Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 37/2016-A
Data da decisão: 2017-02-08  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 6.009,91
Tema: Contrato de trabalho em funções públicas a termo certo
Versão em PDF

 

 

Decisão arbitral

 

I.                 A identificação das partes processuais

1.      A…, doravante designado Demandante, trabalhador em funções públicas, na carreira docente do ensino superior, no B…, residente na Rua … n.º …, na …, intentou acção arbitral contra o C…, unidade orgânica daquela instituição de ensino superior, doravante designado Demandado.

 

II.            A questão controvertida

2.                  O Demandante pediu a anulação de despacho adoptado pelo órgão executivo superior do Demandado que o (i) reposiciona em escalão remuneratório inferior ao acordado no âmbito das funções docentes que exerce em cumprimento de contrato de trabalho em funções públicas celebrados com o Demandado e que implica ainda (ii) a reposição das quantias remuneratórias alegadamente pagas em excesso e (iii) a correcção do valor das prestações remuneratórias futuras.

 

3.                  O objecto do litígio consiste, prima facie, na qualificação do acordo celebrado entre os agora litigantes em 16 de Janeiro de 2014 como um contrato ex novo de trabalho em funções públicas ou como mera renovação do contrato administrativo de provimento a que ambas as partes estavam vinculadas desde 4 de Janeiro de 1993.

 

III.       A tramitação do processo

4.                  O Demandante veio, nos termos da petição inicial, impugnar o despacho …-DRH-… -…/2016, com epígrafe reposição de verbas / correcção de posicionamento remuneratório, adoptado pelo órgão executivo superior do Demandado em 27 de Janeiro de 2016 com fundamento em:

5.                  vício de forma, a saber, (i) falta de fundamentação e (ii) incumprimento do dever de permitir a audiência do interessado, prévia à respectiva adopção, e simultaneamente em

6.                  vício de violação de lei, considerando que (iii) não se verificava impossibilidade legal alguma de renovação do contrato administrativo de provimento que o vinculava ao Demandado, ao invés do alegado por este, e assim sendo o acordo de vontades celebrado em 16 de Janeiro de 2014 não passou de (mais) um acto de renovação do contrato que já vinculava ambas as partes agora litigantes desde 1993, com sucessivas renovações, e por consubstanciar uma (iv) diminuição da sua retribuição enquanto trabalhador em funções públicas.

7.                  Alega ainda o Demandante neste último contexto a extemporaneidade da ordem de reposição dos montantes entretanto pagos porque, segundo a alegação produzida, configurando os sucessivos processamentos de pagamentos actos constitutivos de direitos, estão sujeitas ao regime específico de revogação destes últimos.

8.                  O Demandante requereu, ainda nos termos da petição inicial, a reposição do montante de €272,84 mensais, correspondente à diferença remuneratória entre o escalão definido em contrato e aquele que foi posteriormente fixado pelo Demandado de modo unilateral, não pago desde o momento da adopção do despacho impugnado, acrescido dos juros de mora, alegadamente vencidos e vincendos.

9.                  O Demandado contestou o pedido, invocando a inutilidade superveniente da lide por haver procedido entretanto à anulação administrativa do despacho impugnado.

10.              O Demandante veio, na sequência, alegar que o Demandado procedeu à anulação administrativa do despacho impugnado apenas com intuito de renovar o procedimento administrativo que lhe subjazia e de adoptar um novo despacho a definir o Direito no caso subjacente, exibindo a título de prova o projecto de novo despacho sobre o mesmo assunto que lhe fora notificado para efeito de participação procedimental.

11.              Alegando a subsistência da utilidade da lide, o Demandante requereu a suspensão de instância até que o Demandado proferisse nova decisão administrativa acerca do assunto sub judice, com ulterior prosseguimento dos autos contra esta última.

12.              O Demandado comunicou ao Tribunal não se opor à suspensão de instância, reservando, no entanto, o direito a contestar o teor dos eventuais novos articulados.

