Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 44/2014-A
Data da decisão: 2015-06-05  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Período normal de trabalho
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

1.      A Associação A (A) intentou no CAAD uma ação administrativa comum contra o Ministério B.

 

2.      A Demandante formulou o seguinte pedido:

 

“Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser:

 

a)      Reconhecido o direito dos associados da Autora a beneficiarem do limite de 7 horas de trabalho por dia e de 35 horas de trabalho por semana a título normal de trabalho diário e semanal, nos termos do disposto nos art.ºs 7.º n.º 1 e 8.º n.º 1 do DL n.º 259/98, de 18 de agosto, na versão em vigor a 31 de dezembro de 2008, aplicáveis por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014;

 

b)      O Réu condenado a abster-se de exigir que os associados da Autora prestem mais do que 7 horas de trabalho diárias e 35 horas de trabalho semanais a título período normal de trabalho diário e semanal; 

 

c)      Reconhecido o direito dos associados da Autora a gozarem um período de férias mínimo de 25 dias úteis, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço nos termos do art.º 2.º do DL 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio, aplicável por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014;

 

d)     O Réu condenado a não obstar ao gozo pelos associados da Autora do período mínimo de 25 dias de férias por ano, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço nos termos do art.º 2.º do DL 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio, aplicável por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014”.

 

 

3.      O Ministério B, citado para contestar, defendeu-se por exceção – ilegitimidade ativa da Demandada - e por impugnação, concluindo que:

 

“I - Deve proceder a invocada exceção dilatória, absolvendo-se o Demandado da instância;

IINa hipótese de assim não se entender, deverá a ação ser julgada improcedente, por não provada e o Demandado absolvido dos pedidos.”

 

4.      A designação do árbitro único foi efetuada por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra.

 

5.      Em 16 de Dezembro de 2014, o Árbitro proferiu despacho no sentido de conduzir o processo nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, o que obteve a concordância das partes.

 

6.       A Demandante foi convidada a pronunciar-se sobre a exceção dilatória.

 

7.      Na pronúncia conclui que é parte legítima na ação proposta, defendendo a improcedência da exceção.

 

8.      Em 9 de janeiro de 2015, decidiu-se que a exceção de ilegitimidade seria apreciada na sentença e notificaram-se as Partes para alegações sucessivas.

 

9.      A Demandante apresentou as seguintes conclusões que se reproduzem:

 

“1. Por força do disposto no art.º 41.º n.º 1 b) i) da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, não são aplicáveis à carreira de investigação criminal da C as normas constantes dos art.ºs 105.º e 126.º, referentes respetivamente, aos períodos normais de trabalho e férias.

 

2.      É entendimento da Direção de Recursos Humanos da C que “face ao disposto nos artigos 41.º e 42.º do diploma que aprova a LTFP – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – bem como nos artigos 1.º e 2.º da LTFP, que se mantém em vigor todo o acervo legal e regulamentar próprio da C, designadamente o horário de trabalho implementado em cumprimento da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto” – Doc. n.º 2 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido.

 

3.      Ou seja, no que respeita ao período normal de trabalho, é entendimento da C que se aplica a Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, revogada pela Lei 35/2014, de 20 de junho.

 

4.      Por força do que dispõe o art.º 41.º n.º 1 b) i) as carreiras especiais são regidas, até à revisão, pelas normas em vigor a 31 de dezembro de 2008.

 

5.      Em 31 de dezembro de 2008, no que respeita aos períodos normais de trabalho era aplicável o Despacho Normativo …, de 13/03/2002 que aprovou o Regulamento do Horário de Trabalho da C fixando-o em 35 horas semanais e 7 horas diárias em consonância com o disposto nos art.ºs 7.º n.º 1 e 8.º n.º 1 do DL n.º 259/98, de 18 de agosto, na versão em vigor a 31 de dezembro de 2008.

 

6.      Nestes termos, deverá ser reconhecido o direito dos trabalhadores da carreira de investigação criminal da C a beneficiarem de uma duração máxima do período normal de trabalho de 7 horas de trabalho diárias e de 35 horas de trabalho semanais e o Demandado condenado a abster-se de exigir a prestação de trabalho durante mais tempo, violando tais limites.

