SENTENÇA ARBITRAL
RELATÓRIO
Identificação das Partes
A…, casado, titular do Cartão de Cidadão n.º… …, válido até 18 de abril de 2019, com o número de identificação fiscal…, residente na Rua…, n.º…, …-… …, propôs a presente acção arbitral contra B…, com o número de pessoa coletiva…, com sede em …–…, …-… ... .
Convenção de arbitragem
A convenção de arbitragem resulta do acordo das Partes manifestado nos termos previstos no artigo 9.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (o “Regulamento”), por via do requerimento apresentado pelo Demandante em 6 de Junho de 2016, através do seu mandatário, e da resposta do Demandado de 7 de Junho de 2016, tendo o compromisso arbitral assim celebrado sido ratificado pelo Demandante em 14 de Outubro de 2016.
Constituição do Tribunal Arbitral
O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro único Raul Relvas Moreira, com domicílio profissional em Avenida Fontes Pereira de Melo, n.º 14 – 15, 1050-121 Lisboa, que aceitou o encargo. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 4 de Outubro de 2016, data em que a composição do mesmo foi comunicada às Partes.
Sede da arbitragem
De harmonia com o disposto no artigo 2.º, n.º 3, do Regulamento, a presente arbitragem tem sede no Centro de Arbitragem Administrativa, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa.
Objecto do litígio
O litígio em apreço incide sobre a existência e o conteúdo do direito do Demandante de exigir do Demandado o pagamento de certas quantias, em consequência de reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título académico de agregado, com referência ao período entre 10 de Dezembro de 2013 ou, subsidiariamente, 1 de Janeiro de 2014 e 14 de Abril de 2016.
Resumo da tramitação processual
Em 6 de Junho de 2016, através do seu mandatário, o Demandante requereu ao CAAD, nos termos do artigo 9.º do Regulamento, que indagasse da vontade do Instituto Politécnico de Setúbal de subscrever compromisso arbitral para a resolução do litígio acima identificado. Com esse requerimento, o Demandante juntou aos autos procuração forense.
Por carta datada de 7 de Junho de 2016, o Demandado manifestou a vontade de subscrever compromisso arbitral nos termos propostos pelo Demandante.
Em 4 de Agosto de 2016, em cumprimento do disposto no artigo 9.º, n.º 5, e 10.º do Regulamento, e invocando o compromisso arbitral celebrado por via dos instrumentos referidos, o Demandante apresentou a petição inicial, a que, para além do documento comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, juntou doze documentos, tendo identificado como Demandado o B… e indicado como valor da causa a quantia de €8.605,01 (oito mil seiscentos e cinco euros e um cêntimo).
Nesse articulado, o Demandante alegou que, entre 30 de Junho de 2004 e 15 de Abril de 2016, exerceu funções docentes na categoria de professor coordenador e que, em 13 de Dezembro de 2013, obteve o título académico de agregado, sem que o Demandado houvesse procedido ao reposicionamento salarial decorrente de tal facto, situação que se manteve até à sua promoção para a categoria de professor-coordenador principal.
Nesse sentido, o Demandante formulou os seguintes pedidos:
“a) Ser declarado pelo Tribunal o reconhecimento do direito do Demandante com a categoria de professor coordenador com agregação obtida no ano de 2013, a perceção da remuneração mensal devida por tal categoria retributiva desde a data da obtenção da aquisição do titulo de agregado (10/12/2013) ou desde 1/1/2014;
“b) Ser declarada a inaplicabilidade, a este caso, da proibição de valorização remuneratória prevista no art.° 35°, da Lei n.° 66-B/2012, de 31/12 (LOGE 2013) e/ou no art.° 39°, da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOGE-2014), por manifesta inconstitucionalidade material quando interpretadas nos sentido de que da sua aplicação resulta o impedimento do pagamento da retribuição devida pelo índice retributivo correspondente ao da respetiva categoria com agregação ao Demandante apos a aquisição do título académico de agregado;
“c) Ser condenado o Demandado a processar, liquidar e pagar ao Demandante os valores remuneratórios devidos correspondentes ao 1245 da estrutura retributiva da carreira, com efeitos reportados a 10/12/2013 ou a 1/1/2014, ate 14/4/2016;
“d) Ser condenado o Demandado, a processar, liquidar e pagar ao Demandante os valores correspondentes às diferenças de índices salariais (entre 1230 e 1245) calculados desde 10/12/2013 ou 1/1/2014 (ate 14/4/2016), que se calculam (incluindo subsidio de ferias e subsidio de Natal devidos):
Ano de 2013: €240,62;
Ano de 2014: €2978,72
Ano de 2015: €3039,20
Ano de 2016: €2034,28
Num total de €8292,82
acrescido de juros de mora a taxa de juro legal, vencidos e vincendos ate integral pagamento, que na data importam € 312,18”.
