Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 7/2017-A
Data da decisão: 2017-09-05  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito à transição para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado
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SENTENÇA

 

  1. RELATÓRIO

 

A…, docente do B…, com o NIF … e residente na Rua …, …– .... …-… … intentou a presente ação neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) contra o B… na qual veio impugnar o ato que lhe indeferiu a requerida transição da Autora para um contrato em funções públicas por tempo indeterminado, peticionando o seguinte:

“Deve o ato impugnado ser anulado e substituído por outro que determine a transição do contrato da Autora para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com efeitos desde 30/9/2016.”

 

Fundamentou a Autora este pedido da seguinte forma:

Que requereu - ao abrigo do artigo 5º, nº 3 do DL nº 45/2016 -  junto dos serviços da Ré a transição do seu contrato de trabalho em funções públicos a termo certo para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado;

Que tal pretensão veio a ser-lhe indeferida com o fundamento de que o preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender o exercício do direito a tal transição (a obtenção do grau de doutor) não estava preenchido a data da entrada em vigor do diploma legal.

Que obteve o grau de Doutor na Universidade de … em 22 de julho de 2016 tendo obtido o registo desse grau em Portugal em 28 de setembro desse mesmo ano.

Defende a A., basicamente, que o indeferimento da sua pretensão assenta numa interpretação errada do momento que releva para efeitos da aplicação do regime transitório em que fundamentou a sua pretensão mais, precisamente, o direito de transitar, sem mais formalidades, para um contrato de trabalho em funções públicas a tempo indeterminado.

Concluindo a A. - recorrendo aos critérios literal, teleológico e sistemático da tarefa de interpretação de normas jurídicas - que o momento legalmente relevante para o exercício daquele direito é a data em que defendeu a sua tese de doutoramento em … e não a data em que tal tese foi objeto de registo pelas autoridades portuguesas.

Notificada a entidade demandada para contestar, veio esta alegar, sumariamente, o seguinte:

Em face do enquadramento legislativo atual da situação em apreço e da orientação da entidade pública que tutela a matéria, a demandada considera que não assiste razão à A. na pretensão de lhe ser concedida a transição para um contrato de trabalho em funções públicas a tempo indeterminado.

Esclarece que não sendo questionável, nos termos do artigo 4º, nº 1 daquele DL 341/2007, que ao titular de grau académico conferido por instituição de ensino superior seja reconhecida a totalidade dos direitos inerentes a esse grau, considera inultrapassável a interpretação segundo a qual, nos termos do respetivo artigo 10º do nº 1 daquele mesmo preceito, a produção dos efeitos de tal reconhecimento depende do registo prévio do diploma.

Pelo que considera que, em face do teor do título de registo do diploma junto da Universidade de …, a A. só detém os direitos inerentes ao grau académico de doutor a partir da data de 28 de setembro de 2016.

O que impossibilita a sua transição, sem outras formalidades, para o regime de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, nos termos previstos no respetivo nº 1 do mesmo artigo 5º do DL 45/2016, dado que, a data desse registo (28 de setembro de 2016) é ulterior à data em que aquele mesmo diploma entrou em vigor (18 de agosto de 2016) e, consequentemente irrelevante para os efeitos que a mesma consagra.

 

  1. CONVENÇÃO DE ARBITAGEM E CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

A… requereu em 24 de março de 2017 pedido de outorga de compromisso arbitral por parte do B…, junto do CAAD.

Esta entidade respondeu positivamente a tal pedido em 16.5.2017, outorgando aquele compromisso no CAAD. 

Foi aceite pelas partes a designação da signatária (que integra a lista de árbitros do CAAD) como árbitro único para dirimir este litígio.

Este tribunal arbitral foi constituído em 3 de julho de 2017 com a aceitação pela aqui signatária designada nesta mesma data, assumindo esta o encargo de apreciar e decidir o litígio nos termos do regulamento do CAAD aprovado pelo Despacho nº 509/2009 de 27 de janeiro já supra identificado.

 

  1. SANEAMENTO DO PROCESSO - QUESTÕES PRÉVIAS

Inexistem quaisquer questões prévias deduzidas pelas partes como exceções dilatórias típicas ou atípicas e não se impõe ao Tribunal o conhecimento de outras de conhecimento oficioso que obstem e qualquer modo à apreciação do mérito da causa.

Deve, contudo, neste momento, ser resolvido um ponto prévio: o da interpretação do pedido formulado.

A Autora, perante o ato de indeferimento da sua concreta pretensão deduziu o seguinte pedido:

“Deve o ato impugnado ser anulado e substituído por outro que determine a transição do contrato da Autora para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com efeitos desde 30/9/2016.”

Na sua literalidade, são dois os pedidos deduzidos pela Autora:

  1. Anulação do despacho do Presidente do B… que lhe indefere a pretensão de transitar enquanto docente da Escola Superior de Enfermagem para um contrato de trabalho em funções públicas a tempo indeterminado;
  2. Substituição por outro que determine a transição do contrato da Autora para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com efeitos desde 30/9/2016.

Ora:

Por um lado, considerada a plenitude da tutela judicial reconhecida às pretensões impugnatórias de atos administrativos e à introdução de uma tutela condenatória como reação a atos de conteúdo negativo (v.d. o de indeferimento) a pretensão deduzida em a) pela A. fica aquém da tutela adequada ao conteúdo do ato que colocou em crise.

