Decisão Arbitral
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Das Partes e do Pedido
A – A…, portador do Cartão de Cidadão n.º…, contribuinte fiscal n.º…, beneficiário da Segurança Social n.º…, residente na Rua …, …, …, …-… …,
Instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a presente acção contra,
B – B…, pessoa colectiva n.º…, com sede na …, …, …-… …,
O Demandante supra identificado vem pedir:
A condenação da demandada a celebrar contrato de trabalho por tempo indeterminado com o demandante, na carreira e categoria de assistente técnico e na 1.ª posição remuneratória da carreira de assistente técnico; dando-se cumprimento ao disposto no art. 25.º da Lei do Orçamento de Estado para 2017 e ao disposto no art. 12.º do Código de Trabalho, por remissão do art. 4.º da Lei do Trabalho em Funções Públicas.
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Competência do Tribunal
As partes sujeitaram o pleito a arbitragem, por meio do pedido que deu entrada no CAAD em 26/04/2017, o qual foi sujeito ao registo n.º11/2017-A.
Em 23/10/2017 fui nomeado como árbitro.
No âmbito das relações de direito administrativo, pode ser atribuída ao Tribunal Arbitral a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro).
Nos termos artigo 1.º, n.º1, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, “o presente Regulamento aplica-se à arbitragem em matéria administrativa que decorre do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).
No caso, o Demandante celebrou sucessivos contratos de trabalho e de prestação de serviços com a Demandada, admitindo-se que alguns se possam incluir na categoria de emprego público, podendo assim inserir-se a causa de pedir na competência do CAAD.
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Legitimidade
O Demandante tem personalidade e capacidade judiciárias, nos termos do artigo 8.º-A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do n.º1 do artigo 9.º do CPTA.
O demandado B tem igualmente legitimidade para esta acção, nos termos da norma do n.º2 do artigo 10.º do CPTA.
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Dos Factos
Como resulta dos termos do pedido, o Demandante conformou o objecto deste litigio essencialmente por referência às funções laborais desempenhadas junto da Demandada, que se passam a enunciar:
- De Junho a Agosto de 2005: Estágio Curricular;
- De Janeiro de 2006 a Setembro de 2006: Estágio Profissional promovido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional;
- De Outubro de 2006 a Janeiro de 2009: contrato de prestação de serviços;
- De Fevereiro de 2009 a Janeiro de 2012, através da celebração de um contrato de trabalho a termo certo;
- De Fevereiro de 2012 a Dezembro do mesmo ano: contrato de prestação de serviços;
- De Janeiro de 2013 a 1 de Abril de 2017: empresa de trabalho temporário.
Pois bem, refere o Demandante: “Durante estes mais de doze anos, o trabalhador desempenhou sempre as suas funções, por conta, em nome e ao serviço da demandada, sem que a forma de colaborar com a demandada tenha sofrido alterações: cumprimento de horário, exercício de funções nas instalações da demandada, com recurso aos instrumentos de trabalho propriedade desta e obedecendo a ordens e instruções.”
E, em consequência, “considera que estão reunidos todos os requisitos de um verdadeiro contrato em funções públicas e que deve o seu vínculo contratual precário ser revisto e celebrado contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, por se tratar de um posto de trabalho permanente.”
Vejamos se lhe assiste razão:
A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; Lei n.º 35/14, de 20 de Junho, dispõe que a criação de um vínculo de emprego público, ou seja, o recrutamento, se faz mediante procedimento concursal publicitado no Diário da República (art.º 33).
Os artigos seguintes mencionam os requisitos a que deve obedecer este procedimento; nomeadamente: nível habilitacional (art.º 34.º), métodos de selecção (art.º 36.º), determinação do posicionamento remuneratório (art.º 38.º).
À data da cessação do vínculo contratual, o Demandante não mantinha sequer qualquer vínculo de emprego público, porquanto estava contratado ao abrigo de trabalho temporário à empresa C… S.A.; conforme documento junto pelo Requerente e identificado com o n.º 4.
Destarte, a única forma legalmente permitida de satisfazer a pretensão do Demandante era a entidade Demandada recrutá-lo, cumprindo as regras atrás enunciadas; não sendo possível a criação desse vínculo por determinação deste Tribunal arbitral.
Por forma a enquadrar a situação controvertida do ponto de vista jurisprudencial alude-se aos seguintes acórdãos que abordam a impossibilidade de conversão de contratos celebrados por entidades públicas em contratos sem termo[1]
No Acórdão nº01678/13.0BEPRT de 21-04-2016 determina-se o seguinte: “A proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo, celebrados por entidades públicas, em contratos de trabalho sem termo, resulta expressamente das normas legais sucessivamente aplicáveis (cfr. artigo 18.º(1 do Decreto-Lei n.º428/89 e artigo 18.º/4 do mesmo diploma, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º218/98; 2.º/2 da Lei n.º23/2004; e artigo 92.º/2 da Lei n.º59/2008) e é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP, não tem nessa conversão uma garantia necessária.”