Por fim, o Demandante requereu a notificação do Demandado para juntar aos autos “lista de docentes que detiveram ou detêm a categoria de professor coordenador com agregação, retribuição processada e paga, com as respetivas datas de transição retributiva”.
O Demandado apresentou a sua contestação em 19 de Setembro de 2016, a que, para além do documento comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, juntou um documento e procuração forense, tendo indicado como valor da causa o mesmo montante que o Demandante fez constar da petição inicial.
Em síntese, o Demandado alegou que estava legalmente impedido de proceder ao reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título académico de agregado, pugnando pela improcedência total da acção e consequente absolvição do Demandado dos pedidos formulados pelo Demandante e requerendo a produção de prova testemunhal.
Em 23 de Setembro de 2016, o Demandado requereu a junção aos autos de um documento.
Em 4 de Outubro de 2016, foi comunicada às Partes a composição do Tribunal Arbitral.
Em 12 de Outubro de 2016, foi proferido o Despacho n.º 1, por meio do qual o Tribunal Arbitral convidou o Demandante a juntar aos autos instrumento de ratificação do compromisso arbitral celebrado pelo seu mandatário.
Na sequência desse despacho, em 19 de Outubro de 2016, o Demandante requereu a junção aos autos de instrumento de ratificação do compromisso arbitral.
Em 2 de Novembro de 2016, o Tribunal Arbitral proferiu o Despacho n.º 2, através do qual admitiu a junção aos autos do instrumento de ratificação do compromisso arbitral e notificou o Demandante para juntar o respetivo original, convidou o Demandado a prestar a informação que o Demandante havia solicitado na petição inicial e admitiu a junção aos autos do documento apresentado pelo Demandado com o requerimento de 23 de Setembro de 2016.
Na sequência deste despacho, o Demandado requereu, em 9 de Novembro de 2016, a junção aos autos de um documento, e o Demandante requereu, nessa mesma data, a junção do original do instrumento de ratificação do compromisso arbitral.
Em 25 de Novembro de 2016, o Tribunal Arbitral proferiu o Despacho n.º 3, admitindo a junção aos autos do original do instrumento de ratificação do compromisso arbitral e do documento que acompanha o requerimento do Demandado de 9 de Novembro de 2016, declarando-se competente para resolver o presente litígio e convidando as partes a pronunciar-se sobre a dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais e da produção de alegações finais.
Em 12 e 16 de Janeiro de 2017, o Demandado requereu a junção aos autos de dois documentos.
Tendo ambas as Partes manifestado a sua concordância com a dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais e da produção de alegações finais, foi pelo Tribunal Arbitral determinada a mencionada dispensa, por meio do Despacho n.º 4, proferido em 27 de Março de 2017, no qual igualmente admitiu a junção aos autos dos mencionados documentos.
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Atendendo ao valor dos pedidos formulados, e tendo em conta o acordo das Partes a este respeito, fixo à causa o valor de €8.605,01 (oito mil seiscentos e cinco euros e um cêntimo).
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As regras e os princípios cogentes da arbitragem foram observados ao longo de todo o processo arbitral e quanto a todos os atos nele praticados, não havendo (e não tendo sido suscitado) qualquer obstáculo à prolação de decisão sobre o mérito da causa. Não há igualmente qualquer questão prévia de que cumpra conhecer.
Cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal Arbitral julga provada a seguinte factualidade:
1) O Demandante é docente da Escola … do B… desde 19 de Abril de 1994;
2) Entre 10 de Dezembro de 2013 e 14 de Abril de 2016, o Demandante exerceu funções docentes na categoria de professor coordenador da carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico;
3) Em 15 de Abril de 2016, o Demandante passou a exercer funções docentes na categoria de professor coordenador principal;
4) Em 10 de Dezembro de 2013, o Demandante obteve o título académico de agregado, na área de Ciências Empresariais, Gestão, pela Universidade …;
5) Em 3 de Janeiro de 2014, o Demandante comunicou ao Demandado a obtenção do título académico de agregado;
6) Entre 10 de Dezembro de 2014 e 14 de Abril de 2016, a remuneração do Demandante foi computada com base no índice 230 aplicável à carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico, tendo auferido os seguintes montantes a título de remuneração mensal:
a. Em 2013: €3.412,33 (três mil quatrocentos e doze euros e trinta e três cêntimos);
b. Em 2014, até 11 de Setembro: €3.312,94 (três mil trezentos e doze euros e noventa e quatro cêntimos);
c. Em 2014, após 12 de Setembro: €3.412,38 (três mil quatrocentos e doze euros e trinta e oito cêntimos);
d. Em 2015: €3.482,83 (três mil quatrocentos e oitenta e dois euros e oitenta e três cêntimos);
e. Em 2016, 1.º trimestre: €3.553,50 (três mil quinhentos e cinquenta e três euros e cinquenta cêntimos);
f. Em 2016, 2.º trimestre: €3.623,77 (três mil seiscentos e vinte e três euros e setenta e sete cêntimos).
A convicção do Tribunal quanto aos factos enunciados resulta das posições assumidas pelas Partes nos seus articulados, bem como da análise conjugada dos documentos juntos pelas Partes.
Factos não provados
Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
DE DIREITO
Conforme já se referiu, a presente demanda incide sobre a existência e o conteúdo do direito do Demandante de exigir do Demandado o pagamento de certas quantias, por via do reposicionamento remuneratório a que considera ter direito em resultado da obtenção do título académico de agregado, com referência ao período entre 10 de Dezembro de 2013 ou, subsidiariamente, 1 de Janeiro de 2014 e 14 de Abril de 2016.
O Demandante ancora a sua pretensão nas normas que conferem relevância ao título académico de agregado para efeitos remuneratórios e na inaplicabilidade das normas orçamentais de proibição de valorizações remuneratórias que vigoraram em 2013, 2014, 2015 e 2016 e, subsidiariamente, na inconstitucionalidade de tais normas orçamentais quando interpretadas no sentido de impedirem o aludido reposicionamento remuneratório, por violação do princípio da igualdade.
O Demandado impugna este enquadramento, considerando que as referidas normas orçamentais impedem o reposicionamento remuneratório com fundamento na obtenção do título de agregado e nega o desvalor de tais normas orçamentais.
As questões que cumpre apreciar são, assim, as seguintes: i) relevância da agregação para efeitos remuneratórios na carreira dos docentes do ensino superior politécnico; ii) aplicabilidade das normas orçamentais de proibição de valorizações remuneratórias vigentes em 2013, 2014, 2015 e 2016 à situação dos autos; iii) inconstitucionalidade das mencionadas normas orçamentais quando interpretadas no sentido de impedirem o reposicionamento remuneratório dos docentes do ensino superior politécnico com fundamento na obtenção do título académico de agregado.
(a) Relevância da agregação para efeitos remuneratórios
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, tal como subsequentemente alterado, “[o] regime remuneratório aplicável aos professores de carreira e ao pessoal docente contratado para além da carreira consta de diploma próprio”. O Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro (“DL 408/89”), conforme decorre do seu artigo 1.º, “estabelece regras sobre o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica e aprova as escalas salariais para o regime de dedicação exclusiva das mesmas carreiras, constantes, respectivamente, dos anexos n.ºs 1, 2 e 3, que [dele] fazem parte integrante”. Deve, por isso, e antes de mais, atender-se ao disposto neste diploma, tal como subsequentemente alterado, para aferir da relevância da agregação para efeitos remuneratórios.
