Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 6/2023-A
Data da decisão: 2023-10-06  Contratos 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Ação de Impugnação de Atos Administrativos ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º do CPTA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.              Relatório

 

A..., S.A., com número único de pessoa coletiva e de registo ..., com sede ..., ...– ... a ..., ...-... ..., vem intentar ação de Impugnação de Atos Administrativos ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º do CPTA, contra MUNICÍPIO B..., NIPC ..., com sede na ..., ...-... ..., tendo, para tal, junto a respetiva Convenção de Arbitragem assinada por ambas as Partes e com nomeação de árbitra, entretanto substituída pela ora signatária, cumprindo os requisitos legais impostos pelo artigo 8.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, do artigo 1.º da Lei de Arbitragem Voluntária e do artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Na Petição inicial, a Demandante peticionou pelo conhecimento: 

(i)    Da ineficácia da Fundamentação económico-financeira e da deliberação de aprovação desse documento pela Câmara Municipal;

(ii)  Da nulidade do(s) indeferimento(s) Requerimento datado de 22 de abril de 2022 com a Ref.ª ...2022...;

(iii)                  Da nulidade do ato de fundamentação económico-financeira;

(iv) Da nulidade das deliberações de aprovação da fixação do valor da Taxa de Ocupação do Subsolo (adiante ‘TOS’);

(v)  Da (in)validade formal do procedimento Camarário que levou à criação do número dois do artigo sétimo da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município B... anexa ao Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município B... .

Alega, em síntese, que as autarquias são obrigadas por Lei a realizar uma fundamentação económico-financeira para a definição do valor das taxas por si criadas e aplicadas, e que essa fundamentação tem por base a contabilidade de custos dos municípios, o que, no caso da TOS, deve significar custos com a utilização do subsolo ou com a imobilização do subsolo. Mais alega que, novamente nos termos da Lei, essa fundamentação, e respetiva atualização, tem de ser publicada e precedida de ata de deliberação que a aprovou, o que sustenta não ter acontecido (pelo menos) quanto à TOS nos anos entre 2015 a 2019. Quanto ao pedido que submeteu junto da Demandada, através do qual, segundo alega, solicitou a fundamentação económico-financeira da taxa, sustenta que o mesmo foi decidido sem prévia audição e sem ponderação das características da TOS.  

Arrolou 1 testemunha.

Juntou 12 documentos. 

Protestou juntar procuração, tendo-o feito dentro do prazo de 10 dias após a aceitação do pedido. 

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Na Contestação, a Demandada defendeu-se por impugnação, pedindo a improcedência da ação.

Alega, em síntese, que o objeto do litígio se prende com a aferição da proporcionalidade do valor da TOS cobrada no Município B... nos anos em causa. Pugnando precisamente pela existência dessa proporcionalidade, alega não poder ser exigível, nem existir, um cálculo matemático ou arimético para apurar concretamente o valor da TOS, na medida em que a contraprestação da mesma assenta em matérias que não são matematicamente quantificáveis. Mais entende a Demandada que o valor da TOS tem por fundamentos a ocupação e utilização individual do subsolo pela Demandante, mais a mais para obter lucros com a distribuição e venda de gás, pelo que conclui crer que existe correspetividade entre a TOS cobrada e o benefício/contraprestação obtida pela Demandante. Conclui ainda que caberia à Demandante o ónus de demonstrar a inexistência de um equilíbrio entre o valor da taxa e a contraprestação, circunstância que não cuidou provar, razão pela qual não pode, no seu entendimento, a pretensão daquela ser deferida. Quanto à omissão de audição prévia ao indeferimento do pedido efetuado pela Demandante, a Demandada sustenta – reportamo-nos à Contestação, pois quanto a este pondo nada refere nas suas Alegações – que esse documento da Demandada não consubstanciou um pedido de informação, antes de reembolso, e acresce refutando no sentido que notificou aquela, no mesmo dia da notificação da decisão final (19.08.2022), para se pronunciar no prazo de 10 dias. 

