Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 1/2015-A
Data da decisão: 2015-07-30  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Justificação de faltas ao serviço e anulação de ato por vício de violação de lei
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PROC. 1/2015

DECISÃO ARBITRAL

I) RELATÓRIO

 1. Constituição do Tribunal Arbitral

O A..., I.P. vinculou-se à jurisdição do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, abrangendo a vinculação, além do mais, a composição de litígios relativos a questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea j, e 2.º, alínea a) da citada Portaria.

 O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 7.º do Regulamento de Arbitragem daquele Centro.

 A designação foi efetuada com base na lista de árbitros do CAAD por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, comunicado por correio eletrónico de 20.02.2015 ao signatário, Jorge Barros Mendes, e aceite por correio eletrónico, em 25.02.2015.

 

2. O pedido e a sua fundamentação

 

... instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente ação contra o A..., I.P. pedindo que seja justificada a ausência da demandante ao serviço e seja anulado o ato administrativo proferido pelo vice-diretor da entidade demandada a 06.10.2014, por violação de lei.

 

Em síntese, alegou que, em virtude de uma situação de doença, iniciou um período de ausência ao serviço entre o dia 03 de dezembro de 2013 e o dia 27 de outubro de 2014. Em face de ausência superior a 60 dias, o demandado requereu a submissão da demandante a junta médica da ADSE, sendo que a mesma nunca foi notificada para estar presente nessa junta, porquanto não recebeu a convocatória da ADSE, por inércia dos serviços postais e, além do mais, não foi notificada pelo aqui demandado, que apenas informou o seu serviço – ... de Cascais, da data e hora em que teria lugar a sobredita junta médica. Assim que teve conhecimento de que faltou à mesma, requereu a justificação da falta e a marcação de nova junta médica, o que foi indeferido pelo demandado que considerou injustificadas as faltas, por ofício de 07.10.2014, desde o dia 01.02.2014 até que a demandante regressasse ao serviço. A demandante alega que este ato administrativo é anulável, por violação de lei.

 

Contestou o demandado defendendo, em síntese, que a demandante foi notificada para comparecer à junta médica através de ofício remetido pelos serviços da ADSE, ofício esse que veio a ser devolvido, uma vez que não foi pela demandante levantado nos serviços postais. Por esse facto, a demandante faltou à junta médica. Por esse motivo considerou a entidade demandada que as faltas dadas ao serviço deveriam ser consideradas injustificadas desde o dia 01.02.2014 até que esta regressasse ao serviço.

 

3. Junção do processo administrativo

 Foi junto à presente ação o processo administrativo.

 

 

II) Saneamento do Processo

 

O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades.

  

Por despacho de 27.04.2015, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre projeto de dispensa de audiência. Ambas as partes prescindiram da produção de qualquer prova a acrescer à prova documental.

 

1. Factos Provados

  Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1.      A demandante tem residência habitual na ... Cascais;

2.      A demandante padece de doença bipolar;

3.      Devido à doença tomou, durante o 1º semestre de 2014 medicação;

4.      Tem a categoria de escriturária superior e exerce funções na ... de Cascais;

5.      No dia 03.12.2013 a demandante iniciou um período de ausência ao serviço por motivos de doença, tendo apresentado o respetivo CIT que compreendeu o período de 03.12.2013 a 01.02.2014 – cfr. fls. 1 e 2 do PA;

6.      A partir de 01.02.2014 a mesma continuou a faltar ao serviço, não tendo justificado a sua ausência, pelo que faltou ao serviço até ao dia 26.10.2014, tendo regressado ao serviço no dia 27.10.2014 – cfr. fls. 58 do PA;

7.      Ao abrigo do disposto no artigo 36, n.º1, al. a) do D.L. 100/99 de 31 de março, aplicável ex-vi artigo 19.º. n.º3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), a demandada requereu que a demandante fosse submetida a junta médica da ADSE através do Setor de Administração do Departamento de Recursos Humanos (SARH) a 07.02.2014,  cfr. fls. 5 e 6 do PA;

