Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 62/2016-A
Data da decisão: 2017-06-19  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 7.509,13
Tema: Compensação pela caducidade dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo
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DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

A…, Demandante, identificada nos Autos, instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem (CAAD) a presente ação contra o B… (B…), pessoa coletiva de direito público, devidamente identificada nos Autos, e a C… (C…) do citado instituto, demandados e deduziu os seguintes pedidos:

i) ser reconhecido o seu direito à compensação pela caducidade dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo celebrados entre Demandante e Demandado, contabilizados desde 1 de Outubro de 2008 a 30 de Agosto de 2015; e, em consequência,

ii) ser os Demandados condenados a pagar-lhe a quantia de € 7.220,32 referente ao período em que os Demandados não pagaram a referida compensação, acrescidos dos juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor.

Os Demandados, em resposta conjunta, vieram defender-se, por exceção, invocando a incompetência “absoluta” do presente Tribunal Arbitral e a caducidade do direito de ação, e por impugnação, alegando, em síntese, a improcedência da ação e em consequência, a sua absolvição do pedido.

A Demandante, notificada da contestação apresentada pelos Demandados, respondeu às exceções pugnando pela sua improcedência.

 Depois do Tribunal Arbitral constituído, as partes foram notificadas da intenção do tribunal de decidir o processo com base na prova documental junta, de renunciar à audiência ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 18.º e do artigo 24.º, do Regulamento do CAAD, remetendo-se a fase de saneamento para a fase final do julgamento, consubstanciada esta numa decisão única e final, nos termos do n.º 4 do artigo 18.º do citado Regulamento.

A Co-Demandada (C…) veio, em resposta, solicitar a audição de testemunhas por si arroladas, nomeadamente a “Secretária da escola, Coordenador da Unidade Técnico-Científica (…) e o Presidente do Conselho Técnico-Científico”, pois “revela-se fulcral para a defesa da demandada no que respeita à contraprova do alegado no artigo 5.º da PI e prova do alegado nos artigos 11.º a 17.º da contestação”. Ademais, a Demandante “alegou no artigo 5. da PI, sem que o documentasse, que durante o mesmo realizou trabalho docente não letivo aí descrito, o qual foi objeto de contestação por parte da demandada, nomeadamente, nos artigos 11.º a 17.º da contestação”. Referiu ainda que, “Trata-se de matéria controvertida, não documentada, relevante para a decisão da causa, nomeadamente para o cômputo do valor da compensação por caducidade, caso se entenda que de facto assiste à demandante direito à mesma.” Acrescenta ainda que “Mais se revela preponderante para a sua defesa a audição das referidas testemunhas, à matéria, nomeadamente, dos artigos 19.º in fine; 25.º, 28.º, 30.º, 33.º, 34.º, 37.º e 43.º da contestação, também ela não documentada nos autos, subjacente ao facto de a escola se ter visto confrontada com a impossibilidade de manter o vínculo a tempo integral, por facto imputável à demandante (…) Facto este que determinou a alteração para o regime máximo a tempo parcial legalmente permitido impedindo a passagem da mesma para o regime de contratação como Professora Adjunta Convidada tal como os demais docentes em igualdade de situação com a demandante que concluíram oportunamente os seus doutoramentos; os quais passaram então a integrar a carreira em regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado em tempo integral.

Todavia, entende-se que é os factos sobre os quais atuariam a prova testemunhal supramencionada, e indicada pela Co-Demandada, não são relevantes para a decisão da causa, como se demonstrará, pelo que, nos termos do artigo 18.º, n.º 3 e de acordo com o princípio da livre apreciação de prova e da autonomia do tribunal na condução do processo, consagrados no artigo 26.º, e artigo 23.º, n.º 3, todos do Regulamento do CAAD, dispensa-se qualquer audição de prova testemunhal.