Já no Acórdão n.º00450/11.7BEVIS de 02-07-2015, se havia sumariado: “A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, violador do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47º, nº2 da Constituição, em face do que não será aceitável”
Neste caso em particular, a decisão recorrida julgou a acção improcedente, entendendo que os sucessivos contratos celebrados não determinam a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado, não permitindo reconhecer ao Autor o direito a um lugar no Município em causa.
Também na jurisprudência dos tribunais judiciais se encontram quase uniformemente decisões no mesmo sentido. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do TRC de 20.01.2011, P.207/09.5TTCVL.C1, onde se conclui pela “impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa colectiva de direito público” (no caso, para efeito de considerar que a comunicação feita pela entidade pública ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento).
Além disso, como bem sublinha o voto de vencido aposto no citado Acórdão do TRP de 22.02.2010, P.375/08, o Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente considerado inconstitucional, por violação do art.º47.º/2, da CRP, a interpretação segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação e respectiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do artigo 53.º da CRP (cfr., entre outros, os Acórdãos de 14.11.07, P.08S2451; de 18.06.08, P.6S2445; de 01.10.08, P.08S1536; de 26.11.08, P.08S1982; de 01.07.09, P.08S344 e de 25.11.09, P.1846/06.1YRCBR.S1).
Foi precisamente com fundamento na violação deste artigo 47.º/2 da CRP que o Tribunal Constitucional decidiu, no Acórdão n.º368/2000, “declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º3, do Decreto-Lei n.º427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total finado na lei gral sobre contratos de trabalho a termo.”
Em sentido idêntico, o Acórdão n.º61/2004, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, “por violação do disposto no n.º2 do artigo 47.º da Constituição, da norma constante do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º342/99, de 25 de Agosto, que cria o Instituto Português de Conservação e Restauro, na medida em que admite a possibilidade de contratação do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado em conservação e restauro mediante contrato individual de trabalho, sem que preveja qualquer procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”.
Daqui deriva, pois, que, por maioria de razão, a pretensão do Demandante está votada ao insucesso; uma vez que no seu caso nem sequer existia um contrato de trabalho sem termo, mas tão só um contrato de trabalho temporário.
Assim, não se descura com que fundamento legal, como decorre dos arestos citados, pode este Tribunal arbitral “transformar” um contrato de trabalho temporário – último vínculo do Demandante perante a Demandada – num contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.
Pelo exposto, soçobra a argumentação do Demandante e improcede totalmente a acção.
Conclusões
A proibição de conversão dos contratos de trabalho celebrados por entidades públicas em contratos de trabalho sem termo resulta expressamente das normas legais sucessivamente aplicáveis (cfr. art.º 18.º/1 do Decreto-Lei n.º428/89 e art.º18.º/4 do mesmo diploma, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º218/98; 2.º/2 da Lei n.º23/2004; art.º92.º/2 da Lei n.º59/2008 e art.º61 da Lei 35/2014, de 20 de Junho) e é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP, não tem nessa conversão uma garantia necessária.
A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, violador do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47º, nº2 da Constituição, em face do qual não será aceitável.
Uma interpretação no sentido da conversão de um contrato, in casu, de trabalho temporário, em contrato por tempo indeterminado, criaria inovatoriamente – e contra lei expressa que se harmoniza com a Constituição e o direito comunitário- uma via ínvia de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade se consolidasse, ilegitimamente, a relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimento de recrutamento e métodos de selecção em regimes de oponibilidade, que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública.
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Decisão
Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados decide o Tribunal pela absolvição da Demandada.
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Valor da Causa
Fixa.se o valor da acção nos € 15.000,00 (quinze mil euros); (cf. n.º1 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RAA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pelo Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD (cf. n.º3 do art.º 23.º do RAA).
Porto, 17 de Novembro de 2017,
O Árbitro,
(Durval Tiago Ferreira)
[1] A questão não é nova na jurisprudência dos tribunais administrativos, que se têm pronunciado reiterada e uniformemente no mesmo sentido; vejam-se, entre outros, os Acórdãos do TCAS de 05.05.2011 e de 12.05.2011, tirados nos P.07393/11, P.07388/11 e 04977/09; e os Acórdãos do TCAN, de 02.03.2012, P.02637/09.3BEPRT; e de 29.05.2014, P.03260/10.5BEPRT.