13.              O Demandado adoptou, em 8 de Julho de 2016, o despacho …-DRH-… -…/2016 mediante o qual renovava a definição do Direito aplicável ao Demandante no caso sub judice nos seguintes termos: (i) “anulação dos actos de processamento do docente A… praticados entre 16/01/2014 e 31/12/2015, nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 117.º da Lei n.º 12[-A]/2008 e dos n.ºs 1 e 4 da alínea c) do artigo 168.º do CPA” e (ii) “imposição ao docente A… da reposição das quantias indevidamente auferidas no período supra indicado, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, mediante o pagamento da competente Guia de Reposição”.

14.              O Demandante apresentou nova petição, mediante a qual requereu a novação do processo judicial em curso e a respectiva prossecução contra o novel despacho do Demandado mencionado no parágrafo anterior, nos termos do artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

15.              O Demandado renovou a contestação alegando, em suma, que (i) em 16 de Janeiro de 2014, Demandante e Demandado celebraram ex novo um contrato de trabalho em funções públicas e não uma mera renovação do anterior contrato administrativo de provimento que os vinculava desde 1993 e ainda que (ii) a cláusula determinante do montante da remuneração da prestação de trabalho integrante do respectivo clausulado é nula por violação de lei.

 

16.              O Tribunal Arbitral foi constituído e o árbitro designado nos termos consagrados nos artigos 15.º e seguintes do Regulamento de Arbitragem.

17.              Conclusos os articulados, foi o processo submetido ao arbitro para os efeitos mencionados no artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem.

18.              Considerando a novação do processo ocorrida em 2 de Agosto de 2016, com o pedido do Demandante de prossecussão do processo contra o despacho mencionado no §13, nos termos do artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e considerando ainda o pedido acessório no sentido de se poder pronunciar quanto aos fundamentos do novo acto administrativo adoptado pelo Demandado, o árbitro designado proferiu despacho inicial em cujos termos concedeu a ambas as partes prazos sucessivos de dez (10) dias para se pronunciarem sobre o assunto, querendo.

 

19.              O Ex.mo mandatário do Demandante, em resposta ao solicitado no despacho inicial, veio alegar, em suma, que os actos impugnados, isto é, ordem de reposição de verbas e correção (redução) de índice remuneratório, devem ser anulados por verificação dos seguintes vícios de violação de lei:

i) erro sobre os pressupostos de Direito, pressuposto que, a partir de 16 de Janeiro de 2014, o Demandante, por haver celebrado um novo contrato, teria que estar abrangido pelo índice remuneratório base,

ii) violação do princípio da irredutibilidade da retribuição base,

iii) extemporaneidade da ordem de reposição de dinheiro por haver prescrito o direito à reposição em virtude de se tratar de um acto constitutivo de direitos,

iv) a haver anulação dos actos de processamento da remuneração deverá produzir efeitos apenas para o futuro.

20.              Consequentemente a este rol de alegações, vem pedir que (i) sejam declaradas extintas a ordem de reposição de remunerações pagas e a ordem de correcção/redução do índice remuneratório e ainda (ii) o pagamento dos montantes remuneratórios alegadamente retidos, referentes aos meses de Janeiro de 2016 até ao momento, assim como as remunerações vindouras.

21.              O Ex.mo mandatário do Demandado, na sequência, veio alegar o seguinte:

i) o contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre os agora litigantes em 16 de Janeiro de 2014 é um contrato distinto, independente e autónomo do contrato administrativo de provimento que os vinculou reciprocamente em momento anterior e que entretanto caducou por verificação do prazo resolutivo,

ii) a cláusula contratual em cujos termos está fixada a remuneração do agora Demandante é nula por violação de lei na medida em que “os contratos de trabalho são celebrados para as carreiras, categorias e posições remuneratórias de ingresso, previstas na lei, em regulamento ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em vigor”,

iii) o agora Demandante auferiu quantias indevidas por força da mencionada cláusula contratual,

iv) o acto administrativo que determinou a restituição das quantias alegadamente indevidas é valido, uma vez que (α) estão preenchidos os requisitos de aplicação da alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA e (β) o direito à repisação ainda não está prescrito.

22.              Vem o Demandado, nestes termos, pedir que seja a acção julgada improcedente.

 

IV.        O saneamento do processo

23.              O Tribunal Arbitral permanece regularmente constituído, é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, atendendo a que o Demandado consentiu previamente na sua vinculação ao Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do Despacho …/P/…/2001.