 

7.      Relativamente à duração do período de férias, foi a Demandante informada do entendimento da Direção Nacional da C segundo o qual “a legislação aplicável aos trabalhadores de investigação criminal da C, em matéria de férias, é a Lei 35/2014, de 20 de junho, nomeadamente o disposto nos art.ºs 126.º a 132.º. A partir de 1 de janeiro de 2015, o período anual de férias é de 22 dias úteis a que acresce um dia útil por cada 10 anos de serviço efetivamente prestado”.

 

8.      Nos termos do art.º 2.º do DL 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio, aplicável por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014 têm os trabalhadores de investigação criminal da C o direito a gozar um período de férias mínimo de 25 dias úteis, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço, direito esse que lhes deverá ser reconhecido e o Demandado condenado a não obstar ao gozo de 25 dias de férias e dos dias de férias acrescidos a que tenham direito em função da idade e tempo de serviço”.

 

10.  Por seu turno, o Demandado retirou as seguintes conclusões das alegações:

 

“a) A Demandante  age em   defesa coletiva  de  direitos e interesse individuais,

       não sendo  possível   aferir do   seu  interesse  em agir,  nem identificar que

      direitos  individuais  carecem de tutela, pois não se identificam os respetivos   

      titulares;

 

b)      Aos associados na disponibilidade e na aposentação não se aplicam as regras consagradas na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e, pelo menos, quanto a estas pessoas, não existe qualquer direito ou interesse a tutelar no que concerne ao regime de duração do trabalho e ao direito a férias;

 

c)      Quanto aos restantes associados também não existe qualquer certeza de que todos querem ser representados pela Demandante na presente ação;

 

d)      “A legitimidade ativa dos sindicatos, não obstante dever ser amplamente reconhecida, não os desonera, no caso de figurarem em juízo com uma acção em que  a causa  de  pedir e os pedidos  visam  a  tutela  coletiva  de direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar, de virem a juízo identificar esses concretos trabalhadores, a fim de se poder apreciar da sua legitimidade activa enquanto representantes daqueles, do interesse em agir e dos restantes pressupostos processuais”;

 

e)      “São (…) direitos individuais aqueles que têm uma matriz essencialmente individual mas que podem estar a ser lesados na esfera jurídica de vários trabalhadores em simultâneo (por exemplo, o direito ao descanso (…) ”;

 

f)        Refletindo-se o objeto da presente ação diretamente na esfera jurídica dos associados da Demandante abrangidos pela Lei n.º 35/2014, conclui-se que estamos, claramente, no âmbito da defesa (coletiva) de interesses individuais;

 

g)      Âmbito onde releva a autonomia individual dos trabalhadores;

 

h)      O STA, no Acórdão de 25/01/2005 proferido no Proc. n.º 01771/03, determinou que a representação judicial tem de ser solicitada ao sindicato pelos trabalhadores interessados, cabendo aos mesmos decidir se pretendem ser defendidos em juízo por uma associação sindical ou se, em alternativa, querem apresentar defesa própria;

 

i)        Neste mesmo sentido, num processo sobre reduções remuneratórias, se pronunciou o TAC de Lisboa em 2011;

 

j)        A legitimidade da Demandante está condicionada à indicação dos associados que representa e à apresentação de um qualquer título (mandato, pedido, declaração, etc.) que prove que os associados terão pretendido tal representação em juízo, sob pena de ocorrer uma situação de ilegitimidade ativa, que configura uma exceção dilatória suscetível de determinar a absolvição do Demandado da instância;

 

k)      A LGTFP aplica-se ao pessoal de investigação criminal da C, por força do disposto no n.º 2 do artigo 1.º da LGTFP e a contrario por força do estabelecido no artigo 2.º;

 

l)        Não decorre de nenhuma norma que a sua aplicação tenha sido relegada para momento posterior;

 

m)    A norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da Lei 35/2014 equivale às normas consagradas nas sucessivas Leis do Orçamento do Estado desde 2009;

 

n)      E revela que o legislador quis salvaguardar a manutenção daquelas carreiras, enquanto não ocorresse a revisão das carreiras dos corpos especiais, onde se incluem as carreiras da investigação criminal da C, devendo, para aquele efeito, ser aplicados os normativos vigentes em 31 de dezembro de 2008, no tocante à sua estruturação, organização e desenvolvimento;

