Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 39/2018-A
Data da decisão: 2018-10-12  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Suspensão do vínculo de emprego público; Efeito sobre o direito a férias; Doença.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.    RELATÓRIO

 

A.    Partes e objecto do litígio

 

A..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... ..., a exercer funções de escrivã auxiliar no Núcleo da ...., do Tribunal B..., demandou o C..., com domicílio na ..., ...-... Lisboa, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

 

Peticiona a Demandante que seja anulado, por contrário à lei, o Despacho do Senhor Subdirector-Geral Administração da C..., datado de 21.12.2017, consubstanciado no indeferimento do gozo das suas férias vencidas em 01.10.2017, e a condenação à prática de acto devido que defira o direito a férias vencidas.

 

Alega, em síntese, a Demandante que os artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.º s 1 e 2, e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (“LGTFP”) – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho –, sobre a suspensão do vínculo de emprego público e efeitos sobre o direito a férias, em virtude de esta se encontrar a faltar ao trabalho, por doença não são inaplicáveis ao caso em apreço, porquanto, nos termos do artigo 15.º da LGTFP, a falta por motivo de doença devidamente comprovada dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente – que é o seu caso – não afecta o direito a férias, sendo, assim, expressamente afastado o regime constante da LGTFP no que respeita aos efeitos das faltas sobre o direito a férias. Por conseguinte, ao aplicar ao caso da Demandante os artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.º s 1 e 2, e 127.º, da LGTFP, o acto impugnado teria afectado o seu direito a férias em violação da lei.

 

O Demandado apresentou contestação propugnando pela improcedência da acção. Defende, em síntese, que, sem prejuízo da aplicação do artigo 15.º da LGTFP à Demandante, para efeitos de suspensão do vínculo não revela o nele disposto, uma vez que o artigo 15.º do diploma preambular apenas estabelece o regime das faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, nada dispondo sobre suspensão do vínculo de emprego público. Sobre a suspensão do vínculo de emprego público e seus efeitos no direito a férias em resultado do impedimento do trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente por doença, regem os artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP, os quais são aplicáveis a todos os trabalhadores em funções públicas, independentemente do regime de protecção social e da modalidade de vínculo de emprego público.

 

B.     Tribunal Arbitral

 

A Direcção-Geral da Administração da Justiça encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (cfr. artigos 1.º, n.º 1, alínea. e) e n.º 2, alínea. a), da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro).

 

Este Tribunal Arbitral foi constituído, com a aceitação e notificação da composição em
30-04-2018, nos termos previstos no artigo 17.º do Regulamento do CAAD (cfr. Despacho do Secretário de Estado da Justiça n.º 5097/2009, de 12 de Fevereiro e demais legislação ali citada).

 

Foi aceite pelas partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, nos termos do artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento do CAAD apreciar e decidir o litígio.

 

C.    Tramitação e despachos

 

Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade e flexibilidade processual (artigos 5.º e 18.º, n.º 1 do Regulamento do CAAD), por despacho de 11-06-2018, o Tribunal Arbitral determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas por um período sucessivo de 10 dias.

 

O Demandado apresentou alegações escritas, tendo a Demandante prescindido de alegações escritas.

 

D.     Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades ou questões prévias que cumpra apreciar.

 

E.     Questão decidenda

 

A questão que a este Tribunal Arbitral cabe resolver é de Direito e prende-se com saber se a um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP, com a consequente suspensão do vínculo de emprego público e efeitos no direito a férias, ou se a aplicação de tais preceitos é afastada pelo artigo 15.º da LGTFP. A resposta à questão permitirá concluir se é, ou não, inválido o acto que aplicou tais preceitos da LGTFP à Demandante.