24.              As partes mantêm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

25.              A acção arbitral está proposta nos termos legais e regulamentares.

26.              O valor da causa é fixado em €6009,01.

27.              O processo é o próprio e afigura-se ainda válido.

28.              Cabe decidir.

 

V.             Os factos relevantes

29.              O Tribunal arbitral considera provados os seguintes factos:

a)                  O Demandante iniciou uma actividade de docente do ensino superior ao serviço do Demandado em 4 de Janeiro de 1993,

b)                 Ao momento de inicio de funções, Demandante e Demandado celebraram um contrato administrativo de provimento, instrumento jurídico que à data constituía o mecanismo legal adequado a investir uma pessoa humana no exercício de funções públicas por tempo certo e determinado,

c)                  O contrato administrativo de provimento celebrado em 4 de Janeiro de 1993 equiparava o agora Demandante no exercício das suas funções docentes à categoria funcional de Assistente de 2.º triénio,

d)                 O contrato administrativo de provimento foi anual e sucessivamente renovado até 3 de Janeiro de 2010,

e)                  Em 4 de Janeiro de 2010, os agora litigantes alegadamente celebraram um contrato de trabalho em funções públicas a termo certo resolutivo, destinado a legitimar a manutenção do agora Demandante no exercício das funções de docente do ensino superior que desempenhava ao serviço do agora Demandado desde 1993,

f)                  A celebração do contrato de trabalho em funções públicas em 4 de Janeiro de 2010 constituiu apenas um expediente jurídico adequado a assegurar a manutenção do vínculo jurídico de exercício de funções docentes a que os litigantes estavam adstritos desde 4 de Janeiro de 1993, em virtude da nova regulação legal do exercício de funções docentes do ensino superior consagrada pelo Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, conforme reconhecido por ambas as partes, agora litigantes, nos termos da cláusula primeira, in fine, do contrato em apreço,

g)                 Os agora litigantes convencionaram, em 4 de Janeiro de 2010, a equiparação do agora Demandante no exercício das mencionadas funções docentes à categoria contratual de Assistente de 2.º triénio, nos termos da cláusula segunda do mesmo contrato,

h)                 Os agora litigantes convencionaram ainda que a remuneração base mensal do agora Demandante seria a correspondente a 50% do índice 150-2/3-50, escalão 3, conforme previsto no anexo n.º 2 ao Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro, que à data correspondia ao montante de oitocentos e dezoito euros e quarenta e um cêntimos (€818,41), com direito aos subsídios de Natal e de férias e outras atribuições patrimoniais, nos termos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e da Lei n.º 59/2008, de 11 de Novembro, bem como ao subsídio de refeição normalmente atribuído aos trabalhadores que exercem funções públicas, conforme estipulado nos termos da cláusula sexta do mesmo contrato,

i)                   O contrato de trabalho em funções públicas em apreço foi renovado anual e sucessivamente até ao dia 3 de Janeiro de 2014,

j)                   Em 24 de Setembro de 2013, o agora Demandado notificou o agora Demandante que o contrato de trabalho em funções públicas que vinculava a ambos cessaria a sua vigência em 3 de Janeiro de 2014 e não seria renovado, alegadamente por impossibilidade legal,

k)                 Em 16 de Janeiro de 2014, as partes agora litigantes alegadamente celebraram um contrato de trabalho em funções públicas, para exercício de funções docentes de ensino superior pelo Demandante ao serviço do Demandado, a termo certo resolutivo,

l)                   Os agora litigantes convencionaram, desta feita, que o agora Demandante exerceria as mesmas funções docentes na qualidade de Assistente Convidado, nos termos da cláusula segunda do contrato em apreço,

m)               Os agora litigantes convencionaram ainda que a remuneração base mensal do agora Demandante seria a correspondente a 50% do índice 150-2/3-50, escalão 3, conforme previsto no anexo n.º 2 ao Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro, que à data correspondia ao montante de oitocentos e dezoito euros e quarenta e um cêntimos (€818,41), com direito aos subsídios de Natal e de férias e outras atribuições patrimoniais, nos termos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e da Lei n.º 59/2008, de 11 de Novembro, bem como ao subsídio de refeição normalmente atribuído aos trabalhadores que exercem funções públicas, conforme estipulado nos termos da cláusula sexta do mesmo contrato,