Por outro lado, o segundo pedido que a Autora endereça ao Tribunal (substituição por outro ato que determine a transição da Autora para um contrato de trabalho em funções púbicas por tempo indeterminado) não é, se interpretado na sua literalidade, legalmente possível. Com efeito, aos tribunais administrativos – arbitrais ou públicos – está vedada -  na interpretação que o legislador processual ordinário faz do princípio da separação entre o poder judicial e o poder administrativo (a não ser nas situações expressamente previstas na lei e que não têm qualquer aplicação ao caso concreto) – o poder de se substituírem na prática do ato devido à Administração Ré.

Contudo, e apesar do desacerto evidenciado pela Autora quanto aos pedidos formulados, o Tribunal deve conceder a tutela que corresponda à vontade real de quem a este recorre para defender os seus direitos e não apenas à vontade declarada, quando for evidente que, entre uma e outra, existe uma declaração imperfeita da vontade real, não correspondente à medida da pretensão legalmente admissível. É esta a solução imposta pelo direito fundamental de acesso aos direitos e aos tribunais previstos no artigo 20º e 268º, nº 4 da CRP, concretizado no princípio pro actione que preside ao contencioso administrativo.

Assim, de todo o teor da petição inicial é correto afirmar que se a A. tivesse sabido expressar a sua pretensão de modo legalmente correto, o efeito jurídico que a esta teria endereçado ao Tribunal teria entre os seus fundamentos o das invalidades apontadas ao ato administrativo em causa, mas estaria expressado no sentido de condenar a entidade por si demandada a praticar o ato devido, ou seja, a deferir o trânsito do seu contrato de trabalho em funções públicas para um contrato da mesma natureza, mas por tempo indeterminado.

Acresce que a Ré contestou ação, dando conta de ter entendido perfeitamente a pretensão da Autora.

Assim sendo, é relativamente a este pedido – o da condenação da Ré a praticar um ato de deferimento desta pretensão concreta da Autora – que este Tribunal se vai pronunciar, por ser aquele que, em face de tudo quanto foi alegado como fundamento da ação, se interpreta teria sido o pedido deduzido pela Autora, se esta o tivesse deduzido de forma correta, ou seja, consentânea com as os poderes decisórios deste Tribunal para este caso concreto e adequado à tutela judicial correspondente a um ato de conteúdo negativo.

 

  1. A QUESTÃO A DECIDIR: FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A única questão que este Tribunal tem de apreciar e, consequentemente, decidir é a de determinar se a Autora tinha na sua esfera jurídica, à data da apresentação do requerimento (ponto IV dos factos provados), o direito de transitar como docente da Escola Superior de Enfermagem do B… para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, conforme previsto pelo artigo 5º, nº 3 do DL 45/2016 de 17 de agosto, sob a epígrafe Integração na carreira que a seguir se transcreve:

“Após a obtenção do grau de doutor ou do título de especialista no período da prorrogação ou da renovação contratual a que se refere o artigo 2.º, transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, os assistentes, os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador, que exerciam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva na data da entrada em vigor do Decreto Lei 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei 7/2010, de 13 de maio, e que, tendo obtido o grau de doutor ou o título de especialista até à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, não beneficiaram da transição, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, por não reunirem o requisito temporal mínimo previsto no regime transitório vigente.”

Considerando que a questão assim explanada é uma questão exclusivamente jurídica e que os factos juridicamente relevantes para a decidir resultam cabalmente demonstrados pelos documentos que as partes fizeram chegar aos autos, entende o Tribunal não se justificar a produção de qualquer outra diligência probatória, e por isso, passa, sem mais, ao conhecimento fundamentado do objeto do presente litígio.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO
  1. FACTUAL

Da factualidade alegada que atentas as normas envolvidas é relevante para a resolução do presente litígio considera-se provada a seguinte:

I – A Autora exerce funções como Assistente Convidada em regime de exclusividade com contrato de trabalho em funções públicas, na Escola Superior de Saúde de … . (DOCS. Nº 1 E 2 JUNTOS COM A P.I.)

II – A Autora contava, à data de 29 de setembro de 2016, com 12 anos de serviço, assim distribuídos: (DOC. 1 JUNTO PELA AUTORA COM A PETIÇÃO INICIAL CONFORME CERTIDÃO EMITIDA A PEDIDO DESTA PELA ENTIDADE RÉ)

- Provida assistente de 1º triénio com contrato administrativo de provimento em 29 de setembro de 2004;

- Provida como assistente de 2º triénio por contrato administrativo de provimento a 29 de setembro de 2007;

 - Renovação do contrato por 3 anos com início em 29 de setembro de 2010 em regime de contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo;

-  Renovação do contrato por 3 anos com inicio a 29 de setembro de 2013 em regime de contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo;

- Contrato trabalho em funções públicas por tempo resolutivo certo em regime integral na categoria de Equiparado a Professor Adjunto desde 29 de setembro de 2016 até à atualidade.