 

o)      Apenas no que respeita à estrutura das carreiras, ao seu acesso e/ou ingresso e à atribuição de alguns suplementos remuneratórios se continuam a aplicar as normas vigentes em 31 de dezembro de 2008;

 

p)      No remanescente, onde se inclui naturalmente o período normal de trabalho e o direito a férias ora em discussão, aplica-se, desde 1 de agosto de 2014, o regime jurídico constante da Lei n.º 35/2014;

 

q)      Foi opção expressa e consciente do legislador não excecionar o pessoal da investigação criminal da C, e tanto assim é que o nº 2 do artigo 43.º da Lei n.º 35/2014 apenas respeita ao pessoal com funções policiais da D;

 

r)       Reafirma-se o entendimento da C quanto à duração normal do trabalho e das férias, constante dos documentos juntos pela Demandante e identificados como Docs. n.ºs 2 e 3;

 

s)       Não é necessário existir um regulamento ou um ato administrativo para que a C continue a aplicar o regime jurídico consagrado na Lei n.º 68/2013, agora vertido na LGTFP, ou para que inicie a aplicação, a 1 de janeiro de 2015 (data em que se vence o direito a férias), do disposto no artigo 126.º da LGTFP;

 

t)        Defendendo-se, como faz a Demandante, que à carreira de investigação se aplicam, em bloco, as disposições que vigentes em 31 de dezembro de 2008, pugna-se pela não aplicação do Decreto-Lei n.º 42/2009, de 12 de fevereiro, diploma que estabelece as competências das unidades orgânicas da C, e da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, portaria que fixa o valor dos suplementos de piquete e de intervenção da C, vigentes desde 13/02/2009 e 01/02/2014, respetivamente;

 

u)      Ora, seguramente não é esse o entendimento da Demandante, nem foi essa a intenção do legislador;

 

v)      O iter argumentativo expendido nos artigos 49.º a 73.º da P.I. representa uma mera enunciação de factos não essenciais, acessórios, desconexos com a causa de pedir e com os pedidos efetuados (que respeitam ao “período normal de trabalho”, e não ao trabalho prestado fora daquele período), e que como tal, não deve ser considerado, nos termos do disposto no artigo 5.º do CPC;

 

w)     E indicia uma confusão sobre a essência dos conceitos de “período normal de trabalho” e “período de trabalho prestado fora do horário normal de trabalho”;

 

x)      Pese embora não importe para a decisão da questão ora em discussão, o Demandado não pode deixar de expressar a incompreensão quer da fórmula e do cálculo de horas efetuado e alegado (mas não provado) constante no artigo 66.º da P.I., sobretudo quando o pessoal da investigação criminal ao integrar os piquetes têm direito a folgas;

 

y)      Esta temática (aplicação e interpretação dos regimes de trabalho para além do horário normal de trabalho), marginal ao objeto da presente ação, tem sido sucessivamente objeto de impugnação contenciosa pela ora Demandante, embora sem sucesso, pelo que não colhe o alegado no artigo 71.º da P.I.;

 

z)       Desde a entrada em vigor da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, diploma que passou incólume no crivo do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 794/2013, de 21 de novembro) que todos os trabalhadores que exercem funções públicas estão sujeitos à prestação de 8 horas de trabalho por dia e às 40 horas de trabalho semanais;

 

aa)   Realidade com a qual a Demandante se conformou, pelo menos até à data da entrada em vigor da Lei n.º 35/2014;

 

bb)  As pretensões da Demandante não têm qualquer fundamento legal, devendo a presente ação ser julgada improcedente e o Demandado absolvido dos pedidos”.

 

Importa, em primeiro lugar, decidir a exceção suscitada pelo Demandado.

 

 

II – A exceção de ilegitimidade ativa

 

11.  A questão da ilegitimidade ativa é discutida na presente ação pela Demandante e pelo Demandado com argumentos pertinentes e que retomam posições divergentes julgadas pelos Tribunais Administrativos e pelo Tribunal Constitucional. No âmbito do CAAD, a questão da legitimidade das associações sindicais também já foi objeto de sentenças que refletem a referida divergência (Processos n.º 6/2014-A e 7/2014-A).