 

 

II.    FUNDAMENTAÇÃO

 

A.    Factos

 

Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Demandante é escrivã auxiliar a exercer funções no Núcleo da ..., do Tribunal B...;

 

  1. A Demandante foi nomeada em 16.03.2001, estando integrada no regime de protecção social convergente, nos termos do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 4/2009, de 29 de Janeiro;

 

  1. Por motivo de doença, a Demandante esteve ausente do serviço entre 11.10.2016 e 21.04.2017;

 

  1. A Demandante requereu o gozo de 20 dias de férias vencidas em 01.01.2017;

 

  1. O Senhor Secretário de C...  indeferiu o requerimento com o fundamento que:

 

“em 1.1.2017, por se encontrar em situação de doença iniciada em 11.10.2016, não se venceu o direito a férias, adquirindo o direito a férias nos termos do art. 127 da LGTFP, aplicável por força do art. 129.º n.º 2 da mesma Lei (2 dias uteis de féras por cada mês de trabalho que for sendo prestado até 31 de dezembro)”;

 

  1. A Requerente por não se conformar com esse despacho, recorreu hierarquicamente para o Senhor Administrador Judiciário da Comarca do ...;

 

  1. O Senhor Administrador da Comarca do ..., sufragando o entendimento do Senhor Secretário, remeteu para a DGAJ o recurso da Requerente;

 

  1. Por sua vez, o Senhor Subdirector-Geral proferiu em 21.12.2017 o seguinte despacho:

 

“Concordo com o teor da presente informação, cujo entendimento jurídico subscrevo, pelo que acolho o proposto.”

 

  1. Consta na informação n.º .../2017, que fundamenta o despacho recorrido, sobre a aquisição do “direito a férias” da Requerente o seguinte:

 

Em síntese, na mesma, a interessada defende a aplicação ao seu caso do entendimento constante no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Processo n.º 0109/17, de 28.9.2017, que decidiu recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - Processo n.º 13317/16, de 20.10.2016, que tinha negado provimento ao recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) - Processo n.º 65/2015-A, de 26.11.2015, que julgou procedente o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do ato de 10.2.2015, da Directora da Unidade dos Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, que aplicara a trabalhador a suspensão do vinculo de emprego público, e inerente repercussão nas férias, por violação dos artigos 278. o n.º 1, 129.º n.ºs 1 e 2 e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e artigo 15. º n.º 1 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

 

Cumpre no entanto salientar, desde já, que a interpretação efetuada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, apenas produz efeito no caso em concreto (entre as partes intervenientes), não sendo vinculativa para situações similares, como a da interessada, porquanto, que esta Direção-Geral conheça, não existe despacho/decisão de membro do governo com responsabilidades nas áreas da Administração Pública ou da Justiça, cabendo, como tal, ao dirigente máximo de cada organismo decidir, em cada caso, fundamentadamente, se considera haver lugar, ou não, à aplicação da suspensão do vinculo de emprego público, daí retirando as respetivas consequências.

 

Militam, assim, pela não aplicação da suspensão ao caso vertente a interpretação efetuada pelo Supremo Tribunal Administrativo no citado Acórdão e ulteriores decisões que estiveram na sua origem.

 

Por sua vez, pugnam pela aplicação da suspensão do vínculo de emprego público:
a) A posição da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), departamento com competência transversal no domínio da gestão dos recursos humanos da Administração Pública, entendendo-se que a mesma se firmará:

 

Na "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei n. o 184/Xll, que esteve na génese da Lei n. o 35/2014, de 20 de junho de 2014, quando refere que:
"[a] Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas culmina um itinerário aproximativo ao regime laboral comum que, ao longo dos últimos anos, vem paulatinamente trilhando o seu caminho. [...].

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas assenta em três ideias-chave:

- Assumir a convergência tendencial do regime dos trabalhadores públicos com o regime dos trabalhadores comuns, ressalvadas as especificidades exigidas pela função e pela natureza pública do empregador, com salvaguarda do estatuto constitucional da função pública; [...]

- Integrar, harmonizar e racionalizar as alterações legislativas concretizadas nos últimos quatro anos no regime laboral da função pública [...];
Na mesma senda, da "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei n. o 43/XIII: "O n.º 6 do artigo 15.º corresponde ao n.º 6 do artigo 29.o do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, que continha, simultaneamente, o regime laboral dos trabalhadores em funções públicas em matéria de férias, faltas e licenças e o regime de proteção social destes mesmos trabalhadores no que se refere às faltas por doença. Ora, atualmente não se preveem no âmbito, quer da LTFP, quer do Código do Trabalho, quer no regime geral de segurança social, quaisquer efeitos relativamente à perda de antiguidade, constituindo por esse motivo aquele n.º 6 uma discriminação injustificada relativamente aos trabalhadores integrados neste último regime. Por identidade de razões, do mesmo modo se justifica a revogação do n.º 4 do artigo 37.º”, entende-se, claramente, ser intenção do legislador eliminar diferenças de tratamento, injustificadas, dos trabalhadores em funções públicas quando revoga o n.º 6 do artigo 15.º e o n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho de 2014, através da alínea e) do artigo 12.º da Lei n.º 25/2017, de 30 de maio de 2017.