III - Em 22 de julho de 2016 a Autora defendeu publicamente na Universidad de … a tese de doutoramento intitulada “Polimediacação adesão à terapêutica de medicamentos e risco potencial nos idosos do Norte de Portugal”, no âmbito do Programa de Doutoramento Farmácia y Salud, tendo sido aprovada com a classificação de “sobresaliente cum laude y la mención de Doctor Internacional”. (DOC. Nº 3 DA PETIÇÃO INICIAL QUE NÃO SOFREU QUALQUER IMPUGNAÇÃO PELA RÉ)

IV – O registo do grau foi efetuado pela Universidade de … em 28 de setembro de 2016. (DOC. Nº 3 VERSO, DA PETIÇÃO INICIAL QUE NÃO SOFREU QUALQUER IMPUGNAÇÃO PELA RÉ)

V - Em 30 de setembro de 2016, a Autora apresentou ao Senhor Presidente do B… pedido de transição para contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, instruindo o seu requerimento com a certificação do grau de Doutor Internacional obtido na Universidade de … .  (DOC. Nº 4 JUNTO COM A P.I.)

VI - Em 13 de fevereiro de 2017, por despacho do Senhor Presidente do B… foi indeferido o pedido de transição para contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, uma vez que à data de 18 de agosto de 2016 (data da entrada em vigor do DL nº 45/2016 de 17 de agosto, a requerente não beneficiava da titularidade do grau de Doutor. (DOC. Nº 5 JUNTO COM A P.I.)

 A factualidade dada como provada resulta dos documentos 1 a 5 que foram juntos pela Autora com a petição inicial e que não sofreram qualquer impugnação por parte da Ré, sendo certo que tais factos não receberam, também por parte da Ré, qualquer impugnação. Ainda: não existe qualquer outra factualidade relevante para a resolução do presente litígio, pelo que, consequentemente, inexiste factualidade não provada. 

De resto, o presente litígio centra-se apenas – como já se deixou indicado -  na determinação da interpretação jurídica a fazer do artigo 10º, nº 1 do DL. nº 341/2007, de 12 de outubro, e da qual depende diretamente a pretensão avançada pela Autora e negada pela Ré de transição para um contrato de trabalho em funções públicas a tempo indeterminado.

Vejamos:

O referido direito à transição para contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, sem outras formalidades, legalmente conferido a docentes dos institutos politécnicos, está dependente das seguintes condições:

  1. ser esse docente assistente, equiparados a assistente, equiparado a professor adjunto ou equiparado a professor coordenador de um dado Instituto Politécnico;
  2. exercer essas funções docentes em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva;
  3. não ter beneficiado da transição, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, por não reunir o requisito temporal mínimo previsto no regime transitório anteriormente vigente;
  4. ter obtido o grau de doutor ou o título de especialista até à data de entrada em vigor do DL nº 45/2016 de 17 de agosto, ou seja, até 18 de agosto de 2016 (dado que a entrada em vigor do mesmo correspondia ao dia seguinte ao da data da sua publicação).

 

Ora, ficou demonstrado nos presentes autos que à data do requerimento que foi indeferido pela entidade demandada (datado de 30 de setembro de 2016) a aqui Autora era equiparada a professora adjunta convidada, e que, nos anos imediatamente anteriores, a mesma tinha sido Assistente naquela mesma instituição e Escola. Ficou ainda demonstrado que a Autora exerceu sempre essas funções docentes naquela Escola a tempo integral.

Tudo como decorre da factualidade provada supra em I a II.

Pode, também, inferir-se que a A. nunca usufruiu do regime transitório anterior, uma vez que, à data de vigência do mesmo, esta não dispunha de qualquer um dos períodos temporais aos quais a referida lei dava relevância para a transição contratual ter lugar - o que decorre da comparação das datas apostas no Doc. nº 1 emanado pela Ré com os períodos temporais relevantes para aquele diploma legal.

Resulta também da factualidade provada que a Autora obteve o grau de Doutor na Universidade de …, em Espanha, em 22 de julho de 2016, ou seja, antes de 18 de agosto desse mesmo ano (data da entrada em vigor do diploma que lhe confere no artigo 5º nº 3 o direito à transição para aquele contrato de trabalho) (ponto III da factualidade provada) 

 

A entidade demandada vem, no entanto, negar tal direito a A., considerando que a obtenção do grau de Doutor em 22 de julho de 2016 não é relevante para efeitos de aplicação do nº 3 do artigo 5º do DL. 45/2016, uma vez que os efeitos de tal doutoramento só passam a existir na ordem jurídica portuguesa após o registo do mesmo nos termos previstos no DL nº 341/2007 de 12 de outubro e regulados pela Portaria nº 29/2008 de 10 de janeiro.

E, consequentemente, datando o registo desse mesmo grau académico de 28 de setembro de 2016, data ulterior à data legalmente imposta como limite para a “obtenção do grau de Doutor” (18 agosto de 2016) que permite sem mais a transição contratual, a Autora não dispunha – no entendimento da entidade demandada - na data em que solicitou a aplicação do regime de integração de carreira previsto no nº 3 do artigo 5º do DL nº 41/2016, de 17 de agosto, de todas as condições de que tal direito depende, mais especificamente, faltava-lhe o requisito temporal de obtenção do grau de Doutor.

Portanto, dentro da questão que o Tribunal foi chamado a decidir, o litígio que envolve as partes centra-se apenas em saber se o grau de Doutor obtido numa Universidade em Espanha e dependente apenas de registo em Portugal se considera obtido na data da defesa da tese ou, antes, apenas depois do registo dessa mesma tese em Portugal, nos termos legais e regulamentares previstos.

Em concreto, o Tribunal terá de apurar a questão central de natureza estritamente jurídica que é a de saber se a Autora tem o grau de Doutor desde 22 de julho de 2016 ou, apenas, desde 28 de setembro de 2016.