 II. Saneamento

A) Incompetência “absoluta” do tribunal arbitral

O Co-Demandado invocou, na sua defesa a exceção dilatória da incompetência material deste Tribunal Arbitral para decidir o presente litígio, com fundamento em que “a cláusula décima do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a C…” consagra a disposição “Para a resolução de quaisquer litígios emergentes da execução, interpretação ou execução do presente contrato, é competente o Tribunal Administrativo, com renúncia a qualquer outro”.

Com efeito, verifica-se que foi assinada, em 2015, um contrato, em 28 de setembro de 2015, com uma cláusula (a Décima Primeira) atribuindo competência judicial administrativa referente à “resolução de quaisquer litígios emergentes da execução, interpretação ou resolução do presente contato (…) com renúncia a qualquer outro”, como é invocado pelo Co-Demandado.

Todavia, o Co-Demandado aprovou, em 2011, um Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios, através do despacho n.º 62/2011, aplicável a todo o B… e, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º, “aplica -se a qualquer litígio emergente de relações reguladas pelo ECPDESP, inclusive as relativas à formação e execução dos contratos quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” e “casos em que existem contra-interessados” (n.º 2). O citado regulamento encontra-se ainda em vigor e tem natureza regulamentar, ou seja, geral, abstrata e vinculativa.

Considerando que a cláusula contratual foi subscrita em 28 de setembro de 2015, posteriormente à entrada em vigor do citado regulamento, dia 5 de julho de 2011,

É certo que nos termos do artigo 95.º da Lei da Arbitragem Voluntária, consagra n.º 3 que: “A competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei”, exceto quando estão em conflito, que é o caso. O sobredito regulamento, aprovado pelos órgãos competentes do B…, não exceciona estes casos e vigora desde 2011, pelo que qualquer cláusula que revogue a norma de um regulamento deve ter a mesma natureza. Ou seja, neste caso, norma regulamentar. Além do mais, é admissível má-fé na feitura da cláusula, quando a entidade empregadora pública sabe que está sujeita à resolução alternativa de litígios por si configurada e, ainda apara mais, quando o anterior contrato de trabalho subscrito pela entidade empregadora não continha norma igual.

Face ao exposto, considera-se que não assiste razão aos Demandados. Nestes termos, julga-se improcedente por não verificada a exceção aduzida da incompetência material deste Tribunal, pelo que o presente tribunal arbitral é competente em razão da matéria.

B) Legitimidade passiva das partes

Os Demandados vêm arguir a legitimidade passiva exclusiva da C… (C…) e consequente ilegitimidade do B…, referindo que a C… tem capacidade judiciária para demandar e ser demandada em Juízo, nos termos estatutários próprios, “conforme alínea a), n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos B…/C… (homologado pelo Despacho n.º 15275/2014, publicado a 16 de dezembro de 2014, em DR, 2.ª série, n.º 242)” (artigo 9.º, c. B…), pedindo assim que o B… seja “absolvido da instância, por se verificar a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, nos termos e para efeitos da al. e) do artigo 577.º do CPC, aplicáveis, ex vi artigo 1.º do CPTA” (artigo 10.º, c. B…).

Nesta matéria há que recorrer ao artigo 10.º, n.º 2, do CPTA, que estabeleceu um novo critério de determinação da entidade pública demandada, porquanto nas ações administrativas cujo objeto são atos ou omissões de uma entidade pública, o réu deixou de ser o órgão autor do ato recorrido (como, aliás, ocorria no anterior processo de recurso contencioso, por exemplo) e passou a ser a pessoa coletiva de direito público ou o ministério (quando esteja em causa a pessoa coletiva Estado), em nome do direito de acesso à justiça administrativa e da respetiva adequação ao recém princípio da livre cumulação de pedidos (4.º CPTA).

Neste caso, a pessoa coletiva de direito público é o instituto politécnico, nos termos do artigo 9.º, ex vi artigo 5.º, n.-º 1, alínea b), do RJIES (aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro), pelo que se entende que a presença do B…, como parte processual, no âmbito da legitimidade passiva não é só legítima, como é devida.