As escalas salariais a que se refere o DL 408/89 incluem, para os docentes do ensino superior politécnico, uma diferenciação de categoria remuneratória em função da agregação: a categoria de professor-coordenador sem agregação e a categoria de professor-coordenador com agregação, a cada uma delas correspondendo diferentes posições remuneratórias com diferentes índices de vencimento. Deve notar-se que existe um desfasamento entre as categorias que integram a carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico e as categorias que integram a respectiva estrutura remuneratória. À categoria de professor-coordenador correspondem, na estrutura remuneratória, duas categorias remuneratórias, dois níveis de remuneração base: professor-coordenador com agregação e professor-coordenador sem agregação. Não está, portanto, em causa a promoção do Demandante a categoria profissional superior.
Nos termos do artigo 3.º do DL 408/89, a mudança para categoria (remuneratória) superior ocorre por via de promoção “para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção” ou “para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponda o índice superior mais aproximado, se o interessado vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1, ou para o escalão seguinte, sempre que a remuneração que caberia em caso de progressão na categoria fosse superior”. Quanto à progressão na categoria, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º que a mesma se faz por mudança de escalão.
Conforme resulta do Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de Junho, a agregação constitui um título académico atribuído pelas universidades mediante a aprovação em provas públicas, atestando a qualidade do currículo académico, profissional, científico e pedagógico, a capacidade de investigação e a aptidão para dirigir e realizar trabalho científico independente (cfr. artigos 3.º e 4.º).
Por ora, interessa sublinhar o acerto da posição do Demandante quanto à relevância da agregação para efeitos de reposicionamento remuneratório: à luz do disposto no DL 408/89, um dos efeitos do título académico de agregado atribuído ao professor-coordenador é a promoção para a categoria remuneratória de professor-coordenador com agregação, com o inerente reposicionamento em novo escalão indiciário dessa categoria superior.
Esta constatação não é, porém, suficiente para resolver o dissenso: como ambas as Partes constataram nos seus articulados, estavam em vigor, em 2013, 2014, 2015 e 2016, normas legais tendentes à proibição de valorizações remuneratórias na Administração Pública, pelo que importa indagar da aplicabilidade de tais normas à situação dos autos.
(b) Aplicabilidade das normas orçamentais tendentes à proibição de valorizações remuneratórias vigentes em 2013, 2014, 2015 e 2016
Resulta dos factos provados que o Demandante obteve o título académico de agregado mediante provas públicas prestadas em 10 de Dezembro de 2013.
Nessa data, estava em vigor o artigo 35.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2013 (“LOE 2013”), o qual, sob a epígrafe “Proibição de valorizações remuneratórias”, estabelece, no seu n.º 1, que “[é] vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 27.º”, o que, conforme resulta do seu n.º 2, inclui “[a]lterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos”. A alínea p) do n.º 9 do artigo 27.º menciona “[o]s trabalhadores que […] exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público”.
Especificamente sobre títulos e graus académicos, o n.º 15 prescreve que “[o] disposto no presente artigo não é impeditivo da prática dos atos necessários à obtenção de determinados graus ou títulos ou da realização da formação específica que sejam exigidos, durante a vigência do presente artigo, pela regulamentação específica das carreiras”; o n.º 16 dispõe que “[q]uando a prática dos atos e ou a aquisição das habilitações ou da formação referidas no número anterior implicar, nos termos das disposições legais aplicáveis, alteração da remuneração devida ao trabalhador, esta alteração fica suspensa durante a vigência do presente artigo”; e o n.º 17 determina que “[a]s alterações da remuneração a que se refere o número anterior, que venham a ocorrer após a cessação de vigência do presente artigo, não podem produzir efeitos reportados a data anterior àquela cessação”.
Por fim, o n.º 22 dispõe que “[o] regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excecionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas”, sendo que, de acordo com o n.º 21, “[o]s atos praticados em violação do presente artigo são nulos e fazem incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar”.
O artigo 35.º da LOE 2013 tem um propósito claro, revelado nos seus próprios termos: conter a despesa com remunerações na Administração Pública. O modo escolhido pelo legislador para prosseguir essa finalidade foi a instituição de uma proibição da prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias no sector público, com prevalência sobre quaisquer disposições legais ou convencionais, assistida pela cominação de nulidade para os actos praticados em violação dessa proibição e complementada por um conjunto de disposições especiais e excepcionais para as situações que, de acordo com o critério do legislador orçamental, merecem tratamento diferenciado.