 

Segundo o Demandado, a A “age em defesa coletiva de direitos e interesses individuais, não sendo possível aferir do seu interesse em agir, nem identificar que direitos individuais carecem de tutela, pois não se identificam os respetivos titulares”.

 

A Demandante contrapõe que “entender necessária a identificação dos associados relativamente aos quais pretende que a presente acção produza efeitos e ao entender necessária a junção da procuração confunde a legitimidade ativa conferida pela Constituição e pela lei aos sindicatos com representação jurídica e ou judiciária ou mandato”.

 

Assim, poderia estar em causa a distinção entre a defesa de direitos e interesses coletivos dos membros de uma associação sindical ou a defesa de direitos e interesses individuais dos associados.

No primeiro caso não se colocaria em causa a legitimidade, mas, no segundo, já essa legitimidade estaria em crise por falta de identificação concreta dos associados e de manifestação bastante em relação à representação por parte da associação sindical.

 

Neste enquadramento, o prosseguimento da ação poderia depender do convite à Demandante para aperfeiçoar a Petição Inicial através da indicação concreta dos trabalhadores e da junção de documento de representação, sob pena de absolvição da instância por ilegitimidade ativa.

 

 

12.  Importa analisar a norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que suscita interpretações diversas e que, em consequência da interpretação perfilhada, determinará a absolvição da instância ou o julgamento da questão de fundo objeto do pedido.

 

Estabelece o n.º 2 do artigo 338.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho de 2014:

 

            “É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para a defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam”.

 

Não estando em causa a legitimidade processual das associações sindicais para a defesa dos direitos coletivos ou individuais dos associados, teremos de verificar, em primeiro lugar, se o pedido se enquadra na defesa de um interesse coletivo ou individual dos trabalhadores.

 

Na verdade, se se tratar de um interesse coletivo a questão da representação individual através de um mandato estaria ultrapassada, uma vez que a sentença abrangeria todos os associados de igual forma.

13.  Entendemos que a pretensão processual da Demandante tem em vista a proteção de um bem jurídico comum ao universo dos associados.

 

O reconhecimento do limite de 7 horas de trabalho diário e de 35 horas de trabalho semanal, bem como o reconhecimento do direito ao gozo de um período de férias de 25 dias úteis, congrega uma pluralidade de interessados titulares de interesses idênticos.

 

Como se defendeu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de dezembro de 2010 (Proc. n.º 0788/10):

 

“São interesses coletivos, os interesses organizados de modo a adquirirem uma estabilidade unitária e organizada, de tal forma que se agregam a um determinado grupo ou categoria de indivíduos relacionados com um determinado bem jurídico” (no mesmo sentido, v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31 de janeiro de 2014 - Proc. n.º 10.8BECBR).

 

A Demandante invocou um interesse coletivo, não sendo relevante para o julgamento da exceção saber se esse interesse é procedente.

 

A diferente repercussão desse interesse coletivo nos associados da Demandante pode ser diversa, sem que isso altere a sua natureza.

 

A este título é útil transcrever as considerações do Acórdão, já citado, do Supremo Tribunal Administrativo: 

 

“É verdade que o interesse colectivo – apesar de se repercutir sobre todos – não beneficia a todos de igual modo. Mas esse aspecto não lhe retira a natureza de interesse colectivo, do mesmo modo que o interesse público prosseguido pelo Estado continua a ser de toda a colectividade, mesmo quando beneficia uns e prejudica outros: não é porque o acto expropriativo é lesivo do direito de propriedade (do expropriado) que a expropriação por interesse público deixa de ser no interesse de toda a colectividade; como não deixa de ser colectivo o direito ou o interesse a um ambiente sadio, não obstante o seu reconhecimento poder lesar algumas pessoas, precisamente aquelas que beneficiam da ilegalidade que se pretende corrigir. Por outro lado, quem deve escolher os interesses colectivos que pretende defender é o respectivo Sindicato, através das regras próprias de formação da sua vontade. Desde que o bem jurídico seja comum e indivisível, isto é, desde que a sua conformação diga respeito a todos, o interesse é colectivo. A opção pela defesa desse interesse colectivo em Tribunal – nos casos em que alguns possam ficar prejudicados com a prevalência do interesse colectivo – cabe apenas ao Sindicato”.