Juntou: 2 documentos, substabelecimento e processo administrativo.

Arrolou 2 testemunhas e solicitou a produção de declarações de parte por parte do Presidente do Município, Ex.mo Sr. C... .

 

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Notificadas para o efeito, vieram as partes apresentar Alegações escritas, mantendo, na íntegra, as posições originalmente vertidas nos respetivos articulados iniciais. Quanto à Demandada em particular, note-se que as suas Alegações não se referem, como acima aludimos, ao vício da alegada preterição de formalidade por omissão de notificação para audição prévia à decisão sobre o pedido de informação e/ou reembolso formulado pela Demandante. 

As Alegações escritas da Demandante começam com uma exposição intitulada Questão prévia na qual vem informar este Tribunal da publicação da mais recente versão, datada de 2023, do ‘Regulamento de Taxas e Outras receitas do Município B... e respetiva tabela de taxas e outras receitas, anexando cópia do mesmo e respetivos anexos, e solicitando (sem justificar) a final pela junção aos Autos. A par da junção deste documento (circunstância que, por si, não justifica ou impõe a exposição de uma questão prévia), a Demandante argumenta que o valor da TOS, cuja fundamentação afirma ter solicitado e diz não ter recebido, foi reduzido significativamente na atual versão do ‘Regulamento de Taxas’. Da leitura do documento, e tal como veremos adiante nos Factos, resulta efetivamente uma redução do valor da TOS em relação a períodos anteriores. A Demandante, ainda na secção que apelidou de Questão prévia, confirma a existência de uma fundamentação económico-financeira para o referido regulamento de 2023, reforçando, em qualquer caso, que aquela fundamentação quanto à TOS não invoca nem refere qualquer custo com a utilização do subsolo ou com a imobilização do subsolo, aspeto que a Demandante, desde a Petição inicial, entende como essencial.

Quanto ao pedido de junção do documento, importa referir que o mesmo tem natureza normativa, encontrando-se publicado em Diário da República. Nessa medida, o facto que a Demandante pretende ver ser provado com a junção do documento não decorre diretamente dessa junção, mas sim da sua mera existência e do conhecimento da publicação do referido regulamento. Por outras palavras, sempre se poderia considerar, ou não, provada a redução da TOS sem necessidade de junção física do documento, pelo que se afigura que a Demandante juntou o documento apenas para facilidade de consulta, como aliás o refere nas suas Alegações. Tanto assim o é que a Demandada não solicitou prazo de vista, nem a junção documento causou qualquer perturbação substancial à tramitação processual (cf. artigo 21.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa). Termos em que se aceita a junção do documento.

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II.            Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído à luz do preceituado no artigo 17.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, no dia 20 de março de 2023.

Tal como já referido por este Tribunal arbitral em despacho de 19 de abril do corrente ano, a Convenção de Arbitragem como os articulados apresentados por ambas as Partes respeitam os limites materiais do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 

As Partes têm personalidade e capacidade judiciária, e são legítimas.

Foram liquidadas as devidas taxas de arbitragem.

Tal como também já referido por este Tribunal arbitral em despacho de 19 de abril do corrente ano, nenhuma das Partes alegou elementos que obstem ao conhecimento do mérito da causa, não tendo sido invocadas exceções dilatórias ou perentórias. Assim, e de resto, inexistem questões ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Notificadas para o efeito, as Partes deram o seu acordo expresso à dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa. 

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III.          Valor da causa

Foi indicado pela Demandante o valor de 30 000,01 (trinta mil Euros e um cêntimo), que mereceu a concordância da Demandada em termos expressos da sua contestação.

De acordo com o disposto no artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC) "a toda a causa deve ser atribuída um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido".

Nos presentes autos, o pedido deduzido centra-se na nulidade de Atos Administrativos ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º do CPTA. Os atos em causa, todavia, não representam uma quantia a anular, pelo que, tratando-se de uma causa de valor indeterminado, o valor de processo terá de seguir a solução dada pela alínea e) do n.º 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais. 