8.      O sobredito SARH a 07.02.2014, através do ofício 116, informou a demandante do requerimento - fls. 7 e 8 do PA, sendo que a mesma foi a 13.02.2014 convocada pelos serviços da ADSE para comparecer à junta médica, a ter lugar no dia 11.03.2014, pelas 14h20 na Av. Brasil, 53, pavilhão 25, em Lisboa, e deu conhecimento à ...  de Cascais de tal convocatória, cfr. fls. 10 e 11 do PA;

9.      Em 21.03.2014, via ofício com a ref. 114518, os serviços da ADSE informaram o demandado ..., IP, de que a demandante não compareceu à junta médica e que a convocatória remetida a 13.02.2014 para o domicílio daquela, através de carta registada com aviso de receção tinha sido devolvida, com a indicação “Não atendeu. AVISADO. Não entregue no domicílio por às 10h20 (…) Em 18.02.2014. Giro 106 (…) Não reclamado”, cfr. fls. 13, 14 e 15 do PA;

10.  Em 26.03.2014, foi a demandante notificada através do ofício 247 (fls. 18 do PA) por parte do SARH da demandante que podia, querendo, justificar a sua falta à junta médica do dia 11.03.2014. Mais se informava a mesma que caso não justificasse tal falta sofreria a cominação prevista nos termos do artº 41.º, n.º 3 do Decreto-Lei 100/99, cfr. fls 17 a 19 do PA;

11.  Tal comunicação foi remetida à demandante por correio registado, com aviso de receção e por esta recebido, cfr. fls. 19 do PA;

12.  A demandante dirigiu uma missiva ao diretor da ADSE, sem data, requerendo a marcação de nova junta médica, tendo argumentado para a sua falta o facto do distribuidor postal não lhe ter deixado na sua caixa do correio nenhuma carta, nem o respetivo aviso. Mais argumentou no sentido de que tal ocorre por diversas vezes e que o carteiro “nunca toca à campainha” e “deixa sempre aviso de que “não atendeu”. Disse ainda que está sempre em casa e que já por diversas vezes reclamou nos CTT, cfr. fls. 20 do PA;

13.  A demandante remeteu ainda cópia da sobredita carta ao presidente da entidade demandada por forma a justificar a sua falta, cfr. fls. 21 do PA, tendo a ... de Cascais procedido ao envio da mesma missiva ao ..., IP, via email de 29.04.2014, cff. fls. 20 a 22 do PA;

14.  A 29.04.2014 o SARH- ..., IP remeteu cópia da sobredita comunicação para a ADSE, sendo que esta, por comunicação de 05.05.2014 respondeu com a indicação de que “a situação exposta é da competência e responsabilidade da entidade empregadora/trabalhador, a falta foi comunicada à entidade empregadora no dia 2014.03.21, assim o processo (…) está findo nesta secção de junta médica” – cfr. fls. 24 a 27 do PA;

15.  Em 30.06.2014, os SARH elaboraram a informação 196 propondo o indeferimento da justificação de faltas desde o dia 01.02.2014 até que a demandante retomasse o trabalho, uma vez que esta faltou à junta médica. Com base em tal informação, foram proferidos os despachos de 02.07.2014, que constituíram o projeto de decisão, cfr. fls 29 a 31, bem como fls. 10v e 11 do PA;

16.  Em 03.07.2014, através do ofício ... 2014, o demandado notificou, por carta registada, com aviso de receção, a demandante do sobredito despacho, para efeitos de audiência prévia, carta essa que veio a ser devolvida a 24.07.2014 ao remetente com a indicação de “Não atendeu. AVISADO. Não entregue no domicilio por: Às 11h20 (?). Em 09.07.2014. Giro 210(…) NÃO RECLAMADO”, cfr. fls 37 a 42 do PA;

