Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 33/2016-A
Data da decisão: 2017-01-25  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 3.002,81
Tema: Relação jurídica de emprego público – índice remuneratório
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I.  RELATÓRIO

1.  A…, com o número de identificação fiscal …, e residente na Rua…, …, …, …  , …, veio instaurar neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a presente ação contra o B…, com o número de identificação de pessoa coletiva…, com sede em Rua…, …, …-… …, peticionando a constituição do tribunal arbitral, com a causa de pedir constante do articulado da petição inicial, em que, em suma, alega que o “ato administrativo praticado pelo Requerido na comunicação de 27 de janeiro de 2016 é inconstitucional e ilegal”.

2.  Citado o Demandado, o mesmo alegou que, na pendência do requerimento para a constituição arbitral, o Demandado procedeu à anulação administrativa do conteúdo decisório do ato administrativo identificado na petição inicial, referente a “reposição de verbas/ Correção de posicionamento remuneratório”.

3.  Em 20.04.2016, foi proferido ato administrativo - Despacho com a Ref.ª B…/P/…/2016 -, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se determinou a “anulação administrativa, para todos os efeitos e consequências legais, do conteúdo decisório constante dos ofícios de notificação, datados de 27 de Janeiro de 2016, referentes a reposição de verbas/correção de posicionamento remuneratório que se discriminam (…) A…”.

4.  E, em 26.04.2016 foi proferido Projeto de Despacho com o número mecanográfico B…-DRH-… -…/2016, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se propôs decidir “a reposição das quantias indevidamente auferidas, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea c) do artigo 168.º do CPA”.

5.  Em 30.08.2016 foi proferido Despacho com o número mecanográfico B… -DRH-… -…/2016, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se determinou a “Anulação dos atos de processamento de vencimento do docente A… praticados entre 22/01/2014 e 31/12/2015, nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 117.º da Lei 12/2008 e dos n.ºs 1 e 4 da alínea c) do artigo 168.º do CPA” e a “Imposição ao docente A… da reposição das quantias indevidamente auferidas no período supra indicado, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, mediante o pagamento da competente Guia de Reposição”.

6.  Foi proferido despacho inicial, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, do Regulamento de Arbitragem, convidando-se ambas as Partes a esclarecerem e/ou requerem o que tiverem conveniente.

7.  Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, veio o Demandante requerer o prosseguimento do processo arbitral contra o novo ato, mais alegando que o mesmo padece das mesmas ilegalidades.

8.  Foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 24.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa.

9.  Em sede de alegações escritas, com relevo para o objeto do litígio, e quanto à ineficácia retroativa do ato administrativo, alegou o Demandante que existiu um erro exclusivo do Demandado, sustentando ainda que a lei não atribuiu efeito retroativo ao ato de reposição de verbas, não servindo para este efeito o disposto no Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de julho.

10.           Sustentou, ainda, que não estão preenchidos os pressupostos legais para a reposição de verbas, considerando que o ato administrativo praticado pelo Demandado é inconstitucional e ilegal, por aplicação analógica do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

11.           Nas alegações apresentadas pelo Demandado, sustenta este que a determinação do valor da remuneração é um ato administrativo de conteúdo vinculado, motivo pelo qual, o Demandante recebeu quantias indevidas.

12.           Sustentou, ainda, que a exigência da restituição de quantias indevidamente recebidas decorre diretamente do disposto nos artigos 36.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de julho.

 

II.  PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Mantêm-se os pressupostos processuais já apreciados aquando da prolação do despacho inicial, sendo o Tribunal Arbitral competente e regularmente constituído.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são partes legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

III.  OBJETO DO LITÍGIO

É objeto do litígio dos presentes autos a apreciação da legalidade do ato administrativo praticado pelo Presidente do Demandado em 30.08.2016, que determinou a Anulação dos atos de processamento de vencimento do docente A… praticados entre 22/01/2014 e 31/12/2015, designadamente, no que concerne aos efeitos jurídicos do ato de reposição, na medida em que determina a Imposição ao docente A… da reposição das quantias indevidamente auferidas no período supra indicado.

 

IV.  QUESTÕES A DECIDIR

A única questão objeto da presente ação é a verificação dos pressupostos para a anulação administrativa dos vencimentos auferidos desde 22 de janeiro de 2014 até 21 de janeiro de 2016, e dos efeitos jurídicos da aludida anulação administrativa, designadamente do direito do Demandado à reposição das quantias indevidamente pagas ao Demandante.