n)                 O Demandante exerceu, assim, funções docentes ao serviço do Demandado desde o dia 4 de Janeiro de 1993 até, pelo menos, ao momento da propositura da acção, embora, prima facie e alegadamente, investido contratualmente em categorias funcionais diversas, consoante os vários momentos em que prestou essa actividade,

o)                 Em 11 de Janeiro de 2016, o Sr. Presidente do agora Demandado convocou o agora Demandante para uma reunião durante a qual lhe deu conhecimento que na sequência de um despacho proferido pelo Sr. Presidente do B…, instituição de ensino superior da qual o agora Demandado constitui unidade orgânica, seria reposicionado no índice remuneratório correspondente ao 1.º escalão da sua categoria contratual, isto é, Assistente Convidado, ou seja, no índice 100 da estrutura retributiva,

p)                 O Sr. Presidente do agora Demandado mais informou que a mencionada correção remuneratória produziria dois efeitos: (i) o dever de repor as quantias remuneratórias alegadamente pagas em excesso desde a celebração do contrato como Assistente Convidado e (ii) a correcção para o futuro, e com efeitos imediatos, das remunerações do agora Demandante que passariam a ser calculadas por referência ao índice 100,

q)                 A remuneração do agora Demandante referente ao mês de Janeiro de 2016 foi calculada e paga por referência ao índice 100,

r)                  A nova fórmula de cálculo da remuneração devida ao Demandante implicou a redução da remuneração base do montante acordado de oitocentos e dezoito euros e quarenta e um cêntimos (€818,41; cfr. supra, m)) para o montante de quinhentos e quarenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos (€545,61),

s)                  Em 27 de Janeiro de 2016, o Sr. Presidente do agora Demandado emitiu o ofício …-DRH-… -…/2016, subordinado ao assunto reposição de verbas / correcção de posicionamento remuneratório, mediante o qual enviou ao agora Demandante a guia de reposição n.º …/2016 que o intimava a devolver os montantes remuneratórios que alegadamente lhe foram pagos em excesso entre 1 de Fevereiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, quantia fixada em cinco mil, cento e oitenta e seis euros e sessenta e um cêntimos (€5.186,61),

t)                   Em 29 de Fevereiro de 2016, o agora Demandante requereu a suspensão de eficácia da ordem de reposição,

u)                 Na mesma data, o Sr. Presidente do agora Demandado suspendeu a eficácia da ordem de reposição em apreço,

v)                 Em 13 de Maio de 2016, o Sr. Presidente do agora Demandado adoptou o despacho …/P/…/2016 mediante o qual determinou a anulação administrativa da decisão de reposição de verbas / correcção de posicionamento remuneratório, adoptada em 27 de Janeiro de 2016 e, na sequência,

w)               Em 20 de Maio de 2016, notificou o agora Demandante, para efeitos de participação procedimental, do projecto de novo despacho que definia em termos renovados a sua situação jurídica no caso subjacente,

x)                 Em 8 de Julho de 2016, o Sr. Presidente do agora Demandado adoptou o despacho n.º …-DRH-… -…/2016 que definia a situação jurídica do agora Demandante no caso sub judice nos seguintes termos: (i) anulação dos actos de processamento remuneratório adoptados entre 16 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, (ii) imposição do dever de reposição das quantias alegadamente indevidamente auferidas no mesmo período de tempo, fixadas em cinco mil, cento e oitenta e cinco euros e vinte cêntimos (€5.185,20), a cumprir no prazo de trinta (30) dias.

30.              O Tribunal Arbitral considerou provados os factos acima mencionados com fundamento nos documentos apresentados pelas partes.

 

 

 

VI.        O Direito

31.              O Demandante exerce funções docentes do ensino superior ao serviço do Demandado desde o dia 4 de Janeiro de 1993.

32.              O Demandante e o Demandado estiveram vinculados por um contrato administrativo de provimento entre aquela data e o dia 31 de Agosto de 2009.