Ora, esta preocupação do legislador em afastar situações de discriminação negativa dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, relativamente aos do regime geral da segurança social, manter-se-á igualmente válido para situações de discriminação positiva, como é o caso em apreciação, porquanto essa será a finalidade da convergência de regimes.

Por último, constata-se igualmente o propósito do legislador em aproximar os regimes da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril de 2009 [que regulamenta a protecção na parentalidade, no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adopção, dos trabalhadores que exercem funções públicas integrados no regime de protecção social convergente, dando cumprimento às determinações da Lei n. º 4/2009, de 29 de janeiro de 2009, que definiu a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas], quando ai se refere que "[o] regime de protecção social convergente possui, assim, uma disciplina jurídica idêntica à do regime geral de segurança social no que se refere à regulamentação da protecção nas diferentes eventualidades, designadamente quanto aos respectivos objectos, objectivos, natureza, condições gerais e especificas, regras de cálculo dos montantes e outras condições de atribuição das prestações".

 

Do exposto, conclui-se que o regime de proteção social convergente, até como a sua designação indicia, pressupõe a cada vez maior aproximação ao regime regra, que é o da segurança social.

b) Por sua vez, no mesmo sentido da posição da DGAEP, a Decisão Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CMD), proferida no Processo n. º 64/2015-A, ...

 

Em conclusão, sem prejuízo do enunciado na Informação n.º 325/2017, que aqui se dá por integralmente reproduzida, entende-se que, conforme decorre da parte inicial do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho de 2014 "[s]em preiuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina:

[...]" (evidenciado nosso), o elenco de efeitos das faltas por doença constante naquele artigo não esgota as disposições legais aplicáveis, em matéria de faltas por doença, aos trabalhadores inseridos no regime de proteção social convergente.

Por conseguinte, entende-se aplicável à situação da interessada o disposto nos artigos 278.º (factos determinantes da suspensão do vinculo de emprego público), 129.º (efeitos da suspensão) e 127.º (direito a férias após a cessação da suspensão) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n. º 35/2014, de 20 de junho de 2014, na atual redação, e, ainda que a título supletivo, as normas previstas no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009, na atual redação, como decorre do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 122.º da referida Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto de 2017.

IV – Proposta

Considerando o exposto na presente Informação e o enquadramento legal citado, propõe-se a V. Exa.:

• Que reconheça a A... o direito ao gozo de dois dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho, a contar entre 24 de abril de 2017 e 31 de dezembro de 2017, de acordo com o disposto no artigo 278.º, no n.º 2 do artigo 129.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho de 2014, na redacção atual;

• Se notifique o Ilustre Mandatário da interessada Senhor Dr. D... e o Senhor Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca do ..., do despacho que recair sobre a presente Informação.

À consideração superior.”.

 

  1. A Demandante apresentou a sua petição inicial no CAAD em 05.03.2018.

 

B.     Direito

 

Põe-se a questão de saber se a um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP e, se, por conseguinte, é inválido o ato que aplicou tais preceitos na referida situação à Demandante.

 

O artigo 278.º da LGTFP dispõe o seguinte:

“1- Determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.

2- O vínculo de emprego público considera-se suspenso, mesmo antes de decorrido o prazo de um mês, a partir do momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo.

3- O vínculo de emprego público extingue-se no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo.

4- O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do vínculo de emprego público nos casos previstos na lei.”

 

Portanto, para que ora interessa, o n.º 1 do artigo 278.º da LGTFP determina que se suspende o vínculo de emprego público se um trabalhador faltar ao serviço por mais de 1 mês por motivo de doença.

 

Por seu turno, o artigo 129.º da LGTFP estipula:

 

“1- No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, verificando-se a impossibilidade total ou parcial do gozo do direito a férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio.

2- No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º

3- No caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufruí-lo até 30 de abril do ano civil subsequente.