Entende-se assim que não colhe a exceção invocada pelo Co- Demandado, pelo que se julga improcedente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

III. Factos provados

Com relevância para a apreciação do pedido neste litígio estão assentes os factos alegados na petição inicial, e contidos concretamente nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º a 17.º, por falta de oposição pelos Demandados.

Repetindo aqui apenas o essencial, está provado que:

a) A Demandante exerceu funções docentes no C…, tendo celebrado vários contratos típicos no mundo académico ou politécnico, desde o contrato administrativo de provimento ao contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 7.º, 8.º e 9.º

b) A Demandante ainda exerce funções de docência na C…, através de contrato de trabalho em funções públicas

c) Faz-se fé igualmente em todos os factos relativos às partes quanto aos termos formais do processo, designadamente citações e notificações.

IV. Aplicação do direito

A) Introdução

A questão essencial a decidir neste processo é saber se a Demandante possui o direito ao pagamento de uma compensação pela caducidade dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo celebrados com a C… (C…) do B… (B…), entre 2008 e 2015.

Está provado nos autos, pela prova documental e por acordo das partes, que a Demandante celebrou com a Demandada contratos de trabalho em funções públicas a termo certo resolutivo, para exercer funções docentes na sobredita escola, e que a Demandante encontra-se ligada em termos profissionais à Co-Demandada ininterruptamente desde 1 de outubro de 2008, independente do número e modalidade contratuais.

Considera-se igualmente que a Demandante se encontra ainda ao serviço da referida instituição de ensino superior, na falta de indicação em contrário pelas partes.

A Demandante sustenta que tem direito à compensação pela caducidade dos contratos de trabalho celebrados com a Co-Demandada, desde 1 de outubro de 2008, considerando que o contrato de trabalho em funções públicas, que produz efeitos entre 1 de outubro de 2015 e 30 de setembro de 2016, caducou. Logo, no seu entender, “é devida uma compensação nos termos do artigo 293.º, n.º 3, da LGTFP” (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação atual) (ponto 18, p.i.).

Defende ainda a Demandante que “o vínculo de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo vigente ao momento da cessação por caducidade, era o resultado de um conjunto sucessivo de renovações (e prorrogações) contratuais que configuraram um vínculo único e ininterrupto” (ponto 13, p.i.)

Os Demandados entendem que não assiste razão à Demandante, e alegam que “o contrato e vínculo inicialmente celebrado com a Demandante jamais cessou, mantendo-se em vigor até à presente data, pese embora sob o regime de tempo parcial de 59%, por imperativo legal” (artigo 22.º, da c.), nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º-A, da Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto.

Assinala ainda que, em face do fim do período transitório de 6 anos (31.08.2015) previsto no artigo 6.º, n.º 2, do referido diploma, e querendo manter o vínculo com a Demandante, não restava outra alternativa aos Demandados senão recorrer “ao único mecanismo legal possível para a manutenção da sua contratação consubstanciado no artigo 12.º-A do ECPDESP, ou seja, contratando-a em regime de CTFP a termo resolutivo certo como Assistente Convidada em regime de tempo parcial de 59%, por contrato celebrado em 28.09.2015, ainda antes de terminado o contrato então em curso, pelo período de um ano, de 01.10.2015 a 30.09.2016, o qual foi entretanto recentemente renovado por mais um ano” (artigo 26.º, da c.).

A fim de dirimir as duas posições contraditórias, importa analisar a questão essencial que é a de saber se há cessação contratual em 30 de setembro de 2015 e, assim, obrigação de pagamento a compensação por caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a Demandante e a Co-Demandada.