Fixa-se, assim, como valor da causa o indicado montante indicado de 30 000,01 (trinta mil Euros e um cêntimo).

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IV.          Questões a decidir 

 

De Acordo com a Petição inicial, em crise encontra-se a Fundamentação económico-financeira supostamente aprovada pela Demandada, considerada ineficaz, bem como da deliberação que a aprovou, e a sua nulidade, extensível às deliberações de aprovação da fixação do valor da TOS e ao indeferimento de pedido de informação e/ou reembolso formulado pela Demandante.

Por sua vez, a Demandada contesta não existir razão para o provimento do pedido, e centra a discussão na proporcionalidade do valor fixado para a TOS com base na tese de que a equivalência exigida numa taxa, enquanto figura tributária bilateral, não se traduz numa exata equivalência económica, mas antes numa equivalência sinalagmática que se verificaria in casu.

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Como se constata, as Partes não se encontram totalmente alinhadas quanto às questões a decidir. Assim, cabe a este Tribunal começar por defini-las partindo, tendo em conta o impulso processual produzido, pelo exposto e expressamente requerido em sede de Petição inicial. Nessa medida, cumpre ao Tribunal apreciar e decidir as seguintes questões:

1.     Houve audição prévia ao indeferimento do pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS?

 

E, caso a resposta à anterior questão seja positiva,

2.     Confirma-se a desproporcionalidade alegada pela Demandante no seu requerimento de informação e/ou reembolso?

 

3.     A fundamentação económico-financeira referente às taxas, e à TOS em particular, constava de ata da Câmara Municipal, encontrava-se publicada como impõe o RGTAL, ou foi notificada à Demandada? 

4.     Padecem de nulidade as deliberações de aprovação da fixação do valor da TOS e/ou o procedimento Camarário que levou à criação do número dois do artigo sétimo da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município B... anexa ao Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município B...?

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V.            Fundamentação de Facto e de Direito

 

 

VI.I  Factos provados 

 

A Demandante carreia para a Petição inicial um conjunto muito significativo de factos, em capítulo compreendido entre as pp. 8-32. Ora, se bem compreendemos o busílis entre as Partes, e independentemente da impugnação pela Demandada de vários desses factos (cf. pp. 8 e ss. da Contestação), parte significativa dos mesmos não se afigura essencial para a discussão. É disso bom exemplo os factos referentes à atividade da Demandante, à relevância dessa atividade em prol da comunidade e indústria locais e, inclusivamente, ao enquadramento do diferendo entre as Partes prévio à presente Ação. Com efeito, são factos que servirão, porventura, de contexto amplo e/ou histórico, maxime no que respeita à relação entre as Partes e às diligências tomadas por ambas quanto à repercussão da TOS nos consumidores finais. Por mais interesse que esse tema possa suscitar, ele não releva in casu. Referimo-nos, em concreto, aos artigos da Petição inicial n.os 24 a 40 (inclusive), 42 a 47 (inclusive), 51 a 54 (inclusive) e 58ª 68 (inclusive), e 74. Tratam-se, com efeito, de factos suscetíveis de serem provados, alguns até não impugnados e descritos de forma semelhantes pela Demandada (caso dos artigos 24.º e 25.º, 28.º a 37.º inclusive, 41.º e 42.º, 51.º a 55.º inclusive, 62.º a 66.º inclusive, e 68.º da p.i.), mas sem relevância para a decisão do tema que se encontra em apreciação. Na mesma situação encontram-se os factos invocados pela Demandada na sua Contestação nos artigos 1 e 2, 4 a 10 (inclusive) e 12. De resto, outros artigos da Petição inicial e da Contestação não são sequer matéria factual, como sucede com os artigos 41, 48 a 50 (inclusive), 56 e 57, 75 a 78 (inclusive), 152 a 157 inclusive, da Petição inicial e os artigos 3, 11, 14, 16, 23 e 24 da Contestação, entre outros. 