 

V.  FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando os meios prova admissíveis em direito, designadamente, os documentos juntos aos autos pelas partes, considerando ainda factos admitidos por acordo, confessados e provados por documentos, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para o objeto do litígio:

1.  Em 22.01.2014, Demandante e Demandado celebraram um Contrato de Trabalho em Funções Públicas para a categoria de “assistente convidado”, tendo sido aplicado o índice remuneratório: 140.

2.  A partir de 22.01.2014 e até 21.01.2016, a categoria do Demandado foi a de “Assistente Convidado a 30 % em B..., Relação Contratual: CTFP – Termo Resolutivo Certo”.

3.  Em 27.01.2015, foi comunicado ao Demandante que a “a posição remuneratória em que se encontrava foi considerada incorreta” e “(…) a partir de 01/01/2016 foi corrigida a posição remuneratória, ficando situado no escalão 1, Índice 100” – documento n.º 1 junto com a petição inicial.

4.  Foi emitida a Guia de reposição n.º …/2016 referente à reposição dos valores recebidos indevidamente, durante o período de 22/01/2014 até 31/12/2015, no valor de € 3.000,81 (três mil euros e oitenta e um cêntimo) – vide procedimento administrativo instrutor junto aos autos.

5.  Em 20.04.2016, foi proferido o Despacho com a Ref.ª B…/P/…/2016, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se determinou a “anulação administrativa, para todos os efeitos e consequências legais, do conteúdo decisório constante dos ofícios de notificação, datados de 27 de Janeiro de 2016, referentes a reposição de verbas/correção de posicionamento remuneratório que se discriminam (…) A…”.

6.  A Guia de Reposição n.º …/2016, foi anulada.

7.  Em 26.04.2016 foi proferido Projeto de Despacho com o número mecanográfico B…-DRH-… …/2016, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se propôs decidir “a reposição das quantias indevidamente auferidas, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea c) do artigo 168.º do CPA”, o qual foi notificado ao Demandante.

8.  Em 30.08.2016 foi proferido Despacho com o número mecanográfico B…-DRH-… -…/2016, da autoria do Exmo. Sr. Presidente do Demandado, através do qual se determinou a: “Anulação dos atos de processamento de vencimento do docente A… praticados entre 22/01/2014 e 31/12/2015, nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 117.º da Lei 12/2008 e dos n.ºs 1 e 4 da alínea c) do artigo 168.º do CPA”; e a “Imposição ao docente A… da reposição das quantias indevidamente auferidas no período supra indicado, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, mediante o pagamento da competente Guia de Reposição”.

9.  Foi emitida a Guia de Reposição n.º …/2016, a qual foi notificada ao Demandante – vide procedimento administrativo instrutor junto aos autos.

 

VI.          FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão a proferir, considera-se não provado o seguinte facto: “O Requerente exerce as funções de professor para o Demandado desde 30 de Setembro de 1993, tendo o número mecanográfico…”.

 

 

VII.       MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos constantes dos pontos 1., 2. e 3. alegados pelo Demandante na petição inicial resultaram provados em face da sua confissão das partes a este respeito, bem como do teor dos documentos não impugnados juntos com os articulados, e não impugnados. Os factos constantes dos pontos 4. a 9 da matéria de facto resultaram do alegado em sede de contestação bem como da junção do procedimento administrativo instrutor.

Quanto ao facto considerado não provado, não foi junto pelo Demandante qualquer meio prova, designadamente documental, sobre o mesmo.

 

VIII.     FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A única questão objeto da presente ação é a verificação dos pressupostos para a anulação administrativa dos vencimentos auferidos desde 22 de janeiro de 2014 até 21 de janeiro de 2016, e dos efeitos jurídicos da aludida anulação administrativa, designadamente do direito do Demandado à reposição das quantias indevidamente pagas ao Demandante.

Com efeito, caso a legalidade do ato administrativo de correção da posição remuneratória tivesse sido posta em causa, deveria ter sido impugnado, de forma autónoma, com expressa alusão aos vícios que o mesmo padece, resultando, pelo contrário, da petição inicial, que o Demandante se conformou com a alteração da posição remuneratória, porquanto “(…) a remuneração do Requerente passou do Índice 140 para o Índice 100, o que resultou na diminuição de € 424,51 para € 303,23 mensais líquidos. Sobre esta situação, sustentada numa informação do B… e num relatório do Tribunal de Constas, nada haverá a fazer, por muito que se discorde” – veja-se o alegado nos artigos 7.º e 8.º da petição inicial.

De todo o modo, sempre se diria que a reposição da legalidade no que respeita à posição remuneratória do Demandante, sempre teria que respeitar os condicionalismos para a prática de atos de anulação de atos administrativos.