B) Análise

Enquadramento

A Demandante e a Co-Demandada celebraram diversos compromissos contratuais desde 1 de outubro de 2008, a saber:

- Contrato administrativo de provimento: de 1 de Outubro de 2008 a 31 de setembro de 2009, qualidade jurídica de “agente administrativo” (dedicação exclusiva, tempo parcial: 50%);

- Conversão contratual ope legis, dia 1 de janeiro de 2009, abrangendo o período até 31 de setembro de 2009 (dedicação exclusiva, tempo integral: 100%);

- De 1 de outubro de 2009 a 30 de setembro de 2015, contrato de trabalho em funções pública a termo certo (regime de exclusividade, tempo integral); período o qual,

- De 1 de outubro a 2011 a 30 de setembro de 2015, equiparação a bolseiro autorizada pela Co-Demandada, por efeito de uma bolsa de doutoramento FCT (tempo integral, sem remuneração);

- De 1 de Outubro de 2015 a 30 de setembro de 2016, contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, regime de tempo parcial: 59%, na qualidade de assistente convidado.

- Renovação do último contrato até 2017.

Uma conclusão imediata e clara desta linha de sucessão de vínculos e contratos parece ser pacífica ou evidente: a sucessiva e contínua vinculatividade da Demandante ao serviço da Co-Demandada.

Entende-se que esta questão é importante para a direção e fundamentação da decisão final deste processo, mas essencial é saber se assiste à demandante direito de compensação por caducidade do contrato de trabalho neste âmbito e na sua situação específica, sobretudo quando não há uma norma explícita e clara que preveja a situação concreta em apreço.

No que respeita à questão da cessação do vínculo da Demandante à Co-Demandada, em 30 de setembro de 2015, a resposta é, como acima está demonstrada, claramente negativa. O ponto é saber se a cessação do contrato que terminou os seus efeitos em 2015 é passível de reivindicação de compensação.

Entende-se que se verificou cessação do contrato de trabalho em funções públicas a termo certo do contrato que terminava no dia 30 de setembro de 2015, aliás dada como provado documentalmente por carta do Senhor Presidente da C…, datada de dia 19 de junho de 2015, junta ao processo.

Questão diferente é saber se a Demandante tem direito à compensação por efeito desta extinção de efeitos, compreendendo o período entre 1 de outubro de 2008 e 30 de setembro de 2015.

A questão do direito de compensação por efeito da caducidade de contratos de trabalho a termo certo, à luz da redação original do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP (aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/9), não é pacífica, há que o admitir. De tal modo, que sobre o assunto, já foi emitida decisão de uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão n.º 3/2015, publicado no Diário da República n.º 98/2015, Série I, de 21 de maio.

Concretamente, a redação do artigo 252.º do RCTFP, à data vigente anterior a setembro de 2014, da entrada em vigor da LGTFP, que estabelecia, nos seus n.º 1 e 2, que o contrato de trabalho a termo certo caduca no fim do prazo estipulado se não for comunicada a vontade de renovação - que, no caso do trabalhador, se presumia - essa versão do artigo dispunha, no seu n.º 3, o seguinte:

“3 - A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, prospectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses.”

Revogado o RCTFP, o regime manteve-se inalterado, passando agora a aplicar-se o artigo 293.º, da LGTFP, cujo n.º 3 estipula que: “Exceto quando decorra da vontade do trabalhador, a caducidade do contrato a termo certo confere ao trabalhador o direito a uma compensação, calculada nos termos previstos no Código do Trabalho para os contratos a termo certo.”

A existência do direito à compensação por força da caducidade do contrato de trabalho a termo certo é assim muito clara, a questão é saber em que termos se aplica ao setor público, particularmente quando o trabalhador visado mantem-se vinculado contratualmente à instituição, após cessação contratual, mas sem interrupção vinculativa ainda que em condições diferentes.

Em concreto, o pagamento desta “compensação” visa, como o próprio nome indica, compensar o trabalhador pela precariedade do vínculo extinto, além de que existe para desincentivar a entidade empregadora a contratar por tempo determinado, a alternativa não precária. Ora, na verdade, nenhuma das razões da compensação se aplica ao presente caso: primeiro, porque não há regime de vinculação descontínuo entre a Demandante e a Co-Demandada, ao qual acresce o princípio da continuidade de vinculação jurídica (cujo artigo 11.º, da LGTFP é suscetível de aplicação analógica); segundo, porque a precariedade do vínculo não é determinável pela entidade empregadora, pois tal é uma imposição legal, por força da falta de qualificações académicas, imputável ao próprio trabalhador.