A Demandada, e apesar de proceder a uma impugnação de vários dos factos invocados pela Demandante (cf. artigos 25 e ss. da Contestação), é a própria a assumir, já em sede de Alegações finais (cf. §6 a p. 3) que o diferendo é, afinal e em grande parte, em sede de matéria de direito. É nossa convicção que essa referência, contraditória com a impugnação de parte significativa dos factos invocados pela Demandante, decorre, precisamente, da circunstância de, como já referimos, muita da factualidade na Petição inicial (e parte até impugnada na Contestação) se remeter e consubstanciar a mero contexto histórico e, assim, tal como já deixámos indicado acima também, a matéria factual assente relevante para os presentes Autos é bem menor do que as Partes (pelo menos inicialmente) pretendem ou entendem ser.

Por outro lado, e com relevo para o segmento decisório mais adiante, grande parte da invocação de factos pela Demandada e, sobretudo, da sua impugnação de factos invocados pela Demandante, se bastam com a referência genérica de que tal suposta contraprova decorre diretamente do Processo Administrativo junto, recorrendo à fórmula «- cfr. Processo Administrativo» (cit.). Ora, é regra do ónus de impugnação a de que a Demandada, ao contestar, deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pela Demandante, porém, aquela não satisfaz esta exigência quando efetua uma remissão genérica para um conjunto alargado de documentos. Com efeito, mesmo identificando a Demandada o ponto da matéria de facto por si impugnado (especialização) a autonomia decisória deste Tribunal Arbitral não lhe permite formar uma total convicção da contraprova mediante tal referência meramente genérica. O ónus de impugnação da matéria de facto impõe que a contraparte identifique com precisão a matéria de facto que impugne, mas impõe igualmente que se identifique o(s) elemento(s) de prova que contrariam a prova do suposto facto invocado.[1]

Esta nossa convicção é particularmente relevante, tendo em conta as questões a decidir já identificadas, maxime no que respeita à existência, ou não, de notificação para audição prévia ao indeferimento do pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS. Com efeito, a este respeito, o Processo Administrativo contém, efetivamente, cópia de comunicações internas da Demandada. Porém, trata-se de documentação da qual apenas se pode inferir que a Demandada se convenceu de que a Demandante deveria ser notificada do projeto de decisão. Porém, como decorre já desta decisão, a posição da Demandante é diferente, invocando que não foi notificada para exercer a audição. Ora, do Processo Administrativo junto pela Demandada não decorre nenhuma prova da notificação da Demandante para este que viesse exercer a sua audição, constando daquele acervo apenas uma cópia de um ofício assinado pelo Presidente da Câmara Municipal (cf. fls. 8 do Processo Administrativo) sem comprovação da sua expedição ou recebimento pelo destinatário. De resto, do próprio Processo Administrativo, e bem assim da Contestação, resulta que esse documento contém a mesma data – 19.08.2022 (cf. fl. 9 do Processo Administrativo e artigos 19 e 20 da Contestação) – do ofício de notificação da decisão final de indeferimento o que é, no mínimo, incongruente  (o mesmo se diga quanto à comunicação constante a fl. 25 do Processo Administrativo que apenas se refere a indeferimento, e não a projeto, e mais uma vez com data de 19.08.2022), reforçando a convicção de que tal notificação para audição poderá não ter ocorrido.