O conceito de valorização remuneratória traduz um incremento remuneratório, um “benefício traduzido na adição de uma determinada quantia, maior ou menor, a uma certa remuneração pré-existente. Assim, nas situações mais frequentes, um reposicionamento remuneratório, traduzido na mudança para um escalão superior de determinada categoria constitui, sem dúvida, um caso de valorização remuneratória. O mesmo se passa nas progressões e nas promoções ou, em geral, em todas as situações de nomeações ou graduações em categorias ou postos superiores aos detidos”[1]. Afigura-se, portanto, claro que o acréscimo remuneratório decorrente da mudança para categoria remuneratória superior em resultado da obtenção do título académico de agregado constitui uma valorização remuneratória.
Compulsadas as normas em apreço, conclui-se, quanto ao ano de 2013, que estava vedada a alteração da remuneração dos docentes decorrente da obtenção do título académico de agregado. Assim é, porquanto os citados n.ºs 15, 16 e 17 do artigo 35.º da LOE 2013 expressamente consignam que o disposto nesse artigo não impede a prática dos actos necessários à obtenção de títulos académicos, determinando, porém, imperativamente e em consonância com o fim da proibição consignada no n.º 1, uma restrição dos efeitos de tais actos no plano remuneratório e por referência ao período de vigência das normas em causa. O sentido normativo destas disposições é, bem assim, inequívoco: durante o ano de 2013, a obtenção do título académico de agregado não conferia direito a qualquer alteração da remuneração devida ao trabalhador. Ante tais normas, e durante a sua vigência, não se chega a constituir na esfera jurídica do trabalhador o direito à alteração da remuneração decorrente do título académico de agregado.
Em 2014, 2015 e 2016, o legislador manteve a proibição de valorizações remuneratórias no sector público, por meio do n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014 (“LOE 2014”), e do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 (“LOE 2015”), cujos efeitos foram prorrogados pelo n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (“LOE 2016”).
No entanto, e ao contrário do que sucede com a LOE 2013, não há, em tais diplomas, um regime específico para as valorizações remuneratórias decorrentes da obtenção de títulos académicos. Cumpre, por isso, apreciar a questão à luz do n.º 1 do artigo 39.º da LOE 2014 e do n.º 1 do artigo 38.º da LOE 2015, ambos com redação equivalente à do n.º 1 do artigo 35.º da LOE 2013.
A este respeito, o Demandante invoca que os actos a que os preceitos se referem são apenas os da entidade empregadora. Neste contexto, a promoção para a categoria remuneratória de professor-coordenador com agregação – a constituição do direito de exigir do empregador o pagamento da remuneração prevista para essa categoria – não dependeria da prática de qualquer acto por parte da entidade empregadora, pelo que não estaria abrangida pelo âmbito de aplicação da norma, com a consequente procedência da sua pretensão quanto aos anos de 2014, 2015 e 2016. Não é esse, porém, o entendimento deste Tribunal.
Com efeito, independentemente da questão de saber se a previsão legal do n.º 1 do artigo 39.º da LOE 2014 e do n.º 1 do artigo 38.º da LOE 2015 abrange os actos de concessão do título académico de agregado, certo é que essa previsão abrange os actos de pagamento de incrementos remuneratórios. E tanto basta para se concluir que, à luz desses preceitos, não era devido o pagamento de qualquer montante remuneratório acrescido em virtude da obtenção do título académico de agregado.
Por meio dos preceitos em apreço, proíbe-se a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias. A realização do pagamento de um acréscimo remuneratório constitui, precisamente, um acto que dá substância a uma valorização remuneratória: é, antes de mais, um acto jurídico, pois que é uma conduta voluntária (embora, por regra, juridicamente vinculada) que produz efeitos jurídicos, e é também um acto que consubstancia uma valorização remuneratória, pois traduz a entrega ao trabalhador do montante remuneratório acrescido. Bem se vê, pois, que a proibição em apreço não se dirige, apenas, aos actos juridicamente constitutivos do direito a uma valorização remuneratória, mas a quaisquer actos que consubstanciem – isto é, dêem substância a, materializem ou concretizem – uma tal valorização, incluindo, desse modo, a própria realização da prestação debitória. A proibição em apreço é também uma proibição do pagamento de valorizações remuneratórias.