Desde já se adianta, sem mais delongas, que o Tribunal entende assistir razão à Autora, como, de seguida, se fundamentará.

 

O Decreto-Lei n.º 341/2007 de 12 de outubro veio regular de forma menos burocrática e mais simplificada o sistema de reconhecimento e equivalência de graus académicos obtidos no estrangeiro e que os seus titulares pretendam usar para qualquer efeito legal em Portugal.  Como decorre diretamente do seu preâmbulo:

“Através do presente diploma, institui -se um novo regime de reconhecimento dos graus académicos estrangeiros de nível, objectivos e natureza idênticos aos dos graus de licenciado, mestre e doutor atribuídos por instituições de ensino superior portuguesas, conferindo aos seus titulares todos os direitos inerentes a estes graus académicos. Trata- se da generalização aos graus de licenciado e de mestre do regime que já havia sido instituído para o grau de doutor pelo Decreto-Lei n.º 216/97, de 18 de Agosto, e que assenta no princípio da confiança recíproca que deve ser assumido pela comunidade académica internacional, substituindo, em todos os casos a que se aplique, o processo de equivalência baseado na reavaliação científica do trabalho realizado com vista à obtenção do grau estrangeiro. (o sublinhado é nosso).

Refere o mesmo texto que se afasta, assim, um obstáculo importante à circulação de diplomados, acolhendo, sem os entraves burocráticos e as demoras hoje existentes, todos quantos, tendo obtido os seus graus académicos no estrangeiro, queiram desenvolver actividade em Portugal”.

Este diploma legal veio basicamente reduzir as necessidades de validação do grau académico obtido no estrangeiro mediante o procedimento de equivalência, tendo-o substituído em grande medida, pelo procedimento de reconhecimento, assente, por sua vez, no princípio da confiança académica recíproca assumido pela comunidade académica internacional.

Esse reconhecimento foi cometido a uma entidade colegial especial (Comissão para o Reconhecimento de Diplomas Estrangeiros) e submetido ao regime regulado na Portaria nº 29/2008 de 10 de janeiro.

Como consequência deste regime e das deliberações genéricas proferidas por aquela Comissão, o grau de Doctor obtido numa universidade espanhola é reconhecido em Portugal, sem qualquer processo de equivalência a ser requerido in casu por cada um dos interessados. Assim, consta da Deliberação nº Direcção-Geral do Ensino Superior Deliberação n.º 2429/2008 1 (publicada na 2.ª série do DR nº 174, de 9 de Setembro de 2008 ) que são reconhecidos com nível, objetivos e natureza idênticos ao grau de Doutor os graus constantes do seguinte quadro:

Quadro referente à designação do grau de Doutor nos Países da União Europeia

Países Grau de Doutor (Pós — Bolonha)

Alemanha. . . . . . . . . . . . . . . . . Doktor/Dr./Ph.D.

Áustria  . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Doctor of Philosophy (PhD) Doktor

Bélgica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doctor/Docteur Doctor of Philosophy

Bulgária  . . . . . . . . . . . . . . . . . . Дoktop (PhD)

Chipre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Διδακτορικό

Dinamarca  . . . . . . . . . . . . . . . . Ph.D./Dr./Doktorgrad

Eslováquia  . . . . . . . . . . . . . . . . Doktor/Doktor

Países Grau de Doutor (Pós — Bolonha)

Espanha  . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doctor

Estónia  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Filosoofiadoktor/Doctor of Philosophy

Finlândia  . . . . . . . . . . . . . . . . . Tohtori/doktor

França. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doctorat

Hungria  . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doktori fokozat (PhD) Doctor of Liberal Arts (DLA)

Irlanda  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doctor Doctor of Philosophy (PhD)

Itália. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Dottorato di Ricerca

Polónia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doktor Reino Unido. .. . . . . . . . . Doctor of Philosophy (PhD)

República Checa  . . . . . . . . . . . Doktor (Ph.D.) Doktor Teologie (Th.D.)

 

O reconhecimento genérico - assente no princípio da confiança - e atribuído quando graus académicos cujos objetivos e a natureza sejam idênticos aos dos graus de Doutor conferidos por instituições de ensino superior portuguesas, veio substituir o procedimento de equivalência assente, precisamente, no princípio oposto traduzido na reavaliação científica do trabalho realizado com vista à obtenção do grau estrangeiro.

Porém, o reconhecimento específico do grau académico de Doutor, mesmo aquele beneficia deste reconhecimento genérico - como é o caso do grau de Doctor obtido numa universidade espanhola -  carece de registo em Portugal, estando o mesmo previsto no artigo 10º do DL nº 341/2007 e regulado mais concretamente na Portaria nº 29/2008. De facto, o artigo 10º, nº 1 daquele diploma legal determina, sob a epígrafe Sujeição a registo que os graus académicos reconhecidos obtidos no estrangeiro estão, na expressão da lei, sujeitos a registo prévio.

A questão que se impõe aqui determinar é a da natureza jurídica do registo do diploma.

Afigura-se ao Tribunal que a necessidade de o titular de um diploma de Doutor já genericamente reconhecido como tal pela Administração se destina apenas a permitir mediante a certificação da autenticidade do ou dos documentos em que tal diploma se consubstancia, a confirmar aquele grau.