Semelhante situação se diga quanto à contraprova do facto mais relevante para outra questão – a principal, como veremos a seguir – a decidir. Referimo-nos, precisamente, à que respeita à aprovação em ata da Câmara Municipal da fundamentação económico-financeira, submetida com a proposta de Regulamento de Taxas à Assembleia Municipal e respetiva publicação, e à TOS em particular. Com efeito, consta em anexo à Contestação, como documento n.º 2, cópia de um documento cujo título é Fundamentação Económico-Financeira da Tabela de Taxas do Município B... . Esse documento, porém, não cumpre com a presunção de idoneidade, pelo menos como contra-prova à alegação de que tal fundamentação não foi aprovada nem publicada. É verdade que a Demandada junta tal documento na Contestação no sentido de demonstrar (apenas) que o Município «cuidou de elaborar a fundamentação económico de taxas» (cf. artigo 136 da Contestação); todavia, mesmo que assim seja, tal documento não é suscetível de provar a respetiva aprovação em ata e muito menos a sua publicação. Efetivamente, trata-se de um documento não assinado, que não contém papel identificativo do Município, e não se encontra sequer datado. De resto, e quanto a datas, as referências nesse documento a fundamentação são relativas a custos de 2009 a 2012, sem qualquer atualização posterior, nem mesmo relativa à inflação. Não se pode, pois, dar como provado que tal fundamentação tenha sido publicada como impõe o RGTAL ou sequer aprovada em ata, da mesma forma que não se sabe em que data tal documento foi elaborado.

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Assim, compulsados os Autos e analisada a prova relevante produzida nos autos, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1)    Os factos vertidos nos artigos 80.º a 85.º da petição inicial no que respeita ao conteúdo do pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS.

2)    O facto vertido no artigo 138.º da Petição inicial no que respeita ao convite pela Demandada de aperfeiçoamento do referido do pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS.

3)    O facto vertido no artigo 144.º da Petição inicial sobre a entrega de um requerimento junto com estudo/elementos em resposta ao convite pela Demandada de aperfeiçoamento (cf. doc. n.º 9 em anexo à Petição inicial).

4)    O facto desse estudo/elementos serem identificados pela Demandante e Demandada como elementos suscetíveis de justificar a desproporcionalidade do valor da TOS (cf. doc. n.º 9 em anexo à Petição inicial e p. 26 do Processo Administrativo).

5)    O facto vertido no artigo 149.º da Petição quanto ao indeferimento do referido pedido de informação e/ou reembolso da TOS na medida em que tal consta efetivamente do Processo Administrativo, tendo a Demandante comprovado a respetiva receção.

6)    O facto vertido no artigo 244.º da Petição inicial quanto à junção de um estudo independente sobre o valor da TOS no município a sua relação com outros valores e médias.

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VI.II  Factos não provados 

Factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão de mérito da causa:

1)    O facto referido no artigo 58.º da Contestação, na medida em que não resultou provada a notificação da Demandante do ofício da Demandada com prazo para exercício de audição prévia ao indeferimento do pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS.

2)    Não resultou provada a aprovação municipal em ata nem a respetiva publicação da Fundamentação Económico-Financeira da Tabela de Taxas do Município B... desde 2007 a 2019.

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VI.III  Fundamentação de Direito 

 

Considerando as questões acima enunciadas, iremos começar por apreciar e decidir as questões que ofereçam maior estabilidade e/ou eficácia na tutela dos interesses da Demandante. Assim, o Tribunal irá apreciar e decidir, em primeira linha, a verificação dos eventuais vícios de violação de lei que geram, potencialmente, a nulidade dos atos em crise e alegados pela Demandante, e, posteriormente, caso assim seja (ou seja, em caso de improcedência dos primeiros), os vícios de forma e os vícios que possam geram a anulação dos atos em crise. Com efeito, e apesar de ter ficado assente por não provado a notificação da Demandante para o exercício de audição quanto ao seu pedido formulado pela Demandante de informação e/ou reembolso da TOS, entendemos que existir uma questão mais premente que resulta dos Autos.

Também é com relevância para o conhecimento da bondade dos argumentos esgrimidos pelas Partes que se traz à colação o artigo 7.º do CPTA quando afirma que «[p]ara efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas» (cit.).