Aliás, em alinhamento com o parecer governamentalmente homologado da autoria da Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência (SG-MEC), entende-se que “o legislador do ECPDESP terá pretendido estabelecer um regime específico de contratação a termo aplicável aos respetivos docentes um regime geral, designadamente no que concerne aos prazos de duração dos contratos e respetivas renovações, bem como no que respeita aos pressupostos da sua celebração e à obrigatoriedade de utilização desta tipologia contratual na contratação dos docentes convidados, dos assistentes convidados e, ainda dos docentes abrangidos pelo regime transitório instituído pelo Decreto-Lei n.º 207/2009, alterado pela Lei n.º 7/2010” (p. 7).

Tal deve ser conjugado com a situação em concreto, na qual se verifica uma situação contínua jurídica e ininterrupta de vinculação pública, independente da “modalidade de vínculo de emprego público”. Não deixa de haver uma continuidade na ligação profissional entre a Demandante e a Co-Demandada entre 2008 até hoje e, mais concretamente, quando ambas as partes demonstram vontade de estarem vinculadas, recorrendo a Co-Demandada à situação de contratar a demandada como assistente convidada, e nos termos do sobredito artigo 12.º-A, como única alternativa para manter o vínculo profissional, em parte por efeito de não preenchimento por parte da Demandada das condições que permitiriam contratá-la numa solução de tempo indeterminado, ou no sentido desta.

Aliás, o artigo 293º da LGTFP deve ser conciliado com o fundamento que sustenta a cessação do contrato de trabalho, pois uma indemnização deste tipo não se poderá exigir da entidade pública sempre que à mesma não seja imputável a vontade de não renovar. Se é certo que o normativo em causa parece querer acautelar a precariedade não menos certo será que a sua oponibilidade à Administração, quando esta tudo fez para manter o vínculo possível com o trabalhador, neste caso, a Demandante.

A contratação a termo de docentes do ensino superior politécnico, nos regimes de tempo integral ou parcial, ou dedicação exclusiva, é possibilitada pelo regime transitório dos docentes, nos termos do Estatuto da Carreira de Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), na redação atual, mais precisamente pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação atual.

Este diploma prevê um regime transitório de contratação de assistentes equiparados (neste caso, é o que está em causa), aqueles que não tinham ainda obtido grau de Doutor ou título de Especialista, tendo estes um prazo-limite legal de 6 anos para o atingir (artigo 6.º).

O contrato de trabalho em funções públicas a termo certo é o instrumento legal único em relação àqueles que estavam integrados na carreira académica, antes das alterações por efeito da entrada em vigor do RJIES (Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro), e que, não tendo o título académico exigível, estavam nesta situação transitória específica (ver, artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207/2009).

Neste estádio de vinculação jurídica, a bem ver, a contratação a termo certo, em rigor, não configura verdadeira “liberdade contratual”, nem quanto às cláusulas contratuais, aplica-se, antes, por imposição legal, nos termos precisamente do supracitado regime jurídico aplicável aos institutos politécnicos.

Além do mais, a Demandada aceitou celebrar novo contrato de trabalho em funções públicas a termo certo, ainda que condições remuneratórias inferiores em relação ao último contrato, não em relação ao primeiro celebrado, o que preclude a natureza indemnizatória da compensação por caducidade do contrato, que visa, precisamente, compensar a ausência de contrato (não renovação ou não continuidade de qualquer vínculo), e assim de ligação profissional e efetiva à entidade empregadora, e que de certo modo é subsumível no primeiro inciso do n.º 3 do artigo 293.º, da LGTFP, quando suprime o direito à compensação “(…) quando decorra da vontade do trabalhador”.