É o que resulta da letra do preceito e é também o que resulta da sua teleologia. O fim que se visa prosseguir com a proibição de valorizações remuneratórias consiste em impedir, durante o período de vigência das normas orçamentais que a consignam, o aumento da despesa salarial no sector público. É essa a ratio do preceito, surgido num contexto de significativas e bem conhecidas restrições orçamentais na Administração Pública. A intencionalidade normativa é, bem assim, consentânea com o modo abrangente como se encontra formulada a hipótese legal, nela se incluindo o pagamento de acréscimos remuneratórios.
Assim, ao vedar a prática de actos que consubstanciem valorizações remuneratórias, as normas em apreço proíbem o pagamento de acréscimos remuneratórios. Por isso, no que concerne à valorização remuneratória decorrente da obtenção, durante a vigência de tais normas, do título académico de agregado, esses preceitos legais impedem a constituição de uma obrigação de pagamento dos mesmos: se o empregador está legalmente impedido de realizar o pagamento de um acréscimo remuneratório, ao trabalhador é igualmente vedada a possibilidade de exigir dele a realização desse pagamento. Trata-se, bem assim, de uma restrição temporária de efeitos do acto de concessão do título académico de agregado: obtido este durante a vigência da proibição em apreço, o mesmo não produzirá, por virtude dela e durante a sua vigência, qualquer efeito no plano remuneratório.
Os títulos académicos de agregado obtidos durante a vigência das proibições em apreço apenas produziram efeitos no plano remuneratório com a entrada em vigor da Lei n.º 41/2016, de 28 de Setembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, uma vez que, não obstante a prorrogação da vigência do artigo 38.º da LOE 2015, aquele diploma contém uma norma que expressamente salvaguarda o reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título de agregado.
Resulta de quanto se afirmou que, por força do regime orçamental de proibição de valorizações remuneratórias, estava vedada, durante os anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, a promoção do Demandante para a categoria remuneratória de professor-coordenador com agregação, sendo que, em todos aqueles diplomas, o legislador incluiu normas impeditivas da produção de efeitos reportados ao período de vigência das normas proibitivas de valorizações remuneratórias de alterações de posicionamento remuneratório que venham a ocorrer após a cessação da vigência de tais normas (cfr. n.ºs 5 e 17 do artigo 35.º da LOE 2013, n.º 8 do artigo 39.º da LOE 2014, n.º 6 do artigo 38.º da LOE 2015, cujos efeitos vigoraram igualmente em 2016, por força do n.º 1 do artigo 18.º da LOE 2016).
(c) Inconstitucionalidade das normas impeditivas de valorizações remuneratórias
Em abono da sua posição, o Demandante invoca, ainda, a inconstitucionalidade das normas proibitivas de valorizações remuneratórias quando interpretadas no sentido de impedirem o reposicionamento remuneratório dos docentes do ensino superior politécnico decorrente da obtenção do título académico de agregado, por violação do princípio da igualdade.
À luz da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), e conforme tem assinalado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, os tribunais arbitrais são verdadeiros tribunais, participando no exercício da função jurisdicional e, bem assim, exercendo poderes jurisdicionais. Por isso, também os tribunais arbitrais estão impedidos de aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, nos termos previstos no artigo 204.º da CRP.
O Demandante invoca a inconstitucionalidade da proibição de valorizações remuneratórias decorrentes da obtenção do título académico de agregado, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
Em primeiro lugar, o Demandante alega que a proibição do reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título de agregado se afigura susceptível de gerar uma situação de desigualdade entre trabalhadores do Demandado, concretamente entre os docentes que obtiveram o título de agregado antes da entrada em vigor das normas de proibição remuneratória e os que obtiveram o título de agregado no domínio da vigência de tais normas.