Como refere a Demandada, o requerimento da Demandante, na sua literalidade, consubstancia um pedido de reembolso de TOS, mais do que um pedido expresso de fundamentação económico-financeira. Todavia, também é indesmentível que o mesmo contém referências, diretas e indiretas, à sua (da Demandante) posição quanto à existência de uma desproporcionalidade do valor fixado para aquele tributo. E, caso dúvidas restassem, e como ficou assente acima, é a própria Demandada que o reconhece pois não só convidou a Demandante para aperfeiçoar precisamente a parte relativa à eventual desproporcionalidade como existem mesmo comunicações da Demandada a referi-lo expressamente (cf. p. 26 do Processo Administrativo).

Porém, concordamos com a Demandante quando esta sustenta que a Demandada centra a sua defesa quanto à desnecessidade de uma proporcionalidade económica do valor da TOS quando, segundo a Petição inicial, o busílis principal é a suposta ausência, ou pelo menos falta de aprovação e publicação, da fundamentação económico-financeira necessária para aferir dessa desproporcionalidade. Segundo a Demandante nas suas Alegações escritas, «questão colocada nos Autos é anterior à proporcionalidade da taxa aplicada, antes fixando-se na fundamentação económico-financeira que levou à fixação da taxa», especto com o qual somos obrigados a concordar.

Razão suficiente para que essa questão seja a primeira a tratar, ou seja conhecer da aferição da legalidade da criação do ato de fundamentação económico-financeira do município B... .

Ora, quanto a este ponto, resultou como não-provada a deliberação sobre a fixação dos custos das autarquia e a aprovação da fundamentação económico-financeira em sede de Câmara Municipal para aprovação do Regulamento de Taxas em sede de Assembleia Municipal, bem como inexistente o ato de proposta dessa fundamentação económico-financeira à Assembleia Municipal e a própria deliberação de aprovação pela Assembleia Municipal desse ato e respetiva publicação (sendo que este último ato se encontra fora do âmbito dos presentes Autos, como demonstrado por ambas as Partes, por não se encontrar dentro do âmbito do artigo 180.º do CPTA). De resto, alguns destes elementos, partindo do pressuposto que existem, deveriam ter sido comunicados à Demandante em resposta ao seu pedido de reembolso assente em desproporcionalidade. Ao invés, do que resulta dos Autos, a fundamentação não se encontra publicada em Diário da República em anexo ao Regulamento das taxas, não cumprindo o critério da publicidade, sendo que, como ficou assente, o documento que consta do Processo Administrativo não se encontra assinado nem datado, nem carimbado não referindo qual a entidade que o aprovou ou a sua origem (nem apresenta qualquer elemento demonstrativo de que o mesmo seja a versão final do documento aprovado, como bem refere a Demandante).

A Demandante efetua uma longa exegese sobre a necessidade de serem conhecidos os custos de ocupação do subsolo (pois os custos administrativos encontram-se supostamente apurados) para efeitos do exame do sinalagma da TOS, mas perante o anteriormente referido tal exegese revela-se desnecessária, apesar de poder contribuir para explicar a razão pela qual a Demandante solicitou o conhecimento de determinados custos e valores locais. 

A alínea k) do n.º 2 do artigo 8.º RGTAL determina a obrigatoriedade dos regulamentos das taxas municipais conterem «a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local».

O RGTAL determina claramente que, no âmbito da modificação Jurídico-Tributária, no n.º 1 do Artigo 9º (Atualização de Valores), «Os orçamentos anuais das autarquias locais podem atualizar o valor das taxas estabelecidas nos regulamentos de criação respetivos, de acordo com a taxa de inflação» (cit.).

Nos termos do artigo 52.º do CPTA, a forma moldou os presentes atos em crise é irrelevante para a sua impugnação mas, mostra-se da maior relevância para efeitos da sua validade (e, consequente produção de efeitos, através de eficácia).Como acima referido, dos desvalores alegados, o primeiro que importa conhecer é a nulidade assacada à fundamentação económico-financeira, uma vez que sem a correta validade e eficácia deste ato, os restantes atos em crise não podem subsistir no ordenamento jurídico.