Com efeito e antes de mais tratando-se - como se trata - de determinar qual é a natureza de um ato de registo, o primeiro passo que se impõe é o de determinar qual é genericamente a função do ato registral.  Assim:

Em primeiro lugar, os registos sempre desempenharam uma função de publicidade. Nas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO (in Efeitos substantivos do registo predial na ordem jurídica portuguesa, ROA, Ano 34, págs. 16-17, a publicidade registral não é a única forma de publicidade que a ordem jurídica reconhece, mas é sem dúvida a mais relevante. Explicando o autor que dar publicidade consiste em tornar público, portanto, dar a conhecer ou por em condições de ser conhecido certo facto. Sublinha, ainda, o autor em referência que mesmo quando o registo nada altera a situação substantiva devemos continuar a observar que a função da publicidade se realiza. Finaliza ainda o mesmo que temos casos em que o registo apenas dá notícia de certos factos e que a situação não se altera fundamentalmente quando o registo permite efeitos acessórios que representem como que um aproveitamento da função geral da publicidade.

Em segundo lugar, nos casos normais o registo serve para confirmar determinadas situações, eliminando a pendência em que se encontravam. (OLIVEIRA ASCENSÃO, ibid, pág. 27). A situação antecedente é resolvida a partir da prática da inscrição da mesma, em dado registo. Como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, (ibid, pág. 28) este efeito do registo parece bem expresso dizendo-se que o registo tem nos caos normais efeito confirmativo ou consolidativo das situações que a ele são trazidas.

 

Determinada esta função impõe-se sublinhar que o diploma de Doctor - neste caso diploma de Doctor atribuído por uma qualquer universidade espanhola - foi objeto de um ato administrativo genérico de reconhecimento por parte da Comissão de Reconhecimento de Diplomas Estrangeiros. (Deliberação nº Direcção-Geral do Ensino Superior Deliberação n.º 2429/2008 1, publicada na 2.ª série do DR nº 174, de 9 de Setembro de 2008)

Tal significa que qualquer diploma que atribua o grau de Doctor emanado por universidade sita em Espanha dispensa o seu titular de obter equivalência em Portugal. E tal é assim, porque a Comissão à qual o legislador incumbiu de proceder a este reconhecimento genérico considerou que as condições de obtenção de um grau de Doutor em Espanha eram equivalentes ou análogas (idênticas na expressão da lei), na sua generalidade, àquelas que se exigem em Portugal para a obtenção do mesmo grau. E se assim é, é dispensável o ato administrativo concreto de reconhecimento que corresponderia ao procedimento de equivalência do diploma Espanhol em Portugal (o qual se mantém para os diplomas que ainda não beneficiam deste reconhecimento administrativo).

Por isso, como decorre do artigo 7º do DL nº 341/2007 (Identificação da qualificação académica), os beneficiários do reconhecimento identificam a sua qualificação académica através da menção, na língua de origem, do grau académico de que são titulares, seguido do nome da instituição de ensino superior que o concedeu e do país respectivo e, sempre que necessário, da menção: «Reconhecido, nos termos do Decreto-Lei n.º... Confere a totalidade dos direitos inerentes à titularidade do grau de (indicar o grau) ...»

Mas deve atentar-se também que, logo de seguida, o nº 2 do mesmo preceito - porque a produção dos efeitos jurídicos daquele reconhecimento depende do registo prévio previsto no artigo 10º, nº 1 do mesmo diploma legal, que não resulta do reconhecimento a que se refere o presente decreto-lei a autorização para utilizar o título de «licenciado», «mestre» ou «doutor», ou de «licenciado (mestre ou doutor) por uma instituição de ensino superior portuguesa».

 

Ora, o reconhecimento genérico daquele grau é conferido independentemente do titular desse mesmo grau e, como tal, torna-se necessário dar a conhecer de modo oficial ao poder administrativo com atribuições e competências no ensino em Portugal que uma determinada pessoa que se apresenta com diploma de Doctor obtido em Espanha (já reconhecido como análogo ou equivalente a um grau de Doutor em Portugal) é titular concreto desse mesmo grau. O registo nacional de um concreto diploma de Doctor (conferido por uma universidade em Espanha) e já reconhecido genericamente tem por objetivo o de dar a conhecer à comunidade académica portuguesa o grau académico daquele sujeito e da tese defendida por este que obteve aprovação (função publicidade).

A entidade que procede ao registo confirma, em concreto, a autenticidade do diploma referente ao grau académico em causa. Se o diploma é autêntico, o registo desse diploma não pode ser negado pela entidade competente para proceder ao registo, pelo que, mediante este ato, a entidade competente declara conhecer (ou reconhecer perante a não existência de dúvidas quanto à autenticidade daquele mesmo diploma mesmo) que aquele sujeito obteve o grau de Doutor numa dada área científica, em determinada data e em determinada universidade (função conformativa ou de reconhecimento).

Assim, considera o Tribunal que o registo do diploma é um ato administrativo secundário de categoria instrumental, que envolve uma pronúncia administrativa que não é uma decisão de autoridade, mas apenas funciona como uma pronúncia auxiliar relativamente a atos administrativos decisórios. (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, reimpressão, 2002, Págs. 269, 270) 

Basicamente, como escreveu ROGÉRIO SOARES (Direito Administrativo, lições policopiadas, Coimbra, 1978, pág. 100) a contribuição (destes atos) para a realização das tarefas administrativas processa-se a através de um ato administrativo cuja produção condiciona de modo diverso.