Em segundo lugar, o Demandante alega que a proibição do reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título de agregado se afigura susceptível de gerar uma situação de desigualdade entre trabalhadores do Demandado, concretamente entre os docentes que estavam vinculados à instituição aquando da entrada em vigor da proibição e os novos docentes que fossem recrutados durante o mesmo período, por se permitir, nos artigos 60.º da LOE 2013, 56.º da LOE 2014, 56.º da LOE 2015 e 26.º da LOE 2016, o recrutamento de novos docentes com agregação e o respetivo posicionamento na categoria remuneratória de professor-coordenador com agregação.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a proibição de valorizações remuneratórias constante da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (“LOE 2011”) – contida no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro –, incluindo sobre uma situação que, embora distinta, apresenta contornos próximos daquela que subjaz aos presentes autos arbitrais. Pela sua relevância para estes autos, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão proferido em tal processo[2]:
“6. Nos Acórdãos n.ºs 396/2011 e 613/2011, este Tribunal salientou que a adoção de certas medidas conjunturais de política financeira de combate a uma situação de emergência corresponde a uma opção do legislador devidamente legitimado pelo princípio democrático que não viola o princípio da confiança ínsito na ideia de Estado de direito. Nessas medidas incluem-se, designadamente, reduções remuneratórias e, no que agora importa, proibições de valorizações remuneratórias como a que decorre do artigo 24.º, n.º 1, da LOE 2011. Na verdade, como se considerou no Acórdão n.º 237/2014, não tendo este Tribunal, reunido em Plenário, considerado inconstitucional a redução do quantum remuneratório definida pelo artigo 19.º da LEO 2011, «também não será inconstitucional impedir o seu aumento». Conclui-se, desta forma, que a não inconstitucionalidade da vedação de valorizações remuneratórias, nos termos do artigo 24.º, «decorre de um argumento de maioria de razão».
“7. É certo que, por via de normas (ainda que de vigência temporalmente limitada) deste teor, podem ocorrer situações em que, numa mesma unidade orgânica, se encontrem trabalhadores de idêntica categoria, a que correspondem idênticas funções na sua exigência e complexidade, mas que auferem distintas retribuições. Esta constatação é suscetível de convocar a apreciação da questão à luz do princípio da igualdade, na dimensão de igualdade da retribuição, tendo já sido afastadas pela jurisprudência mencionada outras dúvidas de constitucionalidade em face do parâmetro da proteção da confiança.
“8. Contudo, quanto ao problema da igualdade, cumpre salientar duas notas distintas, as quais resultam igualmente de jurisprudência constitucional consolidada. Por um lado, e como se observou no Acórdão n.º 12/2012 (convocado igualmente pelo já citado Acórdão n.º 317/2013),
«(…) a proteção constitucional de progressão na carreira não implica a imposição de a lei ordinária prever uma evolução na carreira do funcionário caracterizada pela sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório. O que decorre dessa garantia constitucional é que a progressão na carreira ocorra com direito às promoções profissionais que a lei determinar no momento em que se verificam os requisitos pessoais para tal necessários.
Cabe, por isso, na margem de liberdade do legislador prever – ou não prever – um sistema de progressão na carreira “automático”, que opere por mero decurso do tempo, pois é bem certo que a Constituição não impõe que o direito de acesso à função pública, do qual decorre o direito a progredir na carreira, tenha de ser assegurado através de um mecanismo de melhoria – automática, por antiguidade – da respetiva remuneração».
“Por outro, e como tem observado o Tribunal Constitucional, a mera diferença de direitos resultantes da sucessão de regimes legais do tempo não convoca a dimensão de censura assacável ao princípio da igualdade. Deste parâmetro apenas resulta a proibição de tratamentos diferenciados sincrónicos e não diacrónicos, sob pena de inadmissível cerceamento da liberdade de conformação do legislador, enquanto espaço autónomo do poder legislativo configurado pela própria Constituição.
“Deste modo conclui-se que, tal como sucedeu no Acórdão n.º 317/2013, na medida em que a nenhum professor com maior antiguidade será atribuída remuneração inferior à de professores de menor antiguidade, o artigo 24.º, n.º 1, da LOE 2011, interpretado no sentido de, por força da aplicação da proibição nele estatuída de valorizações remuneratórias, determinar, em caso transição para a categoria de professor auxiliar pela aquisição do grau de doutor, nos termos decorrentes do artigo 11.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, a impossibilidade de se proceder concomitantemente ao correspondente reposicionamento remuneratório, não viola o princípio da igualdade”.
A doutrina do acórdão citado mantém-se plenamente actual e não merece censura.