Ora, na verdade, o vínculo funcional ou profissional entre a C… e a Demandante é ininterrupto, como acima se demonstrou, apesar de ter revestido várias modalidades, mas todas elas obrigatórias ou únicas por lei.

Ora, este entendimento tem acolhimento na recente jurisprudência, em nosso entender, tanto na administrativa, quanto na constitucional.

Com efeito, no referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2015, fixou-se jurisprudência no sentido em que “No domínio da redação inicial do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/9, a caducidade do contrato de trabalho a termo certo cuja renovação fosse já legalmente impossível não conferia ao trabalhador o direito à compensação mencionada nessa norma”. Mais aplicável, quando a norma foi trasladada para o atual n.º 3 do artigo 293.º, da LGTFP.

Quanto à jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida no Acórdão n.º 421/14, e, invocada, e bem, pela Demandante, importa assinalar que, nesta decisão, estava em causa a “conformidade constitucional da norma do artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, quando interpretada no sentido de que a atribuição da compensação nela prevista depende da frustração da expectativa do trabalhador, entendendo -se esta afastada quando seja celebrado novo contrato autónomo, mesmo quando o empregador público não tenha comunicado ao trabalhador a vontade de não renovar”.

Ou seja, está em causa a interpretação desta norma que tinha sido interpretada, no tribunal a quo de forma a que “não há lugar à atribuição da compensação nela prevista nos casos em que, verificada a caducidade do contrato decorrente da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar, o trabalhador tenha celebrado, num curto período de tempo posterior à caducidade, com a mesma entidade empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato.”

Por outras palavras, a “decisão recorrida entendeu que a compensação pela não renovação do primeiro contrato, prevista no artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, tem em vista «compensar o trabalhador pela frustração da expectativa em ver o contrato renovado». Assim, e uma vez que a recorrente havia celebrado, 28 dias após a cessação do primeiro contrato, um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora pública em condições de vigência não menos favoráveis que o anterior, entendeu a decisão recorrida que, em tal situação, não haveria lugar à referida compensação”.

Como se verifica, as situações não são exatamente as mesmas: na situação do Acórdão a trabalhadora teve cerca de um mês sem vínculo e era legalmente possível a renovação, ao passo que a situação sub judice é precisamente o contrário: não houve qualquer hiato ou interrupção da ligação profissional da trabalhadora à entidade empregadora pública e esta não teve alternativa em face da impossibilidade – legal - de renovar o contrato à Demandante ou de celebrar contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Porém, em face da decisão recorrida, o Acórdão do TC acaba por fornecer luz sob a devida interpretação constitucional projetada para o direito à compensação por caducidade do contrato de trabalho quando afirma que:

- “Assim, o critério normativo aplicado pelo tribunal a quo fez depender a não atribuição dessa compensação de dois fatores objetiváveis: o decurso do tempo após a cessação do contrato anterior e as condições de vigência do novo contrato (não menos favoráveis que as do contrato anterior). Ou seja, teve como relevante para a atribuição da compensação, quer o tempo em que o trabalhador ficou sem trabalhar após a cessação do contrato de trabalho anterior, bem como as condições de vigência em que foi celebrado o novo contrato. Poderá concordar -se ou não com esta interpretação normativa e com o critério que lhe está subjacente. No entanto, não se poderá afirmar que tal critério se mostre de tal forma desrazoável ou arbitrário ou que a distinção estabelecida entre quem, depois de ter cessado o contrato não veio a ser contratado e quem, após decorrido um período curto período de tempo vem a celebrar novo contrato de trabalho, se revele destituída de fundamento, de modo a que se possa considerar violadora do parâmetro constitucional da igualdade.”