17.  Nessa mesma data, a 24.07.2014, foi novamente a demandante notificada, através do ofício ... 2014 do oficio .... 2104 que tinha sido devolvido, bem como da sobredita informação 196, cfr. fls. 40 do PA;

18.  A 07.08.2014 a demandante enviou uma missiva ao demandado que consta de fls. 44 e 45 do PA que repete o teor da carta de 26.03.2014, em que requerer novamente a marcação de junta médica e mais alega que na sua caixa de correio não lhe foi deixado qualquer aviso para proceder ao levantamento da carta junto dos CTT e que tal situação tem sido recorrente;

19.  Em 25.09.2014 foi elaborada a informação 196-A pela DRH-SARH que propõe que sejam consideras injustificadas as faltas da demandante entre o período de 01.02.2014 até ao seu retorno ao serviço;

20.  Tal informação veio a merecer a concordância superior, quer do coordenador de setor, quer do vice-presidente do conselho diretivo do demandado que a 06.10.2014 proferiu a decisão de considerar injustificadas as faltas ao serviço da demandante desde 01.02.2014 até ao seu regresso ao serviço, cfr. Fls. 47 a 48 do PA;

21.  A demandante tomou conhecimento de tal decisão através do ofício ... 2014 de 07.10.2014, cfr. Fls. 49 do PA;

22.  A demandante regressou ao serviço, na ... de Cascais, no dia 27.10.2014, cfr. Fls. 58 do PA.

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo e a prova documental junta pela demandante, cuja autenticidade e genuidade não foram impugnados ou controvertidos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados.

 

 III. Do Direito

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se devem ou não devem, por um lado, ser justificadas as faltas da demandante ao serviço e se incumbia ao demandado proceder à notificação daquela para a junta médica e se pelo facto de não o ter feito – a demandante foi notificada pela ADSE - e ter decidido injustificar as faltas desde o dia 01.02.2014 até 27.10.2014 incorreu tal ato em vício de violação de lei.

Foi a demandante convocada para a junta médica pelos serviços da ADSE, através de ofício, com a referência ..., para comparecer no dia 11.03.2014 pelas 14h20 na Av. Brasil, 53, pavilhão 25, em Lisboa, por forma a ser submetida a junta médica. Tal notificação foi expedida para a Rua ... em Cascais. A aludida carta foi devolvida ao remetente com a informação “Não atendeu. AVISADO. Não entregue no domicílio por às 10h20 (…) Em 18.02.2014. Giro 106 (…) Não reclamado”.

Determina o n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-Regulamentar 41/90, de 29 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei 377/2007, de 9 de novembro que a convocatória para a junta médica é realizada através de carta registada, com aviso de receção e com a antecedência mínima de cinco dias úteis em relação à data de realização da junta médica.

Ora, tal normativo foi cumprido, apesar disso a carta foi devolvida. O D. L. não regula o que deve fazer, nem como deve proceder a ADSE nessas circunstâncias, pelo que teremos, inevitavelmente de preencher a lacuna, com o recurso ao Código do Procedimento Administrativo, doravante, designado de CPA.

O art.º 70.º do CPA em vigor à data dos factos, dispunha no seu art.º 70.º que “As notificações podem ser feitas: Por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;”

Mário Esteves de Oliveira[1] et all referiam a propósito desta norma que  “I. Há duas formas-regra de notificação do acto administrativo a interessados identificados e de paradeiro conhecido: a) por via postal, desde que haja distribuição domiciliária na localidade do destinatário; b) ou “pessoalmente”, entregando-a em mão, ao próprio destinatário, (…).” Acrescentando aqueles Autores que “II. O envio da notificação pelos correios é feito sob a forma registada, não havendo nenhuma razão para distinguir neste aspecto o processo judicial e o procedimento administrativo, considerando-se, portanto, que vale aqui, até por razões de certeza, a regra do art. 254.º do Código de Processo Civil[2]: fica feita a prova no processo (ao qual é junto o respectivo talão de “registo”) de que a notificação foi enviada e em que data, podendo presumir-se (como em juízo) que os serviços postais entregam, nos prazos normais, aos respectivos destinatários, a correspondência que lhes é confiada.”