É sabido que os municípios têm o poder de criar taxas nos termos do regime geral das autarquias locais (cfr. n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, e atual n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro), decorrência, de resto, do disposto no n.º 4 do artigo 238.º da Constituição. 

Por sua vez estatui o artigo 3º do RGTAL que as taxas criadas pelas autarquias locais «são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei» (cit.).

De acordo com o n.º 1 do artigo 8.º do RGTAL, aprovado pela Lei n.º 53.º-E/2006, de 29 de dezembro, as taxas das autarquias locais são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respetivo. Os regulamentos de taxas municipais devem ser disponibilizados, em formato papel, visível nos edifícios da câmara municipal e da assembleia municipal, quer no respetivo site da internet (cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, e atual alínea e) do n.º 1 do artigo 79.º da Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro, e ainda o artigo 13.º do RGTAL).

Da prova carreada para os Autos resulta percetível que o documento junto pela Demandada como fundamentação económico-financeira – que, como já aludimos, não ficou demonstrado encontrar-se publicado em diário da república - não considera os custos de ocupação do subsolo e aplica nas taxas de ocupação o sinalagma da taxa de licenciamento.

Nesse documento não existe qualquer menção ao valor do domínio publico e/ou privado municipalpelo que não foi considerada a ocupação do espaço para efeitos de fundamentação da criação de taxas de ocupação.

Ora, a aprovação camarária da fundamentação económico financeira que será entregue com a proposta do regulamento de taxas (cuja publicação o terá de ter em anexo), constitui em si mesma um ato administrativo de primeiro grau e, como bem refere a Demandante, não apenas uma natureza de parecer ou de ato endoprocedimental.

Talvez a maior demonstração dessa natureza seja o facto de a Assembleia Municipal poder discutir e alterar a proposta de regulamento de taxas, mas não o conteúdo da fundamentação económico-financeira aprovada e apurada pela Câmara Municipal – pois o apuramento de custos corresponde a uma manifestação de verdade material certificativa e não a uma opção normativa. Com efeito, o conteúdo da fundamentação económico-financeira não se encontra subjacente a juízos políticos ou de oportunidade, mas somente ao resultado dos custos da autarquia e da sua saúde financeira.

Nesses termos sempre importa considerar que, como bem refere também a Demandante, o artigo 148.º do CPA clarifica que são atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, maxime um «(…) ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta (…)» (cit.)[2] , tendo em conta o atual quadro jurídico-normativo.

Também releva para os presentes Autos o facto de que o ato administrativo da fundamentação económico-financeira visa fixar, para a própria autarquia, o valor dos seus custos e salubridade financeira (conteúdo concreto), não se podendo de boa consciência considerar que se trata de um ato de produção de efeitos meramente interna, como a propositura dos presentes autos demonstra. 

Como uma vez mais alega a Demandante, nos termos do artigo 150.º do CPA, os atos administrativos devem ser praticados por escrito, pelo que é necessário que a fundamentação económico financeira tenha sido redigida por escrito e, no caso da deliberação de aprovação a mesma deveria ‘sempre’ ser consignada em ata (n.º 2 do mesmo artigo). Nenhum destes elementos foi entregue pela Demandada, nem, após verificação, os mesmos se encontram publicamente disponíveis.

Também releva para conhecimento da causa que a ordem normativa exige que o ato administrativo reúna os demais elementos de que depende a sua existência e que cumpra os demais requisitos de que depende a sua validade (fases preparatória e constitutiva do ato administrativo).

Para além do mais, impõe-se ainda que se verifiquem determinadas exigências para que o ato produza os efeitos jurídicos pretendidos.

Como referido pela Demandante e não contraditado pela Demandada, é nas fases preparatória e constitutiva do ato, que se verifica a nulidade tanto da própria fundamentação económico-financeira, como da própria deliberação de aprovação, ainda na Câmara Municipal.

No entanto, essa nulidade não pode ser aferida à luz das normas hodiernas e carece da verificação do tempus regit actum.