 

O reconhecimento de que o interesse defendido pela Demandante é coletivo bastaria para julgar improcedente a exceção invocada, tal como foi configurada pelo Demandado.

 

De qualquer forma, a improcedência da exceção deve, ainda, ser analisada na perspetiva da exigência da identificação dos associados e de um mandato de cada associado.

 

14.  A intervenção processual das associações sindicais não depende de uma representação especialmente conferida pelos associados no âmbito dos direitos e interesses que lhes caiba estatutariamente defender.

 

Como vimos, o artigo 338.º da Lei n.º 35/2014 reconhece às associações sindicais legitimidade processual tanto para a defesa de direitos e interesses coletivos como individuais, quando densifica as disposições do artigo 56.º da Constituição sobre os direitos das associações sindicais.

 

A competência das associações sindicais para defender e promover a defesa dos interesses dos trabalhadores que representam foi concretizada sem qualquer restrição expressa em relação à legitimidade, em função do tipo de direitos ou interesses prosseguidos.

 

Na verdade, a Lei n.º 35/2014 (n.º 3 do artigo 338.º), no seguimento da orientação da legislação que revogou, só limita as consequências da legitimidade ativa no que concerne à isenção de custas, quando a intervenção processual das associações sindicais respeita à defesa de direitos e de interesses individuais.

 

No presente caso, admitindo a tese do Demandado, a alegação da defesa de direitos e interesses coletivos não seria procedente, na medida em que estariam em causa interesses individuais, o que levantaria a questão do caso julgado em relação aos trabalhadores que, eventualmente, não concordassem com a posição da associação sindical.

 

Independentemente de se considerar que estamos perante um típico direito coletivo, importa enquadrar a questão dos poderes de representação, fazendo uma interpretação conforme à Constituição da norma atributiva de legitimidade às associações sindicais.

 

O artigo 56.º da Constituição no que respeita à necessidade de poderes de representação foi comentado por Jorge Miranda e Rui Medeiros na perspetiva dos interesses individuais dos trabalhadores. Afirmam:

 

“Questão distinta é a de saber se a lei pode condicionar a legitimidade ativa dos sindicatos na defesa coletiva dos direitos ou interesses individuais dos trabalhadores à outorga de poderes de representação e à prova da filiação sindical desses mesmos trabalhadores. A jurisprudência constitucional portuguesa tem entendido que a Constituição confere às associações sindicais legitimidade, não apenas para defender os interesses coletivos dos trabalhadores, mas ainda para a defesa coletiva dos interesses individuais “sem necessidade de conferir poderes de representação e de prova de filiação sindical” (Acs. n.ºs 118/97, 160/99 e 103/01).

Em qualquer caso, na ponderação com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o legislador deve assegurar que a defesa coletiva de interesses individuais dos trabalhadores não implica limitação da autonomia individual dos trabalhadores” (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 1103).

 

O alcance da legitimidade processual das associações sindicais parece estabilizado, atendendo à intervenção do Tribunal Constitucional, maioritariamente fixada, no sentido de não exigir expressos poderes de representação e de prova da filiação dos trabalhadores lesados (v. Guilherme da Fonseca, Legitimidade processual singular, contencioso administrativo e associações sindicais, in, C.J.A., n.º 43, pp. 25 a 31).

 

Assim, face ao artigo 56.º da Constituição e ao artigo 338.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, é ilegal fazer depender a legitimidade processual da Demandante para defender os direitos ou interesses coletivos ou individuais dos seus associados da outorga de poderes de representação.

 

Nestes termos, considera-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelo Demandado.

 

 

15.  O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, estando o Demandado vinculado à jurisdição do CAAD pela Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre decidir.

 

 

III – Os factos

 

 

16.  A matéria de facto com relevo para a apreciação do pedido surge facilitada devido à circunstância de o julgamento do litígio depender essencialmente de questões de direito.