33.              O contrato administrativo de provimento legitimava o agora Demandante a exercer as suas funções em regime de equiparado a Assistente de 2.º triénio.

34.              O contrato administrativo de provimento que vinculava Demandante e Demandado a 31 de Agosto de 2009 foi convertido ope legis, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, em contrato de trabalho em funções públicas.

35.              O Demandante e o Demandado passaram a estar vinculados por um contrato de trabalho em funções públicas desde o dia 1 de Setembro de 2009, data da entrada em vigor do diploma legal mencionado no § anterior, nos termos do respectivo artigo 18.º

36.              O contrato de trabalho em funções públicas resultou de mera conversão ope legis do contrato administrativo de provimento que, à data, vinculava Demandante e Demandado e não de qualquer manifestação de vontade das partes nesse sentido.

37.              A expressão novo contrato empregue pelo legislador no enunciado linguístico do corpo do referenciado artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207/2009 deve ser interpretada no sentido de contrato com natureza renovada e não como um contrato celebrado ex novo entre as partes contratuais vinculadas ao contrato em vigor à data.

38.              O entendimento agora formulado resulta, desde logo, da interpretação do preceito, na medida em que ao estatuir que “a duração do novo contrato e o regime de prestação de serviço correspondem aos termos fixados no contrato administrativo de provimento que actualmente detêm” (alínea a)) e que “o tempo já decorrido na situação de contrato administrativo de provimento é contabilizado no âmbito do novo contrato” (alínea b)), o legislador quis salvaguardar a continuidade, a integridade e a intangibilidade da relação jurídica existente à data da conversão ope legis do contrato administrativo de provimento em contrato de trabalho em funções públicas.

39.              O entendimento agora formulado é o único que reconstitui a partir dos preceitos do Decreto-Lei n.º 207/2009 o pensamento do legislador, atendendo ao anunciado objectivo de “fixar um largo período de transição para que os actuais equiparados a docentes possam adquirir as qualificações necessárias ao ingresso na carreira” (cfr. preâmbulo do diploma).

40.              O entendimento agora formulado decorre também da interpretação sistemática do preceito em coerência com o princípio da confiança, enquanto “princípio fundamental em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos” e que “explica a força vinculativa do contrato” (neste sentido, cfr. J. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Coimbra, Livraria Almedina, 1986, p. 228/229), acolhido também no Código dos Contratos Públicos, nos termos do seu artigo 286.º

41.              O entendimento agora formulado decorre também do princípio da continuidade do exercício de funções públicas, consagrado no artigo 11.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

42.              O entendimento agora formulado decorre por outro lado do princípio da continuidade do contrato de trabalho, acolhido no artigo no 157.º do Código do Trabalho.

43.              A interpretação adoptada é ainda a única interpretação conforme à Constituição do mencionado artigo 6.º, n.º 1, na medida em que é a única interpretação do preceito que assegura aos trabalhadores, neste caso em funções públicas (neste contexto, recordamos que “num Estado de Direito os funcionários públicos, no âmbito de uma relação jurídica de emprego público, são também trabalhadores”; neste sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, anotação IX ao artigo 53.º), o gozo do direito fundamental à segurança no emprego na plenitude do seu conteúdo.

44.              Com efeito, se considerarmos que “o direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, o seu âmbito de protecção abrange também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade de relação de trabalho” (neste sentido, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, anotação X ao artigo 53.º), qualquer interpretação do preceito em sentido diverso determinaria que a alteração legislativa da qualificação do vínculo laboral fosse causa de descontinuidade da relação jurídica subjacente.

45.              O contrato de trabalho em funções públicas alegadamente celebrado em 4 de Janeiro de 2010 deve assim ser entendido como um mero acordo de renovação do contrato de trabalho em funções públicas que já vinculava ambas as partes à data na medida em que, como fundamentado anteriormente, era, desde 1 de Setembro de 2009, já essa a natureza do contrato em vigor.

46.              Com efeito, as declarações negociais dos agora Demandante e Demandado valem neste caso com o sentido de declaração de vontade de renovação do contrato de trabalho em funções públicas que à data já as vinculava sinalagmaticamente porque era essa a vontade real de ambas as partes (cfr. artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil) expressa nos termos da cláusula sexta do contrato (cfr. supra §29 h)).