No caso vertente, os docentes que obtiveram o título de agregado durante a vigência da proibição de valorizações remuneratórias não estão em situação substancialmente igual aos docentes que obtiveram esse título em momento anterior à entrada em vigor dessas proibições. Sendo diferente o momento em que obtiveram o título académico, seria também distinto o momento em que o correspondente aumento da despesa salarial se verificaria, pelo que, atendendo ao fim visado pela proibição de valorizações remuneratórias (o congelamento da despesa salarial na Administração Pública), havia razão objectiva, não arbitrária, para a diferenciação.
Embora a sucessão de regimes legais se mostre susceptível de gerar situações de desigualdade, importa ter presente que, por regra, o legislador não está impedido de criar situações de desigualdade motivadas pela alteração de regimes legais (mesmo no plano remuneratório, como assinalou o acórdão transcrito), sob pena de inadmissível constrição da sua liberdade de conformação. Esta consideração torna-se especialmente relevante quando aplicada a situações de emergência financeira, como a que se registou no período de vigência das normas em apreço, em que se mostra necessário tomar medidas de natureza orçamental com vista a assegurar a manutenção dos serviços públicos e o funcionamento do Estado.
Por outro lado, deve ser sublinhado que também não se mostra incompatível com o princípio da igualdade o tratamento diferenciado – que não tomamos por garantido – entre os docentes que, tendo obtido a agregação no domínio da vigência das proibições, ficaram impedidos de aceder a categoria remuneratória superior e os docentes que, tendo igualmente obtido a agregação no domínio da vigência das proibições, sejam recrutados nesse período e posicionados na categoria remuneratória a que os primeiros ficaram impedidos de aceder.
Embora uns e outros hajam obtido o título académico no mesmo período, certo é que, em relação aos docentes que já se encontravam vinculados à instituição aquando da concessão desse título, o consequente aumento da despesa salarial seria inevitável, precisamente porque tais docentes já se encontravam vinculados à instituição. Daí que, quanto a este grupo, para prosseguir o fim visado pela proibição de valorizações remuneratórias (o congelamento da despesa salarial no sector público), tenha sido tomada uma providência com vista a impedir o reposicionamento salarial inerente à obtenção do título de agregado. Já quanto aos docentes com agregação que só futura e eventualmente seriam recrutados, não se mostrava necessário, no plano normativo, impedir o seu posicionamento na categoria remuneratória de professor-coordenador com agregação, pois a respectiva contratação configurava uma possibilidade sujeita, em si mesma e na sua globalidade, a apertados limites com vista à prossecução do objectivo de contenção da despesa pública (cfr. artigos 60.º da LOE 2013, 56.º da LOE 2014, 56.º da LOE 2015 e 26.º da LOE 2016).
Na perspetiva do fim visado pela norma, os dois grupos estão em situação desigual – uns estavam já vinculados à instituição aquando da obtenção do título de agregado, com a inerente inevitabilidade do aumento da despesa salarial por virtude da obtenção do título de agregado, enquanto os outros apenas se vincularam à instituição posteriormente à obtenção desse título, em situações excepcionais e em que, no plano normativo, a sua contratação não poria em causa o desiderato de contenção da despesa salarial. Resulta, portanto, que o tratamento diferenciado dos docentes já vinculados face aos novos docentes não se mostra arbitrário, havendo razão objectiva para a diferenciação. Deve, ainda, assinalar-se que as normas em apreço, de natureza orçamental, têm uma vigência temporária, não definitiva, pelo que a desigualdade por elas criada, não sendo arbitrária, não é também definitiva.
A proibição em apreço tinha por finalidade a contenção da despesa pública com remunerações, foi adoptada num contexto de dificuldades financeiras do Estado e poderá ter gerado situações de desigualdade. Todavia, independentemente do mérito do regime adoptado – que não cumpre ao Tribunal apreciar –, a diferenciação operada por meio dele não ofende o princípio da igualdade, não resultando igualmente violado com a aludida proibição qualquer outro parâmetro constitucional.
DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo o Demandado de todos os pedidos formulados.
Os encargos são suportados em partes iguais pelo Demandante e pelo Demandado, nos termos prescritos no artigo 29.º, n.º 5, do Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 27 de Março de 2017.
O Árbitro
Raul Relvas Moreira
[1]Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República proferido em 25.06.2015, disponível em www.dgsi.pt.