De acordo com esta tese, aplicar-se-ão as regras das notificações no âmbito do Código de Processo Civil, nomeadamente, do estatuído no atual art.º 249.º do CPC:

1.      Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja.

2.      A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.

Em anotação ao artigo citado, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], referem que “ No caso de os papéis (“expediente”) remetidos no ato de notificação serem devolvidos, a notificação tem-se por realizada, desde que a remessa tenha sido feita para residência ou a sede da parte (...). Trata-se de solução inversa à da regra estabelecida em sede de citação (...). Considera-se residência da parte a que ela própria haja indicado como sua(...). A notificação presume-se então efetuada nos termos fixados no n.º1, isto e, no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte(...).”

Atento, pois, aos preceitos ora expostos, verifica-se que, tendo sido expedida a notificação para a concreta morada da demandante, presume-se que a mesma foi notificada, não obstante, tal notificação ter sido devolvida.

É certo que não se encontra junto aos autos a carta devolvida, existindo uma cópia da mesma, a fls. 12v e 13 do PA. Não se mostra, portanto, afetada a presunção de notificação do artº 249.º do C.P.C.

Para afastar tal presunção, impendia sobre a demandante fazer prova nos presentes autos que tal notificação não ocorreu.

Vejamos se o conseguiu ou não fazer:

A demandante alega que no próprio dia 26.03.2014 justificou a falta junto da ADSE, uma vez que teve conhecimento de tal falta através da ...  de Cascais. O que é facto é que a demandante foi notificada pelo demandado no dia 26 da sua ausência à junta médica através de carta registada – RM ...PT – que, por consulta ao sítio dos CTT, se constata que a mesma só chegou ao conhecimento da demandante no dia 2 de abril de 2014, uma vez que a entrega tentada no dia 1 não foi conseguida, dado que alegadamente a demandante não abriu a porta ao distribuidor postal.

A demandante tentou justificar a falta à sobredita junta médica -  a fls. 20 do PA - alegando que no dia 26 de março não recebeu tal convocatória da ADSE, imputando tal facto a erro humano, do distribuidor postal, argumentando, que o carteiro não tocou à campaínha, o que sucede com frequência, e deixa sempre o aviso de que não atendeu. 

Todavia, esta linha argumentativa não colhe. Na verdade, e na esteira de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], cuja tese perfilhamos, a presunção de notificação, nos termos do atual artº 248º CPC “Trata-se de uma presunção juris tantum, só ilidível pelo mandatário notificado, que poderá demonstrar que, por ato que não lhe seja imputável, a receção se dê depois desse prazo, em termos que lhe permitissem lê-la. O n.º 6 do correspondente art.º 254 do código revogado estabelecia que a ilisão da presunção só se poderia fazer mediante a prova, pelo notificando, de que a notificação não tinha sido efetuada ou tinha ocorrido em data posterior à presumida, por razões que lhe não fossem imputáveis. Devidamente adaptada à notificação eletrónica, a ideia que esta norma expressava mantém-se.” Ora, nos presentes autos incumbia à demandante ilidir a presunção. A mesma suscitou única e exclusivamente a não entrega da correspondência, e em abono da verdade, a reclamação junto dos CTT só foi efetuada na véspera de ter sido interposta uma providência cautelar, ou seja, a 21.10.2014, mais de sete meses depois dos acontecimentos dos factos.

Face ao exposto, a demandante, não logrou demonstrar, como lhe competia, que não foi notificada por motivo que não lhe era imputável, nos termos do disposto nos artºs 248.º, 249º e 413º do CPC, e art.º 342º, nº1 do CC.

 

Coloca-se também a questão de saber se, além da notificação por parte da ADSE, se impunha a notificação por parte do demandado.