47.              O contrato de trabalho em funções públicas que vinculava ambas as partes desde o dia 1 de Setembro de 2009 e que equiparava o agora Demandante a Assistente de 2.º triénio no exercício de funções docentes ao serviço do agora Demandado era passível de renovação, ou eventualmente de renovações anuais ou bienais sucessivas, durante o período transitório de seis anos estipulado nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 207/2009, expediente que o legislador consagrou como medida adequada a assegurar o objectivo de fixar um largo período de transição para que os equiparados a docentes pudessem adquirir as qualificações necessárias ao ingresso na carreira (cfr. supra, § 39).

48.              Assim sendo, nem à data de 24 de Setembro de 2013, nem à data de 4 de Janeiro de 2014, se verificava qualquer impossibilidade legal de renovação do contrato de trabalho em funções públicas com equiparação do docente, agora Demandante, a Assistente de 2.º triénio.

49.              A consagração pelo legislador de um período transitório de seis anos durante o qual seria possível a renovação do contrato de trabalho em funções públicas dos docentes equiparados a professor ou a assistente nos seus precisos termos (cfr. artigo 6.º, n.º 1, a) do Decreto-Lei n.º 207/2009), implica, no que releva para o caso sub judice, o direito à manutenção da categoria contratual de equiparado a Assistente de 2.º triénio pelo Demandante até final do período transitório, caso continuasse a exercer funções ao serviço do agora Demandado.

50.              O direito do Demandante à manutenção da categoria contratual durante o período transitório releva na medida em que esse estatuto laboral lhe confere direitos preferenciais de ingresso na carreira docente do ensino superior politécnico, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009 (quer na redacção original, quer na redacção, de conteúdo mais favorável aos docentes, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio).

51.              Ao oferecer ao Demandante uma proposta de contrato de trabalho em funções públicas com a categoria de Assistente Convidado quando era ainda legalmente possível a renovação do contrato que os vinculava sinalagmaticamente, o Demandado obteve o efeito útil de continuar a beneficiar da prestação de trabalho daquele,

52.              Contudo, privou-o da titularidade de uma categoria contratual que lhe conferia, durante um período transitório de seis anos, (i) o direito à renovação do contrato e ainda (ii) direitos preferenciais de ingresso na carreira decente a que estava equiparado no exercício das suas funções.

53.              Ao confrontar o Demandante com uma proposta lesiva dos seus direitos laborais, o Demandado violou, em última análise, o direito fundamental deste último à segurança no emprego (cfr. supra).

54.              A possibilidade de celebração de um novo contrato de trabalho em funções públicas entre Demandante e Demandado, como alega o Demandado ser a natureza do acordo celebrado em 16 de Janeiro de 2014, só é aceite pelo legislador após o termo final do período transitório consagrado no artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 207/2009, se ambas as partes coincidirem nessa vontade.

55.              O Demandado violou ainda o dever de informação sobre os aspectos relevantes do contrato de trabalho imposto ao empregador, nos termos do artigo 106.º do Código do Trabalho, aplicável no caso sub judice por força do disposto nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

56.              Com efeito, uma entidade empregadora que dispõe de um serviço de recursos humanos profissionalizado deve, em cumprimento do dever de informação mencionado, facultar ao trabalhador toda a informação necessária ao conhecimento dos direitos e deveres a que fica adstrito na relação laboral.

57.              Neste contexto, o Demandado, dispondo de um serviço de recursos humanos, em primeiro lugar, não devia ignorar a diversidade de regimes remuneratórios consagrada pelo legislador consoante o trabalho fosse prestado como equiparado a Assistente ou como Assistente Convidado.

58.              Ainda neste contexto, o Demandado estava obrigado a informar o Demandante das consequências remuneratórias resultantes da celebração ex novo de um contrato que lhe conferia a categoria de Assistente Convidado, de modo a que este pudesse haver formulado uma vontade livre e esclarecida na aceitação.