 

Com base nos articulados e nos documentos juntos, dão-se como provados os seguintes factos:

 

A)    A ação foi intentada por uma associação sindical que tem como fins a promoção e defesa dos interesses económicos, sociais, profissionais e culturais dos seus associados;

 

B)    Os trabalhadores da C, com a entrada em vigor da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, ficaram sujeitos à duração do período normal semanal de trabalho de 40 horas e ao período normal diário de trabalho de 8 horas;

 

C)    Este regime foi aplicado aos trabalhadores da C sem que tivesse sido praticado qualquer ato administrativo, nem emitido qualquer regulamento sobre a matéria;

 

D)    As férias dos trabalhadores em causa obedeciam ao estabelecido pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio.

 

 

E)    A Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 124/2010, de 17 de novembro, e pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66/2012, de 31 de dezembro, e 63/2013, de 29 de agosto, foi expressamente revogada pelo artigo 42.º n.º 1, alínea e) da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho;

 

F)     A Lei n.º 35/2014 aplica-se ao pessoal de investigação criminal da C;

 

G)   A Lei n.º 35/2014 entrou em vigor no dia 1 de agosto de 2014;

 

H)    A entrada em vigor da Lei n.º 35/2014, na realidade, não alterou o período normal semanal e o período normal diário de trabalho dos trabalhadores de investigação criminal da C fixado pela Lei n.º 68/2013;

 

I)       Nos termos do despacho, datado de 23.09.2014, proferido pelo Diretor Nacional-Adjunto da C: “a legislação aplicável aos trabalhadores de investigação criminal da C, em matéria de férias, é a Lei 35/2014, de 20 de junho, nomeadamente o disposto nos artigos 126.º a 132.º. A partir de 1 de janeiro de 2015, o período anual de férias é de 22 dias úteis a que acresce um dia útil por cada 10 anos de serviço efetivamente prestado”;

 

J)      A revisão da carreira de investigação criminal da C, prevista no n.º 1 do artigo 101.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e no n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014 ainda não se concretizou.

 

 

IV – O Direito

 

 

17.  Feita a fixação da matéria de facto relevante, importa analisar a procedência dos pedidos de reconhecimento de direitos e da condenação à abstenção de comportamentos por parte do Demandado.

 

A matéria controvertida reconduz-se a saber se a Lei n.º 35/2014 se aplica ao pessoal de investigação criminal da C, que integra uma carreira especial, no que respeita ao tempo de trabalho (limites máximos dos períodos normais de trabalho) e ao tempo de não trabalho (direito a férias).

 

A pretensão da Demandante centra-se na defesa de um período de 7 horas de trabalho por dia e 35 horas de trabalho por semana, bem como do gozo de um período mínimo de 25 dias de férias para os seus associados.

 

Está em causa a aplicação do disposto nos artigos 105.º e 126.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que estabelece um período de 8 horas de trabalho diário e 40 horas de trabalho por semana, bem como de um período mínimo de 22 dias de férias.

 

18.  A pretensão de alteração da situação atualmente vigente, respeitante ao período normal de trabalho e ao período de férias remuneradas, baseia-se essencialmente na interpretação do artigo 41.º do diploma que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

 

A norma que se extrai do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), i), é a seguinte:

 

Sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm-se as carreiras que ainda não tenham sido objeto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e as dos corpos especiais, bem como a integração dos respetivos trabalhadores, sendo que até ao início de vigência da revisão as carreiras em causa regem-se pelas disposições normativas aplicáveis a 31 de dezembro de 2008, com as alterações decorrentes dos artigos 156.º e 158.º, 166.º e 167.º da LTFP e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, na redação atual.

 

Segundo a Demandante, como não ocorreu a revisão da carreira de investigação criminal, aplicar-se-ia aos trabalhadores integrados nesta carreira especial o conjunto normativo vigente em 31 de dezembro de 2008, sendo certo que nessa altura o tempo de trabalho era inferior e o período de férias era superior.

 

O Demandado sustenta que o âmbito de aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não comporta a exclusão do pessoal de investigação criminal (n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 35/2014).

 

Defende, ainda, que o artigo 41.º revela, tão-só, que o legislador quis salvaguardar a manutenção daquela carreira no que respeita à sua estrutura, acesso e/ou ingresso e à atribuição de suplementos remuneratórios, mantendo-se o regime da Lei n.º 35/2014 no que respeita ao período de trabalho e ao tempo de férias.