- “Com efeito, a celebração de um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora pública, em condições de vigência não menos favoráveis que o anterior, decorrido um curto período de tempo após a cessação desse contrato anterior, constituem elementos objetivos no sentido de concluir que a situação de precariedade que justificaria a atribuição de compensação se mostrou superada em circunstâncias que poderão ter -se como justificativas da sua não atribuição.”;

- “Assim, havendo um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, está em causa, quando o mesmo não seja renovado nos casos em que a renovação é possível [sublinhado nosso], uma tutela do trabalhador apenas de caráter compensatório.”

- “Se é certo que não se pode deixar de entender, conforme referido, que o âmbito de proteção do direito à segurança no emprego não se esgota na proibição do despedimento sem justa causa ou por motivos políticos e ideológicos, abrangendo também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho, mesmo no âmbito da  relação jurídica de emprego público, a verdade é que não se vislumbra (nem a Recorrente o indica), em que medida a interpretação normativa sindicada se mostra lesiva da aludida garantia [constitucional da segurança no emprego]”;

- “A atribuição de uma compensação monetária ao trabalhador que não viu renovado o contrato a termo, por opção da entidade pública empregadora, resulta na consagração de um direito a uma indemnização por ato lícito, não se podendo incluir esta medida no conjunto de instrumentos legais necessários a assegurar o direito à segurança no emprego”;

- “Daí que, da interpretação seguida pela decisão recorrida não advém uma maior precariedade da relação de trabalho do que aquela que resulta da própria natureza do vínculo e cujos efeitos a compensação em questão apenas visa atenuar. Conclui -se, assim, que a interpretação sindicada não viola o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição.”

Ou seja, o Tribunal Constitucional entendeu que a negação do direito à compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo não violaria princípios constitucionais essenciais e subjacentes a esta matéria legal, mesmo quando o trabalhador está cerca de um mês sem receber remuneração e quando a sua renovação era possível.

Concluindo, para ser claro, sob a interpretação que se dá ao artigo 293.º, n.º 3, da LGTFP,  entende-se que  não há lugar à atribuição da compensação nela prevista quando, (i) verificada a cessação do contrato de trabalho (ii) sem alternativa pela entidade empregadora pública, por imposição legal, de renovação ou contratação por tempo indeterminado, (iii) não imputável àquela, portanto (embora o caso em apreço consubstancie situação provocada parcialmente pelo trabalhador - por não ter adquirido ainda título académico devido, sobretudo quando usufruiu de uma bolsa de doutoramento para o efeito sem atividade letiva atribuída), (iv) e quando continua o vínculo de emprego público de forma ininterrupta (v) na mesma modalidade de contrato de trabalho, (vi) entre as mesmas partes contratantes, ainda que em condições remuneratórias menos favoráveis.

Apesar da situação do presente Tribunal Arbitral não ser unívoca no plano da interpretação, considera-se que deve existir prevalência da lógica “indemnizatória” do direito de compensação, nascida para compensar a frustração ou impossibilidade de não renovação, assim como da “continuidade” do vínculo profissional, em ordem à garantia do emprego público, que no caso até foi ininterrupto (ao contrário do objeto do caso decidido pelo Tribunal Constitucional), além de que verifica-se existir impossibilidade legal de instrumento contratual alternativo ou livre decisão por parte da entidade empregadora pública. Considera-se igualmente relevante a posição desta na vontade inequívoca, contratualmente vertida, de fazer os “máximos legais” para que a docente continue a exercer funções públicas, ainda que, por efeito da lei, tal exija diminuição, não de todas as condições gerais ou específicas contratuais, mas confinada grosso modo ao âmbito remuneratório.

V. Decisão

Em face do exposto, o tribunal decide:

- Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Demandante quanto à compensação pela caducidade dos contratos celebrados entre 1 de Outubro de 2008 a 30 de setembro de 2015;

- Fixa-se o valor do processo em € 7.509,13 (sete mil, quinhentos e nove euros e treze cêntimos), considerando não ter havido oposição pelos Demandados e por aplicação do n.º 1 e 8 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD.

Notifique-se,

Lisboa, 19 de junho de 2017.

O Árbitro,

 

Nuno Cunha Rolo