Foi através da Lei n° 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais exige, no artigo 8º, nº 2, alínea c), que o regulamento que crie taxas municipais contenha, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das mesmas taxas.

A mencionada Lei, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, consagra um regime transitório, que permitia aos municípios a adequação dos regulamentos até ao início do segundo ano financeiro subsequente à sua entrada em vigor, versão original, ou até início do 3º ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, versão da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, (vide Orçamento do Estado para 2009, artigo 53º), ou, finalmente, até ao dia 30 de Abril de 2010, versão da Lei nº 117/2009, de 29 de dezembro.

Isto significa que o ato de fundamentação económico-financeira deveria ter sido criado entre 1 de janeiro de 2007 e 30 de abril de 2010. Não tendo esse ato sido criado de acordo com os requisitos legais até essa data, o mesmo passou a estar desconforme com o bloco de legalidade em vigor no dia 1 de maio de 2010, devendo a sua invalidade ser aferida ao abrigo do antigo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro, adiante referido como o  CPA.

O a CPA estabelecia que «são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade» (cit.) – cfr. artigo 133º, n.º 1 do aCPA.

Como refere a Demandante, esse enunciado inclui a total preterição da audiência dos interessados para a realização da fundamentação económico-financeira que vai delimitar o valor das taxas a integrar o regulamento de taxas; e inclui ainda a falta de registo em ata da deliberação de aprovação da proposta de fundamentação económico-financeira à Assembleia Municipal, o que corresponde a uma ausência total de forma do ato.

Acresce que, se a contabilidade de custos nunca foi apurada (em momento algum nos autos encontramos qualquer referência aos custos da autárquica com a ocupação de subsolo), tal facto determina a falsidade do conteúdo do ato administrativo-financeiro, o que também implica a sua nulidade ao abrigo desta cláusula geral.

Veja-se que a falta de fundamentação económico-financeira é uma violação gritante não apenas para efeitos de direito administrativo financeiro como para efeitos de direito fiscal, sendo equivalente à ausência de orçamento do estado para a fixação de tributos, pelo que importa conhecer da nulidade de um ato, como o que é submetido à apreciação em juízo, por o mesmo não cumprir os requisitos legais mínimos, não conter os requisitos mínimos de forma legal, não permitir a fiscalização da proporcionalidade dos tributos bilaterais que veio a criar, não permitir o seu fundamento base de conhecimento público da salubridade dos custos municipais.

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No entanto, caberá limitar os efeitos dessa nulidade que resulta clara nos Autos, ao abrigo da certeza e segurança jurídica.

Em primeiro lugar, essa declaração de nulidade que aqui se produz apenas afeta as partes em juízo, em segundo lugar, a Demandante requereu circunscrição de efeitos dessa mesma nulidade para os anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 até à data da resolução do litígio, pois foi apenas nesses anos que o ato nulo produziu eficácia externa lesiva para a Demandante.

Pelo que, se declara a nulidade da fundamentação económico-financeira em que se baseou o Regulamento de taxas do Município B..., pelo que, ficam também sem efeito todos os atos emitidos com base no ato nulo circunscritos à relação entre a Demandante e a Demandada nos anos de 2015 a 2023, ficando também por isso prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos realizados nos Autos que, por dependerem mediata ou imediatamente da saúde da fundamentação económico-financeira, sendo a manifestação de efeitos de um ato nulo, ficam também expurgados da ordem jurídica.

 

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Custas:

Vencida, é a Demandada responsável pelo pagamento das custas processuais.

 

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VI.          Dispositivo:

 

Nestes termos e com os fundamentos acima expostos, julgo a presente ação procedente, e

Condeno a Demandada no pedido, bem como no pagamento das custas.

 

Registe e notifique.

 

Lisboa, 06 de outubro de 2023.

 

A Árbitra 

 

 

 

Sónia Martins Reis 

 



[1] Por outras palavras, «ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, razão porque o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer prova» - Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 463.

[2] Cf. Diogo Freitas do Amaral (2001, Coimbra), Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 210.