 

19.  A procedência da pretensão da Demandante implicaria o reconhecimento de que o diploma que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas permitiria uma derrogação ao regime geral do tempo de trabalho e do tempo de não trabalho consagrado por aquela mesma lei.

 

Acresce, por outro lado, que em relação ao tempo de trabalho a Lei n.º 35/2014 passaria a constituir o suporte normativo para interromper a continuidade do regime do horário de trabalho instituído pela Lei n.º 68/2013 e que é aplicado à carreira de investigação criminal da C.

 

Neste enquadramento, a interpretação que conduz à aplicação do conjunto normativo vigente em 31 de dezembro de 2008, após 1 de agosto de 2015, deixaria na mão do legislador a liberdade de instituir o horário de trabalho e o período de férias para as carreiras de regime especial, na exata medida em que procedesse ou não à sua revisão.

 

Assim, se ocorresse a revisão das carreiras poderia aplicar-se o regime instituído pela Lei n.º 35/2014, ou, se aquela não se concretizasse, mesmo violando os prazos legalmente previstos, a consequência seria o inevitável regresso ao horário de trabalho e ao período de férias fixados antes da entrada em vigor da Lei n.º 68/2013.

 

É neste contexto que se deve sublinhar a posição do Demandado, de que não decorre de nenhuma norma da Lei n.º 35/2014, que a aplicação dos regimes controvertidos deva ser relegada para momento posterior, em função da oportunidade da revisão das carreiras especiais.

 

E isto, porque o legislador teria desejado, somente, salvaguardar a manutenção daquelas carreiras, enquanto não se concretizasse a respetiva revisão, devendo aplicar-se os normativos vigentes em 31 de dezembro de 2008 no tocante à sua estrutura, organização e desenvolvimento.

Acresce o argumento decorrente do artigo 43.º da Lei n.º 35/2014, que institui uma disposição de direito transitório circunscrita ao pessoal com funções policiais na D, em que se consagra globalmente a vigência da lei anterior até à aprovação de lei especial. 

 

20.  A interpretação do n.º 1 do artigo 41.º do diploma que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não permite acolher a posição defendida pela Demandante.

 

Entende-se que a revisão de carreiras, mencionada no referido preceito, abrange a respetiva estruturação, organização e desenvolvimento como, aliás, aponta o n.º 2 daquele artigo sobre o sentido da referida revisão.

 

A leitura sistemática do artigo em causa afasta uma interpretação derrogatória do regime geral sobre horários de trabalho e do regime sobre férias, que a Lei n.º 35/2014 quis uniformizar em relação aos trabalhadores com vínculo de emprego público.

 

Considera-se que não é razoável, nem sistematicamente adequado, permitir uma incerteza aplicativa dos regimes referidos com base num preceito que visa regular a revisão de carreiras com regime especial sem que o mesmo faça qualquer referência ao horário de trabalho ou ao período de férias, de acordo com os artigos 105.º e 126.º.

 

Por outro lado, o n.º 2 do artigo 2.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conjugado com o artigo 43.º do diploma que a aprova, permite concluir que o legislador foi rigoroso em relação às carreiras e corpos especiais que expressamente exclui do seu âmbito de aplicação, ou em relação aos quais institui um regime que consta de diploma expressamente qualificado como lei especial.

 

Deste modo, os trabalhadores de investigação criminal da C não integram uma carreira em que o tempo de trabalho e tempo de não trabalho justifique uma derrogação do regime geral instituído pelo legislador no que respeita ao horário de trabalho e ao período de férias.

 

 

 V – Decisão

 

 De harmonia com o exposto, decide-se:

 

a)      Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito de os associados da Demandante beneficiarem do limite de 7 horas de trabalho por dia e de 35 horas de trabalho por semana;

 

b)     Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito de os associados da Demandante gozarem um período de férias mínimo de 25 dias úteis, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço;

 

c)      Não condenar o Demandado à abstenção dos comportamentos destinados a exigir aos associados da Demandada o cumprimento do preceituado nos artigos 105.º e 126.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

 

 

 

Valor da causa: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)

 

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa, de acordo com o n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento de Arbitragem.

 

 

 

Lisboa, 5 de junho de 2015

 

 

O Árbitro

 

João Martins Claro