Concluindo este ponto: o registo do diploma é um ato que se limita a verificar a existência ou a reconhecer a validade de situações pré-existentes e, como tal, apenas verifica a existência ou reconhece a validade do grau de Doctor, obtido pela Autora em Espanha, já genericamente e reconhecido pela Deliberação nº Direcção-Geral do Ensino Superior Deliberação n.º 2429/2008 1.

E este ato de registo, apesar de lhe poder ser atribuído um conteúdo de inovação (ainda que muito limitado), é um ato de conteúdo declarativo e não constitutivo. Consentaneamente, só pode ter - como esclarece FREITAS DO AMARAL, ob.cit. p. 270), eficácia retroativa. Daqui se retira que, limitando-se o ato de registo a reconhecer e confirmar direitos ou situações que já existiam, esse reconhecimento vale a partir do momento em que os direitos ou as situações reconhecidas nasceram e não a partir do momento em que tal confirmação ou reconhecimento tem lugar.

Daí que a previsão legal de que após um ato de registo se produzem os efeitos jurídicos pretendidos (como decorre do artigo 10º, nº 1, do DL 341/2007 com a utilização da expressão prévio qualificando o registo em causa) não possa autorizar, sem mais, a reconhecer a este registo – como fez a aqui Ré -  uma natureza constitutiva. Como escreve ALBERTO XAVIER (Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, págs. 406-407), é evidente que “toda a eficácia jurídica é, por natureza inovadora no sentido de que acrescenta algo ao mundo jurídico preexistente, e, portanto, constitutiva num sentido genérico e impreciso; caso contrário, estar-se-ia em face de um facto irrelevante.

Em sentido técnico, porém, nem" toda a inovação - em que a eficácia se traduz - se pode qualificar como constitutiva.”

Assim acontece - continua aquele autor – nos factos declarativos, cuja eficácia - e, portanto, cuja inovação - está precisamente em declarar ou conservar situações preexistentes, sem que a sua identidade e o seu conteúdo sejam alterados e sem que haja, pois, lugar a uma verdadeira constituição, pois, eficácia jurídica, inovação e carácter declarativo não são realidades logicamente incompatíveis. (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário…págs. 406-407).

 

Assim, no entender do Tribunal, atentas todas estas considerações, o ato de registo do diploma limita-se a reconhecer a situação jurídica anterior: a obtenção em 22 de julho de 2016 do grau de Doctor pela Autora na Universidade de … pela defesa da tese intitulada. Este ato produz – é certo -  um efeito jurídico novo que se circunscreve ao de reconhecimento.

Acresce em abono deste entendimento que, nos termos do artigo 3º do Regulamento do Processo de Registo de Diplomas Estrangeiros ao abrigo do DL nº 341/2007 de 12 de outubro, o pedido de registo é instruído obrigatória e exclusivamente com:

a) O original do diploma ou de documento emitido pelas autoridades competentes do estabelecimento de ensino superior estrangeiro que comprove, de forma inequívoca, que o grau já foi conferido; (o sublinhado é nosso)

b) Um exemplar da tese ou dissertação defendida, quando se trate do registo de um diploma que titule um grau reconhecido como produzindo os efeitos correspondentes aos dos graus de doutor ou de mestre.

 

É certo que sem este ato de registo prévio – e ainda que o grau de Doctor obtido em Espanha esteja reconhecido genericamente em Portugal – o diploma não produziria qualquer efeito jurídico, tal como decorre do nº 1 do artigo 10º do DL 341/2007. Todavia, uma vez registado, isto é, uma vez obtido o reconhecimento pela entidade competente em Portugal daquela mesma situação jurídica preexistente, esta vale desde o momento da sua produção ou constituição e não apenas desde este reconhecimento.

Portanto, o ato de registo - apesar de declarativo -  produz uma alteração na ordem jurídica, mas essa alteração não pode ser confundida – como decorre da tese sufragada pela Ré -  com a criação de uma situação jurídica que, até aí, ainda não existia, mas corresponde, apenas e tão só, à produção de um documento que reconhece oficialmente pelas autoridades portuguesas a existência de tal direito com base naquele diploma em concreto de que a Autora é titular e que dá publicidade ao grau em causa junto da comunidade académica (e laboral) para todos os efeitos para estas eventualmente relevantes. 

Em consequência, o registo do diploma de Doctor ocorrido, apenas, em 28 de setembro de 2016 não vale apenas daí em diante, cobrindo, também, todo o período temporal decorrido desde 22 de julho de 2016 (data da defesa da tese de doutoramento pela Autora e na qual obteve aprovação), atestando que a A. tem o grau de Doutor desde essa data, em Portugal.

Evidentemente que enquanto que o registo não vier a ser requerido pelo diplomado este não produz efeito em Portugal.

Do mesmo modo, se tendo requerido o registo este vier a ser negado por falta de autenticidade, estes efeitos nunca se produzirão em Portugal.  Mas se o reconhecimento concreto daquele diploma for pedido e atribuído, então os efeitos desse ato meramente declarativo atestam aquele grau académico desde a obtenção do mesmo pelo requerente, neste caso na Universidade de … em Espanha. É por essa razão que o ato de reconhecimento é feito apenas acessoriamente no verso do original do diploma e se resume à seguinte forma: (artigo 6º da Portaria nº 29/2008)

«Nos termos do disposto no artigo (4.º ou 5.º, conforme o caso) do Decreto-Lei 341/2007, de 12 de Outubro, o grau académico titulado por este documento (o diploma estrangeiro) confere ao seu titular os direitos inerentes ao grau académico português de (licenciado, mestre ou doutor, conforme o caso) “

Sintomaticamente, ainda, da forma legalmente prevista para o registo decorre que o que confere o grau académico ao seu titular é o documento em reconhecimento e não o documento de reconhecimento.