4- Cessando o contrato após impedimento prolongado respeitante ao trabalhador, este tem direito à remuneração e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano de início da suspensão.”

 

Resulta claro da redação do n.º 1 deste preceito – “No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador” – que a aplicação do artigo 129.º da LGTFP pressupõe que ocorreu a suspensão do vínculo de emprego público nos termos do artigo 278.º do mesmo diploma, já que é este o preceito que determina a suspensão do vínculo de emprego público por força do impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês.

 

O artigo 129.º regula, então, os efeitos dessa suspensão do vínculo sobre o direito a férias do trabalhador, para o que ora nos ocupa, nos seguintes termos:

 

  1. No ano do início da suspensão do vínculo, se o trabalhador não gozou, total ou parcialmente, o período de férias que se venceu a 1 de janeiro desse ano, tem direito a receber a remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio (cfr. n.º 1);
  2. No ano da cessação da suspensão do vínculo (pressupondo-se, aqui, que o início e o termo da suspensão do vínculo ocorreram em anos civis diferentes), o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º da LGTFP (ex vi do n.º 2).

 

O artigo 127.º da LGTFP, aplicável aqui por remissão expressa do n.º 2 do artigo 129.º, refere-se ao direito a férias no caso de vínculos de duração inferior a 6 meses e determina:

 

“1- O trabalhador cuja duração total do vínculo não atinja seis meses tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato.

2- Para efeitos da determinação do mês completo, devem contar-se todos os dias, seguidos ou interpolados, em que foi prestado trabalho.

3- Nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação, salvo acordo das partes.”

 

Assim, por força da remissão operada pelo artigo 129.º, n.º 2, para o artigo 127.º, no ano da cessação da suspensão do vínculo o trabalhador tem direito a 2 dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho que preste até ao final desse ano.

 

Feito o enquadramento sobre o regime constante dos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP e aplicável a um trabalhador em funções públicas que falte ao trabalho por motivo de doença por período superior a 1 mês, importa verificar se esse regime é aplicável a um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente na mesma situação, uma vez que aos trabalhadores integrados nesse regime são aplicáveis algumas normas especiais constantes dos artigos 15.º a 41.º da LGTFP, como expressamente determina o artigo 14.º da mesma lei.

 

Sendo que, não oferece dúvida que a Demandante, se integra no regime da protecção social convergente, nos termos dos artigos 11.º e 7.º, al. b), da Lei n.º 4/2009, de 29 de Janeiro, que define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas.

 

Relativamente aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, a referida Lei n.º 4/2009, de 29 de Janeiro, remeteu para decretos-leis posteriores a regulamentação de cada uma das eventualidades previstas no sistema previdencial, nomeadamente doença, mantendo até à entrada em vigor da nova regulamentação os regimes legais e regulamentares que regulavam as várias eventualidades do regime de protecção social convergente (cfr. artigos 13.º, 29.º e 32.º, n.º 2).

 

Ora, como nota Miguel Lucas Pires, nem toda a regulamentação sectorial foi aprovada e, “nomeadamente, não entrou ainda em vigor a respeitante à eventualidade de doença” [1].

 

Por esse motivo, o legislador veio a consagrar normas especiais aplicáveis a esses trabalhadores no âmbito dos diplomas referentes ao trabalho em funções públicas, nomeadamente na eventualidade de doença.

Assim, no âmbito da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, diploma antecessor da LGTFP, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), estabelecia-se no artigo 19.º da versão original, com relevo para o presente caso, que os trabalhadores a integrar no regime de protecção social convergente, até à regulamentação do regime de protecção social convergente, mantinham-se sujeitos às normas que lhes eram aplicáveis até então, designadamente as relativas aos efeitos das faltas por doença (cfr. n.º 3), remetendo-se, por conseguinte, para o disposto no Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março.

 

Mais se dispunha que o disposto no n.º 1 do artigo 232.º do RCTFP – suspensão do contrato por impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença –, quando a suspensão resultar de doença, só se aplicaria com a entrada em vigor dos diplomas de regulamentação do regime de protecção social convergente (cfr. n.º 4).