De facto, “(…) o legislador ainda não avançou com a consagração expressa de um dever legal de anulação de atos ilegais. De facto, a utilização do verbo “poder” nos números 1 a 5 do artigo 168.º do CPA não deixa grandes dúvidas de que, pelo menos à luz da lei, e independentemente do entendimento da doutrina a este respeito, a Administração não está legalmente obrigada a anular um acto administrativo, mesmo depois de verificar que o mesmo enferma de ilegalidade.”[1].

Pelo que, importa, apenas e tão só, analisar o regime jurídico da anulação administrativa dos atos administrativos de processamento de vencimentos do Demandado, e os pressupostos da inerente imposição da reposição dos valores recebidos indevidamente.

Conforme resulta dos factos supra provados - cfr. factos 7.; 8. e 9. -, em 30.08.2016, foi praticado o ato administrativo de anulação dos atos de processamento de vencimento do docente A… praticados entre 22/01/2014 e 31/12/2015, bem como foi determinada a imposição da reposição das quantias indevidamente auferidas no período supra indicado.

Assente que se encontra, sem qualquer dissídio, que foi corrigida a posição remuneratória do Demandante, porquanto a legalidade da alteração não foi questionada pelo Demandante nos presentes autos, cumpre, agora, verificar quais os pressupostos e efeitos jurídicos da aludida anulação administrativa, designadamente do direito do Demandado à reposição das quantias indevidamente pagas.

Vejamos:

Alegou o Demandante que, no que respeita reposição de valores recebidos, durante o período de 22.01.2014 a 31.12.2015, o ato administrativo objeto da ação viola os princípios da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade e os princípios da justiça e da razoabilidade, referindo, ainda, que o ato administrativo produz efeitos desde a data em que é praticado, nos termos do artigo 155.º do Novo Código de Procedimento Administrativo.

Sustenta, ainda, que a imposição de reposição dos valores indevidamente recebidos viola o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Diferentemente, sustenta o Demandado que a prática do ato de anulação e consequente imposição da restituição das quantias indevidamente liquidadas tem a sua sustentação nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 117.º da Lei 12/2008 e dos n.ºs 1 e 4 da alínea c) do artigo 168.º do CPA, nos termos do disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.

Diga-se, desde logo, que não se afigura que haja lugar à aplicação, por analogia, do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, onde se dispõe, a propósito do sistema fiscal, que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Com efeito, existindo normas jurídicas em matéria da prática de atos administrativos, normas jurídicas aplicáveis em matéria de revogação e anulação dos atos administrativos, e ainda, regras relativas ao regime de administração financeira do Estado, não poderá fazer-se uso da aplicação analógica do aludido preceito constitucional.

Vejamos, pois, os pressupostos de legalidade para a reposição dos valores indevidamente recebidos pelo Demandado durante o período de 22.01.2014 a 31.12.2015.

Sobre esta questão em particular, tem sido abundantemente discutida a aplicação do Regime de Administração Financeira do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, às quantias indevidamente pagas pela contrapartida do trabalho, na tentativa de conciliar o interesse público inerente à recuperação de verbas indevidamente despendidas com o direito fundamental à retribuição do trabalho, à luz dos princípios da juridicidade administrativa, da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa-fé.

Importa determinar, in casu, qual o prazo após o qual se pode confiar na estabilização dos atos de processamento de remunerações, e quais os limites a que deve obedecer a imposição da reposição de verbas indevidamente recebidas, através de compensação com créditos remuneratórios.

Em primeiro lugar, pese embora seja controversa na jurisprudência a qualificação de cada ato isolado de processamento, liquidação e pagamento de remunerações, como um autónomo ato administrativo constitutivo de direitos, damos aqui por assente que os atos de processamento de salários são atos administrativos, e nessa conformidade, são administrativos constitutivos de direitos, porquanto é neste momento que se dão por verificados e reunidos os pressupostos para que ao trabalhador seja devido um certo montante retributivo.

Adere-se, assim, à corrente jurisprudencial maioritária vai no sentido de assumir que: “Cada ato de processamento de vencimentos constitui, em princípio, um verdadeiro ato administrativo, e não uma simples operação material, já que, como ato jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objeto de oportuna impugnação ou revogação[2].

E adere-se ao entendimento de que o ato de processamento de remunerações é, em sentido amplo, como o conjunto de atos e operações tendentes à liquidação e ao pagamento de qualquer tipo de prestação pecuniária devida como contrapartida da prestação de trabalho, incluindo a remuneração base, os suplementos remuneratórios, prémios de desempenho, subsídios de refeição e transporte, ajudas de custo e demais abonos[3].