59.              Assim, a alegação produzida pelo Demandado no sentido do contrato de trabalho em funções públicas que previa a categoria funcional de Assistente Convidado haver sido celebrado voluntariamente por Demandante e por Demandado em 16 de Janeiro de 2004 não procede porque o Demandado não forneceu ao Demandante toda a informação pré-contratual a que estava obrigado.

60.              Com efeito, não é mero lugar comum dizer que “entre o candidato ao emprego, para quem este constitui, normalmente uma necessidade vital, não apenas em termos económicos, mas também sociais, e o candidato a dador de emprego que, em regra, poderá facilmente substituir aquele candidato ao emprego por outro, sobretudo num clima de desemprego generalizado como o presente, não existe qualquer igualdade material e é evidente a extrema vulnerabilidade do primeiro” (neste sentido, JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 337/338).

61.              O contrato de trabalho em funções públicas que Demandante e Demandado celebraram em 16 de Janeiro de 2014 é, assim, nulo, por violação de normas legais de caracter imperativo, nos termos do artigo 294.º do Código Civil.

62.              O contrato de trabalho em funções públicas que conferia ao Demandante a categoria funcional de Assistente Convidado é passível de conversão em acordo de renovação do contrato de trabalho em funções públicas que já vinculava às partes à data e que equiparava o Demandante a Assistente de 2.º triénio.

63.              Com efeito, estão reunidos todos os pressupostos exigidos nos termos do artigo 294.º do Código Civil para a conversão do negócio jurídico, a saber, (i) o acordo celebrado em 16 de Janeiro de 2014 observa os requisitos essenciais de substância e de forma necessários ao acordo de renovação e

64.              Além disso, (ii) resulta do teor das cláusulas primeira, terceira e sétima que os agora litigantes desejaram manter a relação laboral entre Demandante e Demandado, independentemente do instrumento jurídico mais adequado para a prossecução desse fim.

65.              O Demandante continuou, assim, a exercer funções docentes ao serviço do Demandado por equiparação a Assistente de 2.º triénio, devendo este reconhecer-lhe todos os direitos inerentes à categoria funcional mencionada, nomeadamente o direito à remuneração pelos montantes contratualmente acordados, pelo que

66.              Além da unicidade da relação jurídica de emprego público entre Demandante e Demandado e da imutabilidade do respectivo conteúdo, foi a mesma constituída por um único instrumento jurídico, o contrato gerado ope legis em 1 de Setembro de 2009 e sucessivamente renovado, sendo este o único contrato que vincula as partes no contexto da relação jurídica sub judice.

67.              Assim sendo, a alegação do Demandado no sentido de as regras legais vigentes estabelecerem que, na celebração de novo contrato, deve ser atribuída ao trabalhador em funções públicas a posição remuneratória de ingresso não procede porque não se verifica o pressuposto invocado: a celebração de novo contrato.

68.              Questão diversa configuram as renovações do contrato de trabalho em funções públicas sub judice ocorridas após o dia 31 de Agosto de 2015, na medida em que o mesmo não era passível de renovação após o termo do período transitório de seis anos consagrado nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 207/2009.

69.              Os acordos de renovação do contrato sub judice celebrados posteriormente a esta data são, assim, nulos por violarem normas legais de caracter imperativo, nos termos do artigo 294.º do Código Civil.

70.              Contudo, o Demandante continuou a exercer funções docentes ao serviço do Demandado até, pelo menos, ao momento da propositura da acção, pelo que

71.              O vínculo de emprego público que os unia continuou a produzir efeitos como válido durante o tempo em que continuou a ser executado, com limite máximo do trânsito em julgado da presente decisão arbitral, nos termos do artigo 53.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

72.              O despacho …-DRH-… -…/2016, inicialmente impugnado pelo agora Demandante, foi anulado pelo agora Demandado em momento posterior à propositura da presente acção, pelo que importa, no presente contexto, circunscrever a nossa análise à legalidade do despacho …-DRH-… -…/2016, adoptado também pelo Demandado em substituição do primeiro.