 

Com a alteração a esse artigo 19.º introduzida pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, passou a dispor-se no n.º 6 que, até à regulamentação do regime de protecção social convergente na eventualidade de doença, no caso de faltas por doença, se o impedimento se prolongasse efetiva ou previsivelmente para além de um mês, aplicar-se-iam aos trabalhadores a integrar no regime de protecção social convergente os efeitos no direito a férias estabelecidos no artigo 179.º do RCTFP para os trabalhadores com contrato suspenso por motivo de doença. Artigo 179.º do RCTFP esse que, no essencial, corresponde ao atual 129.º da LGTFP. Por conseguinte, por expressa determinação legal, as faltas por doença que se prolongasse por mais de 1 mês teriam efeitos no direito a férias.

 

Ao contrário do que sucedia no regime legal anterior, a LGTFP, embora consagrando regras especiais para os trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente (artigos 15.º a 41.º ex vi do artigo 14.º), nomeadamente na eventualidade de doença, não se refere expressamente ao artigo 278.º da LGTFP sobre a suspensão do vínculo de emprego público em decorrência de doença que se prolongue por mais de 1 mês nem aos efeitos dessa situação no direito a férias previstos nos artigos 129.º e 127.º da LGTFP.

Com efeito, relativamente aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, no que se refere a “Faltas por doença”, determina o artigo 15.º da LGTFP:

 

“1- A falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes.

2- Sem prejuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina:

a) A perda da totalidade da remuneração diária nos primeiro, segundo e terceiro dias de incapacidade temporária, nas situações de faltas seguidas ou interpoladas;

b) A perda de 10 % da remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária.

3- A contagem dos períodos de três e 27 dias a que se referem, respetivamente, as alíneas a) e b) do número anterior é interrompida sempre que se verifique a retoma da prestação de trabalho.

4- A aplicação da alínea b) do n.º 2 depende da prévia ocorrência de três dias sucessivos e não interpolados de faltas por incapacidade temporária nos termos da alínea a) do mesmo número.

5- A falta por motivo de doença nas situações a que se refere a alínea a) do n.º 2 não implica a perda da remuneração base diária nos casos de internamento hospitalar, faltas por motivo de cirurgia ambulatória, doença por tuberculose e doença com início no decurso do período de atribuição do subsídio parental que ultrapasse o termo deste período.

6- As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil.

7- O disposto nos n.ºs 2 a 6 não se aplica às faltas por doença dadas por pessoas com deficiência, quando decorrentes da própria deficiência.

8- As faltas por doença implicam sempre a perda do subsídio de refeição.

9- O disposto nos números anteriores não prejudica o recurso a faltas por conta do período de férias.”

 

Nem no artigo 15.º da LGTFP nem no conjunto das demais normas especiais aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente (artigos 16.º a 41.º da lei preambular) encontramos qualquer norma similar à que constava do artigo 19.º da Lei n.º 59/2008, alterado pela Lei n.º 66/2012, a determinar a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação específica a aprovar) ou sobre a aplicação do preceito relativo aos efeitos no direito a férias.

 

A ausência de uma norma com tal conteúdo em conjugação com o disposto no artigo 15.º, preceito especificamente dedicado às faltas por doença, que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, leva-nos a concluir que as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias, pois que esse não é um dos direitos do trabalhador afetado nos termos dos números 2 a 9 do artigo 15.º da LGTFP.

 

Sendo apenas afetados, nos termos previstos nos n.º 2 a 8 do referido artigo 15.º da LGTFP, o direito à remuneração, a antiguidade e o direito ao subsídio de refeição. Pelo que, por força do artigo 15.º, n.º 1, da LGTFP, aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, em caso de falta por doença prolongada (isto é, superior a 1 mês), não se aplica o disposto nos artigos 129.º e 127.º da LGTFP, preceitos que afetam o direito a férias, nomeadamente prevendo que no ano do regresso ao trabalho o trabalhador apenas terá direito a 2 dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho, não se vencendo férias a 1 de Janeiro desse ano.

 

Como aponta Cláudia Sofia Henriques Nunes [2], que crê que se tratou de um lapso do legislador, “Com efeito, atendendo ao preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que determina que as faltas por doença não afectam qualquer direito dos trabalhadores abrangidos pelo regime de protecção social convergente, salvo o disposto nos números seguintes, que não contemplam qualquer estatuição relativamente aos efeitos das faltas por doenças sobre as férias, conduz-nos à conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores, quando superiores a 30 dias e se iniciem e terminem em anos civis distintos, não determinam quaisquer efeitos sobre as férias”.

