição de arbítrio legislativo ou de distinção arbitrária radica na ausência de motivo pertinente, o que significa falta de fundamento, de fundamento material bastante ou suficiente, de fundamento material razoável, adequado suporte material, de justificação racional, de causa justificativa poderosa; como também desproporção ou inadequação da regulamentação legal à situação fáctica a que quer aplicar-se. (...)

      Para que uma distinção seja discriminação é preciso identificar:

  1. o motivo;
  2. o direito, em relação ao qual se pratica a distinção;
  3. a arbitrariedade.

      O motivo deve ser razoável. E a sua razoabilidade só pode ser avaliada caso a caso, pois uma causa pode ser razoável quando perspectivada em função de um certo direito, e já não o ser relativamente a outro. (...)

      Se na concessão dos direitos já contemplados apenas alguns dos que, de acordo com o princípio da igualdade, deveriam gozar dele, existe um privilégio ilegítimo; se são contemplados todos menos alguns existe discriminação ilegítima.

Quanto à obrigação de diferenciação, envolve necessariamente um determinar da semelhança ou dissemelhança das situações em presença. E a única possibilidade de o fazer reside no apelo a factores de ordem concreta. Nas situações de vida, jamais podendo ser total a semelhança, o que importa é distinguir quais os elementos que devem ser levados em conta, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, a fim de qualificar duas situações como semelhantes para efeitos, de um só e mesmo tratamento jurídico. A solução não depende de critérios puramente formais.” (v. Martim de Albuquerque, Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, Coimbra: Almedina, 1993, pp. 334-336; cfr. ainda Martins Claro, O Princípio da Igualdade Nos Dez Anos da Constituição. [S.L.], Instituto Nacional Casa da Moeda, 198, pp. 29-38).