 

VII.   O Direito, em especial a ilegalidade do despacho …-DRH-… -…/2016

73.              Assim, analisados os factos e subsumidos os mesmos às regras de Direito vigentes, podemos extrair as seguintes conclusões no que concerne à legalidade do despacho impugnado:

74.              O despacho …-DRH-… -…/2016 foi (i) adoptado com base em erro sobre os pressupostos de Direito quanto à validade do contrato de trabalho em funções públicas que vinculava Demandante e Demandado desde o dia 1 de Setembro de 2009 porque este contrato manteve a validade nos seus precisos termos até ao dia 15 de Janeiro de 2016 (cfr. supra, §61 a §66) e, após essa data, continuou a produzir efeitos como válido (cfr. supra, §70).

75.              O despacho impugnado (ii) configura, por outro lado, uma diminuição da retribuição do Demandado sem que existisse suporte legal legitimador da adopção de tal medida pelo Demandante, ao arrepio de um direito reconhecido ao trabalhador nos termos do artigo 72.º, n.º 1, d) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

76.              Com efeito, o caso sub judice não é passível de subsunção ao regime consagrado no artigo 117.º n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, porque entre Demandante e Demandado não foi celebrado novo contrato de trabalho em funções, apenas se verificou a conversão ope legis de um contrato de provimento já vigente (cfr. supra, §34 e ss.) e, posteriormente, sucessivos acordos de renovação deste mesmo contrato (cfr. supra, §45 e ss.).

77.              O despacho impugnado, ao anular os sucessivos actos de processamento da remuneração do agora Demandante adoptados pelo Demandado entre 16 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, foi ainda (iii) adoptado com base em erro sobre os pressupostos de Direito quanto à validade dos actos administrativos anulados.

78.              Com efeito, o Demandado procedeu à anulação administrativa de vários actos administrativos de processamento remuneratório que havia adoptado anteriormente com fundamento numa alegada ilegalidade da cláusula contratual que fixava a remuneração do Demandado.

79.              Contudo, a alegada ilegalidade não se verificava porque o montante processado mensalmente a título remuneratório correspondia ao montante legalmente estabelecido para a categoria funcional de Assistente de 2.º triénio, à qual o Demandante estava válida e eficazmente equiparado no exercício de funções docentes, conforme fundamentado anteriormente (cfr. supra, §45 a §67).

80.              Assim sendo, no momento em que o Demandado adoptou o despacho …-DRH-… -…/2016 não estava preenchido o pressuposto legal essencial para a anulação dos actos anulados: a ilegalidade destes últimos (cfr. artigo 165.º, n.º 2, in fine, do Código do Procedimento Administrativo).

81.              O despacho impugnado, ao exigir a devolução de remunerações processadas com fundamento legal e correctamente pagas, vem criar na esfera jurídica do Demandado uma obrigação pecuniária não prevista na lei.

82.              Os actos administrativos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei são nulos, nos termos do artigo 161.º, n.º 1, k) do Código do Procedimento Administrativo).

 

 

VIII.          A decisão

A. Considerando aos factos provados e subsumidos os mesmos às regras de Direito vigentes, julgo a presente acção procedente, pelo que declaro nulo o despacho …-DRH-… -…/2016, adoptado pelo Demandado em 8 de Julho de 2016.

B. Assim, nos termos do artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, declaro que (i) o Demandante não está sujeito ao dever de restituir o montante pecuniário exigido pelo Demandado nos termos do despacho impugnado e agora declarado nulo e ainda que

C. O Demandado fica ainda, nos termos do mesmo preceito legal, obrigado ao processamento e ao pagamento ao Demandante da remuneração base mensal no montante correspondente a 50% do índice 150-2/3-50, escalão 3, pelo seu trabalho como docente do ensino superior politécnico, conforme previsto no contrato de trabalho em funções públicas vigente entre os agora litigantes, até ao final do período transitório estabelecido nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 207/2009.

D. O Demandado fica assim obrigado, nomeadamente, ao pagamento ao Demandante do montante correspondente à diferença entre o valor mencionado no § anterior e o montante efectivamente pago a título de remuneração base nos meses de Janeiro de 2016 e subsequentes.

 

Os encargos processuais são suportados pelo Demandante e pelo Demandado em partes iguais, nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do Regulamento de Arbitragem.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2017,

O árbitro

 

 

(José Lucas Cardoso)