Ora, se é verdade que o artº 24º da LGTFP determina expressamente que deve o serviço de que dependa o trabalhador notificar o mesmo para se apresentar à junta médica, indicando dia, hora e local onde a mesma se realiza, o certo é que o demandado informou a demandante que esta iria ser submetida a uma junta médica, cfr. 8 do PA.

Posteriormente, esta nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-Regulamentar 41/90, de 29 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei 377/2007, de 9 de novembro foi notificada pela ADSE indicando-lhe a data, hora e local para a junta médica.

Esta notificação efetuada pela ADSE impõe-se, como obrigatória, pelo que consideramos que seria redundante a notificação por parte do demandado, além de que este avisou, como lhe competia a demandante que a junta médica iria ocorrer.

 

Coloca-se, ainda, no entanto, a questão de saber se devem ou não ser consideradas justificadas as faltas dadas pela demandante e se o ato administrativo que injustificou tais faltas padece ou não de violação de lei.

Ora, entendemos, na esteira de Freitas do Amaral, que violação de lei é o “vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas que lhe são aplicáveis.”[5].

Estatui o artigo 28.º da LGTFP que:

2 - Salvo impedimento justificado, a não comparência à junta médica para que o trabalhador tenha sido convocado implica que sejam consideradas injustificadas as faltas desde o termo do período de faltas anteriormente concedido.

3 – O trabalhador que, nos termos do artigo 26º, tenha sido mandado apresentar à junta médica e a ela não compareça, é considerado na situação de faltas injustificadas a partir da data em que a mesma deveria realizar-se, salvo se a não comparência for devidamente justificada, perante o serviço de que depende, no prazo de dois dias úteis, a contar da data da não comparência.

A demandante, como fundamento de justificação da falta, alega, como já vimos, que não foi convocada para a junta médica, imputando a ausência de notificação a erro humano - do distribuidor postal - na entrega da convocatória, nos termos supra referenciados.

Ora, esta argumentação, a semelhança do supra exposto, também não procede.

Somos do entendimento que no normativo em análise, quando o legislador faz referência ao impedimento justificado refere-se a um verdadeiro e real justo impedimento, à semelhança do que se encontra consagrado no CPC.

Determina o n.º 1 do artigo 140.º do CPC a este propósito:

“Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.”

José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[6] referem que “À luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade. (...) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (…).

E mais dizem os sobreditos autores “ (...) Estão ultrapassados, pela redação do art. 144-1, os problemas levantados pelos atrasos nos serviços de correio, designadamente por greve (...) ou por deficiente funcionamento interno causador de erro ou atraso na entrega (...).

Ora, a demandante, pese embora tenha alegado um eventual extravio ou deficiente entrega da correspondência, não logrou provar esse acontecimento, nem, como vimos supra, que esse facto não lhe era imputável.

Pelo que, é por demais evidente que o requerimento que a demandante diz ter remetido a 26.03.2014 para a ADSE, tendo depois dado conhecimento ao aqui demandado, não tem a virtualidade de ser considerado como justificativo de uma situação de “justo impedimento”.

Por tudo o exposto, a justificação de falta apresentada não se mostra atendível, e nessa medida, o ato administrativo em crise não padece de violação de lei.

 

IV. Decisão

Em razão do supra exposto, julga-se totalmente improcedentes os pedidos da demandante, absolvendo-se a entidade Demandada

 

 Fixa-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do artigo 32.º do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º do RCAAD, valor este indicado pelo Demandante na PI e não objeto de contestação por parte do Demandado.

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 3 do RCAAD.

 

 

 

Jorge Barros Mendes

 

 



[1] Código do Procedimento Administrativo, 2.ª Edição, 2010, pp. 360-361.

[2] Atual art.º248º CPC.

[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pp. 487 e ss..

[4] Código de Processo Civil Anotado, op.cit., p. 484.

 

[5] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2011, 2ª ed., Almedina, p. 429.

[6] Código de Processo Civil Anotado, op.cit., p. 4274.