 

Esta conclusão sai reforçada pelo disposto nos artigos 25.º e 36.º da LGTFP nos termos do qual as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos, o que significa que o vínculo de emprego público do trabalhador integrado no regime de protecção social convergente não se suspendeu nos termos do artigo 278.º, n.º 1, da LGTFP.

 

Com efeito, nos termos desta norma, as faltas por doença não podem ultrapassar os 30 dias seguidos, suspendendo-se o vínculo de emprego logo que decorrido o prazo de 1 mês (ou até antes, a partir do momento em que seja previsível que se vai prolongar por mais de 1 mês).

 

Ora, no caso dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, resulta dos artigos 25.º e 36.º da LGTFP) que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos, o que significa que o vínculo de emprego público não se suspende em resultado do impedimento por doença superior a 1 mês nos termos do artigo 278.º, n.º 1, da LGTFP, pois que se assim fosse, isto é, havendo suspensão do vínculo, não continuariam a contar dias de faltas por doença; o vínculo estaria pura e simplesmente suspenso.

 

Como sublinha Paulo Veiga e Moura [3] “(...) se as faltas podem exceder os trinta dias seguidos (embora com perda de antiguidade), é porque para os trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente o vínculo de emprego não se suspende quando incorram em mais de trinta dias seguidos de faltas, ao contrário do que determina o artigo 278.º para os trabalhadores integrados no regime geral”.

 

Ora, não havendo suspensão do vínculo nos termos do artigo 278.º da LGTFP, não se aplica, por essa via, o disposto nos artigos 129.º e 127.º da LGTFP sobre os efeitos dessa suspensão no direito a férias, sendo que, em qualquer caso, os efeitos sobre o direito a férias estariam liminarmente afastados por força do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LGTFP.

 

Ou seja, ainda que houvesse suspensão do vínculo – que, segundo entendemos, não se verifica –, ainda assim, face ao disposto no n.º 1 do artigo 15.º da LGTFP, estaria afastada a aplicação dos artigos 129.º e 127.º da LGTFP, os quais afectam o direito a férias por motivo de faltas por doença que exceda 1 mês.

 

Acresce que, admitir a aplicação dos artigos 129.º e 127.º por força da suspensão do vínculo de emprego público determinada pelo artigo 278.º da LGTFP é admitir que seja afectado o direito a férias, pelo que interpretação do Demandado levaria a que se deixasse entrar pela janela (pela aplicação dos artigos 129.º e 127.º ex vi do artigo 278.º da LGTFP) aquilo a que se fechou a porta (através da prescrição constante do n.º 1 do artigo 15.º da LGTFP de que as faltas por doença não afetam qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, nos quais não se inclui o direito a férias).

 

Considerando todo o exposto e respondendo à questão decidenda, à situação de um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LGTFP, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP.

 

Por conseguinte, ao aplicar os artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 127.º da LGTFP à situação da Demandante, trabalhadora integrada no regime de protecção social convergente, por a mesma ter faltado ao serviço por motivo de doença por período superior a 1 mês, o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de Direito, por errada interpretação e aplicação daqueles preceitos da LGTFP, e viola o disposto no n.º 1 do artigo 15.º da LGTFP, pelo que o acto em causa é inválido (cfr. artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo), por vício de violação de lei.

 

 

 

III.    DECISÃO

 

Atento o exposto, considera-se a acção procedente e, em consequência, anula-se o acto impugnado, por errada interpretação e aplicação dos artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e violação do disposto no n.º 1 do artigo 15.º da LGTFP e condena-se o Demandado à prática de acto devido que defira o direito a férias vencidas.

 

Fixa-se o valor da acção em 30.000,01 euros, por o valor da causa ser indeterminável (cfr. artigo 34.º do CPTA ex vi do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes, com cópia.

 

Lisboa, 12 de Outubro de 2018

 

 

O Árbitro

 

(Hélder Faustino)

 

 



[1] Cfr. “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Anotada e Comentada”, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 21.

[2] “O Contrato de Trabalho em Funções Públicas face à Lei Geral do Trabalho”, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 208 e 209.

[3] Cfr. “Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, 1.º Volume, Artigos 1.º a 240.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 31.