O registo é, pois, um ato complementar ao ato que concedeu o grau genericamente reconhecido em Portugal, sem o qual este não tem eficácia em território nacional, mas, adquirida essa eficácia mediante esse ato, esta retroage à data da obtenção do grau.

Está o Tribunal absolutamente convencido de que esta é a única interpretação do referido preceito que se compatibiliza com o ato genérico de reconhecimento do grau de Doctor em Espanha e, aliás, de um modo geral com a simplificação intencional do sistema legal de reconhecimento de graus académicos estrangeiros, operada com o DL nº 341/2007.

Na verdade, se ao registo de um grau académico antes genericamente reconhecido (Doctor, em Espanha) fosse dada uma natureza constitutiva, seria neutralizada – ou redundaria em algo meramente artificial - a vantagem do reconhecimento prévio e genérico daquele grau académico naquele país que se traduz na dispensa, em concreto e para este caso, do procedimento de equivalência. Na verdade, para poder ter esse efeito, a tarefa administrativa do ente competente para registo não poderia ser de mero conhecimento certificação ou verificação, mas teria forçosamente que consistir na execução de tarefas aproximadas do procedimento de equivalência, que foi, precisamente, o que o legislador pretendeu afastar.

Deve ter-se presente que esse prévio reconhecimento genérico é que determina, que, com confiança, um português ou um outro sujeito que trabalhe ou pretenda trabalhar numa universidade portuguesa como docente decida propor-se ao grau de Doctor numa Universidade Espanhola.  Só o faz por saber que, obtido esse grau, nessa universidade, não terá de se submeter a qualquer procedimento que demonstre, em concreto, a equivalência entre esse grau e o de Doutor em Portugal, uma vez que as autoridades deste país estão vinculadas ao registo deste diploma (desde que autêntico), previamente reconhecido, quando solicitado pelo seu detentor.

E, se o registo deste diploma, sendo obrigatório e necessário para a produção de efeitos em Portugal, é meramente declarativo e constitui um mero ato de reconhecimento, em concreto, de uma situação jurídica académica anteriormente constituída, então os efeitos de um tal reconhecimento têm forçosamente que acompanhar a data da verificação da situação jurídica reconhecida.

Esta é, do mesmo modo, a única interpretação compatível com um princípio geral de Justiça. Se a norma que impõe o registo prévio para a produção de efeitos derivados da obtenção do grau de Doutor determinasse que esse grau apenas existiria depois do registo, tal norma, na medida em que se oporia ao sistema legal acabado de explanar no seu conjunto, padeceria de injustiça, pois as normas jurídicas não funcionam isoladamente, apenas operam no conjunto do sistema. (MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Vol. I, 4ª edição, pág. 779-781).  A qualificação académica do titular do diploma teve lugar no dia em que a sua tese foi aprovada por um júri de pessoas qualificadas numa dada área, e por isso, feito esse reconhecimento concreto, mediante o registo do diploma (já genericamente reconhecido), o momento de produção dos efeitos decorrentes da aprovação da tese de doutoramento tem de ser necessariamente aquele.

Reconhece o Tribunal que os momentos temporais em que a Autora (por sua escolha) requer e a data em que lhe vem a ser concedido o registo do diploma pela Universidade à qual aquela endereçou esse pedido não são datas juridicamente irrelevantes. Estes momentos determinam a data a partir do qual a requerente transitará para o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

Todavia já a data e que é deferido o pedido de registo do diploma não é juridicamente relevante – dada a sua natureza meramente declarativa (e função confirmativa) – para determinar o direito da Autora à transição para aquela tipologia temporal de contrato.

E aqui - se já não fosse suficiente a argumentação expendida – é forçoso acrescentar que para os fins específicos de política laboral subjacentes à norma que conferiu à Autora o direito a tal transição contratual (artigo 5º, nº 3 do DL 341/2007) o momento do registo só pode ser absolutamente irrelevante. Com efeito, trazemos aqui á colação parte do preâmbulo do DL nº 45/2016, de 17 de agosto:

(…)

 “No apuramento da situação da aplicação do regime transitório, realizado no decurso do segundo trimestre de 2016 pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, a pedido do Governo, constatou-se que, de entre os docentes que, em 1 de setembro de 2009, reuniam as condições fixadas pela lei para a transição automática para contrato por tempo indeterminado, cerca de 80% já tinham obtido o grau de doutor ou o título de especialista e, em consequência, tinham sido contratados por tempo indeterminado.

Porém, de entre os docentes que, em 1 de setembro de 2009, estavam abrangidos pela transição automática, cerca de 20% ainda não tinham obtido o grau de doutor ou o título de especialista, sendo que a sua não obtenção até ao final do prazo de prorrogação do contrato fixado pela Lei 7/2010, de 13 de maio, determina a perda do vínculo contratual.

As condições que foram dadas aos docentes em causa nem sempre terão sido as mais adequadas ao processo de preparação do doutoramento pelo que, ponderado esse facto, o Governo entendeu, em consonância com as linhas principais da recomendação constante da Resolução da Assembleia da República n.º 53/2016, de 28 de março, tomar a iniciativa de aprovar uma prorrogação adicional dos contratos dos docentes atrás referidos, bem como do prazo para beneficiarem da transição automática para contrato por tempo indeterminado, caso obtenham, até ao fim dos referidos contratos, o grau de doutor ou o título de especialista.