Ora, os atos administrativos que estão na base dos procedimentos de reposição de dinheiros públicos encontram, relativamente à sua anulação, regulamentação expressa no artigo 168.º, nº 4, alínea c), do novo Código do Procedimento Administrativo, norma que mantém inalterado o prazo prescricional de cinco anos consignado no artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de julho, uma vez que permite a anulação administrativa dos mesmos atos por igual período.

Conforme se tem pronunciado a jurisprudência, ainda na vigência do Código de Procedimento Administrativo, anterior ao Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de janeiro: “O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa, introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro”[4].

Com efeito, a redação do n.º 3 do artigo 40.º do Regime de Administração Financeira do Estado introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, estabelece que “O disposto no nº 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de novembro”.

A este n.º 3 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”, tratando-se, pois, de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.

Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta – nos termos do artigo 13º, n.º 1 do Código Civil -, o que significa que a interpretação autêntica “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada”[5].

Assim, o despacho que ordena a reposição de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, não viola os princípios da não retroatividade dos atos administrativos, sendo legítima a anulação dos atos administrativos para além do prazo de um ano desde a respetiva prática.

Com o novo Código de Procedimento Administrativo, para além da distinção clara entre revogação e anulação administrativas, foram repensados e densificados os condicionalismos da anulação administrativa e identificadas as circunstâncias em que à Administração é concedido o poder de anular atos constitutivos de direitos no prazo mais longo de cinco anos.

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de janeiro, que introduziu profundas alterações ao regime de revogação e anulação dos atos administrativos do Código de Procedimento Administrativo, ao dispor que: “Salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias: c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente pagas”.

Sobre o que se vem de dizer, não devem soçobrar quaisquer dúvidas, face à mais recente alteração do n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-lei n.º 155/92 de 28 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 85/2016 de 21 de dezembro, cujo preâmbulo esclarece: “Pretende -se com o presente decreto-lei, que constitui a oitava alteração ao referido regime, aditar e modificar disposições várias, nomeadamente relativas às restituições ou reembolsos de importâncias de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação e às regras de reposição de dinheiros públicos, como as formas de reposição, a reposição em prestações, a prescrição, entre outras”.

Assim, o novo n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-lei n.º 155/92 de 28 de julho, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 85/2016 de 21 de dezembro, veio dispor que “Os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro” – destaque nosso.

Transpondo para atual redação os efeitos jurídicos decorrentes da interpretação autêntica constante do disposto no atual n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-lei n.º 155/92 de 28 de julho, designadamente a sua aplicação retroativa, não restam dúvidas que a alínea c) do artigo 168.º do novo Código de Procedimento Administrativo é inteiramente aplicável aos atos administrativos que dão lugar ao dever de restituição de quantias recebidas indevidamente, podendo os mesmos ser anulados para além do prazo de um ano.

No caso em apreço, tendo sido abonada remuneração indevida ao Demandante, devido a lapso ou erro dos serviços, não pode o Demandante tirar proveito ou beneficiar desse mesmo erro, uma vez que a legalidade foi reposta por meio do ato de anulação administrativa, tendo lugar a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, e bem assim, a alínea c) do artigo 168.º do novo Código de Procedimento Administrativo, sendo lícito à Administração exigir a reposição das quantias que foram indevidamente pagas ao Demandante.

Em face do desfecho da lide que se vem de anunciar, julga-se a ação totalmente improcedente, sendo as custas suportadas de acordo com o Regulamento de Arbitragem Administrativa, fixando-se o valor dos encargos de arbitragem de acordo com a Tabela do CAAD.

 

IX.          V. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente ação, e em consequência, condenam-se as partes no pagamento das custas da ação, de acordo com o Regulamento de Arbitragem Administrativa, fixando-se o valor dos encargos de arbitragem de acordo com a Tabela do CAAD.

Lisboa, 25.01.2017

O Árbitro,

 

Diogo Pereira da Costa

 

 



[1] Neste sentido, Marco Caldeira, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código do Procedimento Administrativo de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO (coord.), Editora AAFDL, pág. 641 e seguintes.

[2] Vide Acórdão do Pleno da Secção do STA, de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2009, de 5.06.2008, no processo n.º 01212/06.

[3] Vide Veiga e Moura, Paulo, Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º Vol., 2.ª Ed., Coimbra, 2001, p. 390, nota 1015.

[4] Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17.03.2010 no processo n.º 0413/09, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-04-2012 no âmbito processo n.º 03106/07, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 05-06-2014 no processo n.º 06302/10, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[5] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª Edição, anotação ao artigo 13.º.