(…)

O Governo considera indispensável promover o aumento da qualificação do corpo docente das instituições de ensino superior, pelo que entendeu que se deveria continuar a assegurar a continuidade da colaboração destes docentes, que desenvolvem a sua atividade nas instituições de ensino superior politécnico há vários anos, promovendo, através do presente decreto-lei, a sua transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.”

Do preâmbulo resulta que o Governo quis resolver um problema velho e repetido de precariedade laboral no desempenho de funções docentes nos Politécnicos, sem comprometer com isso, a qualificação do corpo docente de que estes necessitam para serem reconhecidos e acreditados.

Por isso, concedeu aos docentes  - desde que obtivessem a devida qualificação (Doutor) até a data concreta da entrada em vigor do diploma (18 de agosto) a garantia de continuidade laboral mais ou menos intensa no desempenho de funções docentes naqueles Politécnico, reconhecendo que, ao longo de décadas, estes desempenharam, estas funções sem qualquer estabilidade contratual, com recurso ao contratos a termo sucessivos e que contribuíram, portanto, para o crescimento da instituição de ensino superior de que faziam parte com o seu ensino e investigação.

Ora, essa qualificação científica e académica está materialmente obtida pela Autora e reconhecida genericamente por Portugal desde que o júri aprovou a sua tese de doutoramento em Espanha. O interesse da entidade demandada está, portanto, plenamente garantido porque a Autora é titular do o grau de Doutor. E, porque assim é, nenhum obstáculo deve haver ao interesse confessado pelo legislador na continuidade daquela mesma docente nas funções que tem desempenhado desde que ingressou na instituição de ensino superior, transitando-a para um regime por tempo indeterminado, isto é, para um registo mais estável do ponto de vista contratual.

Em suma, o registo da tese não acrescenta qualquer qualificação relevante à Autora. Apenas lhe reconhece essa mesma qualificação e, por isso, não é possível sufragar a interpretação que a entidade demanda fez do artigo 10º, nº 1 do DL nº 341/2007. Competia a esta em função de todos os argumentos expendidos deferir o pedido efetuado pela aqui Aurora em 30 de setembro de 2016, pois esta obteve o grau de Doutor não em 28 de setembro de 2016, mas em 22 de julho desse mesmo ano e, portanto, ainda antes da entrada em vigor do diploma que ainda havia de vir a ser publicado e que havia de conter a norma de integração na carreira que prevê este direito de transição contratual.

Não o tendo feito, errou no pressuposto de facto subjacente ao direito de transição ao erradamente considerar que a Autora não havia obtido o grau de Doutor até à data de entrada em vigor do DL nº 45/2016, e, portanto, não emanou o ato vinculado legalmente devido que era o de a fazer transitar para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado desde 30 de setembro de 2016 (por ser a data em que esta demonstrou entidade laboral que preenchia todas as condições legais para lhe ser reconhecido este direito).

Assim: a A. dispõe à data do requerimento que endereçou à Ré -  e que esta decidiu indeferir - todos os pressupostos de que o artigo 5º, nº 3 do DL nº 45/2016 fazia depender a sua transição para um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, a saber: era equiparada a professor adjunto de um dado Instituto Politécnico demandado; ii) exercer essas funções docentes em regime de tempo integral; iii) não tinha beneficiado da transição, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, por não reunirem o requisito temporal mínimo previsto no regime transitório anteriormente vigente; iv) obteve o grau de doutor ou o título de especialista até à data de entrada em vigor do DL nº 45/2016, de 17 de agosto. (ou seja, até18 de agosto de 2016, dado que a entrada em vigo do mesmo correspondia ao dia seguinte ao da data da sua publicação).

Finalmente, não colhe o argumento utilizado pela Ré para consolidar os motivos do indeferimento ora posto em crise pela Autora, quando se socorre de um documento do qual consta a informação que, em concreto, lhe foi dada pela Direção Geral do Ensino Superior/NARIC, a qual transcreve no ponto 13º da sua contestação. Com efeito, a dúvida que a entidade demanda endereçou à referida entidade oficial era a de saber se o titulo de Doctor Internacional (que efetivamente consta do diploma da Autora) dispensava o registo do diploma. E a esta pergunta concreta, a entidade oficial respondeu que a menção Doctor Internacional não produz qualquer feito legal direto que dispensasse tal ato de registo. Ora, sempre se dirá que esta posição – mesmo que não fosse de todo vinculante para o Tribunal - em nada apoia ou justifica a decisão de conteúdo negativo que a entidade demanda emanou, pois que aquela Direção Geral respondeu a uma pergunta bem diferente do que aquela que cumpre resolver nos presentes autos.

Consequentemente, a Ré estava legalmente vinculada a operar aquela transição contratual a favor da Autora.

 

  1. DECISÃO

Face ao exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, e condeno a Entidade demandada, em consequência, a operar de imediato e, sem mais formalidades, a transição da Autora para contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com efeitos reportados à data em que requereu essa mesma transição (30 de setembro de 2016).

Notifique-se por cópia e deposite-se o original nos termos do disposto no artigo 23º nº 3 do Regulamento de Arbitragem do CAAD.

 

Lisboa, 5 de Setembro de 2017

O Árbitro

Maria Elizabeth Moreira Fernandez